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Povoado Cedro tem homenagem na rádio comunitária Mapari FM

O programa teve a participação especial do poeta Paulo Furtado, interpretando uma das mais belas crônicas do escritor Humberto de Campos, intitulada “Macacoeira”

Uma longa viagem pelas memórias e estórias contadas por moradores de várias gerações do povoado Cedro, localizado no município de Humberto de Campos, emocionou os ouvintes da rádio comunitária Mapari FM, no último sábado (17 de julho).

Ao longo do programa Mapari em Debate, apresentado pela professora Laury e Erick Viegas, com produção de Fernando Cesar Moraes, a emissora veiculou vários depoimentos de humbertuenses que falaram sobre as suas memórias da infância e da juventude, bem como das atualidades do Cedro.

Ouça o programa completo abaixo:

Programa Mapari em Debate finalizou com a
crônica Macacoeira. Ouça no tempo 1:29:12 no audio

Os relatos mencionaram personagens antigas do povoado, algumas já falecidas, outras ainda vivas, relacionadas aos “velhos tempos”, quando aquelas terras eram acessadas apenas por embarcações.

Hoje em dia chega-se ao Cedro com facilidade em qualquer tipo de veículo.

No passado, quando não havia estrada, os cedrenses aventuravam-se nas lanchas que saíam de São José de Ribamar para os municípios de Humberto de Campos e Primeira Cruz, em viagens longas, atravessando três perigosas baías, com duração de até 10 horas cada viagem.

Através da rádio Mapari FM muitas histórias e memórias conectaram os ouvintes e os participantes através do tempo com as lembranças de fatos históricos vivenciados nas dunas, lagoas e em toda a biodiversidade do Cedro.

O encerramento do programa teve a participação especial do poeta Paulo Furtado, interpretando uma das mais belas crônicas do escritor Humberto de Campos, intitulada “Macacoeira”.

O município que leva o nome do escritor tem várias peculiaridades. Está localizado na região Lençóis-Munim e o seu território contém uma rica biodiversidade da Baía de Tubarão, território encaixado nos critérios de uma Reserva Extrativista de Desenvolvimento Sustentável.

Do ponto de vista histórico, Humberto de Campos e o vizinho município de Primeira Cruz, assim como Icatu, foram palco da disputa entre Portugal e França, no início do século XVII, quando as forças lusas comandadas por Jerônimo de Albuquerque e os franceses liderados Daniel de La Touche disputaram o controle do território brasileiro (veja abaixo).

Na Literatura, Humberto de Campos, a cidade, foi batizada em reverência ao seu mais ilustre escritor, autor de uma obra relevante.

Todo esse conjunto de qualidades precisa ser mais explorado pelos gestores da região, incentivando o turismo de lazer e cultural na perspectiva da economia criativa.

A rádio Mapari FM está fazendo um importante trabalho nesse sentido. Comunicação, cultura e educação precisam andar de mãos dadas e o programa Mapari em Debate já presta um relevante serviço à cidadania.

Imagem destacada / vista do porto de Humberto de Campos

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O novo colunismo social do Maranhão

por Ed Wilson Araújo, 02 de abril de 2021

Pouco tempo antes do estouro da pandemia covid19, em uma roda informal de conversa entre jornalistas e professores universitários, um atento observador da cena política local soltou esta frase emblemática: “quer saber como se movimentam os políticos do Maranhão(?), basta olhar as fotos no PH”.

A sentença foi dita no contexto das alianças e desavenças comuns à maioria dos partidos políticos turbinados pelo pragmatismo eleitoral, selando acordos e conchavos entre legendas supostamente divergentes.

O autor da “tese” remetia às páginas coloridas da maior expressão do colunismo social – Pergentino Holanda – cujas iniciais “PH” passaram a ser uma grife para designar “o poder” no Maranhão.

Embora aparentem intrigas nos palcos eleitorais, às vezes trocando acusações com adjetivos do futebol de várzea, as lideranças políticas tradicionais sempre aparecem sorridentes nos banquetes do PH, retratados nas páginas esparramadas em elogios mútuos traduzidos nas legendas das fotografias.

Os cientistas políticos deviam atentar para certos lances ainda presentes no caderno dominical mais glamuroso do jornal de José Sarney (O Estado do Maranhão), onde quase todos os gatos são pardos: políticos, empreiteiros, desembargadores, juízes, promotores, lobistas, socialites, profissionais liberais e negociantes em geral.

Para além disso, a coluna e o caderno especial do PH são recheados de textos literários valorosos e informações preciosas conectadas ao mundo real sobre os três poderes no Maranhão.

Já o povo, movido pelas paixões, nem sempre capta que as supostas disputas ferrenhas travadas no palco eleitoral dizem quase nada sobre divergências de fundo entre as elites que dominam os cofres no Maranhão em um frenético modelo clientelista desde os tempos de Benedito Leite.

Mas, algumas coisas mudam e outras desaparecem. O colunismo social, no formato impresso, está prestes a entrar para o obituário da comunicação. As versões digitais dos jornais não cumprem a mesma função mercadológica, política e estética do produto impresso para efeito do glamour.

Os famosos, nome novo para designar socialites ou emergentes, têm a sua própria coluna social (perfil) nas redes digitais. Um(a) influencer, sem derrubar um pé de eucalipto, vale mais que a tiragem de muitos jornais de papel somados.

Houve mudança não só na forma – do impresso para o digital – mas também no conteúdo e na visibilidade dos(as) atores(as).

Colunismo social era uma seção de jornal até então pertinente aos endinheirados e/ou vinculada aos círculos do poder formal. Com o advento das plataformas digitais, surgiram novas iniciativas com enfoques diferenciados remodelando o conceito de visibilidade na comunicação outrora associado apenas aos ricos.

No Maranhão cabe mencionar duas ações promissoras, não exatamente conexas à perspectiva de colunismo social como forma de glamourização do chamado poder oficial.

Refiro-me à ideia genérica de colunismo social para situar dois experimentos de Jornalismo fora da mídia de mercado, mas bem posicionadas no ambiente digital: o site Agenda Maranhão e a Agência Tambor.

Cada qual com a sua especificidade, eles põem para desfilar no palco do espaço público atores(as) sociais geralmente silenciados ou esquecidos no agendamento midiático.

Navegando no campo da comunicação alternativa, a Agência Tambor produz diariamente um jornal transmitido na web e protagonizado por fontes autorizadas geralmente excluídas dos critérios de noticiabilidade da maioria dos meios de comunicação.

Pelas redes sociais da Agência Tambor fluem a comunidade GLBTTI, quilombolas, quebradeiras de coco, indígenas, artistas e militantes dos movimentos sociais, gente das periferias, fazedores(as) de cultura, educadores(as), agitadores e agitadoras de muitas causas nobres, entre tantas outras personagens.

O “colunismo social” da mídia alternativa está materializado nos famosos cards que apresentam a fonte entrevistada do dia, fartamente distribuídos nas redes sociais. Quem não era visto nem lembrado nas grandes empresas de comunicação tem agora um tambor para tocar.

A panfletagem eletrônica dos cards da Agência Tambor, guardadas as devidas proporções, tem aproximações com um novo tipo de colunismo social, embora a força conceitual expressiva seja o Jornalismo.

Já no site Agenda Maranhão a personagem principal é o Centro Histórico de São Luís, dando visibilidade a um território da cidade com as suas personagens, arquitetura, fazeres e saberes. Trata-se de um site especializado em Jornalismo Cultural outrora marcante no impresso.

A cidade em revista nas fotos antigas da Agenda Maranhão

O teórico dos Estudos Culturais latino-americanos Martín-Barbero tem um ensinamento precioso sobre a relação entre a produção e o consumo de bens culturais que pode ser aplicado às duas experiências mencionadas: a fruição das audiências.

As entrevistas da Agência Tambor, feitas ao vivo, são posteriormente transformadas em podcast para ouvir a qualquer tempo, arquivadas em plataformas digitais. Esse sentido da memória está presente de outra forma no site Agenda Maranhão, em um percurso às vezes inverso, quando atualiza imagens antigas meticulosamente estudadas na perspectiva da História da Fotografia.

Assim são os arquivos. Servem para guardar e revelar, estando sempre vivos como pulsação de memória.

Os usos da tecnologia mobilizam sentidos e gerações distintas nas apropriações feitas por uma rádio web (Agência Tambor) e um site (Agenda Maranhão), este com expertise em imagens analógicas – fotos antigas – atualizadas no contemporâneo.

Através da memória, as publicações vão reconstituindo a cidade velha conectada às mudanças atuais do tecido urbano. Misto de Jornalismo e entretenimento, o site Agenda Maranhão conecta o seu público ao passado saudoso da São Luís que não existe mais, a não ser na lembrança atualizada pelas fotografias puxadas no tempo.

O Jornalismo Cultural do Agenda Maranhão abraça com sensibilidade as cenas da cidade: pessoas comuns, casarões, sobrados, ruas, becos, situações cotidianas, traços provincianos e universais do território Centro Histórico.

Pesquisa de imagens é um dos focos da Agenda Maranhão

Cada qual a seu modo, as duas experiências reúnem as suas audiências mobilizadas na prática cultural do consumo (Martín-Barbero). Na pegada política do tambor rufando a tônica é o conflito, sem perder a ternura das pautas afetivas. Agenda Maranhão, por sua vez, mexe com os sentidos do seu público envolvido nos detalhes preciosos das fotos garimpadas no passado.

Vale sempre lembrar aquela alegoria da fênix associada ao Jornalismo. Segundo a mitologia egípcia, era uma ave que durava muitos séculos e, queimada, renascia das próprias cinzas.

Como forma de conhecimento da realidade, o Jornalismo costura os acontecimentos na linha do tempo. O que é notícia hoje, amanhã é História; e os fatos históricos, atualizados, são notícias contemporâneas.

Agenda Maranhão e Agência Tambor são palcos eletrônicos onde as pessoas se encontram. Está em curso um novo tipo de glamour, protagonizado por gente pobre e cidade velha pautados por memória, História e política.

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Estariam “higienizando” o Centro Histórico de São Luís?

Ed Wilson Araújo

Em primeiro lugar, é preciso dizer: as obras do PAC Cidades Históricas melhoraram o visual deplorável da praça Deodoro e da rua Grande, da praça João Lisboa e do largo do Carmo. Objetivamente, são mudanças essenciais, necessárias e cobradas faz tempo.

No entanto, passíveis de observação e crítica no intuito de provocar reflexão sobre as alterações no espaço urbano, assunto de interesse coletivo.

A crítica incide sobre a forma e o conteúdo das intervenções, em sua maioria feitas sem a participação das pessoas direta ou indiretamente afetadas pelas obras: moradores, frequentadores, comerciantes etc.

Há pouco diálogo entre os executores das obras e a população. Tão grave quanto a verticalidade na execução dos projetos é a falta de informações sobre a utilização do dinheiro público nas construções.

Uma cidade sem participação e transparência, dois aspectos fundamentais da gestão púbica democrática, deixa muito a desejar.

Sem mediações, as obras são tocadas de cima para baixo, atropelando o direito do cidadão de opinar sobre as alterações nos territórios de uso comum.

Certas obras violam até os conceitos e marcas simbólicas da cidade, configurando uma renovação que apaga a memória e destitui a urbe das suas pulsações humanas constituídas pelos sedimentos da matéria política, histórica, econômica e cultural.

Tomamos como primeiro exemplo a gloriosa reforma do complexo das praças Deodoro-Pantheon. Ficou bonito, é lógico, mas ali não há qualquer vestígio de um marco histórico da cidade – a Greve da Meia Passagem.

Esferas de concreto na nova praça Deodoro

Se hoje os estudantes ainda usufruem daquela conquista de 1979, cujo palco principal foi a praça, a cidade perde uma referência histórica fundamental.

São tantas bolas de concreto e nenhuma placa sequer lembra o massacre contra os estudantes e a conquista da meia passagem com muita luta. É ou não uma forma de apagamento da memória da cidade?

Já na avenida Pedro II, a parte mais sofisticada do Centro Histórico, onde estão as sedes do Governo do Estado, da Prefeitura de São Luís, do Tribunal de Justiça e da Arquidiocese de São Luís, o animado Tambor de Crioula do Mestre Amaral foi execrado.

No local está inaugurada a praça em homenagem aos poetas, e o novo largo passa a ser um lugar primoroso para fotografar e usufruir do belo visual do rio Anil.

Mas, a retirada do tambor serve também para reflexão sobre o tipo de dispositivo cultural permitido e/ou deslocado no espaço urbano.

O abrigo da praça João Lisboa é outro equipamento sob ameaça, assim como as bancas de revista e os camelôs já empurrados da praça Deodoro para as transversais da rua Grande.

Em qualquer lugar do planeta, considerando a perspectiva das cidades históricas, o abrigo seria destruído e refeito em padrões modernos. Mesmo não sendo original da praça João Lisboa, ele merece requalificação, considerando os sentidos conotativo e denotativo do vocábulo “abrigo”, signo de acolhida, afeto, solidariedade, proteção e sociabilidade em geral.

Abrigo segue gerando polêmica. Imagem capturada em O Imparcial

Ocorre que em São Luís há um apego exagerado ao passado… um tal “reviver”.  Aí, já que o abrigo não é “original”, passa a ser considerado um monstrengo e, por isso, deve ser demolido, quando deveria ser reconstruído em outros moldes, adaptado à realidade contemporânea sem qualquer prejuízo ao conjunto arquitetônico do entorno.

Salta aos olhos, ainda, a ferocidade dos inimigos do abrigo da João Lisboa que não se manifestam sobre a grilagem ampla, geral e irrestrita na cidade, patrocinada e organizada pelos endinheirados, que se apropriam dos terrenos à revelia das leis.

Queria ver, por exemplo, os iconoclastas do abrigo criticarem os latifundiários urbanos que se apossam de áreas valorizadas em São Luís para construir shoppings e galerias disfarçados de postos de gasolina. Esses sim, verdadeiros monstrengos, erguidos em qualquer lugar, sem respeito ao Impacto de Vizinhança, um dos dispositivos do Plano Diretor.

Por que os demolidores do abrigo não se manifestam sobre o posto de gasolina construído na margem da avenida Jerônimo de Albuquerque, em frente ao hospital São Domingos, colocando em risco centenas de pacientes e trabalhadores?!

Poderiam ainda aproveitar o ensejo para pedir a retirada do “prédio do BEM”, na rua do Egito, cujas obras estão marcadas por corrupção (leia aqui).

Está clara, portanto, uma certa discriminação ao escolher os adversários, na lógica de varrer do mapa alguns equipamentos não incorporados ao modo de ver aristocrático da elite escravocrata que dominou a cidade e ainda está presente hoje, em algumas cabeças.

Tal forma de pensar carrega o apego ao complexo de geriatria cultural que serve para justificar a dinamite no abrigo dos pobres, mas não vale para demolir a grilagem dos ricos em centenas de espaços privilegiados da cidade, feitos ilegalmente, com a leniência das autoridades.

A seletividade na ocupação do espaço urbano chegou ao antigo e famoso “Xirizal do Oscar Frota”, onde a dispersão das prostitutas no tradicional reduto das profissionais do sexo foi algo tão violento como derramar veneno para matar baratas.

Demolição do “Xirizal” dispersou as prostitutas. Foto: Biaman Prado

O massacre dos pobres, putas e negros, não necessariamente nessa ordem, está nas raízes mais profundas do processo de discriminação e violência marcantes na formação de São Luís. Afinal, toda a beleza e a imponência dos casarões do Centro Histórico foram erguidas pela mão de obra escrava, gerando uma população de pedreiros e ajudantes mutilados, fruto das mais desumanas condições de trabalho.

Mas, estamos em outros tempos, das velhas práticas. “Agora vai”, ou melhor, é “São Luís em obras”. Na véspera da eleição, outra intervenção há muito tempo cobrada alcança a antiga parada de ônibus do Anel Viário, as barracas e os botecos do entorno. Trata-se de uma intervenção necessária, visando organizar aquela bagunça generalizada.

Como não temos informação amplamente divulgada sobre o projeto, a obra e o investimento do dinheiro público, esperamos que os comerciantes informais sejam reassentados no seu local de origem ou em outro ambiente, de forma a garantir as suas condições e meios de sobrevivência.

Quanto à nova obra do Anel Viário, cabe uma anotação sobre um dos equipamentos mais importantes do Centro Histórico – o Aterro do Bacanga. Aos poucos aquele espaço vai sendo ocupado por vários puxadinhos e arranjos, sem observar um consistente projeto arquitetônico já tantas vezes comentado em nossos escritos (leia aqui e mais aqui)

Cabe reiterar a crítica sobre a forma e o conteúdo das obras. Em cima da eleição colocam os tratores no Anel Viário desprezando o ganho estético, social e ambiental de um projeto arquitetônico bem mais utilitário para a cidade.

De volta ao tema central, observando bem os exemplos de remoção ou tentativas de eliminar as bancas de revista, os camelôs, as barracas do Anel Viário, o tambor do Mestre Amaral, o abrigo da João Lisboa e as putas do Xirizal do Oscar Frota, podemos refletir juntos sobre um relativo processo de higienização social no coração da cidade.

Parece haver um conceito de isolamento e guetização dos equipamentos e das pessoas não representativas do sentimento saudosista da elite escravocrata que mandava na cidade e ainda hoje tem seu pensamento vivo e entranhado em vários poderes oficiais.

Quanto às bancas de revista e similares, vamos pensar juntos….

Perseguição às bancas de revista ocorre também na área nobre da cidade

São Luís, ainda agarrada ao equivocado epíteto de Atenas Brasileira, teve várias livrarias fechadas e está em curso uma verdadeira perseguição às bancas. Tais equipamentos não combinam mesmo com o visual “hipermoderno” da cidade “retrô” das avenidas e ruas remendadas por um asfalto do século 19 por onde trotam caminhonetes de luxo (leia aqui sobre livrarias fechadas).

Ademais, em meio a tanta celebração pela idoneidade literária da cidade, o Memorial Bandeira Tribuzzi foi desativado e não há notícia de onde foi parar o acervo do poeta autor do hino oficial de São Luís.

Assim, a cidade se movimenta com deslocamentos ou dispersões e reacomodações compulsórias. Os camelôs, por exemplo, vão se reagrupando de acordo com as novas regras de espacialização do comércio.

Geralmente, as obras fazem uma bela maquiagem na paisagem para ela ficar atrativa aos turistas e excluem as pessoas e equipamentos que vivem, sobrevivem, circulam e usufruem do espaço urbano.

A higienização social segue o rito de apagamento das marcas simbólicas e da memória da cidade, que precisa ser limpa, aspirada e lubrificada socialmente, seguindo padrões de uma certa forma de pensar cheia de contradições.

Então, o saneamento é seletivo. Limpa-se o Centro Histórico para embelezar a vista dos turistas e moradores que não podem tomar banho nas praias impróprias contaminadas pelos esgotos.

No curso da higienização social não é apenas a “Península” (leia aqui) que pretende se isolar. As obras do Centro Histórico estão “limpando” a cidade, onde erguem-se várias ilhas.

E se no Centro Histórico, onde estão as cabeças mais iluminadas e puras, a cidade é discriminatória, imagine na zona rural, onde a proposta de revisão do Plano Diretor pode ter repercussões gravíssimas na sustentabilidade da ilha toda no curto prazo!

Lá na “roça”, onde o capital da especulação imobiliária é voraz na concentração do mercado de terras, os conflitos são resolvidos com mais violência, a ferro e fogo.

Por fim, como o título do artigo é uma pergunta, tenho questionamentos no lugar de teses prontas. E para fazer jus ao primeiro parágrafo, reitero: todas as edificações feitas recentemente são fundamentais para qualificar o Centro Histórico e honrar o título de São Luís Patrimônio Cultural da Humanidade.

Minha única certeza, em se tratando de higienização e saneamento, é que estamos na cidade toda brilhosa com novas obras, mas cercados pelo mar de coliformes fecais.

A cidade limpa, higienizada, contém o germe da sua própria sujeira.

Imagem destacada / antigo abrigo da praça João Lisboa / capturada no site do jornal O Estado do Maranhão

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“História Viva”: parceria da rádio Tambor e Anpuh-MA estreia novo programa hoje

Neste sábado, 22 de agosto, às 18h, estreia o programa “História Viva”, uma parceria entre a Anpuh (Associação Nacional de História, no Maranhão) e Agência Tambor.

O objetivo do programa é abordar os temas mais relevantes em História e Educação, conectados aos âmbitos da política, economia, sociedade e cultura. 

A Anpuh-MA nesse programa será representada pelos(as) professores(as) Joelma Santos, Márcio Baima e o presidente da associação Victor Coelho.

Na edição de estreia, os apresentadores vão conversar sobre o ensino de História do Maranhão com a participação da professora Dayse Martins. Ela é historiadora, doutora em Políticas Públicas, doutoranda em História (UFMA) e especialista em Educação (Diren/IEMA).

A concepção do programa foi construída em diálogo com as equipes da Agência Tambor e da Anpuh-MA em reuniões virtuais e troca de ideias entre os realizadores, observando os aspectos técnicos e de conteúdo na elaboração do roteiro.

Para a Agência Tambor, a estreia de um novo programa com foco em História é fundamental diante do cenário de obscurantismo e negativismo que vem crescendo no Brasil. Assim, reafirmar o ensino de História em um programa de rádio é importante para o fortalecimento do campo científico, um dos principais alvos do ataque da onda conservadora.

Confira o História Viva, sábado, às 18h, pela Rádio Web Tambor, no Facebook: https://www.facebook.com/agenciatamborradioweb/

Além do programa apresentado ao vivo, a memória de cada edição fica disponível em áudio, no formato de podcast, que pode ser ouvido a qualquer tempo, com a marca “HistoriaVivaCast”, armazenada no Spotify.

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Live celebra pioneirismo da Rádio Club de Pernambuco no Brasil

O GT História da Mídia Sonora realiza dia 19 de agosto (quarta-feira), com início às 18 horas, a live Passado, presente e futuro do Rádio no Brasil. O encontro virtual vai marcar a Carta de Natal que reconhece o pioneirismo da Rádio Club de Pernambuco quando, em 6 de abril de 1919, fez a primeira transmissão sonora à distância – de um ponto de transmissão para vários pontos.

O encontro virtual terá como convidados os pesquisadores Pedro Vaz Filho (UAM), Luiz Maranhão Filho (UFPE), Luiz Artur Ferraretto (UFRGS) e Marcelo Kischinhevsky (UFRJ), que serão mediados pela coordenadora e vice-coordenador do grupo, respectivamente, Izani Mustafá (UFMA-Imperatriz) e Luciano Klöckner. A Carta de Natal foi assinada no XII Encontro Nacional da História da Mídia, realizado em Natal (RN), em 20 de junho de 2019.   

 Serviço

Live: Passado, presente e futuro do Rádio no Brasil

Dia: 19 de agosto de 2020 (quarta-feira)

Início: às 18 horas

Convidados: Pedro Vaz Filho (UAM), Luiz Maranhão Filho (UFPE), Luiz Artur Ferraretto (UFRGS) e Marcelo Kischinhevsky (UFRJ)

Mediadores: Izani Mustafá (UFMA) e Luciano Klöckner

Plataforma: Google meet

Transmissão pelo canal YouTube: Jornal Alcar – https://bit.ly/3fqQ11B

Curtam a página e ativem o sininho para receber as notificações.

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Turiaçu: 365, sim; 150, não!

Por Jadeilson Cruz, graduado em Filosofia e estudante de Jornalismo da UFMA

Hoje, 11 de julho de 2020, comemora-se o sesquicentenário da elevação da Vila de Turiaçu à categoria de cidade. Apesar de ser uma data emblemática, pois significa uma mudança significativa de patamar, não a considero a mais importante da história turiaçuense. Já que em conformidade com a Provisão Régia de 09 de abril de 1655, como consta na monografia do professor Robson Campos Martins, foi criada a Missão Jesuíta São Francisco Xavier, dando origem ao primeiro núcleo demográfico de Turiaçu. Desse modo, em 09 de abril do corrente ano era para se ter comemorado 365 anos de história e não 150 como muitos comemoram no dia de hoje. 

Turiaçu é gigante. E entre os grandes da história do Brasil e do Maranhão deve figurar. Comemorar o 11 de julho como a data mais importante é uma forma de ignorar os primórdios da história turiaçuense. Temos que dar o devido valor aos acontecimentos históricos e colocar Turiaçu em seu devido lugar. 

Não podemos nos esquecer de outras datas importantes da nossa história: como 25 de junho de 1833, criação da Vila de Turiaçu; 13 de fevereiro de 1834, instalação da Vila de Turiaçu; e 12 de junho de 1852, reincorporação de Turiaçu ao Maranhão. Além dessas já citadas, é fundamental que conheçamos não apenas outras datas importantes, mas também a História de Turiaçu mais profundamente. É necessário que nos empenhemos em compreender os fatores que determinaram as transformações ao longo do tempo e a atual configuração do nosso município. Temos que, como disse Heródoto, “Pensar o passado para compreender o presente e idealizar o futuro”. Só o conhecimento do passado nos dará a real dimensão da nossa História.

Antiga igreja São Francisco Xavier, padroeiro de Turiaçu

As fontes sobre a História de Turiaçu são escassas, tornando-se assim praticamente incompreensíveis alguns fatos importantes da nossa história, como a configuração política em 1870, a partir de 11 de julho; a composição, organização e localização do Quilombo de Turiaçu, que teria sido o segundo maior do Brasil, ficando atrás apenas do de Palmares; dentre outros fatores que contribuiriam para melhor compreensão do que somos a partir do que fomos. O grande culpado por grande parte dessa escassez é o capitão Manuel Aurélio Nogueira, que em 1930, quando administrava o nosso município, mandou incinerar quase todo o arquivo municipal. Nesse sentido, é necessário um estudo historiográfico minucioso. Tanto os governantes como a população devem se empenhar e angariar fundos para financiar esse mergulho na história turiaçuense. 

Em relação a Turiaçu, eu tenho muitos sonhos. O principal deles é ver a sede do município transformada em uma cidade cultural. Quero andar pelas ruas e ver um teatro, um cinema, um museu e uma biblioteca imponentes. Também, casas de danças, de música e manifestações culturais sendo encenadas e cultivadas nas praças e nas ruas. Quero ter o prazer de assistir, ao lado dos meus conterrâneos, a grandes e maravilhosos espetáculos. Como poetizou Fernando Pessoa: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”. 

Turiaçu precisa respirar história, cultura, conhecimento, esporte e lazer. Não é aceitável que no nosso município não exista pelo menos um museu, como também monumentos em homenagem aos nossos heróis. Outro fato lamentável é a falta de locais apropriados para a prática de esportes e para a apreciação de eventos culturais, assim como a inexistência de áreas de lazer adequadas. E o mais inadmissível ainda é o menosprezo ao conhecimento, pois a maior prova disso é a degradação da Biblioteca Municipal. Conhecimento é prioridade, sempre deve estar em primeiro lugar. Um povo sem conhecimento, é um povo sem esperança, logo, sem futuro. O conhecimento é condição necessária para libertar a alma da tirania da ignorância. 

O 09 de abril deveria ser um dia de festa e de celebração da turiaçuensialidade. Nesse dia deveria haver eventos esportivos, culturais e educacionais. Em alguns momentos o 11 de julho já foi palco de eventos assim, porém precisamos de algo ainda mais grandioso. Esse dia seria ideal não apenas para festejarmos o nosso povo, mas também para conhecermos mais profundamente a nossa história. Como disse o professor Robson Campos Martins: “Um povo que perde as suas tradições, é um povo indigno de figurar na história”. 

Foto destacada / uma das ruas mais antigas da cidade / divulgação: acervo pessoal do professor Edmar Costa Filho

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“Bangu à Beira-Mar”: romance de Érico Cordeiro conta a saga de migrantes nordestinos

Romance histórico que atravessa quase um quarto de século, entre os anos de 1915 e 1939, e narra a vida e as peripécias de Lucas Baptista de Moura Facundo, que fugiu com a família, do Ceará para o Rio de Janeiro, durante a grande seca de 1915, em busca de uma vida melhor.

Um pouco mais tarde, ele vai estudar engenharia mecânica na Itália, iniciando ali o seu treinamento em artes marciais, ao mesmo tempo em que se envolve na luta antifascista.

De volta ao Brasil, se agrega aos movimentos pela democratização do país, combatendo a truculência da ditadura Vargas, e vive uma série de aventuras na trepidante capital da República durante a Belle Époque.

A história mostra um pouco do Brasil dos anos 20 e 30, reportando fatos históricos, como o Tenentismo, a Coluna Prestes, a Revolução de 30, a Intentona Comunista, o Estado Novo e a vida artística e cultural do Rio de Janeiro.

Mais tarde, Lucas volta à Europa, fixando-se em Madri, e ali se engaja na luta contra o fascismo, auxiliando o exército republicano durante a Guerra Civil Espanhola. Por fim, nosso herói se estabelece em Portugal, onde vai ajudar a polícia portuguesa a desvendar uma série de misteriosos e violentos assassinatos.

O autor

O maranhense Érico Renato Serra Cordeiro nasceu em São Luís, em 1968. Formado em Direito pela UFMA, desde 2004 exerce o cargo de Juiz do Trabalho. Atualmente, é Juiz Titular da Vara do Trabalho de Pinheiro–MA. É professor universitário, embora, por força das circunstâncias, esteja afastado das salas de aula. Apaixonado por música, literatura e cinema, acredita no poder transformador da arte e em sua capacidade de humanizar o sublime e de tornar sublime o humano. Espadas, armas de fogo e tiroteios? Só na ficção. Afinal, como nos versos de Paulo César Pinheiro, “Não sou do tempo das armas / Por isso ainda prefiro / Ouvir um verso de samba / Do que escutar som de tiro”.

Sobre a obra

“Um surto pandêmico mundial. Uma aparentemente irresistível ascensão do fascismo. 2020? Não! Estamos na alvorada do século XX e ele é assustadoramente parecido com os nossos dias” – Cláudia Torreão.

“É, antes de tudo, um romance visceral entrecortado por uma poesia com alma, pólvora e dentes” – Félix Alberto Lima.

“Uma aventura esplendorosa pela história política e cultural da primeira metade do século XX, guiada por um personagem cativante e por um escritor arguto e refinado” – Jarbas Couto Lima.

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Fotografias registram a peste bubônica em São Luís

Amanda Gato, historiadora e mestre em Cultura da Sociedade pela UFMA

Reportagem publicada originalmente no site Agenda Maranhão

No início do século XX, entre os anos de 1901 e 1906, São Luís passou por alguns projetos de melhoramento urbano, no intuito de embelezar e, principalmente, sanear as áreas insalubres para conter o avanço de doenças e epidemias.

No esteio do discurso republicano da modernização e do progresso, a cidade não poderia continuar vivendo com os diversos problemas estruturais urbanos e sociais relatados e denunciados diariamente pela imprensa local.

Enquanto a Intendência embeleza a cidade, o povo pacato e tolerante do nosso Maranhão é obrigado a andar como as rãs, pulando de charco em charco! Belo povo, que com pouco se contenta… E os jornais do dia que se amolem em clamar providências para que sejam demovidos os lodaçais que inundam nossas ruas prejudicando assim a saúde pública!” denunciava o Jornal A Campanha, em 1903.

Entretanto, mesmo com os relatórios e estudos sobre higiene e saneamento básico de São Luís acusando altos índices de enfermidades, os poderes dirigentes se omitiam em resolvê-los de fato, nem mesmo oferecendo os serviços básicos. Logo, o descaso com a cidade e, sobretudo com a população mais pobre era refletido na mórbida realidade social e nas chocantes condições sanitárias. Infelizmente, algo não muito diferente dos dias de hoje no Brasil.

Além da peste bubônica, São Luís enfrentou outros surtos epidêmicos com altos índices de mortalidade, como beribéri, tuberculose, lepra, febre amarela e varíola. No entanto, numa política de hierarquização de doenças, a peste era a que mais preocupava as autoridades políticas e sanitárias naquele período.

A peste bubônica chegou ao Brasil, em 1899, pelo porto de Santos, em São Paulo e logo se espalhou pelo restante do país, como Rio de Janeiro, Recife e Porto Alegre.

Aqui em São Luís, a porta de entrada também foi pelo porto, principal acesso de embarque e desembarque de produtos e de pessoas. A doença iniciou o seu contágio na cidade em 1903, prosseguindo pelo ano de 1904 e repetindo novos ciclos em 1908 e 1921.

Em 1904, a Revista do Norte publicou uma reportagem com oito páginas sobre o novo hospital de isolamento do Maranhão, dedicado ao tratamento dos doentes da peste bubônica. Na reportagem há informações sobre o seu funcionamento, descrições dos espaços físicos, sua organização e divisão das enfermarias por classe social e sexo, dados epidêmicos, além de sete fotografias ilustrando.

Capa da Revista do Norte com a fotografia da equipe de administração superior do Hospital de isolamento. Fotografia: autor desconhecido

Na capa da revista a fotografia da equipe que formava a administração superior do Hospital, o Dr. Victor Godinho ao centro acompanhado do lado esquerdo pelo Dr. Álvaro Sanches e a enfermeira Violet Small, ao lado direito a enfermeira Mary Baggott e o Dr. Gomes.

Em 1904, o Dr. Victor Godinho, que tinha experiência na administração hospitalar e no tratamento da peste bubônica, foi convidado por Collares Moreira, então governador do estado, para formar uma Comissão Sanitária e combater a peste em São Luís. Deste trabalho, resultou um extenso o relatório com dados detalhados sobre o a peste no Maranhão, incluindo gráficos e fotografias.

Gráfico do movimento de doentes e óbitos por quinzenas. Fonte: Relatório da Peste no Maranhão, 1904.

Fotografia da Comissão Sanitária. Autor desconhecido

Enfermaria Geral das Mulheres do Hospital de isolamento.  Autor desconhecido

Enfermaria de Classe para Mulheres.  Autor desconhecido.

As enfermarias do hospital eram divididas em quatro e por sexo: uma para mulheres de classe, com 12 leitos, uma para homens de classe, com 15 leitos, uma geral para homens, 30 leitos e outra geral para mulheres, com 32 leitos.

Existiam também quatro quartos particulares reservados com 2 leitos cada, para doentes de classe que fosse acompanhados por pessoas da família e de sexo diferente. No total, o Hospital dispunha de 97 leitos e, em caso de necessidade, o número poderia ser elevado para 147.

Enfermaria geral para homens, com médicos, enfermeiras e pacientes posando para a foto

Enfermaria de homens de classe. Nota-se que os pacientes, aparentemente, não aparecem na imagem

Segundo os dados fornecidos pelo Dr. Godinho, o total de doentes não excedeu o número de 800 pessoas, entre os dias 17 de outubro a 20 de abril. E os casos conhecidos oficialmente pelo órgão de higiene eram de 648 pessoas doentes, sendo que destas, 195 faleceram em domicílio e 443 foram tratadas no Hospital de Isolamento. O número de casos da doença em domicílio foi confirmado através das visitas dos Inspetores Sanitários, incumbidos de mapear as casas e os doentes. O resultado das visitas detectou o número de 659 doentes de peste em toda a cidade de São Luís. Ainda segundo a revista, a mortalidade das pessoas com peste recolhidas nos hospitais foi de 39,50% e a mortalidade em domicílio obteve a alta taxa de 81%.

Além da vacinação da população, outra medida de enfrentamento da epidemia foi a desinfecção da cidade, ruas, casas, cortiços com focos foram desinfetadas sistematicamente. Para evitar a contaminação do interior do estado, foram feitas desinfecções em todas as embarcações, nas bagagens e nas roupas dos passageiros que partiam de São Luís.

Os funcionários só saiam do hospital em dias já determinados e com licença especial, além disso, o hospital fazia todo trabalho de higienização e desinfecção das roupas e objetos utilizados no próprio estabelecimento. O isolamento hospitalar era garantido, segundo a revista, “por um piquete de seis praças”, distante o suficiente da área central da cidade, situado no extremo da Rua São Pantaleão.

Área interna do Hospital, pátio, jardim e varandas.

A peste bubônica é uma doença transmitida pela picada de pulgas infectadas por ratos contaminados. No Brasil, foi combatida por Oswaldo Cruz e as medidas contra a doença não tiveram resistência da população, ao contrário do que ocorreu com a varíola, que gerou do famoso episódio da Revolta da Vacina.

Para combater a peste, as autoridades sanitárias decidiram por medidas que evitassem a proliferação da doença como intensa limpeza e desinfecção urbana para a eliminação do principal vetor, o rato e a notificação compulsória dos doentes, o que ajudou no isolamento e no tratamento dos pacientes com o soro produzido pelo Instituto Soroterápico Federal, mais tarde conhecido como Instituto Oswaldo Cruz.

Não podemos esquecer que o Instituto Oswaldo Cruz ou Fiocruz vem, ao longo de 120 anos, contribuindo para o desenvolvimento da ciência e da produção de vacinas e medicamentos no país, bem como na formação de profissionais e pesquisas ligadas a área da saúde pública brasileira, com reconhecimento nacional e internacional por suas ações. Hoje, a Fiocruz integra o consórcio internacional para estudo e combate ao novo coronavírus.

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Livro histórico e afetivo sobre São Luís tem nova edição e está disponível para download

São Luís do Maranhão, Corpo e Alma”, obra da historiadora Maria de Lourdes Lauande Lacroix (foto acima) sai em dois volumes, em formato digital e tem coordenação editorial do professor Flávio Reis.

São Luís do Maranhão, Corpo e Alma apresenta vasto painel, em escrita livre, sobre a evolução urbana, os costumes e as manifestações culturais e artísticas da capital maranhense. Numa narrativa envolvente, Maria de Lourdes Lauande Lacroix  mergulha de forma apaixonado na historiografia, nas memórias e iconografia de São Luís.

Capa do volume I da nova edição

A primeira edição, de 2012, foi um grande sucesso de público e crítica e se esgotou rapidamente. A nova edição, ampliada, começou a ser feita em 2015 e ficou pronta no final do ano passado. O livro foi elaborado com vasta utilização dos álbuns fotográficos da cidade de São Luís e montado no Studio Edgar Rocha.

“Os dois volumes têm novos textos e fotografias e são publicados somente em versão digital, pelo menos por enquanto, pois ainda não há perspectiva de edição impressa. Esse livro é uma pesquisa importante, tecida com o cuidado de uma escritora que tem recursos de narração e vai envolvendo o leitor”, afirma Flávio Reis
A segunda edição de São Luís do Maranhão, Corpo e Alma tem o prefácio de Benedito Buzar e posfácio de Flávio Soares. A obra estará disponível para download gratuito a partir desta quinta-feira, dia 21 de maio no seguinte endereço: https://saoluiscorpoalma.blogspot.com/

Leia abaixo o posfácio escrito pelo historiador Flávio Soares

POSFÁCIO

Vida e morte da São Luís antiga:

histórias, memórias e imagens

Flávio Soares

Um comentário sobre São Luís do Maranhão, Corpo e Alma, da professora Maria de Lourdes Lauande Lacroix, cujo escopo não seja, obviamente, apresentar o que a escritora “quis escrever”, mas refletir e problematizar sobre o tema da cidade através dessa escrita, deveria começar pela questão do seu valor no conjunto dos trabalhos da autora.

Característica talvez única entre os escritores do seu grupo-geração, esses trabalhos iniciaram e coincidiram, no caso dela, com o momento em que, abrindo também a terceira idade, a professora proporcionou lugar à escritora. Tal condição, é certo, dera sinais em outro momento, quando, por exemplo, escreveu a dissertação de mestrado, A Educação na Baixada Maranhense, publicada em seguida, em 1983; mas, também é verdade, apenas no final da carreira docente, de fato, a escritora apareceu. Havia se aposentado antes na Universidade Federal do Maranhão, no começo dos anos noventa do século passado (dezembro/1991); lecionou ainda como professora substituta na mesma instituição e depois integrou o quadro de docentes do Curso de História da Universidade Estadual do Maranhão, quando lançou os primeiros livros da fase atual enquanto escritora, fechando o ciclo das atividades como professora e passando a se dedicar a escrever e publicar livros de história. Todos sobre São Luís, tema quase absolutamente ausente até então no seu campo de interesses, delimitado pela História moderna e contemporânea, sobretudo da Europa ocidental, especialmente Inglaterra e França. 

Até o momento, com a segunda edição desta obra, oito livros, entre os quais duas reedições ampliadas e revistas do primeiro, A fundação francesa de São Luís e seus mitos (2000), integrando conjunto relativamente pequeno e rico de trabalhos com extensões variadas, fruto de quase vinte anos de pesquisa incessante. Importa, aqui, advertir ao leitor quanto a, pelo menos, três condições iniciais da relação entre autora, obra e assunto.

De início, considerar que a São Luís de interesse da autora, e com a qual mais se afina, se refere ao ajuntamento urbano gestado nos quadros da colonização moderna do país, impulsionado principalmente a partir da segunda metade do século XVIII, quando, no contexto da instalação de uma colônia de exploração escravista, seus elementos agrários, mercantis e político-administrativos ganharam maior volume, densidade e sentido quase de “comunidade”, fazendo com que seu aspecto inicial de fortaleza, burgo senhorial militar, “grande aldeia” ou povoação de algum tom barroco, sobretudo pela longa presença jesuítica, fosse  superado pela fisionomia mais urbana, de ar neoclássico e, certamente, eclética, hoje reconhecida como a da “São Luís antiga”. A rigor, portanto, surge como um tipo misto de cidade colonial moderna (leia-se, portanto, a expressão “cidade antiga” sempre no sentido de antiga modernidade ou modernidade antiga), sede, do ponto de vista do poder dominante e proprietário dos solos e imóveis, de grupos oriundos do grande comércio, das fazendas e da administração real portuguesa, em associações as mais variadas.

Moradora de São Lu ís até hoje, a autora viveu as últimas décadas do tempo da cidade antiga ou do tempo antigo da cidade, onde nasceu, passou infância, adolescência, juventude, estudou, concluiu bacharelado em direito (iniciado em Belém do Pará), licenciou-se em História, constituiu família (após casar-se com o ex-padre e sociólogo canadense Gilles Lacroix, no Canadá, onde também, na Universidade de Laval, especializou-se em História Contemporânea), e durante anos, dividiu-se, profissionalmente, entre as atividades na Previdência Social e as da docência no Departamento de História da UFMA.

Tais elementos de identificação são importantes não só para orientar o leitor, desde logo, quanto ao espírito e propósitos da obra, mas para começar a compreender a forma por ela tomada. Porque não é apena inventário histórico sobre a cidade antiga como objeto distante no tempo e espaço; é, igualmente, esforço extraordinário de rememoração, isto é, de elaboração das histórias e memórias da velha cidade enquanto partes também das histórias e memórias da escritora.

A segunda condição, além das afinidades naturais e biográficas, diz respeito ao tempo visado: tempo de longa duração, desaparecido ou em desaparecimento. Aspecto decorrente do fato de que a narradora testemunhou, a partir de determinado momento, em sua cidade, o impacto de um processo de transformações convencionado chamar “modernização” nas Ciências Sociais, de âmbito nacional e mundial, com particularidades históricas e regionais segundo cada situação.

No caso abordado, a ênfase do relato recaiu sobre a responsabilidade de políticas, planejamentos e administrações de governo equivocadas, decorridas das intercorrências e contradições históricas entre “interesses da cidade” como um todo, públicos, e, em especial, interesses de grupos ou particulares dos seus governantes, potencializadas no período indicado. Tais políticas, se não foram causas exclusivas, foram decisivas para a convergência entre aquele processo nacional de “modernização”, também chamado de “desenvolvimento”, e a “mutilação”, ou mesmo desfiguração e destruição, da cidade antiga. Embora em razão dos objetivos específicos do livro, a autora não teça ou se detenha em traçar paralelos, pois não é um estudo comparativo, trata-se, quanto à intensidade, de convergência talvez única no universo das capitais brasileiras. Lembre-se de várias “cidades históricas”, Ouro Preto (laboratório da política do patrimônio), Belém, Salvador, Recife, Rio de Janeiro, mesmo São Paulo, lugar do processo de metropolização e mistura urbana mais radical do país, onde áreas antigas, ou pelo menos suas memórias, parecem, à primeira vista, mais preservadas.

Em suma, na situação da capital maranhense, apesar do aspecto de lenta agonia da cidade antiga ligado a um processo relativamente vagaroso mas, sobretudo nas últimas quatro décadas, cada vez mais acelerado de urbanização, a dar a impressão (até por confronto, talvez, com a situação ao lado, mais drástica e reveladora, de Alcântara) de patrimônio histórico e arquitetônico que resiste “naturalmente” à “doença da pedra” e suas “ruínas verdes” e tudo mais, os processos de transformações acabaram mesmo foi levando à hecatombe de um dos acervos de construção “civil” mais importantes da América Latina, exemplo único de “sucesso urbano antigo”, dando dimensões mais largas ao caso ludovicense. Desde que não se reduza a São Luís antiga à sua configuração física, ao traçado e edificações, trata-se de verdadeiro colapso de uma experiência urbana, histórica e social, de onde emergiu a São Luís atual.

Falência bem mais ampla se considerar que ela se liga a um processo de modernização, de urbanização, que não surgiu organicamente, de dentro da cidade antiga, obedecendo às suas necessidades internas de atualização, mas de fora, dissociado, mesmo em contraposição, e não articulado, reajustado, à velha matriz urbana. O modo como foram politicamente conduzidas a “conservação” do núcleo antigo e a construção da cidade moderna além rio Anil, acabou resultando, hoje vemos, numa velha cidade degradada e num simulacro de cidade moderna, para dizer o mínimo.

Também, acrescente-se terceira condição, não é irrelevante o leitor ter em conta o surgimento do livro em pauta no decênio ora encerrado, isto é, algum tempo após o período da degradação, entre as décadas de 1930 e 1980, para dar algumas balizas cronológicas. No período indicado, é difícil imaginar no estado esta obra escrita por quaisquer autores. Especialmente a partir de meados dos anos 60, dominado por um paradigmadesenvolvimentista e autoritário, só depois questionado, num ou outro ponto, em seus aspectos ilusórios. Apenas nas décadas recentes, pós-hecatombe, pós-história da cidade velha, mudanças nas “condições de possibilidades” sociais, no campo cultural e intelectual em particular, permitiram àquela expansão do núcleo antigo ganhar visibilidade pelo seu avesso catastrófico.

Décadas, por um lado, do fim do relativo isolamento da condição provinciana, quando, como efeito da nova e explosiva onda de modernização, decorrentes não apenas de fatores econômicos, mas também político-estratégicos (não esqueça o fato de São Luís ser a capital de um estado porta de entrada para a Amazônia), começaram a aparecer nas paisagens do interior da ilha e da baia de São Marcos as hoje rotineiras filas de vagões de minérios de ferro da ferrovia Carajás e de navios “vindos da China”, dizem, conectadas pelo novo Porto do Itaqui, enquanto, bem perto, do outro lado da mesma baía, no continente, em meio às ruínas de Alcântara e desarranjos no modo de vida das comunidades locais, era assentada uma base espacial; quando, também, além das pontes – do Caratatiua, do São Francisco e Bandeira Tribuzi – e da barragem do Bacanga, de uma hora a outra, sob o império da indústria da construção civil e do mercado imobiliário, apareciam em formas modernas já obsoletas torres e mansões à beira das praias de águas escuras (Ponta da Areia, Calhau, Olho d’Água, Araçagi), como que formando, de fato, uma nova e gigantesca “Praia Grande”, para uso das classes altas e médias, erguidos ao longo das Avenidas Litorânea e dos Holandeses; às margens das Avenidas rasgadas com nomes de personagens evocando a memória antiga da cidade – Jerônimo de Albuquerque, Franceses, Daniel de La Touche, São Luís Rei de França -,  acumulavam-se  conjuntos habitacionais para uso das classes médias, altas e baixas, com rótulos em forma de siglas esquisitas e sem graça (COHAMA, COHAFUMA, IPASE, COHAB, COHAJAP, COHATRAC); e, em áreas periféricas cortadas por Avenidas com denominações de sentido histórico também simbólicas – Portugueses, Africanos, Guajajaras -, explodiam cortiços, mocambos, guetos, favelas e palafitas – chamados eufemisticamente de “vilas”, “jardins”, “parques” – das classes populares, trabalhadoras e pobres urbanas, frutos em parte das novas guerras de ocupações irregulares e invasões (também, ou sobretudo, dos “ricos”, note-se). Hoje, uma extensa mancha urbana se formou no noroeste da Ilha, município de São Luís, em processo de deslocamento cada vez mais rápido rumo aos municípios de São José do Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa, no leste da Ilha, gerador de “bairros sem história e sem cidade” (Frederico Burnett, “São Luís por um triz”, 2011, p. 108)

Ao mesmo tempo, a percepção de aspectos, crescentes dia à dia e sobrepostos ao longo de décadas, de degradação, sujeira, ruínas, enfermidades, em relação àquela área mais antiga e originária ou de modernidade mais envelhecida da São Luís atual, ainda que ocupada por famílias humildes, órgãos públicos e algumas atividades de comércio, oficina e serviço, e, mais ainda, apesar do “promontório” e da construção rápida de vias de escape e barreiras protetoras ao “patrimônio” contra a modernização arrasadora, como  as pontes, o “anel viário”, a “zona tampão” (de tombamento estadual), etc., possibilitou ver também na expansão indicada o afloramento de elementos até então latentes que lhe deram, para usar uma imagem de pensamento, o aspecto de produção de resto ou carcaça de um corpo urbano no espaço da grande São Luís em gestação.

Possibilitou um ponto de vista a partir de um horizonte de desaparecimento inédito. Por exemplo, ao contrário da “ideologia decadentista” oficial, secular, que comporta uma ideia de “abandono”, de “parada no tempo” (reinterpretada, irônica e interessadamente, como “protetora” da parte mais antiga da cidade histórica) ou da “cidade por um fio”, mas alimentada ainda por expectativas desenvolvimentistas de crescimento e ressurreição futura dos bons tempos da “idade de ouro” (no melhor dos casos cada vez mais ingênuas), agora não há mais isso. Sobretudo, depois que, enfim, a velha São Luís foi incluída na lista do “Patrimônio Mundial” da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, criada em 1945), em dezembro de 1997, na administração Roseana Sarney, a distância entre título, plano e realidade como que se tornou abissal, e, que fique assinalado, graças, em grande parte, a razões (reconhecidas pela autora) especialmente ligadas a medidas e ações de governos, principalmente estadual e municipal (em suas três esferas: executiva, legislativa e judiciária), claramente insuficientes e omissas, desarticuladas, eleitoreiras e emergenciais quando não baseadas em pura maquiagem, propaganda e retórica vazias. Revalorização discursiva e desvalorização prática da “cidade histórica” são faces de uma mesma forma de gestão e governo. 

Falência de uma política patrimonialista do patrimônio histórico e cultural da cidade, incapaz de efetivamente sintetizar, a não ser como relação caricata, o “antigo” e o “moderno”. No exemplo talvez o mais simbólico de todos, típico de Godfather da tribo, da morada cercada de palmeiras frente ao mar nos bairros modernos luxuosos e a apropriação pessoal do edifício antigo sagrado a título de conservação. O dano histórico e social tornou-se irreparável por quaisquer “política de conservação” possível. Como o instituto do tombamento de bens, materiais e culturais, poderia, efetivamente, se aplicar numa realidade incapaz de dissociar o privado e o público? Difícil não ver e sentir que não há mais fio algum…

Por isto também nada mais longe do espírito deste trabalho que o desejo da revitalização, restauração ou renascimento da São Luís antiga como museu a céu aberto, centro de atração turística, consumo, investimentos e negócios (segundo linha estabelecida por organismos internacionais no pós-guerra, como a UNESCO, de transformar cidades antigas em “patrimônios históricos e culturais” e, assim, em oportunidades econômicas e produtos de mercado), no contexto da sucessão de gestões, de esquerda ou direita, a essa altura tanto ou quase tanto faz, precárias, ineficientes, corruptas, armadas e assistencialistas de contingentes populacionais da grande São Luís cada vez mais tomada pelo inchaço urbano, o desemprego e a escravização do trabalho, a servidão por dívida, indústria da construção civil voraz e especulação imobiliária, a privatização e o desastre ambiental da Ilha, despersonalização e individualismo patológico, a desumanização e o mercenarismo de hospitais e médicos, o “apocalipse motorizado”, a violência das rotas e guerras do narcotráfico, a informalidade administrativa e econômica como forma de camuflar práticas ilegais e o domínio de milícias, etc., enfim, a dissolução dos frágeis vínculos históricos e sociais de civilidade ou urbanidade pela barbárie.

A compreensão deste livro deve, portanto, partir, além das suas afinidades e sentido particular de “final de um tempo” em relação à São Luís antiga, especialmente das suas relações (circunstanciais ou não) com o agora pós-catástrofe proveniente de e posterior a uma história de intervenções e expansão cujo resultado final em relação ao projetado, menos que atualização conservadora ou mesmo “desenvolvimento do subdesenvolvimento”, menos ainda que reforma urbana profunda, evidenciou-se traumático e trágico.

Eis o dado de atualidade que permite ler essa obra como necrológio, elaboração radical de uma perda, mas, obrigatoriamente, também como reinvenção, nos campos da história, memória e imaginário da cidade antiga. Um tipo de luto, pergunta-se?  Quem sabe em relação às perspectivas e esperanças predominantes anteriormente. Em analogia inevitável com a Coruja de Minerva filosófica, parece que só agora com distância e possibilidade real de balanceamento, “Clio” pode inspirar o trabalho de reconstituição fisionômica e tecelagem dos fios esgarçados, fragmentados, do que aconteceu. Momento em que a cidade antiga ao deixar de ser contemporânea, ao se tornar “não-contemporânea”, pode, enfim, revelar algo de si à nossa contemporaneidade tão insólita…

A autora pode então voltar várias vezes ao básico. Às origens coloniais da cidade, à sua pré-história de “grande aldeia”, por assim dizer, rearranjando dados fundamentais e seus significados míticos e históricos, como a cerimônia religiosa cristã francesa e a Batalha da Guaxenduba, resultante na vitória portuguesa, mas também aos momentos cruciais e finais da sua história, nos anos 1940/1950. A pretexto circunstancial de “comemoração” dos 150 anos da Associação Comercial do Maranhão, descreveu em A Campanha da Produção (2004), pela primeira vez em seus trabalhos com apoio ilustrativo e cru das imagens, o último suspiro da Praia Grande e sua burguesia agroexportadora. Inspirado em Jerônimo de Viveiros, autor do clássico História do Comércio do Maranhão, escrito nas décadas de 1950 e começos da de 1960 mas sem chegar até aos anos da Campanha, o estudo permite problematizar um pouco a história do “alto comércio” a partir da visão do historiador.

Faz pensar, por exemplo, que diante da “catástrofe” da Abolição da Escravidão, em cuja enxurrada foram juntos a grande lavoura e o setor açucareiro e de engenhos (incluindo Alcântara e outras regiões da Baixada estudadas pela autora), a “loucura industrial” foi, no fundo, fruto de um cálculo inteligente e esperto através do qual a alta burguesia prolongou sua forma de acumulação por mais 50 ou 60 anos (diferente de Recife/Pernambuco, por sua vez, onde se transitou para o sistema de “usina”). No caso em pauta, porém, em princípio o maior desafio, imagina-se, era o de manter e fortalecer a posição competitiva de São Luís/Maranhão diante do processo avassalador de integração à nova fase econômica do país fundada no capitalismo urbano-industrial baseado no centro-sul. Isso exigiria o aprofundamento da “loucura industrial” além da forma de acumulação primitiva característica dos negócios da Praia Grande desde o final da era colonial.

Era o desafio da industrialização, da tomada ao pé da letra do mito da “Manchester brasileira”, que, levado à sério, poderia acabar implicando o enfrentamento de questões de base postas desde a Abolição e Proclamação da República, como, por exemplo, as reformas agrária e urbana. A Campanha buscou precisamente, diante dos impasses, aumentar a produtividade dos camponeses com assistência técnica, médico-sanitária, de infraestrutura, sem tocar na estrutura da propriedade das terras e fazendas. Como em várias outras regiões do país, antigas tensões no campo se agravaram, a revolta dos caboclos foi atiçada e lideranças, como Manuel da Conceição, apareceram.

Com a falência do esquema de negócios “algodão-fábricas têxteis-bancos”, a burguesia local simplesmente foi abandonando e/ou fugindo da velha área nobre da cidade, sitiada e ocupada, cada vez mais, pelas classes populares e pobres, para as quais, talvez, inicialmente tenha se tornado lugar de sobrevivência e “resistência”, mas, hoje, tristemente, desterro, beco infeliz, sem saída ou de grande precariedade social. Aja sofrimento e paciência!

 Fato é que o fim daquela cidade mercantil marítima de mentalidade senhorial, levou junto qualquer veleidade, caso a “loucura industrial” tenha sido mais que um delírio ou cálculo de adaptação, de tornar São Luís polo competitivo no Brasil, ou mesmo no norte e nordeste. Procurou, principalmente a partir do Golpe de 1964 e do governo do “Maranhão Novo”, quando não emigrar do estado, a melhor posição possível (no limite até de uma vida nova de classe média por exemplo) no contexto do inchamento urbano e consolidação da região como periferia do capitalismo industrial brasileiro dependente. Os “distritos industriais”, sabe-se, com uma ou outra fábrica estabelecida, nunca passaram das placas. A essa altura o valor da produção industrial do Maranhão havia declinado de 0,7%, em 1907, para 0,2%, em 1958, enquanto São Paulo saltara, nos mesmos anos, de 16,5% para 55,0% (Lopes, JB, p.20, 1971).

É a partir, portanto, da relação tridimensional da autora com a São Luís antiga –  repita-se: afinidade biográfica, consciência do “fim de um tempo” e escritura pós-catástrofe -, que o livro em foco implica um assunto e um modo de composição sobre os quais vale refletir.

Começa que, dado o “novo” horizonte, curto e emergencial, difícil ou impossível de planejar, é pelo trabalho da pesquisa que se faz o mergulho direto na matéria histórica constitutiva do núcleo antigo, fonte primeira do relato e de seus desdobramentos. É a partir da investigação quase etnográfica e não conceitual do urbano, além do faro desenvolvido, que o objeto do livro – a experiência histórica da São Luís antiga – foi percebido como “cadinho” ou “cadinhos” de váriasvivências, práticas, condutas e crenças, valores, ideias.Condições ou associações de classes e moradias diferentes, etnias heterogêneas, grupos, categorias sociais e tipos humanos singulares (nada blasé) e movimentos religiosos, ideológicos ou expressões culturais e artísticas distintas. Conjunto de situações e processos materiais e imateriais, coexistindo e convivendo num mesmo espaço e tempo, ou segundo uma variedade de lugares e ritmos de tempos, estabelecendo entre si relações de familiaridade e estranhamento, tensões mas também negociações e fusões, sincretismos, miscigenações e segregações, liberdade e escravidão, civilização e barbárie.O traçado da cidade, por exemplo, apesar da geometria regular, foi capaz de comportar uma arquitetura de estilos diversos e misturados, principalmente quando São Luís se estende para além dos limites das ruas do Egito e Formosa. Enfim, penso eu, a cidade enquanto crisol, se não no sentido pleno de uma “comunidade urbana” enquanto “cidadania” (inexistente), certamente no sentido geral de multiplicidade de elementos, ou melhor, de fragmentos políticos, sociais, econômicos, culturais. Em suma, uma cidade cuja característica principal, por isso mesmo, é a sua quase indeterminação ou fragilidade de caráter no tempo.

Reparando bem, a compreensão no sentido indicado, da cidade antiga como “multiplicidade”, ou pequeno laboratório de heterogeneidades, já aparece, de certa maneira, nas pesquisas dos livros sobre fundação, mito e guerra colonial, quando se retoma em outra chave a figura do português Jerônimo de Albuquerque Maranhão em relação a determinado modo de olhar o francês Daniel de La Touche. A fundação francesa, vista como mítica e fruto da combinação mais recente do galicismo e narcisismo de elites decadentistas, sobretudo letradas e políticas, é deslocada para a genealogia colonial portuguesa em um sentido não exclusivista, “distinto”, mas “mestiço”, “múltiplo”, sem que tal signifique ausência de violência, mas um modo de dominação mais mediatizado.

Mas, é sobretudo neste São Luís do Maranhão, Corpo e Alma que a ideia de multiplicidade é levada mais longe. Mas, note-se, a multiplicidade percebida pela pesquisa, nos termos indicados, é entendida como característica mais do passado que do presente (ou não?), pois, apesar de construída neste tempo caótico, a pesquisa não projeta (até porque não há projeção) sobre a São Luís antiga uma diferenciação ou complexidade, real ou simulada, um multiculturalismo qualquer, por exemplo, que seria reconhecida na São Luís contemporânea, ou vice-versa; na verdade, a “multidão”, a corporificação social do fenômeno em questão, percebida na matéria histórica investigada, não é, porém, percebida como fenômeno de consciência ou reconhecimento individual e social, com raríssimas exceções, a exemplos de João Lisboa nos seus folhetins (em um dos quais apresenta a extraordinária visão da multidão como serpente de mil cores “sem rabo nem cabeça”, isto é, como multiplicidade incompleta, diferente da outra serpente, a da lenda da cidade, completa e adormecida); a exemplo também de Aluízio Azevedo em alguns parágrafos de O Mulato, e mais um ou outro autor.

Trata-se de um dado de realidade, porém não reconhecido, latente. Uma multiplicidade cuja lógica específica da indeterminação aponta mais para uma sociabilidade fragmentada e segregacionista que uma genuína comunidade urbana ou “cidadã” (associação autônoma, nos termos de Max Weber). O que se coloca como um passo adiante no entendimento da “cidade” tendo em vista o modo como normalmente ela foi percebida.

Atingida pelo impacto modernizador, que, apesar de “mutilador” e traumático, carrega novos elementos, a multiplicidade urbana tradicional, isto é, a velha modernidade, sem ser efetivamente superada e atualizada (o que implicaria a “síntese” indicada), já que nem reconhecida era, passa a girar no espaço-tempo da São Luís contemporânea, pós-moderna e já totalmente tomada pelo fetiche da imagem da mercadoria, enquanto ruína de não importa qual cor e puro espetáculo sombrio.  Consciência dramática da passagem e possibilidade históricas interrompida ou mesmo perdida de vez, mas também da necessidade de se insurgir e erguer contrapontos e alternativas à lógica fantasmagórica objetiva que passou a sufocar a cidade e suas memórias e possibilidades.

A matéria e a composição da obra, além da pesquisa livre, passam também pelo arquivo da relações de intimidade da autora com a velha cidade, escavado no livro; relação indissociável de uma vida cuja trajetória foi informada, em boa medida, por aquele complexo de “cadinhos”, emaranhado de espaços-tempos, lugares ou roteiros nas hierarquias sociais, filtrados nos termos da cultura predominante. Assim como grande parte da trajetória de vida da autora, mas com teor de percepção, consciência e reflexão mais amadurecido, esta obra-ensaio é o resultado eclético de várias influências, absorvidas, dosadas, organizadas e sintetizadas, elas mesmas, se não em regras, em orientações de pesquisa e composição.

O leitor observará, por exemplo, no uso dos materiais, a diversidade das fontes. Desde documentos primários do Arquivo Ultramarino de Lisboa, crônicas antigas, jornais, legislação, relatórios, mensagens de governo, revistas, bibliografias, mapas, passando por memórias pessoais, familiares, cada vez mais utilizadas, também de outras pessoas com as quais se relaciona, conhece ou conheceu, até o emprego variado das imagens, como ilustração e, progressivamente, linguagem estética própria. Mescla de erudição e crítica, a composição do livro também incorpora um aspecto literário e artístico, crescentemente elaborado e refeito. Aspecto de interesse porque marca de identificação da São Luís antiga, mas, provavelmente, em nível cultural mais profundo, como o da língua, traço histórico de elites urbanas oriundas da colonização católica, ibérica, portuguesa. Em todo caso, recorde-se. Desde os tempos da província, principalmente após o choque anárquico da guerra dos bem-te-vis (Balaiada) e da insurreição escrava (1838-41), a mais radical revolta de caboclos e negros ocorrida na história da região, ludovicenses, em particular o grupo mais instruído dos senhores e senhoras, num movimento instintivo de conjuração, assimilação e diferenciação de classe, fundindo recalque, adaptação, sublimação, defesa e generalização, fabricaram para si um padrão singular como “atenienses” do Brasil.

Ora, essa medida de reconhecimento e status foi posta também em questão pelas mudanças ocorridas no século XX. De um lado, pela violência e desmanche causados, mas, de outro, porque trouxeram à tona formas diferentes de expressão e comunicação: a oralidade das culturas populares; a audiovisual da cultura de massas (cinema, rádio, televisão); a científica das universidades; formas atuais de linguagens estéticas (em poesia, música, literatura, artes plásticas, teatro, arquitetura) e, mais recente, a linguagem virtual dos programas de computadores, dos simulacros. Sem passar ao largo, mas antenado, o escrito em questão capta a atmosfera em mutação e, à sua maneira, dialoga com tais meios de expressão, o que lhe dá traços não só de história e rememoração, como já escrevi, mas também de empenho de reconstrução do lugar da Autora e da escrita.

Pela exploração das correspondências entre história e memória, palavra, texto e imagem, o artesanato da escrita recria uma espécie de caleidoscópio através do qual histórias são contadas, memória e imaginário reelaborados, almas e corpos dissecados e mostrados. É daí, talvez, da fricção entre conteúdo da multiplicidade e forma caleidoscópica, se puder dizer assim, que provém, no contexto das transformações indicadas e dos escritores maranhenses contemporâneos, o fogo, a energia radical, extemporânea, a força atuante e atualizadora, na base da relação estabelecida entre autora, livro e assunto: esforço de recomposição da linguagem e reelaboração da história, memória e do imaginário da cidade e da autora do ponto de vista da consciência tanto de uma falência histórica quanto do ânimo para existir, resistir e persistir.

Exagero? Nem tanto se o leitor considerar que aqui se trata de remoer o testemunho, a percepção e, em particular, afetos vários, complicados e delicados em torno de uma tragédia urbana e social como a da São Luís antiga. Como, de outra forma, enterrar mortos, exorcizar fantasmas e liberar novas energias? Difícil responder, mas vale ressaltar um ponto.

Não há recusa do envolvimento emocional com o tema. Nem poderia. Qualquer tentativa de distanciamento, adoção exclusiva de postura objetiva, fria, técnica, ao modo das abordagens científicas, como as que proliferaram na chamada área dos “estudos urbanos”, no caso dela, soaria restritiva ou falsa. Afinal se trata da cidade onde nasceu e cresceu. Então há sim elementos de nostalgia, saudade, tristeza, dor. Contudo, o trabalho – elaborador de uma passagem -, não fica preso aí, não se encerra no círculo fantasmagórico do culto aos mortos, da melancolia, queixume, percepção autopiedosa, idealizações escapistas ou otimismos restauradores inocentes, comum às reações tradicionalistas, mas não só. Não. Ele dá passos adiante, se insurge e apresenta e potencializa outros elementos, de denúncia, indignação, revolta, crítica, ironia, etc., os quais funcionam como contraponto, contrapeso, e configuram um equilíbrio lúcido e sensível, resistente e modulável, singular em relação ao tema, que, ao ser formulado, deu à obra da autora força compreensiva, matiz próprio, tom harmonioso e dissonante. Basta comparar com obras, escritas e iconográficas, existentes sobre São Luís (feitas por memorialistas, historiadores, geógrafos, urbanistas, sociólogos, jornalistas, fotógrafos, artistas em geral) ou outra cidade do estado, como Alcântara de Antônio Lopes, por exemplo, e mesmo fora do Maranhão, elaborados segundo antigos cânones eruditos e literários ou novas regras e enfoques acadêmicos, teóricos, empíricos e metódicos, para se dar conta do passo dado e a perspectiva aberta quanto à forma de percepção do tema da cidade.

Livro para ser ao mesmo tempo lido, visto e sentido, implica um tipo de compreensão que toma a vida urbana de maneira transversal, aquém e além de uma ciência urbana. E mesmo que, em função de um conjunto de circunstâncias e condições históricas e sociais, gerais e particulares, a São Luís antiga, provinciana e moderna à sua maneira, jamais tenha chegado, nem na alucinação “ateniense” mais alta, perto da situação das capitais dos centros do capitalismo mundial e nacional (Londres, Paris, Berlim, São Petersburgo, Chicago, Nova York, Buenos Aires ,  São Paulo, Rio de Janeiro), e talvez por isso mesmo, este trabalho indica ser possível abordagem fora dos lugares comuns e entediantes, sobre a experiência urbana em zonas periféricas extremas,  onde e quando, por conta do domínio dos elementos agrários e rurais, ela se apresenta ainda quase como miragem no meio da floresta.

Imaginado e escrito em linguagem clara, distante do jargão universitário, com liberdade só possível à maturidade da vida e também com muitas pitadas de delicadeza, elegância, classe e sentido de beleza ou gosto característicos da autora, São Luís do Maranhã, Corpo e Alma é contribuição rara às bibliotecas brasileiras, em particular maranhenses, à espera discreta dos leitores.                                                                                      

Que os deuses da cidade abreviem tal espera!

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Mais que uma janela

Eloy Melonio*

Quantas histórias guarda uma janela?

Difícil imaginar! Pois sempre tivemos forte afeição por essa moldura na parede das nossas casas.

Quem já não ouviu sobre a janela de onde D. Pedro I anunciou que ficaria no Brasil, ou sobre a janela do Palácio Apostólico, em Roma, de onde o papa fala para milhares de fiéis? Na ficção, as crianças viajam na história da janela da torre onde Rapunzel ficou aprisionada por uma bruxa vingativa.

Mas da janela amarelo-dourada da foto que ilustra esta narrativa não se sabe muita coisa. Felizmente não é a sua história o que nos importa. É algo mais original, mais arrebatador.

Vou tentar, breve e sucintamente, reconstruir a história da janela. E vou começar pelo começo. Porque nem todo começo é o que parece ser. Assim como a lua não é a mesma em cada noite, em cada fase ou a cada olhar.

Mas essa história começa mesmo onde, ou quando?

Não sei direito. Alguém, algum dia, em algum lugar, teve a iluminada ideia de deixar um buraquinho na parede de sua moradia para a entrada de ar e claridade. E não é que todos na redondeza logo estavam olhando o horizonte por um buraquinho igual a esse!

Séculos e séculos se passaram, e a ideiazinha fajuta ainda se mantinha em voga ― aberta ou fechada. E, aos poucos, as coisas foram se abrindo a novos ares. Desde a antiguidade, a arquitetura, talvez a mais exuberante das artes, se ocupou da organização e do adorno dos espaços. E as janelas sempre tiveram destaque em suas obras.

Além do vento e da claridade, viram que, para sobreviver, o buraquinho tinha de ter mil e uma utilidades. Numa delas, talvez a mais comum, a pessoa ficava “ali” horas a fio só para ver o que estava acontecendo lá fora, como porteiro de condomínio. Dizem por aí que foi dessa mania que surgiram as fofoqueiras de plantão. E por que também não as “fake news”?

Bentinho e Capitu, protagonistas de “Dom Casmurro”, romance de Machado de Assis, por exemplo, passavam suas noites à sua janela da Glória, bairro onde moravam, no Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX, “mirando o mar e o céu, a sombra das montanhas e dos navios ou a gente que passava na praia”.

Na poesia, Drummond exalta o amor metendo-o por uma janela: “O amor é grande e cabe nesta janela sobre o mar” (O mundo é grande, in “Amar se Aprende Amando”). Eu também inventei de fazer versos para a janela: “E não demorou muito,/ estávamos, eu e ela,/ casados, olhando o mundo/ da mesma janela” (A janela de minha casa, p. 158, Dentro de Mim).

Sem perda de tempo, vamos falar da nossa protagonista. Não antes de eu lhe contar que, recém-casado, morava numa porta-e-janela, típica casinha de aluguel na periferia das cidades. Antes disso, na pré-adolescência, via filmes e shows através da janela do único vizinho que tinha aparelho de televisão. Foi nesse período que, entre tantas janelas, vi como a vida se refaz todos os dias no puxar e no empurrar de ferrolhos e trincos. E nesse abre-e-fecha, as casas se enchem de sol, ar fresco e de alegria. E se esquecem do mundo lá fora.

Abrindo as cortinas do palco da vida real, vemos como a nossa janela se mostra ao mundo. Sempre saudando o dia e a poesia. E o palco não poderia ter melhor cenário: o segundo andar de um casarão colonial na Rua Henrique Leal, no centro histórico de nossa cidade, por onde, diariamente, passam dezenas de turistas.

Se ― por alguns minutos ― parar para admirá-la, você perceberá a evolução estética do buraquinho de que falei no início desta crônica. E certamente vai se deslumbrar com a beleza e a magia dessa janela de forma e cor ricamente tecidas, que encanta as manhãs e tardes da Ilha do Amor.

Misturados aos turistas e transeuntes, estão os bem-te-vis, os beija-flores, as borboletas ― todos encantados com sua elegância, que, em dias de sol, parece querer compor uma sinfonia de tom amarelado.

Enquanto escrevo, imagino-me nesse cenário, olhando para a janela e ouvindo de seus admiradores ao meu redor os mais lindos comentários: “Que linda, toda florida!”, “Uma janela cheia de vida!”, “E toda hora tem passarinhos!”, “Tem também as essenciais abelhas, as etéreas borboletas, os besourinhos a fainar!”.

De repente, alguém exclama: Essa janela é um texto! Olho para trás. Era o Ed, um jornalista e escritor amigo meu.

E, enfim, chego a imaginar que a nossa janelinha está sempre sorrindo porque talvez queira acalentar no peito os nossos olhares. E quem sabe contar-nos as suas histórias!

* Eloy Melonio é professor, escritor, compositor e poeta.
Foto: Ed Wilson Araújo