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O novo colunismo social do Maranhão

por Ed Wilson Araújo, 02 de abril de 2021

Pouco tempo antes do estouro da pandemia covid19, em uma roda informal de conversa entre jornalistas e professores universitários, um atento observador da cena política local soltou esta frase emblemática: “quer saber como se movimentam os políticos do Maranhão(?), basta olhar as fotos no PH”.

A sentença foi dita no contexto das alianças e desavenças comuns à maioria dos partidos políticos turbinados pelo pragmatismo eleitoral, selando acordos e conchavos entre legendas supostamente divergentes.

O autor da “tese” remetia às páginas coloridas da maior expressão do colunismo social – Pergentino Holanda – cujas iniciais “PH” passaram a ser uma grife para designar “o poder” no Maranhão.

Embora aparentem intrigas nos palcos eleitorais, às vezes trocando acusações com adjetivos do futebol de várzea, as lideranças políticas tradicionais sempre aparecem sorridentes nos banquetes do PH, retratados nas páginas esparramadas em elogios mútuos traduzidos nas legendas das fotografias.

Os cientistas políticos deviam atentar para certos lances ainda presentes no caderno dominical mais glamuroso do jornal de José Sarney (O Estado do Maranhão), onde quase todos os gatos são pardos: políticos, empreiteiros, desembargadores, juízes, promotores, lobistas, socialites, profissionais liberais e negociantes em geral.

Para além disso, a coluna e o caderno especial do PH são recheados de textos literários valorosos e informações preciosas conectadas ao mundo real sobre os três poderes no Maranhão.

Já o povo, movido pelas paixões, nem sempre capta que as supostas disputas ferrenhas travadas no palco eleitoral dizem quase nada sobre divergências de fundo entre as elites que dominam os cofres no Maranhão em um frenético modelo clientelista desde os tempos de Benedito Leite.

Mas, algumas coisas mudam e outras desaparecem. O colunismo social, no formato impresso, está prestes a entrar para o obituário da comunicação. As versões digitais dos jornais não cumprem a mesma função mercadológica, política e estética do produto impresso para efeito do glamour.

Os famosos, nome novo para designar socialites ou emergentes, têm a sua própria coluna social (perfil) nas redes digitais. Um(a) influencer, sem derrubar um pé de eucalipto, vale mais que a tiragem de muitos jornais de papel somados.

Houve mudança não só na forma – do impresso para o digital – mas também no conteúdo e na visibilidade dos(as) atores(as).

Colunismo social era uma seção de jornal até então pertinente aos endinheirados e/ou vinculada aos círculos do poder formal. Com o advento das plataformas digitais, surgiram novas iniciativas com enfoques diferenciados remodelando o conceito de visibilidade na comunicação outrora associado apenas aos ricos.

No Maranhão cabe mencionar duas ações promissoras, não exatamente conexas à perspectiva de colunismo social como forma de glamourização do chamado poder oficial.

Refiro-me à ideia genérica de colunismo social para situar dois experimentos de Jornalismo fora da mídia de mercado, mas bem posicionadas no ambiente digital: o site Agenda Maranhão e a Agência Tambor.

Cada qual com a sua especificidade, eles põem para desfilar no palco do espaço público atores(as) sociais geralmente silenciados ou esquecidos no agendamento midiático.

Navegando no campo da comunicação alternativa, a Agência Tambor produz diariamente um jornal transmitido na web e protagonizado por fontes autorizadas geralmente excluídas dos critérios de noticiabilidade da maioria dos meios de comunicação.

Pelas redes sociais da Agência Tambor fluem a comunidade GLBTTI, quilombolas, quebradeiras de coco, indígenas, artistas e militantes dos movimentos sociais, gente das periferias, fazedores(as) de cultura, educadores(as), agitadores e agitadoras de muitas causas nobres, entre tantas outras personagens.

O “colunismo social” da mídia alternativa está materializado nos famosos cards que apresentam a fonte entrevistada do dia, fartamente distribuídos nas redes sociais. Quem não era visto nem lembrado nas grandes empresas de comunicação tem agora um tambor para tocar.

A panfletagem eletrônica dos cards da Agência Tambor, guardadas as devidas proporções, tem aproximações com um novo tipo de colunismo social, embora a força conceitual expressiva seja o Jornalismo.

Já no site Agenda Maranhão a personagem principal é o Centro Histórico de São Luís, dando visibilidade a um território da cidade com as suas personagens, arquitetura, fazeres e saberes. Trata-se de um site especializado em Jornalismo Cultural outrora marcante no impresso.

A cidade em revista nas fotos antigas da Agenda Maranhão

O teórico dos Estudos Culturais latino-americanos Martín-Barbero tem um ensinamento precioso sobre a relação entre a produção e o consumo de bens culturais que pode ser aplicado às duas experiências mencionadas: a fruição das audiências.

As entrevistas da Agência Tambor, feitas ao vivo, são posteriormente transformadas em podcast para ouvir a qualquer tempo, arquivadas em plataformas digitais. Esse sentido da memória está presente de outra forma no site Agenda Maranhão, em um percurso às vezes inverso, quando atualiza imagens antigas meticulosamente estudadas na perspectiva da História da Fotografia.

Assim são os arquivos. Servem para guardar e revelar, estando sempre vivos como pulsação de memória.

Os usos da tecnologia mobilizam sentidos e gerações distintas nas apropriações feitas por uma rádio web (Agência Tambor) e um site (Agenda Maranhão), este com expertise em imagens analógicas – fotos antigas – atualizadas no contemporâneo.

Através da memória, as publicações vão reconstituindo a cidade velha conectada às mudanças atuais do tecido urbano. Misto de Jornalismo e entretenimento, o site Agenda Maranhão conecta o seu público ao passado saudoso da São Luís que não existe mais, a não ser na lembrança atualizada pelas fotografias puxadas no tempo.

O Jornalismo Cultural do Agenda Maranhão abraça com sensibilidade as cenas da cidade: pessoas comuns, casarões, sobrados, ruas, becos, situações cotidianas, traços provincianos e universais do território Centro Histórico.

Pesquisa de imagens é um dos focos da Agenda Maranhão

Cada qual a seu modo, as duas experiências reúnem as suas audiências mobilizadas na prática cultural do consumo (Martín-Barbero). Na pegada política do tambor rufando a tônica é o conflito, sem perder a ternura das pautas afetivas. Agenda Maranhão, por sua vez, mexe com os sentidos do seu público envolvido nos detalhes preciosos das fotos garimpadas no passado.

Vale sempre lembrar aquela alegoria da fênix associada ao Jornalismo. Segundo a mitologia egípcia, era uma ave que durava muitos séculos e, queimada, renascia das próprias cinzas.

Como forma de conhecimento da realidade, o Jornalismo costura os acontecimentos na linha do tempo. O que é notícia hoje, amanhã é História; e os fatos históricos, atualizados, são notícias contemporâneas.

Agenda Maranhão e Agência Tambor são palcos eletrônicos onde as pessoas se encontram. Está em curso um novo tipo de glamour, protagonizado por gente pobre e cidade velha pautados por memória, História e política.

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Fenaj defende a criação de fundo público de fomento ao jornalismo profissional

Em evento virtual, entidade de representação dos jornalistas lança manifesto pela taxação das plataformas digitais

A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) promoveu na tarde desta terça-feira, 6 de outubro, o lançamento de um manifesto pela taxação das grandes plataformas digitais para a criação de um fundo público de fomento ao jornalismo profissional. A atividade, realizada em ambiente virtual com a participação de representantes de federações internacionais e de sindicatos regionais, foi realizada para apresentar a proposta para a categoria dos jornalistas e para a sociedade.

Conforme relatou a presidenta da Fenaj, Maria José Braga, em seu manifesto a federação apresenta a proposta base de taxação das plataformas digitais, por meio da criação de uma Cide, para que os recursos desse tributo sejam destinados a um fundo público de fomento ao trabalho jornalístico. Para isso, a entidade também defende a utilização dos recursos a partir de critérios como respeito ao trabalhador, conformidade com a legislação brasileira e também com as convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A intenção é que o fundo contemple empresas públicas, privadas, organizações e coletivos que garantam o emprego dos profissionais jornalistas.

O fundo, para a presidenta da Fenaj, tem o papel de promover a democratização do jornalismo no Brasil, para que seja retomado o exercício da profissão com pluralidade e diversidade. “A Fenaj está absolutamente aberta. Nós iremos consultar a sociedade brasileira”, afirmou Maria José Braga. “Entendemos que é possível e que a gestão pública pode garantir a aplicação dos recursos da maneira proposta”.

A presidenta da Fenaj também situou que o debate sobre a taxação das grandes plataformas digitais está ocorrendo no Brasil e no mundo porque essas empresas dominam o fluxo da informação num contexto em que as empresas tradicionais de jornalismo perdem a publicidade como fonte principal de recursos. “Lucram bilhões e praticamente não pagam impostos onde atuam”, definiu. Para Braga, as plataformas digitais têm “ação predatória” em relação aos veículos de imprensa como jornais, rádios, TVs e sites de notícias.

“É preciso que retomemos o papel mediador do jornalismo nessa nova esfera pública”, defendeu Maria José Braga.

Nesse contexto, a Fenaj chama as diversas organizações coletivas da sociedade a defender, apoiar e fomentar a iniciativa, que foi pensada para a realidade brasileira, a partir de proposta da Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ), que conta com seus sindicatos filiados em mais de 130 países para a implantação da Plataforma Mundial pelo Jornalismo de Qualidade.

Viabilidade da proposta

O tributarista Dão Real, 1º vice-presidente do Instituto Justiça Tributária, lembrou que a criação de fundos de fomento para determinados setores não é novidade e que a Fenaj propõe uma alternativa que contempla dois interesses diversos da sociedade: a cobrança de imposto para as plataformas e a necessidade de fomento do jornalismo profissional. Ele explicou que a CIDE é uma intervenção do Estado em determinados setores econômicos e que é cabível nessa situação pois a atuação das plataformas interfere diretamente na capacidade de um grupo profissional de exercer o que se propõe.

Para Real, a Cide é ideal porque não provém de emenda constitucional e por possibilitar tributar o faturamento dessas grandes empresas. Um dos profissionais que atuou junto à Fenaj na elaboração da proposta de taxação das plataformas, ele também explicou que o fundo de fomento ao jornalismo profissional não precisa ficar restrito a essa receita e que pode ter outras fontes de financiamento.

Plataforma FIJ

Para apresentar a proposta para o Brasil, a Fenaj convidou o presidente da FIJ, o marroquino Younes Mjahed, e a presidenta da Fepalc, organização latino-americana de periodistas, a peruana Zuliana Lainez, destacando a unidade internacional dessa mobilização.

Zuliana explicou que o debate sobre a taxação das plataformas é uma das propostas mais audaciosas da FIJ nas últimas décadas e ocorre no contexto de pandemia, situação sem precedentes em que dois terços da humanidade está confinada, mas que os jornalistas não são parte do diagnóstico da situação dos trabalhadores. Disse que a pandemia potencializou uma situação que já era de precarização dos jornalistas autônomos e independentes, sobre a necessidade de um programa social para a categoria e que as grandes plataformas não podem mais continuar atuando sem pagar impostos nos países onde operam. Ela comparou o lucro dessas empresas com o PIB de grandes países, como Alemanha e França.

A dirigente também alertou que em muitos países, situação do Brasil, a crise não é só econômica, sanitária e social, pois é também política e, nesse cenário, o jornalismo profissional e de qualidade é alternativa à desinformação, com garantias para o jornalismo local e regionalizado.

“Em todos os países do mundo, a coincidência é o jornalismo ser considerado serviço essencial. Não queremos que nos denominem essenciais, mas que nos tratem como essencial, com democratização do financiamento, democratização da comunicação, da pluralidade”, disse Zuliana.

Ela alertou que o poder das plataformas de mídia é maior que o econômico, pois manejam também a censura, o direito de autoria, derrubam perfis nas redes sociais de acordo com políticas próprias de privacidade, além de serem concentrada em poucas mãos.

Nesse sentido, o presidente da FIJ, Younes, Mjahed, destacou a importância da organização coletiva pela implantação da taxação das plataformas e da criação do fundo de fomento ao jornalismo profissional a partir do diálogo com outras organizações da sociedade civil, para além de entidades sindicais, incluindo o debate com a sociedade, governos, corporações e partidos políticos. “Os governos precisam de estratégias para defender o jornalismo de qualidade”, afirmou.

Younes falou sobre essa luta mundial ser importante para enfrentar os desafios maiores que estamos vivendo e ainda preparar para o futuro, na busca de apoios.

Construção regionalizada

O lançamento do manifesto em defesa do jornalismo profissional pela criação de um fundo de fomento a partir da taxação das grandes plataformas digitais foi encerrado com a participação de representações de Sindicatos de Jornalistas das cinco regiões do país, que destacam a importância da iniciativa e a disposição em encampar a construção do diálogo com a sociedade.

Steffanie Schmidt, do Sindicato do Amazonas, lembrou que a região Norte possui grandes áreas com “deserto de notícias”, em que não existe jornalismo local, sendo que mais de 37 milhões de pessoas do país não têm acesso a informações jornalísticas produzidas nos territórios onde vivem. A jornalista também lembrou da diversidade cultural e dos diversos contextos na região e que é preciso fomentar e pautar esses debates, com o jornalismo sendo a ferramenta.

Rafael Mesquita, do Sindicato do Ceará, lembrou que o deserto de notícias cresce também na região Nordeste, especialmente com a perda de espaço de veículos pequenos e, nesse cenário, é preciso observar a que tipo de jornalismo vai servir o fundo de fomento. Ele defende que seja acessível a quem não tem acesso a recursos publicitários e de governo. O dirigente também lembrou que levantamento da Fenaj mostrou que mais de 4 mil jornalistas no país foram afetados durante a pandemia por redução salarial e suspensão de contrato a partir de medidas do governo federal que foram impostas pelas empresas de jornalismo a seus trabalhadores. Rafael também alertou que as plataformas de mídia devem ser responsabilizadas pelo processo de dominação da vida pública das pessoas.

Eber Benjamin, do Sindicato de Mato Grosso do Sul, defendeu que a taxação das plataformas é tão importante quanto as pautas da taxação das grandes fortunas e dos bancos. Representante da região Centro-Oeste, ele lembrou da necessidade de recursos para a produção jornalística no contexto das queimadas do Pantanal e da importância do fomento público considerando a realidade do país com o desmonte da comunicação pública ilustrada pelo esvaziamento da EBC.

Paulo Zocchi, presidente do Sindicato de São Paulo e vice-presidente da Fenaj alertou que, no país, existe a particularidade de essas plataformas serem grandes empresas norte-americanas que entram sem barreiras para atuar e que não são consideradas empresas de comunicação. Zocchi explicou que o fundo que se propõe é tripartite e a Fenaj apresenta critérios para a distribuição desses recursos, que o momento é de debater com jornalistas, com entidades do jornalismo e com a sociedade.

A jornalista Katia Marko, do Sindicato do Rio Grande do Sul, encerrou as intervenções dos convidados saudando a Fenaj por fazer história com o manifesto e a apresentação da proposta. Recordou a atuação de vanguarda da Federação na defesa da democratização da comunicação no país, à frente dessa luta e atuando na criação do FNDC. Disse que o debate de taxar as plataformas se apresenta com a força que ele merece e os sindicatos estarão atuando nas regiões do país para promover o diálogo com a categoria dos jornalistas e com a sociedade.

A mediação do ato virtual foi promovida pela secretária-geral da Fenaj, Beth Costa, e no encerramento a presidenta Maria José Braga afirmou que o debate e o apoio da sociedade são necessários para que a proposta chegue com força para aprovação no Congresso Nacional.

Confira a íntegra do evento e do manifesto no site da Fenaj