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Monocultura do eucalipto já ameaça o território de Barreirinhas, nos Lençóis Maranhenses

Texto e imagens: Ed Wilson Araújo / Produção: James Barros

Firmino Conceição, 53 anos, caminha rápido na trilha onde havia um córrego, no povoado onde nasceu e vive até hoje. Ele fala com saudade dos tempos da fartura de água na chapada. Num gesto ligeiro, junta um graveto do chão e detalha a cena do passado, futucando o leito seco do riacho. “Quando eu me entendi aqui era bacana. Eu vinha pescar com meu facão reparando o sarapó debaixo da capemba. Aí levava para os meus filhos comer. E agora não tem água, viu.”, lamentou.

Capemba ou caçamba é um tipo de palma larga de palmeiras ou coqueiros. Quando despenca do tronco e cai no chão, serve de esconderijo para os peixes no alagado. O povoado de Firmino Conceição, denominado Mendes, fica no município de Belágua.

O eucalipto secou o riacho onde Firmino pescava

Antes da construção da moderna rodovia MA-402, interligando São Luís ao Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses e à Rota das Emoções, o acesso a esta região era feito pela antiga estrada MA-225, que conecta Barreirinhas ao Baixo Parnaíba, à altura de São Benedito do Rio Preto e Urbano Santos.

Esquecida, a MA-225 ainda é uma estrada de chão, tem 87 Km de areia, piçarra e barro, atravessa riachos, córregos, brejos e proporciona um exuberante visual do cerrado maranhense. Mas, essa paisagem muda na fronteira entre Barreirinhas e Urbano Santos, vizinho de Belágua. Nesse município já é visível a destruição da biodiversidade pelas grandes fazendas de eucalipto.

James Barros dá o mapa do eucalipto no cerrado

No povoado Mendes, cercado das extensas plantações de eucalipto, estão algumas nascentes do rio Jacu, um dos afluentes do rio Preguiças, que banha o município de Barreirinhas, famoso destino de turistas do mundo inteiro.

Quando chove, a esperança de água vira um tormento porque a devastação da cobertura vegetal do cerrado para o plantio do eucalipto solta a terra e o entulho do desmatamento que, arrastados pela enxurrada, acabam assoreando os mananciais. No quintal da casa de Jocemildo Rocha, 31 anos, a situação é desoladora. “Essa areia vem da chapada”, explica, apontando para o riacho morto pelo assoreamento. Sem os córregos, não há peixes, caça e nem aves, provocando não só um desequilíbrio ambiental como a escassez de alimentos para as comunidades.

Os “desertos” de eucalipto entre Barreirinhas e Humberto de Campos

Ele se refere aos “gaúchos” genericamente para identificar os fazendeiros ou empresas do agronegócio. Por razões de segurança, a reportagem não abordou funcionários nas sedes das fazendas que servem de base ao plantio de eucalipto para entrevistá-los, seguindo o critério de pluralidade de fontes na produção jornalística.

“A gente conviver com os gaúchos aqui é complicado. Todas as colheitas que eles fazem, o impacto vem parar sobre nós. A gente não pode tirar sequer uma vareta de pescar na plantação deles, mas eles podem vir na região da gente e fazer isso que vocês tão vendo ó: morte para os nossos rios, morte das plantas, morte dos peixes e nós somos obrigados a conviver com isso porque os nossos governantes não têm capacidade de chegar junto para nos ajudar. Deixam a gente a Deus dará”, resumiu.

Para Jocemildo Rocha, “só resta a tristeza”

Responsabilidades compartilhadas

Se para o presidente Jair Bolsonaro (PL) Deus está acima de todos, o agronegócio atropela tudo, até os lugares sagrados da natureza. O conjunto de ações e medidas do governo federal estimula a violência no campo através do uso de agrotóxicos em larga escala, do desmonte dos órgãos ambientais, incitamento ao armamentismo, esvaziamento das instituições de pesquisa e do ódio contra ambientalistas, índios, quilombolas e negros.

Já no âmbito estadual, na gestão do governador Flávio Dino (PSB), o ponto crítico está localizado nas licenças ambientais expedidas pela Sema (Secretaria de Estado do Meio Ambiente), que viabilizam a expansão da monocultura com impactos degradantes sobre as comunidades tradicionais. O Maranhão ocupa o segundo lugar no ranking dos conflitos agrários no Brasil e é o campeão de mortes no campo, segundo o relatório da CPT (Comissão Pastoral da Terra) em 2021.

Esse contexto motivou uma ação ajuizada pela Defensoria Pública do Estado (DPE), Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras do Estado do Maranhão (Fetaema) e Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), contra o Estado do Maranhão, pedindo a suspensão das licenças ambientais não precedidas de consulta junto aos moradores dos territórios afetados.

Em decisão liminar, o juiz titular da Vara de Interesses Difusos e Coletivos, Douglas de Melo Martins, acatou o pedido. O magistrado suspendeu os licenciamentos até que as comunidades sejam ouvidas. A liminar tem como base a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que determina a consulta prévia, livre e informada para que os povos e comunidades tradicionais se posicionem diante de ações sobre os seus territórios.

O defensor público e professor de Direito da Universidade Estadual do Maranhão (Uema), Jean Carlos Nunes Pereira, entrevistado na Agência Tambor, computou vários mecanismos e instâncias de proteção e segurança jurídica no contexto dos conflitos no campo. O Maranhão tem uma Vara Agrária, no Tribunal de Justiça; uma Promotoria Especializada em Conflitos Agrários, no Ministério Público; o Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado; e a Coecv (Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade), vinculada ao Governo do Estado.

No entanto, ponderou o defensor, as medidas em curso são “reativas”; ou seja, ocorrem depois do conflito já instalado. Segundo ele, as raízes mais profundas e complexas da violência no campo são de ordem estrutural no Brasil, incluindo o Maranhão, marcadas pela concentração de terra e renda.

Embora os sete anos de mandato (2014-2021) do governador Flávio Dino (ex-PCdoB e agora no PSB) tenham efetivado melhorias relevantes, a estrutura fundiária manteve o tripé do latifúndio, grilagem e violência. O candidato oficial do Palácio dos Leões (símbolo máximo de poder no Maranhão) para a sucessão do governador é o seu atual vice, Carlos Brandão (PSDB), um dos matizes da estrutura oligárquica, vinculado ao agronegócio. 

Recentemente, a Assembleia Legislativa do Maranhão concedeu uma homenagem a Gisela Introvini, membro de uma família de plantadores de soja e símbolo da violência no campo na região do Baixo Parnaíba.

Defesa legal

Há esperança? Em Barreirinhas já existem leis municipais proibindo os cultivos predatórios ao meio ambiente datadas em 1998, 2005 e 2014.

A Lei nº 420/1998, sancionada à época pelo prefeito Francisco Pedro Monroe Conceição, com apenas quatro artigos em uma lauda, “dispõe sobre a proibição de reflorestamento com eucalipto ou outro tipo de reflorestamento que venha danificar o meio ambiente, em toda a área territorial do município de Barreirinhas”. No artigo 2º a legislação alerta: “Esta proibição se faz necessária em virtude de algumas empresas estarem a se instalar nas proximidades do município de Barreirinhas, com projetos de reflorestamento de eucalipto.”

Outra Lei (nº 528/2005) dispõe sobre a proibição do plantio de soja em todo o território municipal. Com apenas três artigos, em uma página, a legislação é lacônica e foi sancionada pelo então prefeito Milton Dias Rocha Filho: “Esta proibição visa manter preservado nosso eco-sistema, particularmente os piquizeiros e bacurizeiros entre outras frutíferas existente em nossas chapadas e demais regiões”, diz o artigo 2º.

Juiz aposentado, o prefeito de Barreirinhas, Amilcar Gonçalves Rocha (PCdoB), afirma que já houve tentativas de revogação das leis municipais, mas as investidas não prosperaram “por falta de força política”. Ele observa com apreensão o crescimento do agronegócio nos limites da cidade com outros municípios onde as plantações de eucalipto já estão consolidadas, a exemplo de Urbano Santos e Santa Quitéria. “Já chegaram a fazer carvoarias do nosso lado, mas depois de uma blitz da Secretaria Municipal de Meio Ambiente temos conhecimento de que recentemente derrubaram essas carvoarias. Tiraram porque sabem que nós não vamos permitir essa abertura para fazer o avanço (do agronegócio) no nosso território”, enfatizou.

Prefeito Amilcar Rocha está amparado em leis municipais

O território de Barreirinhas tem 246 povoados e está pressionado por dois tipos de indústrias: o agronegócio predatório no cerrado e os empreendimentos imobiliários no litoral e nas margens dos rios, estes também objeto de tensão com os licenciamentos.

Segundo o prefeito, existem apenas três fiscais ambientais concursados efetivos na administração municipal. O trabalho de vigilância é reforçado pelos servidores contratados. O Plano Diretor e a legislação complementar estão defasados. Nas áreas limítrofes com os municípios, onde o eucalipto predomina, não constam placas de sinalização e nem marcos delimitando as fronteiras. Ao longo da MA-225, diante da monocultura visível, não há informação com avisos e letreiros sobre as leis ambientais municipais que proíbem o cultivo predatório.

Uma terceira lei (nº 719/2014) de proteção do território de Barreirinhas, com 26 páginas, sancionada pelo prefeito Arieldes Macário da Costa, o Léo Costa, faz profundas mudanças no Código Municipal do Meio Ambiente (Lei nº 540/2005). O novo dispositivo jurídico estabelece diretrizes quanto ao planejamento urbano e proteção da biodiversidade em todo o município; cria mecanismos de financiamento para a defesa do patrimônio natural; exige relatórios de impacto ambiental para licenciar empreendimentos; altera a composição e as regras do Comuma (Conselho Municipal de Meio Ambiente); institui o Fundo Municipal do Meio Ambiente (FMMA) com a finalidade de apoiar investimentos sustentáveis, pesquisa e capacitação de agentes ambientais; reforça os mecanismos de controle, fiscalização e defesa do meio ambiente; disciplina a concessão de licenças para a instalação de empreendimentos; e estabelece punições administrativas e multa aos infratores, entre outros aspectos.

“Os recursos são pequenos e os investimentos feitos por governos anteriores na área de proteção ambiental foram muito poucos”, argumentou Rocha, pontuando as dificuldades ocorridas no período atípico da pandemia, os limites orçamentários e a restrição de gastos impostos pela legislação federal. O gestor pretende aprovar na Câmara dos Vereadores uma nova lei de organização administrativa, focada na vocação do município para o desenvolvimento sustentável.

Além de toda a legislação municipal mencionada, Barreirinhas e os municípios de Santo Amaro e Primeira Cruz estão sob a proteção do decreto federal Nº 86.060, de 02 de junho de 1981, que cria o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, com uma área de 155 mil hectares. Desse total, 90 mil hectares são constituídos de dunas livres e lagoas entre dunas.

Fronteira aberta

O presidente do Fórum Carajás (articulação de entidades do Maranhão, Pará e Tocantins, cuja missão é acompanhar e monitorar os impactos socioambientais dos grandes projetos), jornalista Mayron Regis Borges, há 10 anos acompanha comunidades atingidas pelo agronegócio no Maranhão. Na sua percepção, um dos obstáculos para conter o avanço indiscriminado do plantio de eucalipto é a indefinição cartográfica das fronteiras entre os municípios. “A região limítrofe entre Barreirinhas e Urbano Santos se coloca numa situação de limbo fundiário e territorial. Devido a essa situação incerta em que se desconhece a que município pertence determinada área, as empresas de reflorestamento se aproveitam para desmatar e plantar eucalipto em milhares de hectares com a presunção de que os seus cultivos se encontram no município de Urbano Santos, que não possui legislação ambiental impeditiva ao plantio de eucalipto”, especificou Borges. Ele menciona como principais empresas de eucalipto a Suzano Papel e Celulose e a Margusa.

As investidas dos fazendeiros do eucalipto já resultaram em conflitos nos povoados Tabocas, Rio Grande dos Lopes, Guarimãzinho, Mamede, Jabuti, Areia Branca, Armazém, Buriti, Jurubeba, Cigana e Gonçalo, onde houve reação das comunidades e recuo dos invasores. “A gente sabe que eles (agronegócio) continuam querendo fazer essa abertura aqui e nós estamos preparados para enfrentar isso com apoio de alguns políticos de âmbito nacional. Eu inclusive coloquei a situação para deputados federais e senadores. Nós pretendemos continuar com essa política preservacionista gerando emprego e renda de modo sustentável porque temos convicção de que aqui não é lugar para o plantio da monocultura”, ressaltou Amilcar Rocha.

Nascido e criado no povoado Tabocas, um dos mais importantes na chapada, o radialista e líder comunitário James Barros repudia a monocultura de eucalipto na região. Ele e o nativo Firmino Conceição guiaram a nossa reportagem até uma das nascentes do rio Jacu, afluente do Preguiças, principal rio de Barreirinhas. “Essa plantação atinge diretamente os nossos recursos hídricos, a fauna e a flora, afetando a vida de todos os moradores dos povoados do entorno, sem esquecer o extermínio das espécies de frutas nativas como o bacuri e o pequi, entre tantas outras fontes de alimento”, enumerou.

Uma das nascentes do rio Jacu, afluente do Preguiças, agoniza

Firmino Conceição foi enfático na comparação entre o avanço do eucalipto e a sobrevivência das populações originárias: “a fome aumentou”. Olhando a fina lamina d’água onde antes havia lagoas cheias nas cabeceiras do rio Jacu, recorda os tempos da fartura: “aqui a gente vinha pegar o camarão, a piaba… na cabeceira do rio lá em cima na chapada e nós papocava com o landruá.”

Euforia e incerteza

Fim de tarde na porta de uma pousada no Centro de Barreirinhas. Uma turista de Brasília chega à recepção e comenta:

– Eu estou deslumbrada. Nunca vi coisa mais linda em toda a minha vida”, exaltou-se, ao chegar de um passeio pelas dunas, rios e lagoas dos Lençóis Maranhenses.

O visitante brasileiro e estrangeiro desembarca na zona urbana, faz os roteiros turísticos, mas tem pouca noção do que acontece no cerrado. Grande parte da água que abastece o rio Preguiças, que passa no coração de Barreirinhas, vem da chapada. Os contrastes são um alerta até mesmo para quem se deslumbra quase sem perceber que a beleza oculta uma ferida. Na Praia do Amor, em Tabocas, o rio caudaloso está fino e assoreado.

Em Tabocas, moradores disciplinam o uso da Praia do Amor

Já nas entranhas do antigo povoado Café Sem Troco, na margem da MA-225, o rio Jacu renasce feito uma pintura. O cerrado pulsa lindo, mas está seriamente ameaçado.

Trecho vivo do rio Jacu, afluente do Preguiças, distante do eucalipto

Bastidores da reportagem

Nossa viagem começou às 5 horas da manhã e encerrou às 21 horas, sem parada nem para o almoço. Veja como a reportagem se virou para contar essa história.

Imagem destacada / Cercada de plantações de eucalipto, uma das nascentes do rio Jacu está secando / Ed Wilson Araújo

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Apruma emite nota de solidariedade aos atingidos por barragem de mineradora no Maranhão

Nota da Diretoria da APRUMA e GTPAUA/APRUMA de solidariedade aos moradores de Aurizona – Godofredo Viana – MA e de denúncia da atuação predatória da mineração no Maranhão

  • Desastre ambiental na Pré-Amazônia maranhense, em 25 de março de 2021: falta de transparência e deterioração da riqueza hídrica na mineração de ouro

O Grupo de Trabalho Política Agrária, Urbana e Ambiental (GTPAUA) e a Diretoria da APRUMA – Sessão Sindical do ANDES – Sindicato Nacional, que organiza e representa sindicalmente docentes da Universidade Federal do Maranhão, solidarizam-se com a população da comunidade Aurizona, do município de Godofredo Viana – MA, e denunciam a falta de transparência pública, a atuação predatória e a deterioração hídrica na Pré-Amazônia maranhense, que caracterizam a mineração de ouro realizada pela Mineração Aurizona S.A. (MASA), subsidiária da mineradora canadense Equinox Gold.

Segundo informações da própria empresa, a jazida possui reservas medidas de mais de 200 toneladas de ouro.

De acordo com a Agência Nacional de Mineração (ANM), apenas em 2020, em Godofredo Viana, a Equinox Gold obteve receita bruta de mais de 1 bilhão de reais.

A empresa, ao minerar o ouro, apropria-se da riqueza reconhecida pelos mercados financeiros e, além ampliar o saque da Amazônia brasileira, destrói a riqueza hídrica, a biodiversidade, as florestas e as culturas das comunidades locais. Assim, são ações estrangeiras que provocam degradação ambiental e miséria à população.

No dia 25 de março de 2021, denúncias através de vídeos e matérias de órgãos locais de comunicação foram veiculadas nas redes sociais sobre um possível rompimento da maior barragem de rejeitos minerais do Maranhão, localizada nas proximidades da comunidade Aurizona, no município de Godofredo Viana.

As suspeitas e denúncias de rompimento da barragem ocorreram em razão de uma grande quantidade de lama interditar a única estrada de acesso, isolando a comunidade; invadiu ainda o lago Juiz de Fora, que margeia a comunidade; contaminou a Estação de Tratamento de Água (ETA) do rio Tromaí, que abastece a população de cerca de quatro mil moradores de Aurizona, deixando-a sem fonte de água potável; atingiu a área de igarapés e manguezais, portanto Área de Preservação Permanente (APP), o que compromete a pesca, a mariscagem e, por consequência, a segurança alimentar da comunidade.

Os efeitos da difusão da lama na região, possivelmente tóxica em função das conexões existentes entre as várias fontes hídricas, podem alcançar outros rios e lagos que são de grande importância para as comunidades do entorno, que têm na pesca, na mariscagem e na agricultura importantes fontes de subsistência e de obtenção de renda.

Ainda não se sabe o alcance do desastre, mas deve ser investigado, identificados os responsáveis, a sociedade informada e os danos reparados.

Até agora, sabe-se que foram pelo menos dois pontos de transbordamento e alagamento em lados distintos da mina do Piaba. Uma na região das lagoas do Cachimbo e Juiz de Fora e outra na estrada de acesso à comunidade. A empresa ainda não informou qual exatamente foi a estrutura da mina que provocou o desastre.

Em função das denúncias, a mineradora emitiu uma nota em que minimizou a situação, afirmando que não houve rompimento da barragem, mas problemas com a drenagem que se encontrava em operação na mina, provocando transbordamento.

Diante da falta de informações mais precisas, devido à falta de transparência da empresa que não presta contas à sociedade sobre o ocorrido, o professor Tádzio Peters Coelho, da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e que realiza pesquisas na região, adverte que, “… é essencial saber de qual estrutura da empresa essa água veio e por onde ela passou, considerando a presença de material estéril entre os reservatórios/barragem e o lago Juiz de Fora… A contaminação de minério deste tipo em corpos hídricos pode acarretar uma série de impactos sociais e ambientais na vida da população atingida, como a ocorrência de diversas doenças, além do aumento da pobreza e da desigualdade social, como ocorreu em Brumadinho, Minas Gerais” (Disponível em https://www.brasildefato.com.br/2021/03/26/artigo-rompimento-de-barragem-no-ma-evidencia-falta-de-controle-social-na-mineracao).

O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e o Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH) já foram acionados e estão encaminhando reuniões com os atingidos. O CNDH requereu da empresa, com urgência, o Plano de Segurança de Barragens (PSB), informação atualizada dos últimos três meses da situação das estruturas e outras informações.

No entanto, é necessário que toda a sociedade maranhense e seus representantes nos legislativos e executivos municipais e estaduais exijam mais transparência por parte da empresa e que os órgãos públicos de fiscalização (Ibama, ICMBio, SEMA, CONSEMA e as instituições do sistema de justiça, principalmente, os Ministérios Públicos Estadual e Federal) se manifestem publicamente sobre o que já foi apurado e quais medidas foram tomadas. É necessário destacar ainda que a Mineração Aurizona S.A. (MASA) faz parte do Conselho Estadual de Meio Ambiente do Maranhão (CONSEMA). Nesta nota, expressamos a preocupação de que isso não comprometa o importante papel que o Conselho deve ter no acompanhamento dos efeitos do desastre.

Considerando que no Estudo de Impacto Ambiental e no Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (EIA/RIMA) apresentados pela empresa e utilizados como base para o Licenciamento Ambiental da mina não consta informação sobre qual material a empresa utiliza na separação/beneficamento do ouro, a transparência sobre o ocorrido é ainda mais necessária e urgente, pois rejeitos de beneficiamento do ouro normalmente são extremamente tóxicos.

Além disso, a área diretamente afetada e o número de pessoas afetadas por um possível rompimento da Barragem do Vené, que é onde são depositados os rejeitos da mina, deve passar por uma reavaliação, tendo em vista que há óbvia subestimação na estimativa da Agência Nacional de Mineração (ANM), segundo a qual no máximo 100 pessoas seriam afetadas no caso de um rompimento.

É necessário o amplo acesso aos mapas de inundação no caso de um amplo rompimento da Barragem do Vené, que deveriam estar disponíveis no Plano de Ações Emergenciais (PAE) da barragem.

Por fim, afirmamos que o evento do último dia 25 de março é, provavelmente, mais um crime socioambiental das mineradoras que são as mais beneficiadas com o atual modelo de exploração minerária existente no país e que se colocam contra a população brasileira.

A população de Aurizona não pode ser abandonada pelos poderes públicos e deve ser ressarcida em seus prejuízos pela MASA. Os efeitos ambientais devem ser levantados com transparência, os riscos em curso da atividade da extração mineral devem ser amplamente explicitados e medidas concretas tomadas para garantir a qualidade de vida e o ambiente saudável e avaliar se a opção pela mineração em escala empresarial do ouro é a melhor para toda população.

Estamos solidários aos afetados por esse provável crime ambiental e reivindicamos:

  • Informação urgente por parte do governo do estado do Maranhão acerca das providências que estão sendo tomadas pelos seus diferentes órgãos que podem ter políticas relacionadas à situação (Secretaria de Meio Ambiente, Secretaria de Segurança Pública, Secretaria de Infraestrutura etc.);
  • Publicização urgente das providências que estão sendo tomadas pela ANM eórgão ambientais;
  • Publicização das providências que estão sendo tomadas pelas Promotoria doMeio Ambiente dos Ministérios Públicos Federal e Estadual;
  • Imediato apoio da MASA à população atingida, em termos de alimentos, água potável e outros produtos necessários;

Territórios livres da mineração predatória já!

São Luís, 01 de abril de 2021.

Grupo de Trabalho Política Agrária, Urbana e Ambiental (GTPAUA)

Diretoria da APRUMA – Sessão Sindical do ANDES – Sindicato Nacional

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Saiba o que são as queimadas protetivas realizadas com planejamento dos órgãos ambientais

Ambientalistas e servidores do Ibama esclarecem o uso de uma técnica bastante conhecida em vários países do mundo, denominada Manejo Integrado do Fogo (MIF). Essa técnica pressupõe, basicamente, a execução de queimas controladas no início do período de seca (junho e julho) e em locais com maior risco de incêndios.

Nesse período, as queimadas controladas e orientadas pelos órgãos ambientais servem para reduzir a quantidade de combustível (biomassa) na época mais seca, diminuindo bastante o risco de grandes incêndios florestais.

As queimadas controladas e orientadas, denominadas Manejo Integrado do Fogo (MIF), têm o objetivo de proteger o entorno de áreas mais sensíveis como terras indígenas, unidades de conservação e até mesmo plantações.

Segundo os técnicos do Ibama, como boa parte dos incêndios florestais inicia nas beiras de estradas, a realização do MIF nestes locais é prioritária por reduzir significativamente o risco de ignição e propagação de incêndios florestais na época seca.

O nome do instrumento utilizado pelos brigadistas chama-se pinga fogo e é exatamente para isso que ele serve, ou seja, fazer as queimadas controladas legalmente previstas no Código Florestal (Art. 38 da Lei 12.651/12), que permite:

“o emprego da queima controlada em Unidades de Conservação, em conformidade com o respectivo plano de manejo e mediante prévia aprovação do órgão gestor da Unidade de Conservação, visando ao manejo conservacionista da vegetação nativa, cujas características ecológicas estejam associadas evolutivamente à ocorrência do fogo”.

Técnicos ambientais sinalizam os locais das queimadas protetivas

Durante as queimadas protetivas as equipes dos órgãos ambientais utilizam coletes de identificação, cones e outros sinalizadores, avisando e orientando a população e os motoristas sobre a verdadeira finalidade do trabalho – prevenir incêndios de grandes proporções.

As queimadas controladas são realizadas em locais específicos, após intensa análise dos aspectos econômicos, sociais e ambientais. É uma técnica praticada em quase todos os países que lidam com grandes incêndios, a exemplo da Austrália, África do Sul, Portugal, Espanha e EUA, entre outros.

Vídeo deturpado

Embora os órgãos ambientais tenham toda a precaução de esclarecer e orientar a população sobre as queimadas protetivas, algumas pessoas mal intencionadas fazem fotos e vídeos atribuindo ao Ibama intenções criminosas que não têm qualquer relação com a verdade.

Um desses vídeos, feito na região tocantina, sudoeste do Maranhão, circula nas redes sociais com informações falsas de incêndios atribuídos ao Ibama com supostas intenções políticas.

Os propagadores de desinformação (fake news) insistem em atribuir uma intenção criminosa e política às queimadas, culpando o Ibama, a Funai e os indígenas com falsas interpretações sobre o fogo nas margens das estradas.

O vídeo com informações falsas foi desmascarado no portal G1

Vídeo com desinformação sobre queimadas é mentiroso

Veja abaixo a nota do Fórum Nacional das Atividades de Base Florestal (FNBF) sobre as queimadas protetivas.

O Fórum Nacional das Atividades de Base Florestal (FNBF) informa a todos os associados e comunidade de interesse que a atividade filmada e incorretamente narrada do Ibama, em um vídeo que circula nas redes sociais, se trata de uma ação planejada que consiste na técnica de fogo controlado para limpeza das margens das rodovias.

Realizado de forma conjunta, o Ibama, a Polícia Rodoviária Federal e Funai iniciaram o trabalho de queima de materiais combustíveis que ficam às margens das rodovias, como vegetação seca, para evitar a ocorrência de incêndios descontrolados. A técnica é planejada com antecedência por equipes técnicas e adota todas as medidas de segurança disponíveis para controle do fogo e prevenção de acidentes.

Com a limpeza das margens da rodovia, os agentes públicos tentam reduzir a possibilidade de que, em caso de incêndio, o fogo atravesse a estrada e atinja uma área ainda maior. Todas essas informações foram fornecidas ao FNBF pelos órgãos responsáveis pela ação.

O Fórum reitera seu compromisso com a verdade dos fatos e se coloca à disposição para pesquisar e esclarecer dúvidas de seus associados em caso de conteúdos suspeitos.

Atenciosamente,

FÓRUM NACIONAL DAS ATIVIDADES DE BASE FLORESTAL

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Mobilização de pesquisadores e movimentos sociais adia a revisão do Plano Diretor de São Luís

As sete audiências públicas convocadas pela Câmara Municipal para debater alterações na legislação urbanística findaram com uma saída lúcida: é preciso debater mais sobre os impactos que a revisão do Plano Diretor pode provocar na cidade, estendendo-se à região metropolitana.

Participação nas audiências públicas e abaixo-assinado entregue à Câmara Municipal levaram os vereadores a recuar na votação que seria realizada em dezembro. O tema voltará à pauta em 2020.

Diversos grupos de pesquisa apresentaram um documento consistente aos vereadores solicitando um debate profundo sobre a proposta elaborada pela Prefeitura de São Luís. Embora a mudança mais impactante incida sobre a redução de 41% da zona rural de São Luís, todo o processo de revisão é questionado.

A principal denúncia apresentada aos vereadores diz respeito à negligência da Prefeitura de São Luís, através do Instituto da Cidade, Pesquisa e Planejamento Urbano e Rural (Incid), que não apresentou o Mapa de Vulnerabilidade Ambiental, documento essencial para expor os riscos que a cidade terá com as eventuais alterações na legislação urbanística.

O Mapa de Vulnerabilidade Ambiental deveria ter sido apresentado em janeiro de 2007, mas até agora, passados 12 anos, o ente municipal, em nenhum momento nas audiências até aqui realizadas, deu uma justificativa decente para o não cumprimento de tal determinação.

A ausência do Mapa de Vulnerabilidade Ambiental “configura um desrespeito aos habitantes da cidade. Se o mapa estivesse pronto, hoje teríamos uma maior dimensão dos riscos que a legislação oferece ao suprimir mais de 8.000 hectares da zona rural, transformando-a em zona urbana, a fim de disponibilizar um território às grandes empresas locais, nacionais e estrangeiras para a construção de um mega-porto, empreendimentos que certamente causarão impactos socioambientais de grandes proporções, como devastação de manguezais, aumento da demanda por água (já deficitária na ilha), poluição da água e do ar, além da expulsão violenta de moradores destes territórios”, detalhou o documento.

Quanto ao método utilizado para proceder a revisão do Plano Diretor, os pesquisadores e movimentos sociais reivindicam mais divulgação e mecanismos massivos de informação sobre os aspectos técnicos da proposta de revisão apresentada pela Prefeitura.

Eles solicitam ainda a realização de audiências nos bairros, principalmente nos mais afastados, em dias e horários favoráveis à participação da população.

Para facilitar a circulação das informações sobre o Plano Diretor, é necessária a capacitação dos técnicos e membros do Conselho da Cidade para difundir o tema junto à população, estimulando a atenção dos moradores para o tema.

O documento apresentado aos parlamentares recomenda o uso de espaços comunitários nos bairros (praças, escolas, associações de moradores) para a realização das reuniões com os moradores, levando em conta a melhoria dos mapas apresentados pelos técnicos da Prefeitura para que a maioria da população possa entender as propostas de mudança nos espaços da cidade.

Outro aspecto relevante alerta para a proteção das dunas, visando evitar a ocupação irregular desses espaços, além das diretrizes mais elaboradas para preservar as áreas de recarga de aquíferos, garantindo os espaços das águas subterrâneas e a sobrevivência dos rios da ilha de São Luís.

Seriam necessários, portanto, consistentes estudos geológicos para subsidiar qualquer alteração na legislação urbanística que reduza os territórios de aquíferos, fundamentais para as reservas de água na cidade.

O texto apresentado aos vereadores reivindica também a manutenção do Sítio Santa Eulália nos parâmetros do Artigo 22, Inciso I, da Lei Orgânica do Município, que o considera como relíquia histórica, de interesse ecológico e que precisa ser protegido, restaurado, recuperado e conservado. A referência ao Sítio Santa Eulália visa impedir a aprovação de mudança no Plano Diretor que transforme aquela área em objeto de especulação imobiliária.

Veja abaixo a íntegra do documento, seguido de abaixo-assinado, entregue aos vereadores de São Luís.

À CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO LUÍS, MARANHÃO

Diante das graves ameaças que a aprovação da atual proposta de Revisão do Plano Diretor de São Luís representa para a maioria da população e para os recursos ambientais do município, os abaixo-assinados, Professores e Alunos do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), com o apoio do Mestrado em Desenvolvimento Socioespacial e Regional (PPDSR-UEMA), do Grupo de Estudos de Dinâmicas Territoriais (GEDITE – UEMA), do Grupo de Estudos de Desenvolvimento, Política e Trabalho (GEDEPET- UEMA), do Grupo de Estudos em Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA- UFMA), do Núcleo de Estudos Geográficos (NEGO – UFMA), do Grupo de Estudos, Pesquisa e Debates em Serviço Social e Movimento Social (GSERMS – UFMA) e demais professores, intelectuais e acadêmicos, encaminham à Câmara Municipal de São Luís suas considerações sobre a proposta, reiterando a necessidade de realização de estudos mais aprofundados antes de uma decisão com profundos impactos  presentes e futuros, ao tempo que apresentam considerações e proposições que assegurem melhores condições de vida para a maioria da população de nossa cidade.

SÃO LUÍS, PLANEJAMENTO URBANO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL

No Brasil, o Plano Diretor e a Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo Urbano são os instrumentos que determinam as formas de uma cidade e a lógica do seu crescimento. Apoiados por mecanismos de controle social, tais instrumentos têm o poder de fazer uma cidade economicamente desenvolvida, socialmente justa e ambientalmente sustentável e, na situação de crise econômica, desequilíbrio social e ameaças ao meio ambiente em que vivemos, devem ser princípios a acatar e diretrizes a implementar. Entretanto, o planejamento urbano pouco tem contribuído para fazer de São Luís uma cidade mais humana e sustentável, conforme se pode confirmar pela avaliação de suas medidas e impactos.

Ao sediar, entre 1960 e 1970, grandes projetos de desenvolvimento econômico, a cidade concretizou a travessia dos Rios Anil e Bacanga e acessou terras para as demandas populacionais daquele período. Sob as diretrizes do Plano Diretor de 1975, São Luís se estendeu por regiões ociosas e construiu núcleos residenciais isolados, mudando o padrão urbano compacto centenário e adotando a forma dispersa de cidade, com infraestrutura e serviços públicos dispendiosos, favoráveis à especulação fundiária e à degradação ambiental. Com o Plano Diretor de 1992, a verticalização das áreas de valor imobiliário resultou na concentração de investimentos públicos e abandonou tanto a antiga cidade quanto os novos bairros de média e baixa renda.

Em 2006, a exigência legal do Estatuto da Cidade se apresentou como oportunidade de ajuste do modelo urbano predatório e injusto e o espaço democrático do Conselho da Cidade construiu um Plano Diretor que, sob o princípio do combate às vulnerabilidades socioambientais, definiu macrozoneamentos de qualificação urbana e rural e políticas setoriais de saneamento, mobilidade, habitação e gestão participativa. Engavetado durante 3 gestões municipais, o PD de 2006 jamais foi aplicado, mantendo-se a política urbana pontual e imediatista que, alimentada por recursos federais, produziram imensos conjuntos residenciais de alta, média e baixa renda, reforçando segregação social e destruição ambiental. 

Ainda hoje, apesar de contar com mais de 1 milhão de habitantes, São Luís mantém a baixa ocupação territorial, sendo a 17ª capital brasileira em densidade populacional, com grandes propriedades desocupadas que fazem dos longos trajetos casa-trabalho, das precariedades no saneamento básico e da má distribuição de equipamentos de educação, saúde, cultura e lazer, deseconomias urbanas superiores às finanças municipais. Incapaz de atender as demandas urbanas acumuladas, a gestão pública enfrenta a expansão do Porto do Itaqui, hoje polo regional estratégico para a economia nacional e internacional que provoca interesses fundiários do mercado imobiliário e das indústrias exportadoras.

Este é o contexto em que foi elaborada a atual proposta de Revisão do Plano Diretor de 2006 quando, mais uma vez, interesses imediatistas em favor do crescimento econômico se sobrepuseram às demandas sociais e ambientais da cidade. Sem apresentar estudos fundamentados que assegurem, de fato, o desenvolvimento social e ambiental e desconsiderando as imensas carências urbanas, a proposição do executivo municipal amplia em cerca de 80% o perímetro urbano, expulsando comunidades rurais e repetindo processos socioambientais que, ao longo de décadas, têm provocado a insustentabilidade de São Luís.

A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO PROCESSO DE ELABORAÇÃO E APROVAÇÃO DO PLANO DIRETOR

Repudiamos o modelo de participação proposto nas audiências para a revisão do Plano Diretor, por ter sido feito para cumprir trâmites burocráticos, que impedem as contribuições populares e desconsideram as críticas e protestos feitos por moradores da zona rural e segmentos de trabalhadores da sociedade civil, cujos aspectos principais aqui elencamos:

– Há um processo paulatino de exclusão dos segmentos mais humildes da sociedade civil, que se inicia desde as reuniões do Conselho da Cidade; os representantes dos trabalhadores e dos movimentos sociais, que trabalham o dia inteiro, não dispõem do tempo necessário para se adequarem às agendas das reuniões, realizadas em horário de trabalho, e acabam se tornando alheios aos processos de decisão. Propõe-se que, durante os encontros ordinários e extraordinários, o Conselho das Cidades estabeleça reuniões itinerantes em zonas rurais, para garantir mais possibilidades de participação dos demais segmentos nos processos de decisão;

– A maioria das audiências públicas acontece em horários que frustram a participação dos mais humildes. O sujeito que mora na zona rural, que depende de transporte coletivo e que tem o interesse de participar das audiências está automaticamente excluído do processo, uma vez que elas acontecem das 19h às 22h, podendo ir até 23h, num horário em que a oferta de transporte coletivo é drasticamente reduzida. Propõe-se a capacitação de técnicos e membros do Conselho da Cidade para levar as discussões do Plano Diretor aos bairros, para que haja regularidade e constância na participação. Recomenda-se o uso de espaços comunitários nos bairros (praças, escolas, associações de moradores) para a realização destas discussões junto aos moradores;

– A divulgação das audiências públicas não foi ampla o suficiente para informar a população de São Luís, que acaba tomando mais conhecimento dos eventos pelo esforço da própria sociedade civil do que pela gestão municipal. É preciso criar canais permanentes de discussão sobre o Plano Diretor (seja através das redes sociais, seja em instituições comunitárias nos bairros), e que a gestão municipal divulgue as informações sobre as audiências do Plano diretor com a mesma energia com que estabelece cobranças de água e energia;

– As informações e mapas disponibilizados pelos técnicos envolvidos na revisão do Plano Diretor são de difícil compreensão para a maior parte da população. Não há nenhum cuidado em decodificar as informações para o que o entendimento seja amplo. Logo, sugere-se repensar as informações cartográficas e demais produtos disponibilizados pelos técnicos para um modelo que possa ser compreendido pela população;

– As vozes dos mais humildes tendem a ser diluídas nas decisões finais. Imagina-se que uma forma de combater esse efeito é inserir as discussões sobre o Plano em escalas menores; as propostas precisam ser discutidas na escala do bairro, com a mobilização de todos os cidadãos interessados a respeito do que consiste um Plano Diretor e quais são as repercussões na produção do espaço da cidade;

– O meio acadêmico dispõe de uma extensa produção de análises de bairros, de projetos e pesquisas e se disponibiliza a contribuir no planejamento. Para isso, é importante que exista um canal de diálogo mais aberto entre os técnicos de planejamento que conduzem as propostas de revisão do Plano Diretor e os alunos e professores do curso;

– É necessário imaginar uma remodelação nas propostas de discussão, que estabeleça discussões do Plano em horizontes temporais reduzidos (discussão de propostas a curto, médio e longo prazo).

A EXPANSÃO DO PERÍMETRO URBANO E A REDUÇÃO DA ZONA RURAL

– Perante a baixa densidade populacional que São Luís apresenta, ainda com capacidade de crescimento dentro dos limites atuais da cidade, a proposta de expansão do perímetro urbano de forma indiscriminada e desproporcional, visando disponibilizar novas áreas para a produção imobiliária, poderá resultar em novo ciclo de crescimento caótico e descontrolado, ameaçando comunidades fragilizadas e recursos naturais cada dia mais escassos, mas também elevando de forma irresponsável os custos da gestão municipal para oferecer de forma adequada e digna  infraestrutura e serviços públicos para um organismo urbano agigantado;

– As demandas por espaço de parte de indústrias exportadoras, ainda que justas e passíveis de atendimento, devem ser subordinadas aos princípios do desenvolvimento sustentável, ao direito de comunidades tradicionais e centenárias e aos retornos sociais e econômicos que tais empreendimentos comprovem em favor da maioria da população ludovicense. Neste sentido, reforçamos a ausência, na proposta de Revisão do Plano Diretor, de qualquer estudo técnico e científico que disponibilize elementos capazes de avaliar seus efeitos socioambientais, situação que entrega aos empreendedores privados um desmedido poder de decisão sobre o futuro coletivo;

– As mesmas exigências se aplicam àquelas áreas de expansão urbana destinadas à produção imobiliária residencial que, além de ameaçar com novas periferias sem infraestrutura e serviços públicos, agravam as precárias condições de mobilidade da maioria da população e ignoram demandas acumuladas em centenas de bairros de São Luís que, sem regularização urbanística, há muito exigem qualificação de seus espaços de vida. Na contramão dos princípios do urbanismo compacto e sustentável, a expansão dos limites urbanos representará o aumento dos custos da terra na cidade, verticalizando as edificações e pressionando os serviços públicos, hoje já escassos;

– A expansão do perímetro urbano, transformando áreas rurais onde centenas de comunidades produzem alimento para suas famílias e para a sociedade ludovicense, ameaça com o desemprego e falta de moradia todos aqueles que hoje vivem de forma autônoma em povoados do município. Indispensáveis para assegurar alimentos saudáveis e baratos, sua permanência deve não apenas ser assegurada como políticas públicas devem qualificar suas condições de produção, com apoio técnico e financeiro, infraestrutura de distribuição e comercialização;

A proposta tecnocrata da Revisão do Plano Diretor, que pensa os problemas da cidade com atenção exclusiva nas demandas dos grandes negócios de dentro e fora da cidade, sem apresentar estudos sociológicos sobre o impacto industrial nas áreas residenciais, sem explorar capacidades e potencialidades locais, sem valorizar as comunidades que produzem e preservam o meio ambiente, sem considerar os já elevados índices de poluição ambiental da descontrolada ocupação industrial, não pode ser transformada em legislação e norma urbanísticas, pois significaria entregar o destino da cidade e de sua população a interesses privados que ignoram necessidades sociais e ambientais.

O MACROZONEAMENTO AMBIENTAL E A REDUÇÃO
DAS ÁREAS DE PROTEÇÃO NATURAL

– A proposta de nova delimitação das dunas – território que compõe na proposta a Macrozona de Proteção Integral – do litoral norte do município, se diferencia dos limites estabelecidos na lei vigente (nº 4.669/2006), excluindo áreas que, ao que parece, foram ocupadas com residências e empreendimentos de alto padrão após 2006. Entendemos que a redelimitação proposta configura uma ratificação da omissão dos órgãos ambientais competentes, inclusive da PMSL, em não conter as ocupações ilegais em áreas de dunas. Defendemos que permaneçam os limites estabelecidos na lei vigente;

A revisão do Plano Diretor propõe a cisão do Sítio Santa Eulália, que na lei de Zoneamento vigente aparece como Zona de Reserva Florestal. Na proposta atual, há uma tentativa de transformar a porção oeste do Santa Eulália em Zona de Consolidação 1, inserida no Macrozoneamento Urbano com a justificativa frágil de que a área possui arruamentos. Tal proposta fere o que estabelece o Artigo 22, Inciso I, da Lei Orgânica do Município, que o considera como relíquia histórica, de interesse ecológico e que precisa ser protegido, restaurado, recuperado e conservado. A mudança de parte desta área para o Macrozoneamento Urbano é inconstitucional. Defendemos que ela não seja objeto de especulação imobiliária, pois necessita de políticas ambientais que visem sua recuperação, como reflorestamento e plano de manejo, assegurando um uso sustentável;

É preciso definir de forma clara na proposta do Plano Diretor o que fazer com as áreas de recarga de aquífero, sobretudo as que se localizam em territórios não ocupados ou parcialmente ocupados. No texto da revisão há apenas sua mudança de ‘Área de Uso Sustentável’ para ‘Macrozona de Manutenção da Drenagem’, indicando ainda que seus critérios de ocupação serão definidos no zoneamento. Defendemos que a proposta apresente um texto com diretrizes mais bem elaboradas para as áreas de recarga de aquíferos;

É preciso chamar atenção para o descaso dos órgãos competentes ambientais, em todas as esferas, no que tange à fiscalização dos territórios de importância ambiental, como no caso da APA do Maracanã, que sofreu recortes em suas porções sul, sudoeste e sudeste devido a ocupações irregulares e de programas habitacionais, como o Minha Casa, Minha Vida;

Externamos aqui ainda nossa insatisfação com a não participação dos técnicos e secretários de órgãos ambientais no processo das audiências públicas, para que justificassem as mudanças no Macrozoneamento Ambiental, parte que integra a proposta e que precisa da maior atenção e cuidado, em virtude de São Luís compor um ambiente insular com a maior quantidade de manguezais em área urbana do Brasil, e possuir uma população em sua maioria pobre e que vive em condições precárias de moradia;

Manifestamos e reforçamos também o descaso da Prefeitura, através do Instituto da Cidade, Pesquisa e Planejamento Urbano e Rural – INCID, quanto à elaboração do Mapa de Vulnerabilidade Ambiental, previsto e definido para ficar pronto em janeiro de 2007, noventa dias após a promulgação do Plano Diretor em outubro de 2006. O ente municipal, em nenhum momento nas audiências até aqui realizadas, deu uma justificativa decente para o não cumprimento de tal determinação, o que configura um desrespeito aos habitantes da cidade. Se o mapa estivesse pronto, hoje teríamos uma maior dimensão dos riscos que a legislação oferece ao suprimir mais de 8.000 hectares da zona rural, transformando-a em zona urbana, a fim de disponibilizar um território à grandes empresas locais, nacionais e estrangeiras para a construção de um mega-porto, empreendimentos que certamente causarão impactos socioambientais de grandes proporções, como devastação de manguezais, aumento da demanda por água (já deficitária na ilha), poluição da água e do ar, além da expulsão violenta de moradores destes territórios;

Por fim, fazemos um apelo aos vereadores do município de São Luís para que levem em consideração os reclamos e necessidades dos habitantes do município, em especial os da zona rural, que já demonstraram não aceitar as propostas oriundas do poder público municipal e dos representantes do rentismo urbano e imobiliário.

São Luís, 06 de dezembro de 2019

Imagem destacada / Claudio Castro / chaminé lança partículas poluentes na zona rural de São Luís

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Flávio Dino quer assumir gestão dos Lençóis Maranhenses

Fonte: Congresso em Foco

O estado do Maranhão, governado por Flávio Dino (PCdoB), está na briga para ficar com a gestão dos lençóis maranhenses. Principal ponto turístico do Maranhão, o território é federal e recentemente foi incluído em uma lista de localidades que serão privatizadas pelo governo de Jair Bolsonaro, junto com os parques nacionais de Jericoacoara (CE) e Iguaçu (PR).

“O governo federal não quer, mas a gente quer”, afirma o Secretário Chefe da Representação Institucional do Governo do Maranhão no Distrito Federal, Ricardo Cappelli, contando que o estado aguarda uma resposta do governo federal sobre o assunto há mais de um mês.

A movimentação para trazer o espaço para influência do estado começou antes mesmo do anúncio da privatização. O governador Flávio Dino enviou um ofício ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) pedindo que a gestão passasse para o estado, por meio da Maranhão Parcerias (Mapa), em 6 de setembro.

“A proposta fortalecerá as relações interinstitucionais entre o Estado do Maranhão e a União, aperfeiçoará a gestão socioambiental integrada da unidade de conservação em apreço, bem como a sua relação com o seu entorno”, defende o governador no documento.

O ofício, porém, até hoje não recebeu resposta. Pouco menos de três meses depois, em 3 de dezembro, o governo federal anunciou que o parque seria privatizado, mesmo com a demonstração de interesse do estado.

“O governo estadual destaca que mantém o interesse na administração do parque e que aguarda um retorno sobre o pedido feito pelo governador Flavio Dino em junho, ao Ministério do Meio Ambiente”, disse o governo do Maranhão em nota.

Procurado, o Ministério do Meio Ambiente não respondeu aos questionamentos da reportagem até o momento da publicação.

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A responsabilidade dos vereadores de São Luís com o Plano Diretor

Dos 31 vereadores de São Luís, apenas 14 chegaram a participar ou marcaram presença nas seis audiências públicas convocadas pela própria Câmara Municipal para debater a proposta de revisão do Plano Diretor.

Compareceram até agora Honorato Fernandes, Pavão Filho, Umbelino Junior, Bárbara Soeiro, Marcial Lima, Cezar Bombeiro, Concita Pinto, Osmar Filho, Edson Gaguinho, Dr Gutemberg, Estevão Assunção, Sá Marques, Genival Alves e Raimundo Penha.

A presença dos vereadores nas audiências varia e chega a ser esporádica em alguns casos; ou seja, alguns parlamentares compareceram eventualmente.

Infelizmente ignorada pela maioria da Câmara Municipal, a revisão de uma parte da legislação urbanística vai mexer na vida de todos os moradores, independente do bairro.

A temperatura e o clima da cidade, os níveis de violência, a qualidade do ar, a mobilidade, a oferta de alimentos sem veneno, o fornecimento de água potável, a agricultura familiar como fonte de renda e sobrevivência, a pesca e o extrativismo, o turismo e tantos outros componentes da vida cotidiana serão direta ou indiretamente afetados pela decisão dos vereadores sobre a proposta da Prefeitura de São Luís para a revisão do Plano Diretor.

Entre os recortes mais graves da proposta está a redução de 41% da zona rural, com o objetivo de atender aos interesses do mercado de terras para a especulação imobiliária, investimentos portuários, mínero-metalúrgicos e a ampliação da planta industrial da cidade.

Os impactos serão sentidos a médio e longo prazo. É certo que a temperatura de São Luís vai aumentar e teremos poluição em níveis ainda mais drásticos que os atuais. Outras consequências mais violentas virão depois.

Veja aqui o panorama das mudanças no Plano Diretor.

A zona rural funciona como um cinturão de proteção da cidade. É um território de sobrevivência para milhares de famílias, sendo fundamental para a qualidade de vida em toda a chamada grande São Luís.

Considerando a complexidade dos recursos hídricos, a zona rural cumpre um papel estratégico na absorção das chuvas, abastecendo os lençóis freáticos indispensáveis para a recarga de aquíferos e das reservas de água potável na cidade.

De tudo que já foi dito, escrito e atestado sobre a proposta da revisão do Plano Diretor, há um consenso de que a população está à margem das informações.

A Prefeitura de São Luís não proporcionou as condições para a divulgação das audiências públicas exigidas pela legislação.

E as audiências convocadas pela Câmara Municipal também não foram suficientemente publicizadas.

No geral, a população sequer tem conhecimentos básicos sobre o conteúdo das mudanças sugeridas no Plano Diretor.

As fortunas gastas em propaganda sobre os feitos do prefeito deveriam ser investidas também na ampla divulgação das audiências públicas que vêm debatendo as mudanças drásticas na vida dos moradores.

Há uma gigantesca falta de conhecimento sobre o tema (Plano Diretor) tão impactante para o presente e o futuro de mais de 1 milhão de pessoas.

A Câmara dos Vereadores precisa ter sensibilidade para pensar na gravidade da situação e adiar a votação da proposta de revisão da legislação urbanística.

Está nas mãos dos parlamentares a chance e o poder de agir com a devida responsabilidade conferida a eles pelos ludovicenses, através do voto.

É certo que haverá pressão da Prefeitura sobre os vereadores para que a proposta seja aprovada.

Se os parlamentares cederem sem debate, aceitando as imposições da Prefeitura, a Câmara de Vereadores será lembrada como exemplo de submissão.

Além disso, os vereadores serão fiscalizados e cobrados pelas suas atitudes e decisões. Aprovar mudanças tão complexas na legislação urbanística terá consequências, inclusive nas eleições de 2020, quando quase todos os edis tentarão a reeleição.

Os movimentos sociais e a população da zona rural estão atentos à movimentação dos vereadores.

E a cidade espera que eles atuem com prudência, tomando a decisão acertada – adiar a votação para que a população possa tomar amplo conhecimento da proposta de revisão do Plano Diretor, debater e tomar as decisões mais adequadas para o desenvolvimento de São Luís.

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Justiça nos Trilhos recebe premiação internacional na Suíça

Reconhecida pela atuação em apoio às comunidades e grupos humanos que são impactados pelas operações do Projeto Carajás, da mineradora brasileira Vale, e negócios correlatos que estão na cadeia de siderurgia e mineração na região do Pará e do Maranhão, a Rede “Justiça nos Trilhos” recebeu ontem (27), na Suíça, o Prêmio Direitos Humanos e Empresas.

Concedido pela Fundação Direitos Humanos e Empresas (Human Rights and Business Award Foundation), a premiação foi realizada durante o Fórum das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos, em Genebra. “Lançamos este prêmio anual para reconhecer ‘o trabalho de maior destaque realizado pelos defensores de direitos humanos, ao tratar dos impactos causados pelas empresas A Justiça nos Trilhos simboliza este grupo, que há anos trabalha de maneira rigorosa e consciente em circunstâncias desafiadoras — sempre em estreita colaboração com as comunidades locais, cujos direitos fundamentais buscam proteger”, afirmaram os membros do conselho administrativo da Fundação, Christopher Avery, Regan Ralph e Valeria Scorza, em um comunicado conjunto sobre a premiação.

A Rede Justiça nos Trilhos foi fundada em 2007 e desde o principio tem se dedicado prioritariamente pelo trabalho em nível local, junto com as comunidades impactadas no Maranhão e Pará. De acordo com Danilo Chammas, advogado da Rede que recebe o prêmio em nome da organização, “o prêmio é um grande reconhecimento  por todo o trabalho, não só da equipe, mas da luta incansável de todas as comunidades, também outros parceiros, defensores e defensoras de direitos humanos e da natureza, no Brasil e outros países”.

Leia tudo aqui

Imagem: Justiça nos Trilhos mobiliza os moradores de Piquiá de Baixo contra a poluição das siderúrgicas na região tocantina, no Maranhão. Foto Marcelo Cruz

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Uma (pequena) grande ação

Eloy Melonio

Professor, escritor, poeta e compositor

O que Zé Raimundo e Neil Armstrong têm em comum?

Quase todo mundo conhece a história de Neil Armstrong, famoso astronauta americano da Apollo 11 e o primeiro homem a pisar na Lua, em 20 de julho de 1969.

Mas a história de Zé Raimundo, um comerciante de bairro, com sua quitandinha de uma janela, protegida por grade, talvez apenas duas ou três pessoas a conheçam.

Para início de conversa, não foi fácil entender direito o que ele fazia. Cheguei a pensar em várias possibilidades. Como geralmente cruzamos um com o outro durante nossas caminhadas matinais, via-o ― geralmente acompanhado de sua esposa ― carregando sacos plásticos com alguma coisa pesada dentro. Até aí, nada de errado. Mas o fato inusitado é que, algumas vezes, parecia vê-lo agachado, como se estivesse pegando coisas do chão. Cheguei a imaginar que talvez fosse aquela débil mania de algumas pessoas idosas.

Quando me lembro disso, sinto um pouco de vergonha. A verdade é que nós geralmente não lemos direito o texto, ou lemos sem atentar ao contexto. E aí, o resultado da leitura é um desastre.

Certo dia, saí mais tarde para caminhar. E tive a sorte de não cruzar, mas andar paralelamente na mesma direção que ele; eu, de um lado da rua, e ele, na calçada da avenida. E por alguns minutos pude observá-lo mais atentamente. Aí sim, texto e contexto agora davam sentido à minha leitura.

Neil Armstrong tem uma biografia de dar inveja. Zé Raimundo, apenas um anônimo cidadão de bem. O primeiro já não está mais aqui; o segundo é apenas um entre nós.

Seja Neil ou Zé, o que importa é o que cada um pôde ou pode legar à humanidade, à sua cidade.

Palavras e atitudes nos inspiram a mudar o enredo de nossas vidas. Vindas de gente importante, ou de gente comum. Lições que temos a dar, lições que temos a aprender. Recentemente alguém me disse: “Tenho me esforçado para fazer as coisas da forma mais correta possível”. Ou seja: estacionar na vaga certa, não jogar lixo na rua, dar bom dia ao vizinho… Pensei comigo: Que lição! Preciso aprendê-la depressa!

Nosso velho mundo carece de boas lições. De gente que faz a diferença, que deixa exemplos. Gente como Chico Mendes, Zélia Arns, Marielle Franco. E tantos outros anônimos que andam por aí, como o cidadão que devolveu ao dono a carteira com dois mil reais que este deixara no banco da praça.

E quanto ao nosso personagem, o que faz de tão especial?

Nas manhãs ensolaradas de nossa estação seca, ele simplesmente enche garrafas pet (2l) com água e sai molhando plantinhas à margem da avenida. Algumas das quais ele mesmo plantou. Plantinhas que não são vistas pelos gestores públicos, pelos comerciantes da região, nem pelos transeuntes. E que um dia darão sombra e abrigo a quem passar por ali.

Não sei quantos passos Neil Armstrong deu na superfície da Lua. Só sei que, quase diariamente, Zé Raimundo dá mais de duzentos para cumprir a missão a que se propôs. E tudo isso sem “posts” nas redes sociais para impressionar os amigos. Um trabalho de formiguinha: constante, silencioso, resoluto.

Seu Zé Raimundo talvez nem saiba quem foi Neil Armstrong, mas imita direitinho seus passos aqui na Terra. E, orgulhoso, poderia dizer ao final de cada caminhada: “Uma pequena ação para mim, uma grande lição para meus concidadãos”.

Imagem: Eloy Melonio / Cajueiro plantado por Zé Raimundo, e do qual já comeu o fruto.