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Monocultura do eucalipto já ameaça o território de Barreirinhas, nos Lençóis Maranhenses

Texto e imagens: Ed Wilson Araújo / Produção: James Barros

Firmino Conceição, 53 anos, caminha rápido na trilha onde havia um córrego, no povoado onde nasceu e vive até hoje. Ele fala com saudade dos tempos da fartura de água na chapada. Num gesto ligeiro, junta um graveto do chão e detalha a cena do passado, futucando o leito seco do riacho. “Quando eu me entendi aqui era bacana. Eu vinha pescar com meu facão reparando o sarapó debaixo da capemba. Aí levava para os meus filhos comer. E agora não tem água, viu.”, lamentou.

Capemba ou caçamba é um tipo de palma larga de palmeiras ou coqueiros. Quando despenca do tronco e cai no chão, serve de esconderijo para os peixes no alagado. O povoado de Firmino Conceição, denominado Mendes, fica no município de Belágua.

O eucalipto secou o riacho onde Firmino pescava

Antes da construção da moderna rodovia MA-402, interligando São Luís ao Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses e à Rota das Emoções, o acesso a esta região era feito pela antiga estrada MA-225, que conecta Barreirinhas ao Baixo Parnaíba, à altura de São Benedito do Rio Preto e Urbano Santos.

Esquecida, a MA-225 ainda é uma estrada de chão, tem 87 Km de areia, piçarra e barro, atravessa riachos, córregos, brejos e proporciona um exuberante visual do cerrado maranhense. Mas, essa paisagem muda na fronteira entre Barreirinhas e Urbano Santos, vizinho de Belágua. Nesse município já é visível a destruição da biodiversidade pelas grandes fazendas de eucalipto.

James Barros dá o mapa do eucalipto no cerrado

No povoado Mendes, cercado das extensas plantações de eucalipto, estão algumas nascentes do rio Jacu, um dos afluentes do rio Preguiças, que banha o município de Barreirinhas, famoso destino de turistas do mundo inteiro.

Quando chove, a esperança de água vira um tormento porque a devastação da cobertura vegetal do cerrado para o plantio do eucalipto solta a terra e o entulho do desmatamento que, arrastados pela enxurrada, acabam assoreando os mananciais. No quintal da casa de Jocemildo Rocha, 31 anos, a situação é desoladora. “Essa areia vem da chapada”, explica, apontando para o riacho morto pelo assoreamento. Sem os córregos, não há peixes, caça e nem aves, provocando não só um desequilíbrio ambiental como a escassez de alimentos para as comunidades.

Os “desertos” de eucalipto entre Barreirinhas e Humberto de Campos

Ele se refere aos “gaúchos” genericamente para identificar os fazendeiros ou empresas do agronegócio. Por razões de segurança, a reportagem não abordou funcionários nas sedes das fazendas que servem de base ao plantio de eucalipto para entrevistá-los, seguindo o critério de pluralidade de fontes na produção jornalística.

“A gente conviver com os gaúchos aqui é complicado. Todas as colheitas que eles fazem, o impacto vem parar sobre nós. A gente não pode tirar sequer uma vareta de pescar na plantação deles, mas eles podem vir na região da gente e fazer isso que vocês tão vendo ó: morte para os nossos rios, morte das plantas, morte dos peixes e nós somos obrigados a conviver com isso porque os nossos governantes não têm capacidade de chegar junto para nos ajudar. Deixam a gente a Deus dará”, resumiu.

Para Jocemildo Rocha, “só resta a tristeza”

Responsabilidades compartilhadas

Se para o presidente Jair Bolsonaro (PL) Deus está acima de todos, o agronegócio atropela tudo, até os lugares sagrados da natureza. O conjunto de ações e medidas do governo federal estimula a violência no campo através do uso de agrotóxicos em larga escala, do desmonte dos órgãos ambientais, incitamento ao armamentismo, esvaziamento das instituições de pesquisa e do ódio contra ambientalistas, índios, quilombolas e negros.

Já no âmbito estadual, na gestão do governador Flávio Dino (PSB), o ponto crítico está localizado nas licenças ambientais expedidas pela Sema (Secretaria de Estado do Meio Ambiente), que viabilizam a expansão da monocultura com impactos degradantes sobre as comunidades tradicionais. O Maranhão ocupa o segundo lugar no ranking dos conflitos agrários no Brasil e é o campeão de mortes no campo, segundo o relatório da CPT (Comissão Pastoral da Terra) em 2021.

Esse contexto motivou uma ação ajuizada pela Defensoria Pública do Estado (DPE), Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras do Estado do Maranhão (Fetaema) e Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), contra o Estado do Maranhão, pedindo a suspensão das licenças ambientais não precedidas de consulta junto aos moradores dos territórios afetados.

Em decisão liminar, o juiz titular da Vara de Interesses Difusos e Coletivos, Douglas de Melo Martins, acatou o pedido. O magistrado suspendeu os licenciamentos até que as comunidades sejam ouvidas. A liminar tem como base a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que determina a consulta prévia, livre e informada para que os povos e comunidades tradicionais se posicionem diante de ações sobre os seus territórios.

O defensor público e professor de Direito da Universidade Estadual do Maranhão (Uema), Jean Carlos Nunes Pereira, entrevistado na Agência Tambor, computou vários mecanismos e instâncias de proteção e segurança jurídica no contexto dos conflitos no campo. O Maranhão tem uma Vara Agrária, no Tribunal de Justiça; uma Promotoria Especializada em Conflitos Agrários, no Ministério Público; o Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado; e a Coecv (Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade), vinculada ao Governo do Estado.

No entanto, ponderou o defensor, as medidas em curso são “reativas”; ou seja, ocorrem depois do conflito já instalado. Segundo ele, as raízes mais profundas e complexas da violência no campo são de ordem estrutural no Brasil, incluindo o Maranhão, marcadas pela concentração de terra e renda.

Embora os sete anos de mandato (2014-2021) do governador Flávio Dino (ex-PCdoB e agora no PSB) tenham efetivado melhorias relevantes, a estrutura fundiária manteve o tripé do latifúndio, grilagem e violência. O candidato oficial do Palácio dos Leões (símbolo máximo de poder no Maranhão) para a sucessão do governador é o seu atual vice, Carlos Brandão (PSDB), um dos matizes da estrutura oligárquica, vinculado ao agronegócio. 

Recentemente, a Assembleia Legislativa do Maranhão concedeu uma homenagem a Gisela Introvini, membro de uma família de plantadores de soja e símbolo da violência no campo na região do Baixo Parnaíba.

Defesa legal

Há esperança? Em Barreirinhas já existem leis municipais proibindo os cultivos predatórios ao meio ambiente datadas em 1998, 2005 e 2014.

A Lei nº 420/1998, sancionada à época pelo prefeito Francisco Pedro Monroe Conceição, com apenas quatro artigos em uma lauda, “dispõe sobre a proibição de reflorestamento com eucalipto ou outro tipo de reflorestamento que venha danificar o meio ambiente, em toda a área territorial do município de Barreirinhas”. No artigo 2º a legislação alerta: “Esta proibição se faz necessária em virtude de algumas empresas estarem a se instalar nas proximidades do município de Barreirinhas, com projetos de reflorestamento de eucalipto.”

Outra Lei (nº 528/2005) dispõe sobre a proibição do plantio de soja em todo o território municipal. Com apenas três artigos, em uma página, a legislação é lacônica e foi sancionada pelo então prefeito Milton Dias Rocha Filho: “Esta proibição visa manter preservado nosso eco-sistema, particularmente os piquizeiros e bacurizeiros entre outras frutíferas existente em nossas chapadas e demais regiões”, diz o artigo 2º.

Juiz aposentado, o prefeito de Barreirinhas, Amilcar Gonçalves Rocha (PCdoB), afirma que já houve tentativas de revogação das leis municipais, mas as investidas não prosperaram “por falta de força política”. Ele observa com apreensão o crescimento do agronegócio nos limites da cidade com outros municípios onde as plantações de eucalipto já estão consolidadas, a exemplo de Urbano Santos e Santa Quitéria. “Já chegaram a fazer carvoarias do nosso lado, mas depois de uma blitz da Secretaria Municipal de Meio Ambiente temos conhecimento de que recentemente derrubaram essas carvoarias. Tiraram porque sabem que nós não vamos permitir essa abertura para fazer o avanço (do agronegócio) no nosso território”, enfatizou.

Prefeito Amilcar Rocha está amparado em leis municipais

O território de Barreirinhas tem 246 povoados e está pressionado por dois tipos de indústrias: o agronegócio predatório no cerrado e os empreendimentos imobiliários no litoral e nas margens dos rios, estes também objeto de tensão com os licenciamentos.

Segundo o prefeito, existem apenas três fiscais ambientais concursados efetivos na administração municipal. O trabalho de vigilância é reforçado pelos servidores contratados. O Plano Diretor e a legislação complementar estão defasados. Nas áreas limítrofes com os municípios, onde o eucalipto predomina, não constam placas de sinalização e nem marcos delimitando as fronteiras. Ao longo da MA-225, diante da monocultura visível, não há informação com avisos e letreiros sobre as leis ambientais municipais que proíbem o cultivo predatório.

Uma terceira lei (nº 719/2014) de proteção do território de Barreirinhas, com 26 páginas, sancionada pelo prefeito Arieldes Macário da Costa, o Léo Costa, faz profundas mudanças no Código Municipal do Meio Ambiente (Lei nº 540/2005). O novo dispositivo jurídico estabelece diretrizes quanto ao planejamento urbano e proteção da biodiversidade em todo o município; cria mecanismos de financiamento para a defesa do patrimônio natural; exige relatórios de impacto ambiental para licenciar empreendimentos; altera a composição e as regras do Comuma (Conselho Municipal de Meio Ambiente); institui o Fundo Municipal do Meio Ambiente (FMMA) com a finalidade de apoiar investimentos sustentáveis, pesquisa e capacitação de agentes ambientais; reforça os mecanismos de controle, fiscalização e defesa do meio ambiente; disciplina a concessão de licenças para a instalação de empreendimentos; e estabelece punições administrativas e multa aos infratores, entre outros aspectos.

“Os recursos são pequenos e os investimentos feitos por governos anteriores na área de proteção ambiental foram muito poucos”, argumentou Rocha, pontuando as dificuldades ocorridas no período atípico da pandemia, os limites orçamentários e a restrição de gastos impostos pela legislação federal. O gestor pretende aprovar na Câmara dos Vereadores uma nova lei de organização administrativa, focada na vocação do município para o desenvolvimento sustentável.

Além de toda a legislação municipal mencionada, Barreirinhas e os municípios de Santo Amaro e Primeira Cruz estão sob a proteção do decreto federal Nº 86.060, de 02 de junho de 1981, que cria o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, com uma área de 155 mil hectares. Desse total, 90 mil hectares são constituídos de dunas livres e lagoas entre dunas.

Fronteira aberta

O presidente do Fórum Carajás (articulação de entidades do Maranhão, Pará e Tocantins, cuja missão é acompanhar e monitorar os impactos socioambientais dos grandes projetos), jornalista Mayron Regis Borges, há 10 anos acompanha comunidades atingidas pelo agronegócio no Maranhão. Na sua percepção, um dos obstáculos para conter o avanço indiscriminado do plantio de eucalipto é a indefinição cartográfica das fronteiras entre os municípios. “A região limítrofe entre Barreirinhas e Urbano Santos se coloca numa situação de limbo fundiário e territorial. Devido a essa situação incerta em que se desconhece a que município pertence determinada área, as empresas de reflorestamento se aproveitam para desmatar e plantar eucalipto em milhares de hectares com a presunção de que os seus cultivos se encontram no município de Urbano Santos, que não possui legislação ambiental impeditiva ao plantio de eucalipto”, especificou Borges. Ele menciona como principais empresas de eucalipto a Suzano Papel e Celulose e a Margusa.

As investidas dos fazendeiros do eucalipto já resultaram em conflitos nos povoados Tabocas, Rio Grande dos Lopes, Guarimãzinho, Mamede, Jabuti, Areia Branca, Armazém, Buriti, Jurubeba, Cigana e Gonçalo, onde houve reação das comunidades e recuo dos invasores. “A gente sabe que eles (agronegócio) continuam querendo fazer essa abertura aqui e nós estamos preparados para enfrentar isso com apoio de alguns políticos de âmbito nacional. Eu inclusive coloquei a situação para deputados federais e senadores. Nós pretendemos continuar com essa política preservacionista gerando emprego e renda de modo sustentável porque temos convicção de que aqui não é lugar para o plantio da monocultura”, ressaltou Amilcar Rocha.

Nascido e criado no povoado Tabocas, um dos mais importantes na chapada, o radialista e líder comunitário James Barros repudia a monocultura de eucalipto na região. Ele e o nativo Firmino Conceição guiaram a nossa reportagem até uma das nascentes do rio Jacu, afluente do Preguiças, principal rio de Barreirinhas. “Essa plantação atinge diretamente os nossos recursos hídricos, a fauna e a flora, afetando a vida de todos os moradores dos povoados do entorno, sem esquecer o extermínio das espécies de frutas nativas como o bacuri e o pequi, entre tantas outras fontes de alimento”, enumerou.

Uma das nascentes do rio Jacu, afluente do Preguiças, agoniza

Firmino Conceição foi enfático na comparação entre o avanço do eucalipto e a sobrevivência das populações originárias: “a fome aumentou”. Olhando a fina lamina d’água onde antes havia lagoas cheias nas cabeceiras do rio Jacu, recorda os tempos da fartura: “aqui a gente vinha pegar o camarão, a piaba… na cabeceira do rio lá em cima na chapada e nós papocava com o landruá.”

Euforia e incerteza

Fim de tarde na porta de uma pousada no Centro de Barreirinhas. Uma turista de Brasília chega à recepção e comenta:

– Eu estou deslumbrada. Nunca vi coisa mais linda em toda a minha vida”, exaltou-se, ao chegar de um passeio pelas dunas, rios e lagoas dos Lençóis Maranhenses.

O visitante brasileiro e estrangeiro desembarca na zona urbana, faz os roteiros turísticos, mas tem pouca noção do que acontece no cerrado. Grande parte da água que abastece o rio Preguiças, que passa no coração de Barreirinhas, vem da chapada. Os contrastes são um alerta até mesmo para quem se deslumbra quase sem perceber que a beleza oculta uma ferida. Na Praia do Amor, em Tabocas, o rio caudaloso está fino e assoreado.

Em Tabocas, moradores disciplinam o uso da Praia do Amor

Já nas entranhas do antigo povoado Café Sem Troco, na margem da MA-225, o rio Jacu renasce feito uma pintura. O cerrado pulsa lindo, mas está seriamente ameaçado.

Trecho vivo do rio Jacu, afluente do Preguiças, distante do eucalipto

Bastidores da reportagem

Nossa viagem começou às 5 horas da manhã e encerrou às 21 horas, sem parada nem para o almoço. Veja como a reportagem se virou para contar essa história.

Imagem destacada / Cercada de plantações de eucalipto, uma das nascentes do rio Jacu está secando / Ed Wilson Araújo

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Símbolo da violência no campo recebe homenagem da Assembleia Legislativa do Maranhão

A região do Baixo Parnaíba, no leste do Maranhão, está transformada em uma espécie de feudo da família Introvini, poderosa corporação do agronegócio que há dez anos destrói os recursos naturais e a vida de muitas pessoas.

Neste começo de dezembro, o fazendeiro André Introvini, cercado de seus “funcionários”, ameaçou um casal de idosos no povoado Carranca, em Buriti de Inácia Vaz. Pela enésima vez, o cawboy violenta a família de Maria Rita dos Reis Lira (66 anos) e Vicente de Paulo Costa Lira (65 anos).

André Introvini, de blusa branca, ameaça os idosos Vicente e Maria Rita

André já é figura conhecida pelos seus métodos agressivos usados para coagir, pressionar, humilhar e ameaçar os moradores e fundadores das comunidades rurais com o objetivo de ampliar as plantações do agronegócio.

Veja aqui reportagem sobre os sojicultores no Baixo Parnaíba, inclusive com despejo de veneno que atingiu gravemente uma criança

Ele ainda não foi condecorado pelos atos grotescos, mas no Maranhão onde tudo pode a Assembleia Legislativa concedeu o título de Cidadã Maranhense à sua irmã Gisela Introvini, em cerimônia realizada dia 25 de novembro de 2021.

Gisela Introvini, a homenageada, lidera as mulheres do agronegócio

A proposição da homenagem é de iniciativa do deputado Fabio Braga (Solidariedade). Durante a condecoração, no lustroso plenário do legislativo maranhense, o parlamentar enalteceu as qualidades da agraciada, técnica em Agropecuária e Engenharia Agrônoma, formada pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, no Paraná.

Fabio Braga: orgulho pela homenagem

O deputado destacou especialmente as qualidades de Gisela no intuito de (pasmem!) “promover o desenvolvimento sustentável” e disse estar lisonjeado pela honraria. Ela, idem.

Gisela Introvini é a presidente da Associação das Mulheres do Agronegócio e comanda a comissão organizadora da maior feira do agronegócio do Maranhão – a Agrobalsas.

Parte da elite do Maranhão compareceu à cerimônia e aplaudiu a laureada.

Enquanto isso, de Balsas ao Baixo Parnaíba, o Maranhão está tomado pelas práticas medievais de violência em todos os sentidos.

Fotos / JR. Lisboa – Agência Assembleia

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Agronegócio avança com violência(s) na região do Baixo Parnaíba

Por Ed Wilson Araújo

No intervalo do Jornal Nacional, da Rede Globo, milhões de brasileiros assistem à propaganda de louvação do agronegócio. Ele é pop, é tech, é tudo!

Os filmes publicitários muito bem feitos levam a crer no milagre da lavoura, projetando na audiência os sentidos de prosperidade, sucesso, lucros, méritos, satisfação e nacionalismo.

Mas, esse Brasil que dá certo na tela da TV é muito diferente da realidade dos moradores cercados pelos campos de soja.

No povoado Carrancas, a 19 Km da sede do município Buriti de Inácia Vaz, homens e mulheres de várias gerações, nascidos e criados nas chapadas, sentem no corpo inteiro e na mente as violências provocadas pelo agronegócio nos 16 municípios do Baixo Parnaíba, seguindo o curso da BR-222 e adjacências, na região leste do Maranhão.

Um dos dramas é narrado pela família de Maria Rita dos Reis Lira (66 anos) e Vicente de Paulo Costa Lira (65 anos).  A casa onde vivem e criaram sete filhos e 10 netos está cercada de campos de soja onde antes havia florestas de buriti, pequi, caju e uma variada fauna irrigadas por rios, riachos e córregos.

Casal de idosos, Vicente e Rita sentem a agonia do território cercado. Imagens: Ed Wilson Araújo

Após quase 20 anos de presença do agronegócio nessa região, quase tudo está destruído, restando alguns moradores que se recusam a vender as suas terras ou resistem diante das tentativas de apropriação ilegal de áreas onde os pequenos agricultores e extrativistas viviam e produziam bem antes da chegada dos fazendeiros.

A situação do casal Lira é parâmetro para todos os pequenos produtores da agricultura familiar, os povos e as comunidades tradicionais atingidos pelo agronegócio.

Para eles, todo dia é uma agonia vivenciada por diversos tipos de violência: assédio, ameaças e coação para a venda de terras e/ou grilagem dos territórios, perseguição quando fazem o roçado, poluição de veneno (herbicida) pulverizado por aviões ou despejado pelas máquinas agrícolas (tratores), desmatamento ilegal, extermínio das nascentes, poluição da água e das outras fontes de alimentos, denúncias criminais de fazendeiros contra os trabalhadores rurais, entre tantas outras agressões e violações de direitos humanos.

Ouça aqui o podcast com Vicente de Paula Costa Lira

Há também um tipo de violência visual. Dói nos olhos a sensação de estar cercado por imensos desertos, sem vida, com o futuro sempre ameaçado por novas expansões da fronteira agrícola baseada na monocultura.

Vizinho de Carrancas, o povoado Araçá ficou conhecido no mundo todo em abril de 2021 quando viralizaram as imagens da pulverização aérea de agrotóxicos, atingindo o menino André Lucas, de 7 anos de idade, vítima de graves queimaduras em todo o seu corpo.

Cenas do agronegócio em Buriti: áreas desmatadas avançam cada vez mais. Imagens: Ed Wilson Araújo

Diversas organizações que atuam na defesa dos camponeses classificam o uso de coquetéis de veneno como uma guerra química do agronegócio para eliminar as comunidades tradicionais e deixar os territórios livres para a expansão da monocultura de soja, eucalipto e milho, entre outros cultivos à base de herbicidas.

O menino André Lucas foi o caso mais visível; no entanto, a presença e/ou ameaça de uso dos herbicidas é uma constante na vida dos moradores cercados pelos campos de soja na região.

Para o integrante da Coordenação Estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Edivan Oliveira dos Reis, os impactos do agronegócio ocorrem pelo menos em quatro dimensões: ambiental, política, econômica e na cultura camponesa. Veja o vídeo abaixo:

Edivan Reis: o agronegócio na região vem desde a década de 1980

Os fazendeiros atendem por um sobrenome – Introvini – família de sojicultores que tem como principais personagens o pai Gabriel e o filho André.

De acordo com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema), no episódio de Araçá, os proprietários das fazendas usuárias de pesticidas, os sojicultores Introvini, “não possuíam licenciamento ambiental da atividade de pulverização aérea, o que motivou embargo da atividade e também auto de notificação e infração no valor de 273 mil reais”.

Ainda segundo a Sema, “a investigação continuou com equipes da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos (SEDIHPOP), Secretaria de Saúde (SES), Secretaria de Segurança Pública (SSP-MA) e Agência Estadual de Defesa Agropecuária do Maranhão (AGED), em parceria com a Diocese de Brejo, Prefeitura de Buriti, Câmara Municipal e o Ministério da Saúde, em visita à sede da empresa para coleta de amostras de agrotóxicos e apreensão de documentos que serão utilizados na continuidade da apuração de ocorrência de crimes ambientais.”

Nesse cenário, a violência psicológica é uma tensão permanente. A força e o autoritarismo do agronegócio espalham seus tentáculos sobre as instituições, causando até mesmo a inversão de papeis, quando os agressores (fazendeiros) usam o aparelho coercitivo do Estado contra as vítimas (trabalhadores rurais).

Vicente de Paulo Lira é um entre tantos casos de moradores originais do cerrado já denunciados criminalmente e intimados a depor perante autoridades policiais pelo simples fato de utilizarem os seus territórios para o cultivo de roças necessárias à sobrevivência; no entanto, foram acusados de suposto “crime ambiental”.

Nas áreas do agronegócio, os fazendeiros constituem um poder tão violento que atropela as instituições formais, restando às comunidades o apoio de organizações não governamentais. Uma delas, o Fórum Carajás, atua há 10 anos no Baixo Parnaíba, prestando apoio em projetos de produção sustentável, na organização e solidariedade aos trabalhadores e trabalhadoras rurais. Segundo o presidente do Fórum Carajás, jornalista Mayron Régis Borges, a entidade tem por principal objetivo acompanhar os impactos dos grandes empreendimentos na vida das comunidades e no meio ambiente. “O Fórum Carajás nasce como um espaço de discussão de temas sócio-ambientais e elaboração e disseminação de documentos relativos a esses temas. As ações desenvolvidas pelo Fórum Carajás datam do começo de 2010 com a discussão em torno da preservação do bacuri para chegar em 2021 desenvolvendo projetos de segurança alimentar e criação de pequenos animais”, pontuou Borges.

Vicente resiste na roça de mandioca, uma das formas de preservar e produzir no território. Imagem: Mayron Regis

O avanço da monocultura de soja, milho e eucalipto coloca o Maranhão na segunda posição em casos de conflitos agrários, vitimando 137.515 famílias, segundo o Relatório “Conflitos no Campo Brasil 2020”, produzido pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). O registro está na página 29: “Os dez estados da Federação mais conflituosos se estabeleceram da seguinte maneira: Pará em primeiro lugar, com 168.546 famílias envolvidas em conflitos; em segundo, o Maranhão, com 137.515. Nesse sentido, os dois Estados alternam suas posições. A Bahia é o terceiro, com 85.874 famílias; Amazonas, que não aparece com número de ocorrências elevado, fica em quarta posição, com 63.731; o Mato Grosso, em quinto, com 63.525; em sexto lugar, Roraima, com 55.571; em sétimo, Rondônia, com 49.257; em oitavo, Acre, 47.281; em nono, Pernambuco, com 45.865; e em décimo, Mato Grosso do Sul, com 38.108.”

Além da violência contra os recursos naturais e às formas de vida dos moradores originários de vários territórios conflituosos, os assassinatos de lideranças que atuam na resistência assustam. Somente em 2021, nove execuções já foram computadas contra homens e mulheres do campo no Maranhão.

A pistolagem é a etapa final do processo de invasão e domínio das terras, quando os obstáculos da resistência política são eliminados a bala.

Enquanto isso, as denúncias seguem. Durante uma entrevista coletiva realizada em 17 de novembro de 2021, várias entidades representativas de camponeses, extrativistas, indígenas, quilombolas, pastorais sociais, pescadores, povos e comunidades tradicionais, acolhidas pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB – Regional Nordeste 5) sincronizaram um pedido de socorro com uma frase emblemática: “A gente está morrendo”