Categorias
notícia

Reviravolta no Cajueiro: Governo do Maranhão anula decreto que gerou despejos para a construção de porto privado

Fonte: Comissão Pastoral da Terra / CPT

As duas famílias mais antigas na localidade Parnauaçu (território do Cajueiro), em São Luís (MA), que resistem à pressão da empresa portuária TUP Porto São Luís S/A, do Poder Judiciário e do Governo do Estado, celebram a anulação do Decreto no 002/2019 emitido ano passado pela Secretaria de Estado de Indústria e Comércio – SEINC. 

Elas e outras cinco famílias foram alvo de ações de desapropriação movidas pela empresa portuária, respaldadas pelo decreto governamental. A nulidade do decreto significa que todos os processos judiciais continham uma ilegalidade na sua origem, o que gera um grande imbróglio jurídico que pode responsabilizar o próprio Governo do Estado.

O caso do Cajueiro ganhou grande repercussão na mídia nacional e internacional por várias denúncias de irregularidades envolvendo a implementação do empreendimento que une esforços do Governo do Estado do Maranhão e da empresa portuária (com envolvimento de capital chinês), além da violência praticada contra comunidade (despejo de agosto de 2019) e também pelo processo ser alvo de investigação envolvendo a grilagem de terra de instituições como Delegacia Agrária e Ministério Público Estadual. O Ministério Público Federal, por sua vez, ingressou com Ação Civil Pública, em 2018, pedindo a anulação do licenciamento ambiental. O Conselho Nacional de Direitos Humanos acompanha as denúncias, assim como as Defensorias Públicas e o Ministério Público Estadual.

O problema das ações judiciais

Em todas as 07 ações judiciais de desapropriação, ainda em 2019, o juiz Marcelo Oka, que responde pelos processos do caso na Vara de Interesses Difusos e Coletivos da Capital, concedeu liminares de despejo forçado, tecnicamente chamadas de decisões de imissão na posse. Tais decisões somente puderam ocorrer pela existência do decreto de utilidade pública, agora anulado.

A validade do decreto vinha sendo questionada judicialmente pela Promotoria Agrária e pela defesa técnica das famílias alvo das desapropriações voltadas à construção do porto privado. O Ministério Público do Estado já havia pedido nas ações judiciais, desde 2019, a declaração de nulidade do decreto no 002/2019, assinado pelo Secretário de Indústria, Comércio e Energia, Simplício Araújo, por não haver previsão legal para a delegação do ato de emissão de decreto expropriatório, competência privativa do Governador do Estado, conforme previsão do art. 64, III da Constituição do Estado do Maranhão.

Por exercício de autotutela, no último dia 12.03 (quinta-feira), foi publicada no Diário Oficial do Estado, a anulação do Decreto 002/2010-SEINC, através de ato realizado pela própria SEINC. As ações de desapropriação fundamentadas neste decreto perderão seu objeto e deverão ser extintas pelo Judiciário. As famílias, que foram gravemente prejudicadas, poderão mover ações judiciais contra o Governo.

Para entender o caso

Em 2019 foram ajuizadas pela empresa WPR São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda (atual TUP Porto São Luís S/A), sete ações judiciais de desapropriação, interpostas mediante autorização da SEINC constante no Decreto de Utilidade Pública no 002/2019, agora anulado. Cinco famílias já tiveram suas casas destruídas esse ano pela empresa privada com base nesses processos de desapropriação. Outras duas famílias resistem e ainda estão no local, com a esperança de permanecerem no lugar onde vivem há décadas. 

No documento publicado pela SEINC no Diário Oficial do Estado, dia 11 de março de 2020 (decreto nº 002/03/2020), consta que “visando evitar ação judicial com consequente insegurança jurídica, resolvo (Secretário Simplício Araújo) anular o referido Decreto (002/04/19) como se segue: Art. 1º. Fica anulado o Decreto n° 002, de 30 de abril de 2019, que declara de utilidade pública, para fins de desapropriação e realização de obras essenciais de infraestrutura de interesse nacional, em favor da TUP PORTO SÃO LUÍS S.A., necessários à viabilização da construção e operação do Terminal Portuário denominado Porto de São Luís, na modalidade Terminal de Uso Privado – TUP. Art. 2º. O processo administrativo de criação do Decreto n° 002, de 30 de abril de 2019 será enviado à Procuradoria Geral do Estado do Maranhão para que realize a sua devida análise e eventual continuidade”. 

As famílias de João Germano da Silva (Seu Joca, 86 anos) e de Pedro Sírio da Silva (88 anos), moradores do Cajueiro com mais de 40 anos de história no território, permaneciam questionando a legalidade da ação de desapropriação movida contra elas.

Operação de despejo em residência no Cajueiro gerou comoção

Suspeita de grilagem de terra envolvendo a empresa portuária

Há suspeita de um forte esquema de grilagem da terra onde se pretende instalar o denominado “Porto São Luís”. O Ministério Público Estadual, através da Promotoria Especializada em Conflitos Agrários, também coloca em cheque a validade do documento imobiliário apresentado pela empresa portuária. A suspeita é que exista uma organização criminosa que teria grilado terras na região e agido para o empreendimento avançar. Uma força-tarefa do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco) do Ministério Público do Estado foi montada para investigar essa e outras possíveis irregularidades.

A Justiça determinou a realização de perícia a ser realizada pelo Instituto de Criminalística do Maranhão – ICRIM nos livros cartoriais onde há registros referentes ao título de propriedade da empresa. A perícia está em vias de ser realizada e se houver comprovação da fraude a empresa perderá a propriedade dos 200 hectares em que pretende construir o porto. Isso também pode provocar o questionamento do despejo coletivo ocorrido em agosto de 2019 no Cajueiro, em que 22 famílias foram brutalmente desalojadas.

Categorias
notícia

Natal da discórdia no Maranhão

São Luís às vezes tem traços de Macondo e Sucupira, juntas.

O Circo da Cidade virou borboleta, o Estádio Municipal Nhozinho Santos é um cemitério de dinheiro público, o acervo do Memorial Bandeira Tribuzi está amontoado lá pras bandas do Desterro; e os portais da cidade, aprovados em um rumoroso concurso, nunca saíram do papel. Para completar, a reportagem do jornalista Silvio Martins revelou mais um funeral do erário no coração do Centro Histórico – as reformas no prédio do BEM já consumiram R$ 30 milhões.

Nesse Natal, como será a chegada de Jesus para os índios do Maranhão? E a ceia dos moradores do Cajueiro? Qual presente receberão os quilombolas de Alcântara?

Que futuro terá nossa região metropolitana com a proposta da Prefeitura de São Luís para eliminar 41% da zona rural na revisão do Plano Diretor?

Vamos às respostas.

Há um consenso sobre o extermínio dos indígenas. Bolsonaro (a política de ódio) é o culpado-mor, mas a estrutura oligárquica do Maranhão, firme e forte em todos os governos, dita a ordem da violência no campo para dizimar os povos e as comunidades tradicionais.

Não há como negar a veia progressista do governador Flávio Dino (PCdoB) e o esforço da gestão para melhorar o panorama e os indicadores locais, mas a violência no campo tem a cota de participação da direita eternamente apaixonada pelo Palácio dos Leões.

Para o pensamento político do campo conservador pouco importa se os índios vão morrer de susto, bala ou vício.

Já na dimensão geopolítica, a força do capital internacional passa o trator no Cajueiro para atender à expansão portuária e industrial. Esta, por sua vez, precisa das alterações no Plano Diretor para tirar do meio do caminho a zona rural, como se as comunidades tradicionais estivessem impedindo o “desenvolvimento” do Maranhão.

O prefeito Edivaldo Holanda Junior (PDT), no segundo mandato, opera os interesses das empreiteiras e dos lobistas do mercado de terras para fazer de São Luís um gigantesco “grilo chique”. Não há qualquer diferença entre esse projeto e o de Eduardo Braide (Podemos), deputado federal e líder nas pesquisas de opinião para prefeito de São Luís, em 2020. Ambos são filhos da mesma árvore política.

Existe portanto uma opção clara pela continuidade da modernização conservadora. Assim, os quilombolas de Alcântara podem ter o mesmo destino dos moradores do Cajueiro: tropa de choque, balas de borracha e bombas de efeito moral.

Tudo isso ocorre no mês do Natal, em meio à polêmica sobre o Papai Noel no Centro Histórico de São Luís e críticas reais acerca das políticas culturais do Governo do Estado e da Prefeitura de São Luís.

O melhor de tudo é a divergência. Como é salutar ver opiniões conflitantes sobre o velho de barba branca e roupão vermelho que emociona os ricos da ceia farta e os pobres com as suas limitações.

Jesus Cristo, o homem histórico de carne e osso, combateu os poderosos e pregou justiça. Que ele renasça nos corações e nas nossas palavras neste Natal das discordâncias saudáveis.

Nota do Editor: Texto atualizado às 20h38. Houve um equívoco ao associar o ex-prefeito de Santa Luzia do Tide, Antonio Braide, ao deputado federal Eduardo Braide.

Categorias
notícia

De São Luís a Santarém: porto do Cajueiro integra o megaprojeto Arco Norte

Rogério Almeida e Ed Wilson Araújo

12 de agosto de 2019 foi um dia mais violento para os moradores do Cajueiro, área cobiçada para a implantação de um novo porto em São Luís, empreendimento bilionário liderado pela CCCC (China Communications Construction Company) com a participação da WPR-São Luís Gestão de Portos e Terminais, braço do grupo WTorre. Atual TUP (Terminal de Uso Privado) Porto São Luís S/A, o investimento inicial é de R$ 800 milhões do total de R$ 2 bilhões previstos para o total da obra.

Naquela segunda-feira tensa, o Batalhão de Choque da Polícia Militar amanheceu na zona rural de São Luís dando proteção para o cumprimento da reintegração de posse expedida pelo Tribunal de Justiça do Maranhão em favor da WPR. Enquanto os tratores derrubavam casas e arrancavam árvores, a força policial reprimia os moradores e lideranças dos movimentos sociais que resistiam a mais uma etapa de expansão dos empreendimentos portuários na capital do Maranhão.

Os moradores despejados pela manhã, apoiados por ativistas, acamparam à noite na porta do Palácio dos Leões, sede do governo do Maranhão, e de lá foram expulsos pelo Batalhão de Choque que usou os mesmos métodos aplicados em Cajueiro: bombas de efeito moral, spray de pimenta, balas de borracha e gás lacrimogêneo.

Pelo tamanho da violência se pode medir a dimensão do empreendimento. Os chineses fincaram os pés no Maranhão pensando longe, na conexão entre os oceanos Atlântico e Pacífico, passando pelo Canal do Panamá, para alcançar a Ásia.

Minério e grãos em geral vão transitar nos grandes mercados internacionais pelo Arco Norte, projeto conectado à expansão da logística portuária e aos modais de transporte nos estados de Roraima, Amapá, Amazonas, Pará e Maranhão.

O terminal localizado em Cajueiro vai integrar o Complexo Portuário de São Luís (CPSL), onde já está instalado o porto público do Itaqui e os terminais privados da Vale e da Alumar. Pela sua posição geográfica, a capital maranhense tem condições de navegabilidade para os maiores navios cargueiros do mundo, através da baía de São Marcos.

O gigante Arco Norte

Arco Norte visa conexão ao Canal do Panamá, que liga os oceanos Atlântico e Pacífico

A edificação de complexos portuários na região Norte é um dos “pratos” do indigesto cardápio oferecido às populações tradicionais na bandeja da agenda de desenvolvimento do governo federal. Isto desde idos governos do PT. Vide Belo Monte, na cidade de Altamira, no sudoeste do Pará.

Além dos portos, constam no menu estações de transbordo de cargas (ETCs), modais de transportes (rodovias, hidrovias e ferrovias), bem como a construção de grandes e pequenas hidroelétricas. “É um projeto de morte”, adverte a líder indígena do Baixo Amazonas, oeste paraense, Alessandra Munduruku, estudante do curso de Direito da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa).

Tais projetos, marcados pela concentração de capitais sob o controle de grandes corporações do mercado mundial, contam com as bênçãos do Banco Mundial e afins. Os mesmos estão formatados a partir da Iniciativa de Integração Infraestrutura Sul-Americana (IIRSA), que tem como rebatimento o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Tudo desenhado a médio e longo prazo.

Produtores de grãos do Mato Grosso – leia-se Grupo Amaggi – construtoras, megacorporações do quilate da Bunge, Cargil e Dreyfus, empresas de consultoria ambiental e mídia são alguns dos sujeitos interessados na pauta. Para não citar as mineradoras. No caso, o papo já é o sobsolo. 

Quando a Vale ainda era Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), o alto executivo Eliezer Batista, pai do big shot Eike Batista, foi o responsável pela consultoria do Arco Norte, que tinha como objetivo mapear as riquezas da região e sugerir as obras necessárias para acessá-las. Junte os pontos.

A opção desenvolvimentista ratifica a região como mera exportadora de produtos primários. No caso dos complexos portuários e modais de transporte, o objetivo reside em reduzir drasticamente os custos no escoamento da produção de grãos do Brasil Central, que em sua maioria converge para os portos de Santos, em São Paulo; e de Paranaguá, no Paraná.

Neste mar de tubarões do capital agromineral, emerge o Arco Norte com a missão de consolidar essa região do Brasil, o Baixo Amazonas em particular, como um grande corredor de circulação de mercadorias (commodities). Trata-se da manutenção da condição colonial da Amazônia.

Desde Cabral, e de forma sistemática a partir da ditadura civil-militar (1964-1985), as experiências desenvolvimentistas têm cimentado rodovias de violações de direitos humanos, indiferença às populações locais, destruição do meio ambiente, trabalho escravo, execuções de lideranças de diversos campos e genocídios na região.

É o que os doutos chamam de expropriação ou a pré-história da produção capitalista, que prima em: retirar das populações locais a terra e os recursos naturais, casas e ferramentas de trabalho que garantem a sua reprodução econômica, social, cultural e política, a exemplo de Cajueiro, na zona rural de São Luís, e tantos outros casos que constam nos anais de mais de 30 anos do Programa Grande Carajás. “Crescemos como rabo de cavalo”, ironiza o jornalista Lúcio Flávio Pinto.

Entenda o Arco Norte

O antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida classifica o contexto como agroestratégias, onde o setor ruralista reivindica a remoção dos obstáculos jurídico-formais e político-administrativos [desregulamentação], que reservam áreas para fins de preservação ambiental ou para atender às reinvindicações de povos e comunidades tradicionais.

Nesse jogo de poder, o agronegócio tende a influenciar as políticas e planos do governo na localização de empreendimentos e na conversão de grandes extensões de terras à racionalidade da escala mundo de fluxos de mercadorias e capitais, entre outros itens.

O projeto Arco Norte representa o triunfo do agronegócio, com predominância para a figura de Blairo Maggi e seus pares organizados a partir da Associação Nacional de Exportadores de Cereais. A trupe visa incrementar uma nova logística intermodal de transporte para cargas e insumos com a utilização dos portos ao norte do Brasil, desde Porto Velho, em Rondônia, passando pelos estados do Amazonas, Amapá e Pará, até o sistema portuário de São Luís.

Formalmente a concepção do Arco Norte nasceu em 2016, sob a paternidade do Centro de Estudos e Debates Estratégicos Consultoria Legislativa (Cedes), uma instituição de assessoria do poder Legislativo federal. A relatoria coube ao ex-deputado federal Lúcio Vale (PR/PA), eleito vice-governador do Pará em 2018 na chapa liderada por Helder Barbalho (MDB). À época Flexa Ribeiro (PSDB/PA), parlamentar do setor de construtoras, fez paz com a Vale na elaboração no projeto. Oxalá, não foi reeleito ao Senado.

Logística do Corredor Arco Norte de Exportação

Fonte: Diagnóstico Socioeconômico e Ambiental da Região de Integração do Baixo Amazonas. Fapespa, 2015

Os complexos portuários só serão viáveis a partir da consolidação do modal de transportes. O documento do projeto Arco Norte defende que é necessário concluir a rodovia BR-163/PA (Cuiabá/MT-Santarém/PA), restaurar as rodovias BR-155/PA (liga Redenção a Marabá, no sudeste do Pará) e BR-158/PA (sul do Pará, região de Rio Maria). O sul e o sudeste paraense representam uma fronteira agromineral.  Lá estão os maiores rebanhos de gado do país e a mina de Carajás. Na mesma proporção agrega baixos indicadores do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), Índice de Educação Básica (Ideb), e, é líder nacional em violência no campo, desmatamento e trabalho escravo.

O projeto de integração física advoga ainda intervenções de adequação de capacidade na rodovia BR-364/RO (Porto Velho/RO-Comodoro/MT). Também é importante viabilizar a chegada da Ferrovia Norte-Sul a Barcarena (PA). O município situado ao norte do estado desde os anos 1980 conhece de perto todo tipo de violência por conta de um complexo industrial de alumínio: Albras/Alunorte, hoje sob o controle acionário da norueguesa Norsk Hidro, e outras empresas, como a Imerys (francesa). Ambas são responsáveis por vários crimes ambientais na região, que tem no portfólio o adernamento do navio de gado com 5 mil cabeças e 600 mil litros de óleo, em outubro de 2015.

A embarcação prestava serviço para a maior empresa exportadora de gado vivo do país, a Minerva Foods, sediada em São Paulo, na cidade de Barretos. Os principais destinos da carga são os mercados do Líbano, Venezuela e Egito. A Samara Shipping é a proprietária do navio. Ela contratou a Mammoet Salvatage, uma das principais empresas do setor no mercado mundial, para resgatar a embarcação. O comércio de boi em pé, como se diz no jargão do negócio, representa outro fator da nossa condição colonial. Ainda hoje os moradores de Barcarena e circunvizinhança compartilham os prejuízos ambientais, econômicos e sociais decorrentes do gado morto por afogamento e do óleo derramado.

Segue o fluxo, a consolidação do Norte como corredor de mercadorias exige a construção da ferrovia EF-170 (Ferrogrão). A China é o principal interessado.  A ferrovia, se implementada, deverá ligar o polo produtor do Mato Grosso aos terminais de Miritituba, na cidade de Itaituba, no Baixo Amazonas. A cidade antes era celebrizada pela atividade do garimpo.

Mapa do trecho deve ligar Lucas do Rio Verde/MT a Itaituba/PA

Fonte: Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil – MPAC

O projeto Arco Norte prescreve também a derrocada do Pedral do Lourenço, na região de Marabá, para viabilizar a navegação da bacia do Araguaia-Tocantins. O Arco Norte pleiteia ainda viabilizar a construção dos terminais privados em Miritituba e Vila do Conde/Barcarena/PA, além de dragar, balizar e sinalizar os rios Madeira e Tapajós. Além disso, computa a retomada do projeto da BR-210, que ligará Roraima, Pará e Amapá, viabilizando a integração comercial com as Guianas, o Suriname e a Venezuela.

No caso de Miritituba, os terminais já estão em operação. Neste complexo tabuleiro de interesses somam inúmeros problemas que passam pela grilagem de terras, acirramento de conflitos, rompimento de laços de solidariedade nas comunidades após o anúncio do empreendimento, aprofundamento da condição colonial da região e não reconhecimento de impostos por conta da isenção assegurada pela Lei Kandir, instituída no governo Fernando Henrique Cardoso, na década de 1990. Para coroar o bolo, tem-se como principal financiador o BNDES, com juros bem abaixo do mercado. Traduzindo: a sociedade financia o saque.

Porto à vista no Lago do Maicá

Maicá é uma região de várzea da cidade de Santarém, no Pará. Nele, a Colônia de Pescadores Z-20 estima que trabalham pelo menos 1.500 pescadores artesanais. Ele abriga ainda comunidades camponesas, indígenas e remanescentes de quilombos. É justo no rico e belo lugar, estudado e registrado por naturalistas ingleses há 200 anos, entre eles Henry Walter Bates – um naturalista no rio Amazonas – que e a empresa Embraps pretende construir um complexo portuário.

O conturbado projeto tem à frente o empreendedor Pedro Riva. A família dele opera no Mato Grosso desde o século passado em projetos de colonização crivados de acusação de grilagens de terra, como revelam pesquisas do professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira, da USP (Universidade de São Paulo). São notórios ainda como políticos influentes de reputação duvidosa, a exemplo do ex-deputado José Riva (PSD), acusado por desvio de R$ 2 milhões da Assembleia Legislativa.

No processo de revisão do Plano Diretor a assembleia consultiva definiu pela não construção do complexo na região de lago. Decisão que a Câmara Legislativa, ao apagar das luzes do ano de 2018, em flagrante desrespeito ao processo público, atendendo ao setor do agronegócio, decidiu em favor do grande capital. Para entornar o caldo de vez, o prefeito de Santarém, Nélio Aguiar (DEM), sancionou a infâmia. 

Por estas e outras causas que anuviam o processo, o mesmo está judicializado. Neste mês a Justiça manteve o embargo da obra. Mesmo assim, um grupo desmatou a região com vistas a iniciar a construção ainda em 2019. A prática segue o mesmo modus operandi da Cargil, que nos anos de 2000 ergueu na frente da cidade o seu porto sem realizar o Eia-Rima (Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental).

Cajueiro é Amazônia

Batalhão de Choque da PM expulsa manifestantes na porta do Palácio dos Leões

Os métodos de grilagem de terras, expulsão de comunidades tradicionais, atropelamento dos ritos processuais e uso da força policial para varrer os territórios e entregá-los aos novos conquistadores são comuns em todas as situações onde estejam em jogo os portos e os modais de transporte de minério, grãos e similares para atender à expansão capitalista.

Em Cajueiro, tanto a concessão de licenças ambientais quanto a suposta venda do terreno para a construção do Porto São Luís S/A são investigados pelo Ministério Público Federal (MPF) e Ministério Público do Maranhão. Procuradores e promotores seguem o rastro de uma denúncia sobre um suposto esquema de grilagem para tomar ilegalmente as terras das comunidades tradicionais e dos antigos moradores do território.

Na década de 1980, a implantação da Vale e a Alumar em São Luís também foi marcada por conflitos com antigos moradores e deslocamentos compulsórios, gerando concentração de renda e exclusão social. Essa lógica de expansão capitalista reúne a maioria dos governos, prefeituras, tribunais de justiça, lobistas e parlamentos das três instâncias (municipal, estadual e federal) celebrando um consenso, mediante o discurso do desenvolvimento, da geração de empregos e do crescimento econômico.

Os resultados, no entanto, são adversos. Basta observar a cena da pobreza visível. No entorno da grande região portuária de São Luís, a área Itaqui-Bacanga, que reúne aproximadamente 60 bairros periféricos, a pobreza da maioria da população é vizinha das fortunas transportadas pelos navios em nome do superávit da balança comercial. Além desse desencontro, há o vertiginoso processo de poluição ambiental provocado pelos empreendimentos agregados à logística portuária e à Vale.

O atropelo das práticas republicanas no Lago do Maicá, em Santarém, segue a lógica do Brasil clientelista e fisiológico aplicado no Cajueiro. A violência perpetrada em 12 de agosto de 2019 pode ter outros episódios futuros. Em São Luís, a Câmara dos Vereadores está prestes a votar a proposta de revisão do Plano Diretor elaborado pela administração municipal.

A revisão do plano tem um alvo central: eliminar 41% da zona rural do município, justamente na área cobiçada para empreendimentos portuários e já sob influência da expansão dos negócios da Vale e da Alumar. Caso a revisão seja aprovada, serão subtraídos 8.643 hectares na zona rural do município, que passaria de 20.820 hectares para 12.177 hectares.

O território Cajueiro é composto por cinco pequenos núcleos: Parnauaçu, Andirobal, Guarimanduba, Morro do Egito e Cajueiro. Significa dizer que novos espaços podem ser cobiçados no plano de expansão portuária e industrial da capital do Maranhão.

Categorias
Artigos

Uma (pequena) grande ação

Eloy Melonio

Professor, escritor, poeta e compositor

O que Zé Raimundo e Neil Armstrong têm em comum?

Quase todo mundo conhece a história de Neil Armstrong, famoso astronauta americano da Apollo 11 e o primeiro homem a pisar na Lua, em 20 de julho de 1969.

Mas a história de Zé Raimundo, um comerciante de bairro, com sua quitandinha de uma janela, protegida por grade, talvez apenas duas ou três pessoas a conheçam.

Para início de conversa, não foi fácil entender direito o que ele fazia. Cheguei a pensar em várias possibilidades. Como geralmente cruzamos um com o outro durante nossas caminhadas matinais, via-o ― geralmente acompanhado de sua esposa ― carregando sacos plásticos com alguma coisa pesada dentro. Até aí, nada de errado. Mas o fato inusitado é que, algumas vezes, parecia vê-lo agachado, como se estivesse pegando coisas do chão. Cheguei a imaginar que talvez fosse aquela débil mania de algumas pessoas idosas.

Quando me lembro disso, sinto um pouco de vergonha. A verdade é que nós geralmente não lemos direito o texto, ou lemos sem atentar ao contexto. E aí, o resultado da leitura é um desastre.

Certo dia, saí mais tarde para caminhar. E tive a sorte de não cruzar, mas andar paralelamente na mesma direção que ele; eu, de um lado da rua, e ele, na calçada da avenida. E por alguns minutos pude observá-lo mais atentamente. Aí sim, texto e contexto agora davam sentido à minha leitura.

Neil Armstrong tem uma biografia de dar inveja. Zé Raimundo, apenas um anônimo cidadão de bem. O primeiro já não está mais aqui; o segundo é apenas um entre nós.

Seja Neil ou Zé, o que importa é o que cada um pôde ou pode legar à humanidade, à sua cidade.

Palavras e atitudes nos inspiram a mudar o enredo de nossas vidas. Vindas de gente importante, ou de gente comum. Lições que temos a dar, lições que temos a aprender. Recentemente alguém me disse: “Tenho me esforçado para fazer as coisas da forma mais correta possível”. Ou seja: estacionar na vaga certa, não jogar lixo na rua, dar bom dia ao vizinho… Pensei comigo: Que lição! Preciso aprendê-la depressa!

Nosso velho mundo carece de boas lições. De gente que faz a diferença, que deixa exemplos. Gente como Chico Mendes, Zélia Arns, Marielle Franco. E tantos outros anônimos que andam por aí, como o cidadão que devolveu ao dono a carteira com dois mil reais que este deixara no banco da praça.

E quanto ao nosso personagem, o que faz de tão especial?

Nas manhãs ensolaradas de nossa estação seca, ele simplesmente enche garrafas pet (2l) com água e sai molhando plantinhas à margem da avenida. Algumas das quais ele mesmo plantou. Plantinhas que não são vistas pelos gestores públicos, pelos comerciantes da região, nem pelos transeuntes. E que um dia darão sombra e abrigo a quem passar por ali.

Não sei quantos passos Neil Armstrong deu na superfície da Lua. Só sei que, quase diariamente, Zé Raimundo dá mais de duzentos para cumprir a missão a que se propôs. E tudo isso sem “posts” nas redes sociais para impressionar os amigos. Um trabalho de formiguinha: constante, silencioso, resoluto.

Seu Zé Raimundo talvez nem saiba quem foi Neil Armstrong, mas imita direitinho seus passos aqui na Terra. E, orgulhoso, poderia dizer ao final de cada caminhada: “Uma pequena ação para mim, uma grande lição para meus concidadãos”.

Imagem: Eloy Melonio / Cajueiro plantado por Zé Raimundo, e do qual já comeu o fruto.

Categorias
Notícias

Cajueiro organiza protesto contra Michel Temer, Flávio Dino e Sarney Filho

Moradores da comunidade Cajueiro, movimentos sociais, pesquisadores, estudantes e ativistas vão realizar ato de protesto nesta sexta-feira (16), para repudiar a construção de um porto privado do grupo WTorre/WPR, com capital chinês, na zona rural de São Luís.

O protesto é uma “recepção” ao presidente Michel Temer (PMDB) em sua visita ao Maranhão, onde vai lançar a pedra fundamental do porto, com apoio de Flavio Dino (PCdoB) e da família liderada por José Sarney.

“Não vamos aceitar mais esse ato de ataque à comunidade do Cajueiro, à Reserva Extrativista de Tauá-Mirim e a toda a ilha de São Luís. Vamos protestar! Iremos vestir roupas pretas em luto pelo desmatamento e agressão ao ambiente”, avisam os manifestantes.

A construção do porto é polêmica. Segundo as lideranças do Cajueiro, o desmatamento na área vem sendo feito sem a conclusão do licenciamento pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema). Além desse fator, a oposição ao porto questiona os impactos generalizados que uma estrutura portuária pode trazer para toda a ilha de São Luís: deslocamento dos moradores de comunidades tradicionais, danos ambientais, alterações no plano diretor e poluição.

O Governo do Estado é favorável ao porto porque enxerga no empreendimento a geração de empregos e atração de novos investimentos para o Maranhão. A resistência da comunidade Cajueiro tem outro entendimento e questiona o avanço do processo de modernização conservadora no governo Flávio Dino, que estaria permitindo a ampliação dos enclaves econômicos introduzidos no Maranhão desde a década de 1980, a exemplo da Vale e da Alumar.

O protesto atinge também o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho (PV), que avaliza o porto juntamente com a tropa de choque do governo Michel Temer. Na esfera federal, as comunidades da zona rural de São Luís reivindicam a homologação definitiva da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim, como forma de proteger os territórios onde vivem as populações tradicionais e as suas fontes de sobrevivência na zona rural de São Luís.