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Tributação dos super-ricos propõe redução da desigualdade no Brasil

Reportagem publicada recentemente em uma rede nacional de televisão revelou que a venda de coberturas de luxo nos condomínios mais caros do país segue aquecida e com mais expectativa de crescimento.

Em meio à pandemia, quando milhões de brasileiros passam fome, uma parcela privilegiada faz fila para comprar apartamentos de altíssimo padrão.

A concentração de renda, que já era elevada no Brasil, cresceu na pandemia.

Para minimizar esse enorme abismo, uma campanha lançada por economistas, parlamentares e organizações da sociedade civil com o mote “Tributar os super-ricos para reconstruir o país” apresenta propostas para enfrentar a crise econômica e construir uma política fiscal mais equilibrada no país.

O conteúdo da campanha, disponível nesta plataforma, explica as diretrizes gerais da iniciativa: “Tributar os super-ricos é um projeto popular elaborado por um conjunto de entidades, que propõem alterações nas leis tributárias, para criar condições de enfrentamento emergencial da crise da covid-19. A ideia central das propostas é cobrar mais impostos dos mais ricos para poder diminuir os impostos dos mais pobres e das pequenas empresas, fortalecer o Estado e retomar a atividade econômica”.

 A plataforma é um dos meios de divulgação da campanha. No site estão disponíveis os objetivos, as propostas para reduzir a desigualdade através do ajuste tributário e a íntegra dos projetos de lei da campanha e material publicitário da proposição “Tributar os super-ricos”, entre outros conteúdos.

Acesse o link abaixo e veja todos os detalhes

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Documentário desmascara ideia de que corrupção na Petrobras foi inventada pelo PT

Ivan Longo: jornalista e repórter especial da Revista Fórum.

Se atualmente a mídia tradicional, impulsionada pela narrativa da operação Lava Jato, apelidou os esquemas ilegais de contratos da Petrobras no século 21 de “petrolão” e se refere a ele como “o maior escândalo de corrupção da história do Brasil”, em 1988 o jornal O Globo estampava em sua capa que a Petrobras “passa pelo maior escândalo de corrupção de sua história”.

É o que mostra, em detalhes, o primeiro episódio do documentário Lava Jato Entre Quatro Paredes, produzido pelo canal Normose em parceria com o Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense (Sindipetro-NF), já disponível no youtube.

O filme será dividido em quatro episódios e foi produzido ao longo de 10 meses com base em pesquisas de materiais da imprensa, livros, entrevistas e outros materiais que compõem um rico acervo para sustentar o roteiro, que visa desmistificar a ideia de que a corrupção na Petrobras é algo recente e ainda destrinchar os reais interesses por trás da espetaculosa operação Lava Jato.

O primeiro episódio, já assistido pela reportagem da Fórum, faz um retrospecto da importância da indústria petrolífera no mundo, partindo pela perfuração do primeiro poço nos Estados Unidos, ainda no século 19, passando pela formação de cartéis e monopólios, a influência do liquido na Segunda Revolução Industrial e detalhando como a indústria petrolífera se estabeleceu no Brasil.

Para isso, o documentário recorre a arquivos históricos que jogam luz à discussão sobre os interesses estrangeiros no petróleo brasileiro ainda antes da criação da Petrobras, que se deu em 1953.

Avançando na linha do tempo, o primeiro episódio do documentário mostra como o petróleo foi se estabelecendo como importante base da indústria nacional e como esse setor se desenvolveu rapidamente, logo nos primeiros anos de atuação, envolvendo muito dinheiro, poder e interesses – fórmula básica para qualquer esquema de corrupção.

Em 1958, apenas cinco anos após a criação da Petrobras, o jornal O Globo já noticiava corrupção na estatal. O filme nos revela, a partir de então, como a ditadura militar, implementada através do golpe de 1964, serviu como um grande motor para o crescimento de empreiteiras brasileiras, que já naquela época passaram a atuar em obras da petrolífera e constituíram um esquema sistemático de propinas, chantagens e corrupção que perdura até os dias de hoje.

“A ditadura foi fundamental para o crescimento das empreiteiras. São empresas de perfil familiar com laços de inserção política. O golpe de 64 alegava que combatia a subversão e a corrupção. Tinha esse discurso moralista, sendo que na ditadura se forjou o cenário ideal para as práticas corruptas – apropriação do estado para interesses privados”, afirma em entrevista ao documentário Pedro Henrique Pedreira Campos, autor do famoso livro “Estranhas Catedrais”, que narra a história de grandes empreiteiras brasileiras e suas relações com os anos de chumbo.

O primeiro episódio de “A Lava Jato Entre Quatro Paredes” fornece uma robusta introdução para se entender o que viria a ser a operação midiática que tem como um de seus heróis o ex-juiz Sérgio Moro. Os reais interesses por trás da força-tarefa, o modus operandi das delações premiadas, a influência e orientação de estrangeiros na política brasileira, bem como tudo o que envolve a operação e a Petrobras, se a empresa é “vítima” ou “ré”, serão destrinchados nos três episódios seguintes do documentário.

A segunda parte estará disponível a partir da próxima terça-feira (29).

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Rádio brasileiro dá importante passo rumo ao digital

Reportagem e fotos: Lucio Haeser

Fonte: Radiolab

A radiodifusão brasileira começa a entrar em uma nova era a partir da próxima segunda-feira (21/09/2020). Um transmissor de rádio digital desenvolvido e fabricado em Porto Alegre pela BT Transmitters chega ao Parque do Rodeador, em Brasília, para ser conectado a uma das enormes antenas da Rádio Nacional da Amazônia (veja foto). O equipamento é o primeiro para emissão de rádio digital fabricado no Brasil e será testado em caráter experimental e científico.

Confira o vídeo com áudio do teste DRM em onda curta:

Fazem parte da iniciativa a Universidade de Brasília (UnB) e o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações. Será utilizado o sistema DRM (Digital Radio Mondiale), criado por emissoras como BBC, Voice of America, Radio France, a japonesa NHK e muitas outras em todos os continentes. Portanto, é um sistema mundial, e não europeu como muitos insistem em dizer.

A Rádio Nacional da Amazônia transmite de Brasília especialmente para a Região Norte do Brasil. O sinal é captado em todas as regiões e em outros países, mas o foco, como o nome diz, é a Amazônia. Lá vivem cerca de 7 milhões de ribeirinhos e indígenas que hoje estão distantes de qualquer outro meio de comunicação. As distâncias são gigantescas e em muitos locais não há cobertura de celular ou internet. A emissão da RNA é feita no antigo sistema de ondas curtas, que atinge longas distâncias, mas isso não é problema para quem tem na Nacional da Amazônia a sua principal, e em muitos casos, única fonte de informação.

A emissora transmite desde 1977 e tem raízes sólidas. Em 2017, raios danificaram a subestação de energia que alimenta seus transmissores, tirando-a do ar por alguns meses. As reclamações chegavam aos borbotões na sede da rádio. Caciques e líderes ribeirinhos redigiram um manifesto exigindo empenho para o seu retorno ao ar. Foram tomadas soluções provisórias, com o uso de geradores para emissões só em algumas horas por dia, até que, finalmente, em 2020, o sinal foi restabelecido.

A Nacional da Amazônia, as Nacional do Rio e de Brasília e as rádios MEC são administradas pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC), ligada ao governo federal. No mês passado, a EBC realizou licitação para a compra, entre outros, de dois transmissores de ondas curtas para a Amazônia, equipamentos esses que devem estar preparados para a entrada do Brasil na era do rádio digital. No caso das ondas curtas, o único sistema digital existente é o DRM.

Antes que esses transmissores sejam efetivamente comprados e entrem em operação, divulgamos em primeira mão, na semana passada, a construção do transmissor a ser testado em caráter experimental e científico, usando a antena e o áudio da Nacional da Amazônia. É preciso abrir parênteses para lembrar que a TV aberta brasileira iniciou seu processo de digitalização em 2007. Uma pergunta que deve ser feita é: por que o rádio ainda não foi digitalizado no Brasil?

O rádio digital em ondas curtas para a Amazônia seguramente vai garantir um novo patamar para as comunicações na Região Norte. A programação da Nacional é ao mesmo tempo popular e educativa. Leva informações de serviço muito importantes aos cidadãos, e não “somente” aos milhões de ribeirinhos, mas a toda a comunidade. Com a adoção do rádio digital, acabará um dos grandes problemas existentes hoje. A má qualidade de som que é observada em alguns momentos devido a condições atmosféricas que afetam a propagação dos sinais. O DRM transmite em onda curta com qualidade similar a uma emissora FM local.

Além disso, mais do que som, o novo sistema oferece a possibilidade de transmissão de imagens e texto. Ou seja, enquanto está escutando uma música, o ouvinte pode conferir as últimas manchetes, resultados do futebol, avisos de utilidade pública, previsão do tempo e qualquer outra informação que se deseje incluir. Também o DRM permite que em uma mesma frequência sejam oferecidas três ou quatro programações diferentes. Uma delas pode estar totalmente dedicada a aulas via rádio, movimento que ressurgiu em muitas emissoras Brasil afora durante a pandemia de coronavírus.

Outro aspecto relevante é a economia de energia que será obtida com a transmissão digital. Para alcançar a mesma área, é necessário menos da metade da potência exigida no sistema analógico, ou até bem menos que isso. Estudos ainda estão sendo feitos para verificar o percentual exato de economia.

Além das ondas curtas, todas as faixas de frequência da radiodifusão são atendidas pelo DRM, inclusive emissoras de baixa potência, como as rádios comunitárias em FM.

O sistema DRM vem sendo testado e adotado em diversos países de todos os continentes. É uma opção importantíssima para a transmissão de informações sem necessidade de estar atrelado à infraestrutura de internet e sem custo para o receptor. Vai da antena do emissor direto para a antena do cidadão, de graça.

“Não coloque todos os ovos na mesma cesta.” O tradicional provérbio da economia se aplica a diversas outras áreas humanas. Uma delas é a comunicação. Os incríveis avanços que a internet trouxe nos últimos 25 anos em quase todas as atividades fazem muitos pensarem que ela é a solução para tudo. No entanto, por ser uma intrincada rede de conexões por cabos, satélites, antenas e gigantescas instalações de infraestrutura, ela apresenta alguns pontos de vulnerabilidade. Sem falar que sempre é um produto pago.

Seria inteligente abandonar um tipo de transmissão gratuito e praticamente universal? Não por apego ao passado, mas por ser uma alternativa necessária a garantir a transmissão de informações. É fundamental manter alternativas de comunicação de qualidade, evoluídas e confiáveis.

Trata-se, no momento, apenas de um teste específico para a Amazônia, região ainda grande usuária das gratuitas ondas curtas, onde o rádio comercial, a telefonia (paga) e a internet (paga) não chegam. DRM tem mais alternativas além do broadcasting. EAD é uma delas, pois, além do som, carrega imagens. É uma tecnologia promissora e que deve ser melhor considerada. Grande economia de energia é só um exemplo. Em crise sempre estivemos, a atual é a mais grave, claro, mas não é por isso que os avanços devem deixar de ser testados. Principalmente um que seja fora da internet.

Imagem destacada: Transmissor de 2,5 kW em ondas curtas no sistema DRM chega ao Parque do Rodeador, em Brasília

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Livro reúne artistas e pesquisadores para debater a Contracultura no Brasil

Transas da Contracultura Brasileira, organizado por Isis Rost e Patrícia Marcondes de Barros, reúne artigos, poemas, entrevistas, depoimentos e ensaios. Traz nomes como Chacal, Jards Macalé, Luiz Carlos Maciel e os maranhenses Murilo Santos e César Teixeira, além de pesquisadores de diferentes locais do país.

Transas da Contracultura Brasileira resulta do encontro de duas pesquisadoras ligadas na efervescência cultural dos anos 1960 e 1970, Isis Rost, gaúcha radicada em São Luís, e Patrícia Marcondes de Barros, paulistana que vive atualmente em Londrina. Elas reuniram vasto material, que alinha entrevistas e depoimentos de personagens expressivas daqueles anos – tempos de explosão criativa, transformações comportamentais profundas e também de muita repressão política – com textos de pesquisa.

Capa do livro Transas da Contracultura Brasileira


“É um passeio por nomes da literatura, do jornalismo alternativo, da música, das artes cênicas e do audiovisual, quase sempre mais próximos do lado B e da experimentação, numa linguagem direta, sem os excessos teóricos e insossos dos textos acadêmicos”, afirma o professor Flávio Reis, que responde pela coordenação editorial do projeto.

Na primeira parte, temos entrevistas e depoimentos de Luiz Carlos Maciel, Ricardo Chacal, Jards Macalé, Helena Ignez, ao lado dos maranhenses Cesar Teixeira e Murilo Santos, integrantes da primeira turma do Laborarte, e de Edmar Oliveira, participante da cena que se desenvolvia em Teresina, além de uma entrevista realizada por Joca Reiners Terron com Régis Bonvicino sobre Walter Franco.

A segunda parte reúne pesquisadores e colaboradores de diferentes cidades como Teresina, São Luís, Londrina, Rio de Janeiro e São Paulo. Os textos enfocam aspectos diversos da efervescência cultural entre os anos 1960 e 1980, da Tropicália ao movimento Punk, nas áreas de poesia, música, cinema, imprensa alternativa e teatro. Entre os poetas convidados, Celso Borges, Cesar Carvalho e Durvalino Couto Filho.

Um dos ícones da contracultura, Chacal é parte do livro “Transas da Contracultura Brasileira”


“A concepção gráfica do projeto se aproxima do universo das publicações alternativas, ponto em comum entre eu e Patrícia, que conheci em 2018. Desde o ano passado existia a urgência de um projeto que resgatasse, neste período sufocante que atravessamos, os elementos transgressores da contracultura. O livro teve seu pontapé inicial quando nos encontramos pessoalmente pela primeira vez no Rio de Janeiro, em fevereiro, já no dia da entrevista com Chacal”, afirma Isis Rost, que assina o projeto gráfico e a diagramação de Transas da Contracultura Brasileira”. 

O e-book é mais um lançamento da Editora Passagens e estará disponível para download gratuito a partir do dia 26 de julho no blog da Editora Passagens editorapassagens.blogspot.com

O livro abre com um poema de Celso Borges anunciando os ingredientes e o sabor do caldeirão da contracultura.

Olhali Olhalá
Wally alado
No colo de Jorge Salomão
Tresloucado
No caldeirão da contracultura
Meu poema também cabe?
Quem sabe
Deitando e rolando no Gramma
No Drops de Abril de Chacal
Que tal
No coração samurai de Catatau
E coisa e tal
meu poema
Olé olá
No parangolé Tropicália de Oiticica
Que delícia
Meu poema enfim
Nos paletós de Francisco Alvim
Quem sabe
Maio 68 nos muros de Berlim
Meu poema lero lero
Ainda cabe até o fim
Na boca de Cacaso eu quero
Dentro de mim um anjo da contracultura
Que nas asas de Ana C. César
Sobrevoe aquela manhã azul de Ipanema
Queda para o alto
Meu poema
Meu treponema não é pálido nem viscoso
na fumaça de um fino
meu poema
panamérica de Agripino
colírio no olho do sol
quem sabe
nas bancas de revista
Warhol na capa mijando no urinol
de Duchamp
Roda, roda e avisa
Um minuto pros comerciais
Alô, alô, Tristeresina
Vai ver Torquato
Na discoteca do Chacrinha
Vai, Drummond, ser guache
Nas aquarelas da contracultura
Quem sabe!
Quem sabe desfolho a bandeira
Na parte que me cabe
Quem sabe?
Quem sou?
Eu sei
Eu não sei
Por isso
Meu poema vai
e voa
em vão
meu poema nem Seu Sousa
vai e vem e vaia
o caldeirão
da contracultura
não
Me segura que vou dar um traço

SERVIÇO

Transas da Contracultura Brasileira

Organizado por Patrícia Marcondes de Barros e Isis Rost

Editora Passagens – São Luís, 332 páginas

Coordenação editorial – Flávio Reis

Projeto gráfico e diagramação – Isis Rost

Download gratuito a partir do dia 26 de julho no blog da
Editora Passagens: editorapassagens.blogspot.com

Imagem destacada / divulgação / Poeta Ana Cristina Cesar é uma das referências do livro

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“Bangu à Beira-Mar”: romance de Érico Cordeiro conta a saga de migrantes nordestinos

Romance histórico que atravessa quase um quarto de século, entre os anos de 1915 e 1939, e narra a vida e as peripécias de Lucas Baptista de Moura Facundo, que fugiu com a família, do Ceará para o Rio de Janeiro, durante a grande seca de 1915, em busca de uma vida melhor.

Um pouco mais tarde, ele vai estudar engenharia mecânica na Itália, iniciando ali o seu treinamento em artes marciais, ao mesmo tempo em que se envolve na luta antifascista.

De volta ao Brasil, se agrega aos movimentos pela democratização do país, combatendo a truculência da ditadura Vargas, e vive uma série de aventuras na trepidante capital da República durante a Belle Époque.

A história mostra um pouco do Brasil dos anos 20 e 30, reportando fatos históricos, como o Tenentismo, a Coluna Prestes, a Revolução de 30, a Intentona Comunista, o Estado Novo e a vida artística e cultural do Rio de Janeiro.

Mais tarde, Lucas volta à Europa, fixando-se em Madri, e ali se engaja na luta contra o fascismo, auxiliando o exército republicano durante a Guerra Civil Espanhola. Por fim, nosso herói se estabelece em Portugal, onde vai ajudar a polícia portuguesa a desvendar uma série de misteriosos e violentos assassinatos.

O autor

O maranhense Érico Renato Serra Cordeiro nasceu em São Luís, em 1968. Formado em Direito pela UFMA, desde 2004 exerce o cargo de Juiz do Trabalho. Atualmente, é Juiz Titular da Vara do Trabalho de Pinheiro–MA. É professor universitário, embora, por força das circunstâncias, esteja afastado das salas de aula. Apaixonado por música, literatura e cinema, acredita no poder transformador da arte e em sua capacidade de humanizar o sublime e de tornar sublime o humano. Espadas, armas de fogo e tiroteios? Só na ficção. Afinal, como nos versos de Paulo César Pinheiro, “Não sou do tempo das armas / Por isso ainda prefiro / Ouvir um verso de samba / Do que escutar som de tiro”.

Sobre a obra

“Um surto pandêmico mundial. Uma aparentemente irresistível ascensão do fascismo. 2020? Não! Estamos na alvorada do século XX e ele é assustadoramente parecido com os nossos dias” – Cláudia Torreão.

“É, antes de tudo, um romance visceral entrecortado por uma poesia com alma, pólvora e dentes” – Félix Alberto Lima.

“Uma aventura esplendorosa pela história política e cultural da primeira metade do século XX, guiada por um personagem cativante e por um escritor arguto e refinado” – Jarbas Couto Lima.

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O uso do azulejo como objeto de higienização no Brasil colonial

Lavar as mãos e a limpeza do corpo em geral são duas anotações relevantes na obra “Casa Grande & Senzala”, de Gilberto Freyre, texto fundamental sobre a escravidão e o patriarcado no processo de colonização do Brasil.

Para entender a introdução do azulejo associado a higienização é necessário observar o contexto histórico e as diferenças culturais entre os dominadores e os dominados.

Nos idos do século XV as primeiras levas dos colonizadores conheceram nos povos indígenas o hábito de tomar banho várias vezes por dia na fartura dos rios.

Já entre os europeus, os baixos padrões de higiene ainda eram notados entre as elites vários séculos depois do início da descoberta da América.

“Em princípios do século XIX – informa um cronista alemão citado por Lowie – ainda se encontravam pessoas na Alemanha que em toda a sua vida não lembravam de ter tomado banho uma única vez. Os franceses não se achavam, a esse respeito, em condições superiores às dos seus vizinhos. Ao contrário.” (FREYRE, 2003, p. 181-182)

Em substituição à lavagem das mãos a borrifação do álcool perfumado era uma das formas de atenuar a sujeira.

“O autor de Primitive society recorda que a elegante rainha Margarida de Navarra passava uma semana inteira sem lavar as mãos; que o rei Luis XIV quando lavava as suas era com um pouco de álcool perfumado, uns borrifos apenas; que um manual francês de etiqueta do século XVII aconselhava o leitor a lavar as mãos uma vez por dia e o rosto quase com a mesma frequência […] (FREYRE, 2003, p. 181-182)

Se os índios, acostumados ao banho várias vezes ao dia, tinham muito a ensinar sobre higiene aos colonizadores, em outros patamares as normas de higiene foram introduzidas pelos africanos, especialmente na Península Ibérica, quando da presença dos mouros.

Os mouros ou sarracenos são originários do norte da África (hoje Marrocos e Argélia). Convertidos ao islamismo, eles deixaram um legado em diversas áreas do conhecimento para a Espanha e Portugal: agricultura, matemática, astronomia, navegação, culinária, técnicas de construção, no vestuário e nos hábitos de higiene.

Gilberto Freyre registra, entre as contribuições dos mouros na engenharia, a introdução do azulejo.

“Os artífices coloniais, a quem deve o Brasil o traçado das suas primeiras habitações, igrejas, fontes e padrões de interesse artístico, foram homens criados dentro da tradição mourisca. De suas mãos, recolhemos a herança preciosa do azulejo, traço de cultura em que insistimos devido a sua íntima ligação com a higiene e a vida da família em Portugal e no Brasil. Mais que simples decoração […], o azulejo mourisco representava na vida doméstica do português e na do seu descendente brasileiro dos tempos coloniais a sobrevivência daquele gosto pelo asseio, pela limpeza, pela água, daquele quase instinto ou senso de higiene tropical, tão vivo no mouro.” (FREYRE, 2003, p. 300)

O ritual sanitário dos mouros incluía também os propalados “banhos de gamela” ou de canoa, ratificando o gosto pela limpeza do corpo, bem como a valorização da água corrente nas partes externas das casas-grandes.

Assim, o recorte da cultura moura sobre higiene introduziu o azulejo não só como peça decorativa, mas sobretudo como um revestimento capaz de dar mais frescor aos ambientes internos e por ser de fácil lustro e limpeza.

Do ponto de vista cultural, cabe mencionar, com base em Gilberto Freyre, o extremo contraste de hábitos profiláticos entre os mouros e os cristãos habitantes da Península Ibérica.

“Conde, em sua história do domínio árabe na Espanha, tantas vezes citada por Buckle, retrata os cristão peninsulares, isto é, os intransigentes, dos séculos VIII e IX, como indivíduos que nunca tomavam banho, nem lavavam a roupa, nem a tiravam do corpo senão podre, largando aos pedaços. O horror à água, o desleixo pela higiene do corpo e do vestuário permaneceram entre os portugueses.” (Freyre, 2003, p. 301)

Como se pode observar, determinados padrões culturais relacionados a higiene são diferenciados entre povos de variadas regiões mundo afora.

Os estereótipos, por sua vez, acabam reforçando certos preconceitos. No Brasil atual, as ofensas contra negros e índios, além de violentas e racistas, demonstram um profundo desconhecimento das práticas de higiene desses povos originários da América e da África que têm muito a ensinar para os brancos europeus.

Imagem destacada / azulejo português / capturada na dissertação de mestrado de “Azulejo na arquitetura brasileira: os painéis de Athos Bulcão”, de Ingrid Moura Wanderley (USP, 2006) disponível aqui

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Base de Alcântara: ameaçados de expulsão, quilombolas querem ficar em casa, no Maranhão

Reportagem publicada originalmente no Uol

Ed Wilson Araújo

Colaboração para Ecoa, em São Luís

04/04/2020 04h00

O visual tranquilo da praia de Mamuna, no município onde vive a maior população quilombola do país, tem um vizinho incômodo. Do alto das dunas e de frente para o mar é possível ver, do lado direito, a cobiçada plataforma do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no Maranhão.

Mamuna e as outras povoações do Território Quilombola de Alcântara foram surpreendidas na semana passada com a resolução federal publicada no Diário Oficial da União em 27 de março. Assinada pelo general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República e coordenador do Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro (CDPEB), a Resolução nº11 ordena “providenciar, por meio do Comando da Aeronáutica, a execução das mudanças das famílias realocadas, a partir do local onde hoje residem e até o local de suas novas habitações, incluindo o transporte de pessoas e semoventes [animais domésticos]”. Na prática, a medida pode expulsar de seus lares 300 famílias.

Nenhuma ação oficial sobre a remoção de quilombolas havia sido anunciada até então, embora a liberação do uso comercial da base de Alcântara por meio do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST), em vigor desde dezembro e firmado entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos em março, já inquietasse há tempos a população local.

Torre do Centro de Lançamento de Âlcantara, no Maranhão (14/09/2018) - Evaristo Sá / AFP
Torre do Centro de Lançamento de Âlcantara, no Maranhão (14/09/2018)Imagem: Evaristo Sá / AFP

Recebida em meio a preocupações sobre o impacto do novo coronavírus nas comunidades, a notícia provocou alvoroço entre os moradores. A resolução determina ações de nove ministérios para efetivar a mudança, mas não estipula prazo nem o número de famílias a serem removidas.

“Em um momento em que ninguém esperava, sai uma resolução dessa e as pessoas ficam aflitas, nervosas, chegando até a adoecer – Dorinete Serejo, moradora da comunidade Canelatíua e coordenadora do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (Mabe)”

Caberá ao Ministério da Agricultura, por meio do Incra, apontar “frações do terreno compatíveis com os reassentamentos de cada comunidade quilombola, considerando, para fins de planejamento, que a área de consolidação do Centro Espacial de Alcântara será desocupada”, detalha o documento.

Quilombolas não foram consultados

Representantes de várias organizações quilombolas contestaram a resolução, argumentando que a remoção só pode ser feita após consulta às comunidades, seguindo as determinações da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

“Quando não for possível obter o seu consentimento, o translado e o reassentamento só poderão ser realizados após a conclusão de procedimentos adequados estabelecidos pela legislação nacional, inclusive enquetes públicas, quando for apropriado, nas quais os povos interessados tenham a possibilidade de estar efetivamente representados”, diz o artigo.

Durante o trâmite do acordo para o uso comercial da base espacial de Alcântara, em fevereiro, houve pouco diálogo junto aos moradores. Mas a remoção dos quilombolas não havia sido, ainda, mencionada pelos interlocutores do governo federal.

“Tentamos de todas as formas negociar com as autoridades federais, o governador [Flávio Dino, PCdoB], a bancada maranhense e o presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (Democratas). Antes de votar a AST, nós queríamos que as comunidades fossem consultadas para a gente colocar dispositivos de proteção ao território”, diz o antropólogo Davi Pereira Junior. Nascido em Itamatatíua, uma das comunidades mais antigas do Maranhão, ele assessora os territórios quilombolas da região.

Dorinete Serejo, moradora da comunidade Canelatíua e coordenadora do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (Mabe) - Arquivo Pessoal
Dorinete Serejo, moradora da comunidade Canelatíua e coordenadora do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (Mabe)Imagem: Arquivo Pessoal

A coordenadora do Mabe, Dorinete Serejo, acompanha a relação conflituosa entre os interesses do programa espacial e os das comunidades descendentes de matriz africana há 40 anos. “Nunca tivemos de bater frente a frente, mas se enfrentando pelos caminhos legais, com audiências, reuniões, conscientizando e levando esclarecimento para as comunidades.”

Nessa peleja, organizações locais sistematizaram o Protocolo Comunitário sobre Consulta Prévia, Livre e Informada das Comunidades, um documento com o objetivo de subsidiar e orientar as tratativas com o Estado acerca do Território Quilombola de Alcântara. Assinado por 197 comunidades, o protocolo trata como cláusula “pétrea” o procedimento de consulta, estabelecido na Convenção da OIT e assegurado pela lei brasileira.

Por que a localização interessa

Estrutura do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão (14/09/2018) - Pedro Ladeira / Folhapress
Estrutura do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão (14/09/2018)Imagem: Pedro Ladeira / Folhapress

O Centro de Lançamento de Alcântara é cobiçado pela engenharia aeroespacial pela localização geográfica próxima à linha do Equador, proporcionando economia de combustível do foguete, pelas boas condições climáticas, pela estabilidade geológica e pelo suporte logístico com acesso a São Luís.

Analistas políticos veem ainda a motivação dos Estados Unidos para controlar uma base espacial de posição estratégica na América do Sul, com o acordo comercial firmado entre os países e o consequente apoio dos EUA para a entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Entre os 18 integrantes da Câmara Federal e os três senadores do Maranhão consultados para o acordo, apenas o deputado Bira do Pindaré (PSB) votou contra. Presidente da Frente em Defesa das Comunidades Quilombolas, o parlamentar ingressou com um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) visando sustar os efeitos da Resolução nº 11, e diz que vai acionar medidas judiciais para assegurar os direitos das famílias ameaçadas de remoção.

“Não havia nenhuma garantia diante daquela decisão da Câmara Federal [com o AST] de que as pessoas teriam a preservação dos seus territórios – Bira do Pindaré, deputado federal (PSB-MA)”

Embora a bancada federal tenha avalizado o acordo, o Governo do Maranhão, por meio da Secretaria de Direitos Humanos e Participação Popular, divulgou no dia seguinte à publicação da resolução, 28 de março uma nota repudiando o remanejamento.

“É inaceitável repetir equívocos do passado recente, em eventual novo remanejamento, quando sequer foram solucionados os passivos de implantação do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA). Instamos o Governo Federal a reconhecer e respeitar o direito das comunidades quilombolas ao seu território, investindo em tecnologias que permitam a convivência pacífica, colaborativa e contributiva entre os quilombolas e o Programa Aeroespacial Brasileiro”, assinou o secretário Francisco Gonçalves da Conceição.

Famílias e culturas em risco

A remoção pode alcançar 30 comunidades com aproximadamente 300 famílias, totalizando cerca de 1 mil pessoas — o município todo tem 22 mil habitantes. Quem afirma é o antropólogo Davi Pereira Junior. Nascido em Itamatatíua, uma das comunidades mais antigas do Maranhão, ele assessora os territórios quilombolas da região. No levantamento feito junto às organizações locais, o antropólogo estima o impacto total sobre 800 famílias, considerando a tendência de assentar os removidos em áreas já povoadas por outras comunidades no município.

A história da base de Alcântara se prolonga desde a década de 1980, com uma série de episódios. Na foto, a família de José Silva e Margarida Raimunda de Araújo na agrovila do Cajueiro, em 2002. Em 1985, o governo transferiu os moradores de um quilombo na região para a instalação da base. Em 2002, os membros da comunidade relataram que as terras para onde foram transferidos eram improdutivas - Jorge Araújo/Folhapress
A história da base de Alcântara se prolonga desde a década de 1980, com uma série de episódios. Na foto, a família de José Silva e Margarida Raimunda de Araújo na agrovila do Cajueiro, em 2002. Em 1985, o governo transferiu os moradores de um quilombo na região para a instalação da base. Em 2002, os membros da comunidade relataram que as terras para onde foram transferidos eram improdutivasImagem: Jorge Araújo/Folhapress

Em Alcântara, a presença de comunidades negras rurais, formadas por descendentes de africanos escravizados, vem de ao menos dois séculos atrás. No início da década de 1980, ainda na ditadura militar, ocorreu a primeira remoção de comunidades tradicionais para a implantação do CLA. Naquele período houve a desapropriação de 52 mil hectares e o deslocamento de 312 famílias originárias de 23 povoados do litoral, transportadas para sete agrovilas construídas pela Aeronáutica, nas proximidades da sede do município.

Pautada em muito trabalho na pesca, na agricultura familiar, no extrativismo e na criação de animais, a sobrevivência de mulheres e homens do meio rural pobre está diretamente relacionada à quantidade e à qualidade dos recursos naturais. Quando uma família é deslocada do quilombo para a agrovila ocorrem várias mudanças no modo de viver, principalmente na aquisição dos alimentos, comprometendo a segurança alimentar.

Os deslocamentos compulsórios interferem ainda no desmantelamento dos laços familiares e das práticas culturais. Em várias comunidades quilombolas as religiões de matriz africana estão presentes em cultos e terreiros. A iyalorixa Jô Brandão, integrante do Fórum de Mulheres de Axé da Renafro (Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde), classifica Alcântara como terra de encantarias. A Pedra de Itacolomi, exemplifica, é um lugar de oferendas de tantos terreiros do Maranhão, principalmente o tambor de mina.

Nesse contexto, a remoção de uma comunidade envolve também relações com a natureza, os meios de produção, a religiosidade, as práticas e os saberes passados em gerações. “Se os humanos não estão sendo respeitados em dizer que não querem ser deslocados, imagine você escutar ancestrais que são invisíveis, sobrenaturais e respondem de forma diferente na relação com a espiritualidade, a natureza e as pessoas”, compara.

“Nos preocupa muito a resolução porque subentende que não haverá respeito aos templos nem às práticas religiosas das comunidades de terreiro nos quilombos – lyalorixa Jô Brandão, integrante do Fórum de Mulheres de Axé da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde”

Regularização fundiária parada

Enquanto a aprovação do acordo para liberação comercial ocorreu em tempo recorde, a regularização fundiária das áreas se arrasta em um processo judicial. O advogado especialista em direitos humanos Diogo Cabral menciona quatro décadas de conflito envolvendo os quilombolas e as sucessivas gestões na Presidência da República. Entre poucos avanços e muitos recuos, ele cita um progresso em 2008, quando o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) publicado pelo Incra assegurou ao Território Quilombola de Alcântara uma área de 78,1 mil hectares e reservou ao CLA 9,3 mil hectares.

Quando tudo parecia favorável ao andamento da titulação, em abril de 2010 a medida foi contestada pelo Ministério da Defesa e pela própria Aeronáutica. “Ambos requereram a instauração da Câmara de Conciliação da Arbitragem Federal da AGU (Advocacia Geral da União) e a suspensão do processo de titulação”, explica Cabral.

Segundo o advogado Eduardo Corrêa, membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, a regularização fundiária é um passo fundamental para assegurar a permanência das comunidades tradicionais nas suas áreas de origem. Apesar das sucessivas cobranças, judicialização e lutas políticas, a titulação está parada no tempo.

Paralisada também ficou a gigantesca obra da empresa binacional Alcântara Cyclone Space, uma parceria entre o Brasil e a Ucrânia com o propósito de comercializar e lançar satélites do CLA por meio do foguete espacial Cyclone-4, de tecnologia ucraniana. Criada em 2003, a empreitada consumiu R$ 483,9 milhões do Brasil, segundo auditoria do Tribunal de Contas da União, mas a obra não foi concluída e nenhum lançamento chegou a ser feito, rendendo ao foguete o apelido de “sucata espacial”. Em abril do ano passado, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (Democratas), promulgou lei extinguindo a empresa.

No mesmo ano de 2003, uma explosão no CLA matou 21 técnicos civis que trabalhavam na operação de lançamento do Veículo Lançador de Satélite (VLS-3).

Embora não determine o prazo para a remoção dos quilombolas, a Resolução nº 11 estabelece a próxima reunião plenária do Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro em 20 de agosto de 2020. Até lá, iniciativas judiciais e políticas dos movimentos sociais, no Congresso Nacional, no Ministério Público da União e de outras instituições devem ser tomadas para anular as medidas anunciadas pelo governo federal, garantindo a permanência das famílias.

Na quarta-feira (1), a Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal pediu que o CDPED não desloque famílias quilombolas de Alcântara, sobretudo neste momento. Em acordo firmado na quinta-feira (2) entre representantes do GSI e do MPF, o governo se comprometeu a não fazer as remoções durante a pandemia.

Imagem destacada: Comunidade rural quilombola no Maranhão / Luís Henrique Wanderley / Agência de Notícia do Estado do MA

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As músicas desconhecidas de Belchior e Frédéric Pagès

Ed Wilson Araújo

Os alunos têm sempre algo a ensinar para os professores. Esse é o principal sentido de Paulo Freire. E foi assim na primeira aula da disciplina Roteiro para Rádio de 2020. Durante a interação com os estudantes, informei a turma sobre o evento “Diálogos Insurgentes”, que teria a participação dos artistas Frédéric Pagès e Celso Borges.

Ao anunciar o evento contei aos alunos que Pagès, quando jovem, participou ativamente do movimento Maio 68. Logo depois o aluno Ailton Lima sacou uns versos da música Os profissionais, de Belchior, cuja letra é uma crítica ácida aos jovens rebeldes que se converteram em yuppies.

Eu nunca tinha ouvido Os profissionais e fiquei impressionado diante da inventividade do saudoso Belchior com aquela música cantada em um ritmo totalmente estranho ao seu estilo. Isso, por si só, já seria uma provocação?!

Logo na primeira estrofe, ele pergunta e responde:

Onde anda o tipo afoito
Que em 1-9-6-8
Queria tomar o poder?
Hoje, rei da vaselina,
Correu de carrão pra China,
Só toma mesmo aspirina
E já não quer nem saber.

A música é atualíssima para entender os recuos de alguns rebeldes que se entregaram ao sistema, convertidos aos seus próprios interesses, ajoelhados diante da luz feiticeira do vil metal. Na vasta floresta dos idealistas, Belchior distingue os revolucionários dos “yuppies sabor baunilha”, parâmetro para o “herói de boutique / dos chiques profissionais”.

Realizado pelas secretarias de Direitos Humanos (Sedihpop) e Ciência e Tecnologia/Inovação (Secti), os “Diálogos Insurgentes” das águas de março trouxeram ao palco o tema “arte e resistência”, abordados por Frédéric Pagès e Celso Borges em um animado bate-papo com a plateia, no teatro Alcione Nazaré.

Em tempos de avanço das forças conservadoras e do obscurantismo, a dupla palestrante colocou a arte em seu devido lugar, ou fora de qualquer enquadramento, visto que na interpretação de Borges e Pagès a criação estética é visceral e transgressora. Quando age, engendra sedução, inquietude e subversão, carregando a imensurável força de reencantar a realidade. Em tudo isso, arte tem poder!

No dia seguinte aos “Diálogos Insurgentes”, Frédéric Pagès participou da roda de conversa “Literatura (en)cantada: empoderar-se da língua”, juntamente com a professora Joelma Correia (UFMA) e o músico Wesley Sousa. O trio tratou com carinho as relações entre Pedagogia e arte para um auditório lotado e perseverante, no campus do Bacanga.

Pagès relatou sua afinidade com o pensamento de Paulo Freire e Darcy Ribeiro, sintetizando a longa jornada do processo de formação do ser humano: “Educação é tarefa para a vida inteira”, cravou.

Em Diadema, na grande São Paulo, o francês desenvolveu um projeto com jovens da periferia, construindo junto com rappers o protagonismo de um refinado material didático sobre Literatura, envolvendo texto, música e performance.

No experimento de Diadema, a pedagogia sonora é o esteio da Literatura que, cantada, encanta. Assim, um texto Machado de Assis ganha vida na música. Esse trabalho de transposição passa por um navegar de corpo e alma no universo das palavras corporificadas na voz dos intérpretes rappers.

Escritor, cantor, compositor e produtor, Frédéric Pagès desenvolve suas atividades na música e na Literatura entre a França e o Brasil há 40 anos, período em que participou de inúmeros projetos culturais de intercâmbio entre os dois países.

Entre outras “artes”, em 2019 Pagès se autoproclamou presidente da França, inspirado no ator brasileiro José de Abreu.

Na sua estada em São Luís ele apresentou canções e poemas no pocket show “Passion Brésil”, versão sintética do espetáculo homônimo estreado recentemente, em Paris, celebrando quatro décadas de relação com a cultura brasileira, que também dá título ao seu CD lançado em 2019.

Veja abaixo vídeos do cantor.

Leia mais sobre a carreira de Frédéric Pagès aqui

Do que vi e ouvi de Pagès, deu para perceber que ele não se enquadra na crítica precisa de Belchior sobre os rebeldes que se perderam no meio do caminho.

Oh! L’age d’or de ma jeunesse!
Rimbaud, “par delicatesse
J’ai perdu (também!) ma vie!”

Em tradução direta:

Oh! A idade de ouro da minha juventude!
Rimbaud “por delicadeza
Perdi (também!) minha vida! “

O artista franco-brasileiro não parece cansado de guerra. Na sua maturidade, empunha na arte e no discurso as bandeiras do jovem ativista do Maio 68. Ele segue na marcha da utopia, encantando as pessoas com o poder mágico das palavras e dos sons.

Assim, as músicas (não mais) desconhecidas de Belchior e Frédéric Pagès (ouça aqui) agora fazem parte de um saboroso aprendizado.

Veja abaixo a letra de Belchior.

Os profissionais

Onde anda o tipo afoito
Que em 1-9-6-8
Queria tomar o poder?
Hoje, rei da vaselina,
Correu de carrão pra China,
Só toma mesmo aspirina
E já não quer nem saber.

Flower power! Que conquista!
Mas eis que chegou o florista
Cobrou a conta e sumiu
Amor, coisa de amadores
Vou seguir-te aonde f(l)ores!
Vamos lá, ex-sonhadores,
À mamãe que nos pariu!

Oh! L’age d’or de ma jeunesse!
Rimbaud, “par delicatesse
J’ai perdu (também!) ma vie!”
(Se há vida neste buraco
Tropical, que enche o saco
Ao ser tão vil, tão servil!)

E então? Vencemos o crime?
Já ninguém mais nos oprime
Pastores, pais, lei e algoz?
Que bom voltar pra família!
Viver a vidinha à pilha!
Yuppies sabor baunilha
Era uma vez todos nós!

Dancei no pó dessa estrada…
Mas viva a rapaziada
Que berrava: “Amor e Paz!”
Perdão, que perdi o pique…
Mas se a vida é um piquenique
Basta o herói de butique
Dos chiques profissionais.

I have a dream… My dream is over!
(Guerrilla de latin lover!)
Mire-se o dólar que faz sol
Esplim, susexo e poder,
Vim de banda e podes crer:
“Muito jovem pra morrer
E velho pro rock ‘n’ roll!”

Imagem destacada: Pagés foi ativista e escreveu livro sobre Maio 68
Foto capturada neste site