Fonte: Agência Tambor
O advogado Diogo Cabral esteve no Radiojornal Tambor, no último dia 13 de abril, falando sobre a crise do Coronavirus no Maranhão.
Diante do agravamento da crise, em São Luis, nós ouvimos novamente o advogado.
Em suas novas respostas, Diogo chegou a defender “bloqueio total” (lockdown), no processo de isolamento social.
O lockdown está previsto em decreto emitido pelo governador Flávio Dino.
As perguntas foram enviadas por Whatsapp. Leiam abaixo a integra da entrevista.
Uma parte da população de São Luis, por ignorância ou irresponsabilidade, está se comportando como se não houvesse pandemia. Como você avalia isso?
Ao meu ver há vários fatores e grupos.
Há setores populares que vivem de forma precária, não tem moradia digna, não tem trabalho formal, dependem de parcos recursos diários e se submetem, mesmo com o elevado risco de contaminação, ao trabalho cotidiano. Assim estão milhares de maranhenses. Como prevalece no Estado um elevado grau de pobreza e ausência de proteção social ampla, serão as maiores vítimas dessa pandemia. Muitos maranhenses sequer têm recursos para compra de sabão e água encanada acaba sendo também um privilégio na maioria dos lares do estado. Nesse mesmo grupo, prevalece desinformações de vários níveis. Muitos sequer sabem ler e escrever. Outros, são bombardeados por fake News.
Há um setor, em específico, formado sobretudo por pessoas que tem elevado poder aquisitivo, com casa, plano de saúde e que desenvolvem atividades econômicas de médio e grande porte que são aderentes do Bolsonarimos que repetem as infâmias do ébrio presidente da república, que vociferam, que espalham fake News, que dizem a coronavirus é uma gripezinha. Esses setores conseguem, em razão das diversas redes que estão inseridos, mobilizar muita gente que está descumprido as recomendações das alta autoridades sanitárias, muitos inclusive comentem uma série de crimes por estimular a permanência nas ruas, abertura de todas as atividades comerciais. Esse grupo não será afetado de forma massiva, porque tem acesso a recursos das mais diversas formas, plano de saúde.
Mesmo que essa irresponsabilidade e ignorância esteja sendo praticada por uma minoria (por exemplo, 30% a 40% da população de São Luis), quais os estragos que isso pode provocar no Maranhão e, particularmente, na Ilha?
A doença mudou de perfil no Brasil e no Maranhão. Há ainda uma predominância de pessoas doentes nos bairros de classe média elevada e ricos de São Luís, como o Renascença, Calhau, Ponta D”areia. No inicio, as notícias revelam os tratamentos na rede particular, como o Albert Einstein de São Paulo e a UDI e HSD de São Luís. Contudo, com o passar dos dias, percebemos que o vírus se espalha por parte significativa da periferia de São Luís e para pequenas cidades desestruturadas do Estado do Maranhão. Hoje, 13.04.2020, temos 45% das UTIS da rede pública estadual ocupadas. Quase a metade da capacidade. Lembramos que o primeiro registro em São Luís ocorreu em 20.03.2020. Hoje na cidade de São Luís, de acordo com os dados da Secretaria de Saúde do Estado, temos 478 casos no Estado e em São Luís 393. Já ocorreram 32 óbitos em menos de um mês, todos na ilha de São Luís, o que a torna a 5ª cidade do país com maior número de óbitos proporcional. Teremos uma carnificina nunca antes vista. Estimo, no atual ritmo de contagio, que ocorra colapso na rede pública de saúde em menos de 40 dias.
De modo bem objetivo, você acha que devemos considerar a possibilidade de implantação de toque de recolher na Ilha de São Luis? Por que?
Como consequência do direito fundamental de locomoção (art. 5o, XV e LXVIII, da Constituição da República) e da proibição da distinção entre brasileiros (art. 12, § 2o, da Constituição da República), é garantido a todo residente no Brasil a livre circulação em território nacional. As formas de exercício de tal direito, contudo, comportam algumas possibilidades de limitação, cujos elementos – especialmente aqueles relacionados a estados de emergência de saúde pública ou calamidade pública, como o que enfrentamos agora. Assim, tem-se que as medidas de restrição à circulação de pessoas são em tese possíveis, uma vez previstas em instrumentos normativos legítimos e considerando que não há ofensa ao texto constitucional.Quanto ao toque de recolher, especificamente, o regulamento do regime de quarentena (Lei n. 13.979/2020, Portaria n. 356/2020/GM/MS e Portaria Interministerial n. 5/MS/MJSP) é adstrito aos objetivos de saúde pública que almeja e suas medidas são vinculadas à finalidade de enfrentamento à infecção por Covid-19, devendo a tomada de decisão das autoridades competentes se basear em propósitos de natureza sanitária e epidemiológica. A quarentena não se confunde, porém, com o chamado “toque de recolher”, que consiste, segundo definição colhida do Dicionário Priberam da Língua Portugues, em “proibição, determinada como medida excepcional por governo ou autoridade, de os civis permanecer na rua a partir de determinada hora. Nesse contexto, não há previsão legal de “toque de recolher” pelos referidos instrumentos, de modo que o ato administrativo que, em qualquer esfera, os decrete é ilegal quanto ao seu objeto. Contudo, outras medidas podem ser utilizadas. O decreto estadual Nº 35.731/2020 prevê em seu art. 12, parágrafo único a realização de bloqueio total (lockdown), que também não deve ser confundido com toque de recolher. Ao meu ver, o Governador Flávio Dino deveria usar dessa opção, dado o crescimento exponencial de casos sobretudo na Ilha de São Luís.
E a comunicação? A utilização ostensiva de carro de som, não seria ser uma alternativa?
Carro de som, vinhetas em rádio AM e FM, vinhetas para whatsapp, anúncios em outdoors. Temos que ter uma comunicação massiva, permanente e que deve ser convincente. Aos meu ver, o uso de mensagem massiva de SMS/whatsapp poderia ser uma forma de informar a população sobre os dados diários. Isso é possível de ser feito. Fazer funcionar sistemas de informação direta, destacando a concentração dos casos por bairros. Os números são pessoas. E cada vez mais próximas. As rádios comunitárias podem cumprir essa tarefa fundamental, por isso elas não podem ser criminalizadas, como são há anos. Elas devem ser estimuladas a funcionar e inclusive receber repasse de recurso público para divulgação de ações educativas.
Na Semana Santa, houve torneio de futebol na região da Via Expressa, em São Luis. E várias lojas seguem abrindo suas portas…
Como você acha que deve ser a participação da Polícia Militar, diante de aglomeções? Ou diante de ações irresponsáveis da iniciativa privada? Principalmente de setores não essenciais? E nas periferias?
Ao meu ver deve haver uma maior fiscalização das atividades econômicas que estão proibidas de funcionar. Ao meu ver, localmente, o prefeito Edvaldo Holanda deveria disponibilizar servidores que possam realizar essa tarefa emergencial, em parceria com o Estado,o Poder de Polícia municipal deveria agir com maior ênfase. Deveria haver canais de denúncias/aplicativos para que as pessoas pudessem realizar comunicação sobre aglomeração, funcionamento de atividades que estão proibidas. Ao mesmo tempo, haver investimento em campanhas educativas de largo alcance, com uso direto de mensagem via SMS ou whatsapp. Ao meu ver, essa não é tarefa da PM, que deve ser utilizada de maneira excepcional, em último caso. As ações educativas na periferia são fundamentais. E igualmente importante as ações de proteção social. Um exemplo simples. Verificar quais imóveis do Programa Minha Casa Minha Vida estão ociosos e cadastrar a população em situação de rua. Estabelecer em parceria com a sociedade civil a distribuição de alimentos, de itens de higiene pessoal e donativos. Ampliar uma rede de solidariedade. Diferentemente da Europa e de parte do EUA, temos uma população empobrecida, desempregada, sem acesso a saneamento básico, sobretudo na periferia. Para finalizar, é urgente a revogação da Emenda Constitucional Nº 95. Ela é responsável pela desestruturação do SUS. E é preciso taxar as grande fortunas.
Publicado originalmente na Agência Tambor