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Paulo Leminski faria hoje 77 anos: veja poemas marcantes do escritor

Nascido em 24 de agosto de 1944, em Curitiba (PT), o poeta faleceu em 7 de junho de 1989, com apenas 45 anos de idade.

Aos 12 anos ele ingressou no Mosteiro de São Bento, em São Paulo, onde estudou Latim, Teologia, Filosofia e Literatura Clássica, mas abandonou a vida religiosa.

Faixa preta de caratê, o poeta tinha interesse em cultura japonesa e zen-budismo.

Paulo Leminski foi crítico literário e tradutor de expoentes da Literatura como James Joyce, John Fante, Samuel Beckett e Yukio Mishima.

Na sua formação, teve influência dos irmãos concretistas Augusto e Haroldo de Campos. Com o livro “Metamorfose” ganhou o Prêmio Jabuti de Poesia, em 1995.

Alguns textos de Leminski foram gravados por Caetano Veloso, Gilberto Gil e Guilherme Arantes. Na música, o poeta fez parcerias com Itamar Assumpção, José Miguel Wisnik e Wally Salomão.

Veja abaixo 10 poemas emblemáticos do autor:

Bem no fundo

No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo

extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos
saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.

Dor elegante

Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Com se chegando atrasado
Chegasse mais adiante

Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha

Ópios, édens, analgésicos
Não me toquem nessa dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra

Invernáculo

Esta língua não é minha,
qualquer um percebe.
Quem sabe maldigo mentiras,
vai ver que só minto verdades.
Assim me falo, eu, mínima,
quem sabe, eu sinto, mal sabe.
Esta não é minha língua.
A língua que eu falo trava
uma canção longínqua,
a voz, além, nem palavra.
O dialeto que se usa
à margem esquerda da frase,
eis a fala que me lusa,
eu, meio, eu dentro, eu, quase.

O que quer dizer

O que quer dizer diz.
Não fica fazendo
o que, um dia, eu sempre fiz.
Não fica só querendo, querendo,
coisa que eu nunca quis.
O que quer dizer, diz.
Só se dizendo num outro
o que, um dia, se disse,
um dia, vai ser feliz.

M. de memória

Os livros sabem de cor
milhares de poemas.
Que memória!
Lembrar, assim, vale a pena.
Vale a pena o desperdício,
Ulisses voltou de Tróia,
assim como Dante disse,
o céu não vale uma história.
um dia, o diabo veio
seduzir um doutor Fausto.
Byron era verdadeiro.
Fernando, pessoa, era falso.
Mallarmé era tão pálido,
mais parecia uma página.
Rimbaud se mandou pra África,
Hemingway de miragens.
Os livros sabem de tudo.
Já sabem deste dilema.
Só não sabem que, no fundo,
ler não passa de uma lenda.

Parada cardíaca

Essa minha secura
essa falta de sentimento
não tem ninguém que segure,
vem de dentro.
Vem da zona escura
donde vem o que sinto.
Sinto muito,
sentir é muito lento.

Razão de ser

Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?

Aviso aos náufragos

Esta página, por exemplo,
não nasceu para ser lida.
Nasceu para ser pálida,
um mero plágio da Ilíada,
alguma coisa que cala,
folha que volta pro galho,
muito depois de caída.

Nasceu para ser praia,
quem sabe Andrômeda, Antártida
Himalaia, sílaba sentida,
nasceu para ser última
a que não nasceu ainda.

Palavras trazidas de longe
pelas águas do Nilo,
um dia, esta pagina, papiro,
vai ter que ser traduzida,
para o símbolo, para o sânscrito,
para todos os dialetos da Índia,
vai ter que dizer bom-dia
ao que só se diz ao pé do ouvido,
vai ter que ser a brusca pedra
onde alguém deixou cair o vidro.
Não é assim que é a vida?

Sintonia para pressa e presságio

Escrevia no espaço.
Hoje, grafo no tempo,
na pele, na palma, na pétala,
luz do momento.
Soo na dúvida que separa
o silêncio de quem grita
do escândalo que cala,
no tempo, distância, praça,
que a pausa, asa, leva
para ir do percalço ao espasmo.

Eis a voz, eis o deus, eis a fala,
eis que a luz se acendeu na casa
e não cabe mais na sala.

Não discuto

não discuto
com o destino
o que pintar
eu assino

A lua no cinema

A lua foi ao cinema,
passava um filme engraçado,
a história de uma estrela
que não tinha namorado.

Não tinha porque era apenas
uma estrela bem pequena,
dessas que, quando apagam,
ninguém vai dizer, que pena!

Era uma estrela sozinha,
ninguém olhava pra ela,
e toda a luz que ela tinha
cabia numa janela.

A lua ficou tão triste
com aquela história de amor
que até hoje a lua insiste:
— Amanheça, por favor!

Esse post tem informações da Revista Bula e do site ebiografia.com

Foto destacada / Paulo Leminski / capturada no site Estante Virtual

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O machado afiado da poesia e do reggae em canção e clipe

Os poetas Fernando Abreu e Celso Borges juntaram seu amor ao reggae e a música de Bob Marley para fazer uma versão livre da canção Small Axe, do cantor e compositor jamaicano.

O reggae Machado Afiado foi gravado no mês de junho e virou clipe pelas mãos de Inácio Araújo, da Carabina Filmes. O lançamento acontece no próximo sábado.

Na primeira etapa do projeto, em junho, os poetas gravaram a parceria no Estúdio Zabumba Records. A produção musical foi assinada pelo percussionista Luiz Claudio que, também, tocou na sessão. Fernando Abreu fez os violões e dividiu os vocais com Celso Borges; Jesiel Bives tocou teclados e baixo; e George Gomes, bateria. Jailton Sodré gravou, mix e masterizou a faixa.

No mês seguinte, a dupla saiu às ruas, acompanhada pela câmera de Inácio Araújo, da Carabina Filmes, e gravaram imagens na Praia Grande. A edição final do clipe terá também a participação especial do artista plástico Edson Mondego tocando berimbau.

“Nos divertimos muito nas gravações, tanto no estúdio quanto nas ruas do centro. A gente sabe que não é cantor nem tem pretensões de seguir carreira ou algo parecido.  Machado Afiado é antes de qualquer coisa uma homenagem a Bob Marley, um  cara que admiramos muito”, afirma Celso Borges.

Para o poeta Fernando Abreu “o reggae e Bob Marley estão misturados com a poesia da gente desde o começo. Estamos muito felizes de cantar uma letra que é uma leitura livre mas reverente de um poeta do povo, que sempre será farol e referência”.

MACHADO AFIADO

Versão livre de Fernando Abreu e Celso Borges
Para a música Small Axe, de Bob Marley

Se é tarde eu não sei
Resistimos
Somos Davi
Se você é Golias

A gente vai pra cima de ti
É inútil fugir
Tu queda é pra já
Cadê tua coragem?

Você me dá pão e circo
Querendo se dar bem
Mas o pau que dá em Chico
Dá em Francisco também

Você cavou sua cova
Se envenenou com seu ódio
Eu já disse e vou repetir
Sai fora, man
Sai fora
É capoeira pra cima de ti
Não corre man
Não corre

Você me dá pão e circo
Querendo se dar bem
Mas o pau que dá em Chico
Dá em Francisco também

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Livro reúne artistas e pesquisadores para debater a Contracultura no Brasil

Transas da Contracultura Brasileira, organizado por Isis Rost e Patrícia Marcondes de Barros, reúne artigos, poemas, entrevistas, depoimentos e ensaios. Traz nomes como Chacal, Jards Macalé, Luiz Carlos Maciel e os maranhenses Murilo Santos e César Teixeira, além de pesquisadores de diferentes locais do país.

Transas da Contracultura Brasileira resulta do encontro de duas pesquisadoras ligadas na efervescência cultural dos anos 1960 e 1970, Isis Rost, gaúcha radicada em São Luís, e Patrícia Marcondes de Barros, paulistana que vive atualmente em Londrina. Elas reuniram vasto material, que alinha entrevistas e depoimentos de personagens expressivas daqueles anos – tempos de explosão criativa, transformações comportamentais profundas e também de muita repressão política – com textos de pesquisa.

Capa do livro Transas da Contracultura Brasileira


“É um passeio por nomes da literatura, do jornalismo alternativo, da música, das artes cênicas e do audiovisual, quase sempre mais próximos do lado B e da experimentação, numa linguagem direta, sem os excessos teóricos e insossos dos textos acadêmicos”, afirma o professor Flávio Reis, que responde pela coordenação editorial do projeto.

Na primeira parte, temos entrevistas e depoimentos de Luiz Carlos Maciel, Ricardo Chacal, Jards Macalé, Helena Ignez, ao lado dos maranhenses Cesar Teixeira e Murilo Santos, integrantes da primeira turma do Laborarte, e de Edmar Oliveira, participante da cena que se desenvolvia em Teresina, além de uma entrevista realizada por Joca Reiners Terron com Régis Bonvicino sobre Walter Franco.

A segunda parte reúne pesquisadores e colaboradores de diferentes cidades como Teresina, São Luís, Londrina, Rio de Janeiro e São Paulo. Os textos enfocam aspectos diversos da efervescência cultural entre os anos 1960 e 1980, da Tropicália ao movimento Punk, nas áreas de poesia, música, cinema, imprensa alternativa e teatro. Entre os poetas convidados, Celso Borges, Cesar Carvalho e Durvalino Couto Filho.

Um dos ícones da contracultura, Chacal é parte do livro “Transas da Contracultura Brasileira”


“A concepção gráfica do projeto se aproxima do universo das publicações alternativas, ponto em comum entre eu e Patrícia, que conheci em 2018. Desde o ano passado existia a urgência de um projeto que resgatasse, neste período sufocante que atravessamos, os elementos transgressores da contracultura. O livro teve seu pontapé inicial quando nos encontramos pessoalmente pela primeira vez no Rio de Janeiro, em fevereiro, já no dia da entrevista com Chacal”, afirma Isis Rost, que assina o projeto gráfico e a diagramação de Transas da Contracultura Brasileira”. 

O e-book é mais um lançamento da Editora Passagens e estará disponível para download gratuito a partir do dia 26 de julho no blog da Editora Passagens editorapassagens.blogspot.com

O livro abre com um poema de Celso Borges anunciando os ingredientes e o sabor do caldeirão da contracultura.

Olhali Olhalá
Wally alado
No colo de Jorge Salomão
Tresloucado
No caldeirão da contracultura
Meu poema também cabe?
Quem sabe
Deitando e rolando no Gramma
No Drops de Abril de Chacal
Que tal
No coração samurai de Catatau
E coisa e tal
meu poema
Olé olá
No parangolé Tropicália de Oiticica
Que delícia
Meu poema enfim
Nos paletós de Francisco Alvim
Quem sabe
Maio 68 nos muros de Berlim
Meu poema lero lero
Ainda cabe até o fim
Na boca de Cacaso eu quero
Dentro de mim um anjo da contracultura
Que nas asas de Ana C. César
Sobrevoe aquela manhã azul de Ipanema
Queda para o alto
Meu poema
Meu treponema não é pálido nem viscoso
na fumaça de um fino
meu poema
panamérica de Agripino
colírio no olho do sol
quem sabe
nas bancas de revista
Warhol na capa mijando no urinol
de Duchamp
Roda, roda e avisa
Um minuto pros comerciais
Alô, alô, Tristeresina
Vai ver Torquato
Na discoteca do Chacrinha
Vai, Drummond, ser guache
Nas aquarelas da contracultura
Quem sabe!
Quem sabe desfolho a bandeira
Na parte que me cabe
Quem sabe?
Quem sou?
Eu sei
Eu não sei
Por isso
Meu poema vai
e voa
em vão
meu poema nem Seu Sousa
vai e vem e vaia
o caldeirão
da contracultura
não
Me segura que vou dar um traço

SERVIÇO

Transas da Contracultura Brasileira

Organizado por Patrícia Marcondes de Barros e Isis Rost

Editora Passagens – São Luís, 332 páginas

Coordenação editorial – Flávio Reis

Projeto gráfico e diagramação – Isis Rost

Download gratuito a partir do dia 26 de julho no blog da
Editora Passagens: editorapassagens.blogspot.com

Imagem destacada / divulgação / Poeta Ana Cristina Cesar é uma das referências do livro

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Bodó

*Por Luiz Henrique Lula da Silva
Jornalista, membro da Apoesp (Associação de Poetas e Escritores de Pedreiras), ex-presidente da Abraço Maranhão e deputado estadual suplente

Tem histórias que você não pode, nem deve guardar só pra si. Essa semana o planeta terra, nessa dimensão da vida humana, perdeu um grande ser, um dos melhores da espécie, que se foi muito, muito mesmo fora do combinado. E é inspirado em Samuel Barreto, um notório e exímio contador de histórias, estórias e causos, alguém que tinha sempre o que dizer e contar, não guardando para si o que sabia e tivesse vivido que resolvi contar Minha História com João do Vale.

Um belo dia, em pleno expediente da fábrica que eu gerenciava (Colchões Corcovado), em Pedreiras, me entra na sala da administração, esbaforido, Daniel Lisboa, gerente de produção da empresa, compositor e cantor, e me diz: João do Vale tá na cidade. Você não disse que desejava conhecê-lo? Ato continuo só perguntei onde estava, e se ele, Daniel, poderia me levar até onde João. Eram 11h da manhã e lá fomos nós pra casa de Teresa Parga e Serejo, ela prima-irmã de João e Serejo seu grande amigo (a língua do Serejo tá jeitinho que você deixou…).

Teresa nos recebeu e foi até a cozinha perguntar se João permitiria minha conversa com ele. Logo estava sentado na cozinha, observando João já “calibrado” com as primeiras doses de cachaça daquela manhã, saboreando um peixe, que vim saber em seguida ser Bodó. Peixe comum nos rios maranhenses, como rio Mearim que banha Pedreiras e região. Pela devoção, voracidade e elogios de João, era o peixe que mais apreciava.

Feita a primeira abordagem, pergunto quando poderíamos marcar uma entrevista. Queria poder ouvir João naquele ambiente seu, em seu lugar, em volta dos seus amigos de Pedreiras. Qual não foi minha surpresa quando ele disse: Agora! Pode perguntar.

Pego de surpresa, peço a Daniel ir à fábrica e trazer um gravador. Enquanto o gravador não chega, falamos sobre bodó, dominó (João gostava muito de jogar dominó) e Serejo. João me oferece uma dose, e eu recuso, mas comento: só tiver uma cerveja, eu quero. João dá o comando pra Teresa Parga – Teresa, o repórter é bruguês! Serve o homi!
Pronto, a partir dali estávamos íntimos, passei a ser o bruguês.

O gravador chega, início a conversa, e pergunto o que sem dúvida, ele já havia respondido outras inúmeras vezes: como foi a trajetória? Primeira música? Quem cantou? A experiência do show Opinião, Carcará? etc, etc, etc. Só uma pergunta lhe causa incômodo, quando indago como ele conheceu Chico Buarque. Rispidamente, a resposta vem na ponta da língua – A pergunta não é como conheci Chico Buarque? A pergunta é como ele me conheceu.


Finda a entrevista, que viria a ser publicada na íntegra no Jornal Pequeno, mais uma vez sou pego de surpresa com um convite inusitado. Já são 3 da tarde e ele pede carona para a casa de uma tia em Trizidela, hoje cidade, à época o bairro de Pedreiras, do outro lado da ponte.

Claro, respondo!

A parada lá é rápida, tempo suficiente para encher de cachaça uma garrafinha de guaraná Antárctica, mais duas cervejas no juízo do bruguês, para ele em seguida não mais pedir, mas determinar – vamos pro Lago da Onça. Vou te levar onde não deixei nem Vanucci ir.

João se referia a um especial que ele acabara de gravar para a TV Globo, dirigido pelo talentoso Augusto Cesar Vanucci, que seria exibido dias depois.


Lago da Onça é o povoado, a beira do rio Mearim, onde João do Vale nasceu e foi celebrado em uma de suas canções, de título Pé do Lajeiro. E lá fomos nós, literalmente pra terra de João. Ele descalço, meio molambento, porque era próprio dele viajar sem mala e como dizia minha mãe, com a roupa do corpo.


O povoado era paupérrimo, as casas, todas, sem exceção, eram de pau a pique (casas de barro, como se diz por aqui), algumas cobertas de palha, mas a maioria de telha.

Entramos em uma delas, e João chama pelo dono. Não sei dizer se era Mané, Pedro ou Romão de sua canção Minha História, ou nenhum deles, me falha a memória, o certo que se abraçaram, festejam o reencontro e o anfitrião diz um – Eita, João! Tu por aqui.

João me apresenta ao amigo: esse aqui é bruguês, é repórter e tá fazendo uma entrevista comigo. Trouche (assim, com essa pronuncia), trouche ele aqui pra mostrar meu santuário.

Do nada revira o tamborete com acento de couro de boi, cabra, ou sei lá de que bicho pra cima, e se põe a batucar. Faço o mesmo com o meu. Ficamos os dois em uma batida desconexa, tocando nada com coisa nenhuma, ambos já meio “tontinhos”. João com a cachaça da terra e bruguês das cervejas Antarcticas da casa de Teresa e da tia de João.

Já eram muitas horas da madrugada, quando depois de algumas incursões pelas ruas do Tamarindo (Trizidela) e da golada (Pedreiras), exausto, bebo bosta, pedi arrego e disse ao trôpego de cachaça João Batista do Vale. João, vamos pra casa! Deixei-o onde o havia encontrado, na casa de Teresa.


Ficamos amigos, ele continuou bebendo cachaça, e o bruguês até hoje bebe cerveja.

Vou beber João, vou beber Samuel Barreto.

Essa é minha história com João do Vale, inspirada em Samuel Barreto.

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Poesia em convulsão: livro reúne 70 autores brasileiros contemporâneos

Organizado pelo poeta e ensaísta Manoel Ricardo de Lima, Uma pausa na luta traz poemas dos maranhenses Celso Borges e Josoaldo Lima Rêgo, além de Ricardo Aleixo, Thiago E, Micheliny Verunschk, Júlia Studart, Fabiano Calixto, Ruy Proença, Anitta Costa Malufe, Ramon Nunes Mello, Tarso Melo e Heitor Ferraz, entre outros. 

A partir da reflexão de Pasolini, de que “uma pausa na luta” é também a possibilidade de “reavaliação da luta”, este ajuntamento de poetas e poemas se propõe a reinventar a luta, como uma deriva suspensa do tempo e da história, tentando dizer outras coisas, algumas esperanças contra o diletantismo das circunstâncias atuais. 

“Como reavaliar a vida com força e sem tanto luto, propondo apenas uma filigrana de pausa na luta?” é uma das perguntas que o organizador do livro, Manoel Ricardo de Lima, faz no prefácio da obra, que ele faz questão de afirmar que não é uma antologia, mas uma convulsão.

Uma pausa na luta sai pela Mórola Editorial e está à disposição para download gratuito pelo link  https://morula.com.br/produto/uma-pausa-na-luta/

Manoel Ricardo de Lima é professor da UNIRIO e publicou, entre outros, Falas Inacabadas [com Elida Tessler], Pasolini: retratações [com Davi Pessoa] e Geografia Aérea. Organizou A visita [com Isabella Marcatti] e A nossos pés.  Coordenou a edição da obra completa do poeta português Ruy Belo no Brasil [7Letras] e coordena a coleção Móbile de mini-ensaios [Lumme Editor]. 

pausa

drible no grito

quase

matar o corpo osso a osso

pele a pele

músculos no exílio

nus nós cegos

e desatarmo-nos em praça pública

depois de pendurados

nas agonias do limbo


pause

imagens perdidas do último capítulo da série de sucesso

amarrar o voo das abelhas inclusive o mel

pisar no eco, talvez

o ovo em pé inevitável

quebrá-lo no ar

e refletir

onde se aloja o amado medo

marcado pelo suor de deus


fuga do front

embrulhar com zelo o pacote da pancada futura

pensar que seria um erro fazê-lo agora

sim ao pouso do pássaro acima do chão

por enquanto

não tremer


trégua sem trégua


rigidez e leveza

aceitar que o poema pode ser inútil

intervalo para o último assalto

tomar de assalto o ventre do ringue

antes do nocaute

pensar melhor fora da cabeça

peixe fora do aquário

quase

respiração suspensa

até o segundo final

antes de subir à tona

e soprar o pulmão do mundo

                                   celso borges


Quase a forma

não escrita

A voz

disposta na calçada

e esquecida


Vida pra quem respira

nos intervalos

josoaldo lima rego

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Declarações de amor à Praia Grande

Texto e foto: Benedito Lemos Junior

Ruas, vielas, escadarias, “imponentes” casarões, moradas, “meia” morada, são itens da Praia Grande, em São Luís, capital do Maranhão, que revelam e escondem histórias e “istórias”, lendas e magias, em seus mais de quatros séculos de beleza e impureza, apogeu e decadência, relatos muitos inconfessáveis de “povos” que vagueiam pela vida.

Livres e/ou acorrentados, a Praia Grande é um dos mais belos e mais significativos cenários de “pessoas”, modos de vida e de cultura, de cidadãos que lutam por muito ou quase nada.

Em 1981, o cantor, compositor e poeta César Teixeira muito bem traduziu esse cenário no samba “Praia Grande” – tema da Escola de Samba Turma do Quinto naquele ano: “foi no século passado que a Praia Grande apareceu, entre secos e molhados, varejo e atacado, floresceu lá no cais, sob a luz das lamparinas”.

As lamparinas, os lampiões que “iluminaram”, por exemplo, os “caixeiros viajantes que tinham sonhos delirantes com a negra Catarina, e os pregoeiros, que sempre vivem no mundo da lua, vendendo frutas e verduras, e gritando pelas ruas tem caranguejo, farinha d’água e bobó”.

Assim, a Praia Grande, iluminada ou não, era e foi o sonho delirante de muitas pessoas, que também iluminadas ou não, fizeram e fazem histórias, suas lendas e magias, num recanto belo, de poesias, amores e paixões, entorpecidas, muitas delas, de álcool e drogas.

Umas das “figuras tarimbadas” mais presentes da Praia Grande era o poeta Nauro Machado. Não sei se o local foi fonte de sua bela e profunda inspiração, mas, com certeza, foi o “palco iluminado às velas” de muitas gerações, que como Nauro suplicavam “abre-me as portas, mãe, enquanto as estrelas buscam em mim agora a treva infinda, sem luz alguma no meu olhar a vê-las…..só para mim, que vou comigo pelas manhãs nascendo todas cegas ainda”.

Indo agora “imbora”, vou com a “Namorada do Cangaço” de César Teixeira, dando “Adeus, morena, o meu coração é um passarinho solto que não se pega com a mão” e sempre “voltar pra casa todo fim de ano cantando um bolero de Waldick Soriano”.

Mãe, te amo, em e por sua eterna memória.

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Livrinho ouve o silêncio do BOI

BOI reúne poemas e letras de música que o poeta Celso Borges escreveu, principalmente, nos últimos dez anos. Obra tem o projeto gráfico de Isis Rost e faz parte da coleção Livrinho também é livro, da editora Passagens.

O poeta e letrista Celso Borges homenageia o boi do Maranhão no primeiro ano em que essa manifestação não estará nas ruas e arraiais da cidade, por causa da pandemia do corona vírus.

“Este livrinho nasce dessa não voz, ou da poesia dessa voz na memória, ou do afeto que vislumbro a partir da falta do boi e suas zoadas essenciais”, afirma o escritor que tem ligação com o bumba-meu-boi desde criança, quando via e ouvia os grupos se apresentarem em frente à sua casa, no Largo de São João, centro da cidade.

BOI é o terceiro trabalho da coleção Livrinho também é livro que estreou com A rua morta (Luís Inácio Oliveira), seguido de O declínio da narrativa (Isis Rost). Assim como os dois primeiros livrinhos, BOI vai sair também no formato digital.

“É claro que a gente quer publicar esses trabalhos no papel, mas por enquanto eles estão disponíveis de forma gratuita apenas virtualmente”, afirma Isis Rost, da editora Passagens, que já publicou, além das obras dessa coleção, quatro outros livros: Penúltima Página (Zema Ribeiro); O Risco do Berro – Torquato, neto, Morte e Loucura (Isis Rost), Vaia de Bebo Não Vale (Helen Lopes) e Ruminações – cultura e política (Flávio Reis), todos em 2019.

A capa de BOI foi feita a partir de um quadro do pintor Ciro Falcão, da geração de artistas plásticos maranhenses que começou a expor nos anos 1970. As outras páginas do livrinho trazem ilustrações, quadros e fotos de vários artistas nacionais e internacionais, entre eles Pablo Picasso, Cícero Dias, Aldemir Martins, Marcos Palhano, Ribamar Rocha, Militão dos Santos e J. Borges.

BOI

Livro de Celso Borges

Projeto gráfico de Isis Rost

56 páginas, editora Passagens

A partir do dia 20 de junho, disponível gratuitamente

No site da editora: https://editorapassagens.blogspot.com/

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O bloco de Sérgio Sampaio ainda está na rua

Texto de Celso Borges, poeta e jornalista

São Paulo, primeiro semestre de 1994. Subo a Rua Abílio Soares, no bairro do Paraíso, em direção à Avenida Paulista. Passo na porta do Café Paris, ou seria o Barnaldo Lucrécia? A memória falha, mas isso não tem importância, porque lembro perfeitamente o cartaz na porta: “Sérgio Sampaio, show dia 14 de abril”. Seria dali a duas semanas. Meu coração bateu no brilho dos olhos. Finalmente poderia ver um cara que eu amava apenas no radinho de pilha. Queria chegar perto dele depois do show, talvez, e pedir um abraço. Não aconteceu. Na semana seguinte fui comprar o ingresso e o show tinha sido transferido, sem previsão de data.

A verdade do adiamento é que Sérgio Sampaio estava morrendo. Um mês depois, em 15 de maio, foi embora, vítima de cirrose hepática. Ficou um vazio duplamente presente pelas duas ausências. O show e o abraço que não tive, além do silêncio do corpo do artista para sempre.

Essa tristeza foi substituída poucos anos depois pela enorme alegria ao ouvir Zeca Baleiro cantando Tem que acontecer, uma canção belíssima que invadiu deliciosamente rádios do Brasil inteiro e trouxe de volta a alma e a voz do compositor popular.

Não fui eu nem Deus

Não foi você nem foi ninguém

Tudo o que se ganha nessa vida

É pra perder

Tem que acontecer, tem que ser assim

Nada permanece inalterado até o fim

Foi Zeca, sem dúvida, o grande responsável pela valorização de Sampaio. Pouco tempo depois, Mazolla produziria o CD Balaio do Sampaio, uma coletânea de suas músicas cantadas por vários artistas da MPB. Foi ali que ouvi pela primeira vez Meu pobre blues, composição de Sérgio em “homenagem” a seu conterrâneo de Cachoeiro do Itapemirim, Roberto Carlos. Sampaio sempre tentou, em vão, que Roberto cantasse uma música dele, mas o rei do iê-iê-iê não tinha olhos para ver e ouvir as verdades de quem teve coragem de dizer versos tão comoventes, ironicamente interpretados no disco pelo parceiro Erasmo Carlos.

Meu amigo,

Foi inútil…

Eu juro que tentei compor

Uma canção de amor

Mas tudo pareceu tão fútil

E agora que esses detalhes

Já estão pequenos demais

E até o nosso calhambeque

Não te reconhece mais

Eu trouxe um novo blues

Com um cheiro de uns dez anos atrás

E penso ouvir você cantar

Mesmo que as mesmas portas

Estejam fechadas

Eu pretendo entrar

Mesmo que minha mulher

Depois de me escutar

Ainda insista

Que você não vai gostar

Mas a homenagem mais importante viria em 2010, quando Zeca Baleiro produziu e lançou o disco Cruel, reunindo oito canções que Sampaio tinha registrado em voz e violão num estúdio em Salvador pouco tempo antes de morrer, além de outras composições resgatadas de uma velha fita cassete. Baleiro colocou uma banda acompanhando o artista, um trabalho arriscado e difícil de fazer, mas cujo resultado final valeu a pena.

Semana passada recebi a mensagem de um amigo do Rio de Janeiro, o poeta e diretor de teatro, Sidnei Cruz, sugerindo um vídeo com o último show gravado de Sérgio Sampaio, em 1993, na Universidade Federal do Espírito Santo. Não tenho palavras. Vê-lo cantar me passa uma verdade tão grande, que compreendo claramente porque Eu quero botar meu bloco na rua, sua composição mais conhecida, sempre me causou tanta emoção desde a primeira vez que a escutei num radinho de pilha no programa Quem manda é você, de Zé Branco, na Difusora AM, em 1972.

Essa canção me joga em outras imagens, que também me atravessam e me comovem. Um pequeno trecho de um show de Sérgio Sampaio, em maio de 1993, organizado pela gravadora Phonogram, no Centro de Convenções do Anhembi, em São Paulo. O compositor capixaba se apresenta de cabelos compridos, veste uma espécie de tapete colorido como casaco, calça boca de sino e uma faixa amarela na cintura. Como um dândi, um arlequim, um antibobo da corte, corpo e alma sentindo a vida com a profundidade dos grandes artistas. Canta e toca sentado, passa a mão nos olhos, levanta em transe, continua cantando, dança, se contorce e bota o bloco na rua. Há algo ali maior que tudo.

Fotos/Divulgação (selecionadas no Google por Celso Borges)

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Não desistas

Mario Benedetti

Suporta, ainda há tempo

Para alcançares e começares de novo,

Aceita tua sombra,

Sepulta teus medos,

Liberta o lastro,

Retoma o voo.

Não desistas porque a vida é isso,

Continua a viagem

Persegue teus sonhos,

Liberta o tempo

Contorna as ruínas,

E descobre o céu.

Não desistas, por favor, não cedas,

Ainda que o frio queime,

Ainda que o medo corroa,

Ainda que sol se esconda,

E se cale o vento,

Ainda há fogo em tua alma

Ainda há vida em teus sonhos.

Porque a vida é tua e é teu também o desejo

Porque tu tens amado e porque te amo

Porque existe o vinho e o amor, com certeza.

Porque não há feridas que não se curem com o tempo.

Abre as portas,

Remove os ferrolhos,

Abandona as paredes que te protegem,

Vive a vida e aceita o desafio,

Recupera o sorriso

Ensaia uma canção,

Baixa a guarda e estende as mãos

Abre as asas

E tenta novamente

Celebra a vida, recupera o paraíso.

Não desistas, por favor, não cedas,

Ainda que o frio queime,

Ainda que o medo corroa,

Ainda que o sol se ponha e se cale o vento,

Ainda há fogo em tua alma,

Ainda há vida em teus sonhos

Porque cada dia é um novo começo,

Porque esta é a hora e o melhor momento.

Porque tu não estás só, porque eu te amo.

Imagem destacada: Benedito Lemos Junior

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Literatura

Poeta de Barra do Corda lança novo livro em São Luís

Kissyan Castro lança O Estreito do Éden, seu quinto trabalho de poesia, dia 27 de março no projeto Vozes Vinhos e Vinis, livraria Poeme-se

O Estreito de Éden (editora Penalux, 85 páginas) tem 50 poemas divididos em três partes: O Estreito de Éden, que dá título ao livro, Deambulário e Melopeia dos Ossos. É o quinto livro de poesia de Kissyan Castro, que além de escritor é técnico em enfermagem. Lançamento acontece no projeto Vozes, Vinhos e Vinis, que a livraria Poeme-se realiza mensalmente na Praia Grande desde meados de 2017.

Segundo o escritor, o novo trabalho é um desdobramento do livro anterior, Bodas de Pedra, que ele considera sua estréia de fato. “O livro traz alguns poemas em que predominam as indagações metafísicas sobre a efemeridade da vida, o estar no mundo, a ânsia de durar, que são temas que me perturbam desde a infância, além de alguma iconoclastia do legado das religiões. O mais é a tentativa de construir um objeto, uma coisa, ‘um artefato’, como diria Ferreira Gullar, que fique, antes que o punho trema, a palavra caduque e o presente não seja mais que um batuque”.

Atualmente, Kissyan Castro (foto) está trabalhando numa biografia de Maranhão Sobrinho, “O Poeta Maldito de Atenas”, como ele mesmo se autointitulava. O projeto nasceu de uma pedido do escritor Jomar Moraes, ele mesmo autor de uma biografia sobre o poeta simbolista.  Sobrinho é um dos escritores preferidos de Kissyan Castro, que tem ainda no seu cânone literário, Ferreira Gullar, Nauro Machado, Drummond, Pessoa, Murilo Mendes, Rilke, Sofia de Mello Breyner Andresen, João Cabral, Orides Fontela, Hilda Hilst, Kaváfis, Rimbaud, além dos prosadores Graciliano Ramos, Machado de Assis, Hermann Hesse, Dostoiévski e Tólstoi, entre muitos outros.

Perfil

Poeta e pesquisador maranhense (Barra do Corda/MA, 1979). Autor dos livros Vau do Jaboque (2005), Bodas de Pedra (2013), Maranhão Sobrinho – Poesia Esparsa (2015) e Rio Conjugal (2016). Tem poemas publicados em vários sites e revistas, entre as quais Germina e Portal de Poesia Ibero-Americana, de Antonio Miranda. Atualmente colabora no site www.barradocorda.com. Formado em Teologia, servidor público, membro efetivo da Academia Barra-Cordense de Letras e, nas horas vagas, professor de grego clássico.

O ESTREITO DO ÉDEN

Livro de poesia de Kissyan Castro

Lançamento dia 27 de março, às 19h

Projeto Vozes, Vinhos e Vinis

Livraria Poeme-se – Praia Grande, Centro

Preço do livro: R$ 35,00

Três poemas do novo livro

Inventário

Não tive ouro ou gado que me valha
neste pasto-imposto
cobrado à sanha de metralha.

(em vez de dólar, dolo,
o duplo das vezes, fezes)

Não tive ouro ou gado que me valha
neste pasto feito excremento.

O silêncio atroz que me navalha

é tudo o que hoje ostento.

Ala obstétrica

Sem centro ou cohab onde habite,
vivo a guitarrear teu sexo
como um pássaro hemorrágico.

Palavra de um só cadáver
para a selfie que é de dois
no céu inverso do umbigo.

Eternidade – este biombo
da garganta até o Hades
do vocábulo por dentro.

Eternidade – esta maca
no vazio a ser dos ossos
um deus nascendo da cloaca.

Poda à maneira de Herodias

Perfilado a pregos no esquecimento,

o instante supremo do último ato.

A terra já não nos pertence. Ó Vida –

inacabada contagem de estrelas –,

ninguém que me apanhe a espada caída

ou sequer diminua o passo esquivo.

Removido o traje, a cabeça dos ombros,

o olho o tronco as tripas o umbigo extinto,

restará de mim o apetite assíduo

entregue ao Nada numa bandeja.