Texto de Celso Borges, poeta e jornalista
São Paulo, primeiro semestre de 1994. Subo a Rua Abílio Soares, no bairro do Paraíso, em direção à Avenida Paulista. Passo na porta do Café Paris, ou seria o Barnaldo Lucrécia? A memória falha, mas isso não tem importância, porque lembro perfeitamente o cartaz na porta: “Sérgio Sampaio, show dia 14 de abril”. Seria dali a duas semanas. Meu coração bateu no brilho dos olhos. Finalmente poderia ver um cara que eu amava apenas no radinho de pilha. Queria chegar perto dele depois do show, talvez, e pedir um abraço. Não aconteceu. Na semana seguinte fui comprar o ingresso e o show tinha sido transferido, sem previsão de data.
A verdade do adiamento é que Sérgio Sampaio estava morrendo. Um mês depois, em 15 de maio, foi embora, vítima de cirrose hepática. Ficou um vazio duplamente presente pelas duas ausências. O show e o abraço que não tive, além do silêncio do corpo do artista para sempre.
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Essa tristeza foi substituída poucos anos depois pela enorme alegria ao ouvir Zeca Baleiro cantando Tem que acontecer, uma canção belíssima que invadiu deliciosamente rádios do Brasil inteiro e trouxe de volta a alma e a voz do compositor popular.
Não fui eu nem Deus
Não foi você nem foi ninguém
Tudo o que se ganha nessa vida
É pra perder
Tem que acontecer, tem que ser assim
Nada permanece inalterado até o fim
Foi Zeca, sem dúvida, o grande responsável pela valorização de Sampaio. Pouco tempo depois, Mazolla produziria o CD Balaio do Sampaio, uma coletânea de suas músicas cantadas por vários artistas da MPB. Foi ali que ouvi pela primeira vez Meu pobre blues, composição de Sérgio em “homenagem” a seu conterrâneo de Cachoeiro do Itapemirim, Roberto Carlos. Sampaio sempre tentou, em vão, que Roberto cantasse uma música dele, mas o rei do iê-iê-iê não tinha olhos para ver e ouvir as verdades de quem teve coragem de dizer versos tão comoventes, ironicamente interpretados no disco pelo parceiro Erasmo Carlos.
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Meu amigo,
Foi inútil…
Eu juro que tentei compor
Uma canção de amor
Mas tudo pareceu tão fútil
E agora que esses detalhes
Já estão pequenos demais
E até o nosso calhambeque
Não te reconhece mais
Eu trouxe um novo blues
Com um cheiro de uns dez anos atrás
E penso ouvir você cantar
Mesmo que as mesmas portas
Estejam fechadas
Eu pretendo entrar
Mesmo que minha mulher
Depois de me escutar
Ainda insista
Que você não vai gostar
Mas a homenagem mais importante viria em 2010, quando Zeca Baleiro produziu e lançou o disco Cruel, reunindo oito canções que Sampaio tinha registrado em voz e violão num estúdio em Salvador pouco tempo antes de morrer, além de outras composições resgatadas de uma velha fita cassete. Baleiro colocou uma banda acompanhando o artista, um trabalho arriscado e difícil de fazer, mas cujo resultado final valeu a pena.
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Semana passada recebi a mensagem de um amigo do Rio de Janeiro, o poeta e diretor de teatro, Sidnei Cruz, sugerindo um vídeo com o último show gravado de Sérgio Sampaio, em 1993, na Universidade Federal do Espírito Santo. Não tenho palavras. Vê-lo cantar me passa uma verdade tão grande, que compreendo claramente porque Eu quero botar meu bloco na rua, sua composição mais conhecida, sempre me causou tanta emoção desde a primeira vez que a escutei num radinho de pilha no programa Quem manda é você, de Zé Branco, na Difusora AM, em 1972.
Essa canção me joga em outras imagens, que também me atravessam e me comovem. Um pequeno trecho de um show de Sérgio Sampaio, em maio de 1993, organizado pela gravadora Phonogram, no Centro de Convenções do Anhembi, em São Paulo. O compositor capixaba se apresenta de cabelos compridos, veste uma espécie de tapete colorido como casaco, calça boca de sino e uma faixa amarela na cintura. Como um dândi, um arlequim, um antibobo da corte, corpo e alma sentindo a vida com a profundidade dos grandes artistas. Canta e toca sentado, passa a mão nos olhos, levanta em transe, continua cantando, dança, se contorce e bota o bloco na rua. Há algo ali maior que tudo.
Fotos/Divulgação (selecionadas no Google por Celso Borges)