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Meu nome vem do rádio e da Jovem Guarda

Eu estava com meus alunos da disciplina Crítica da Mídia (Jornalismo/UFMA) no setor de obras raras da Biblioteca Pública Benedito Leite, em São Luís, pesquisando nos jornais antigos sobre um fato rumoroso ocorrido no Maranhão, na década de 1990, quando um aluno chamou minha atenção para essa página do jornal O Debate, de 14 de maio de 1993.

É uma notícia anunciando show do cantor e compositor Ed Wilson, um dos ícones da Jovem Guarda, movimento cultural dos anos 1960 liderado por Wanderléa, Roberto Carlos e Erasmo Carlos.

Batizado Edson Vieira de Barros, Ed Wilson era filho de uma família de artistas. A sua mãe, Elair Silva, foi cantora da Rádio Nacional; e o pai, ator de cinema. Os manos, chamados irmãos Barros, tinham música na veia.

O rádio, o parto e um nome

Jornal “O Debate” anunciava show em 1993

A escolha do meu nome é daquele tempo e tem uma história interessante, envolvendo o rádio.

Quando eu nasci, em 1967, meu pai estava sintonizado na antiga Difusora AM (A Poderosa) e tocava a música “Festa de Arromba”, um hit frenético popularizado por Roberto Carlos, o tremendão Erasmo Carlos, a banda The Fevers, entre outras interpretações.

A música é uma celebração dos famosos da época que agitavam o evento, provocando euforia d@s fãs.

Uma das celebridades da festa era o cantor e compositor Ed Wilson, que foi denominado pela Revista do Rádio, em 1962, de “O Elvis Brasileiro”, devido as suas afinidades performáticas e a imitação do imortal Elvis Presley.

Um trecho da música “Festa de Arromba” diz assim:

“”Renato e seus Blue Caps tocavam na piscina
The Clevers no terraço, Jet Black’s no salão
Os Bells de cabeleira não podiam tocar
Enquanto a Rosemary não parasse de dançar


Mas vejam quem chegou de repente
Roberto Carlos com seu novo carrão
Enquanto Tony e Demétrius fumavam no jardim
Sérgio e Zé Ricardo esbarravam em mim


Lá fora um corre-corre dos brotos do lugar
Era o Ed Wilson que acabava de chegar
Hey, hey (hey, hey), que onda
Que festa de arromba!
“”

Veja a música na íntegra:

Quando mamãe pariu, meu pai, ouvindo a música no rádio, não teve dúvidas:

… era o Ed Wilson que acabava de chegar…

O cantor e compositor integrou o famoso grupo Renato e Seus Blue Caps, em atividade até hoje. Foi também um dos criadores da banda The Originals, composta por ex-integrantes de três grupos de referência da Jovem Guarda: The Fevers, Renato e Seus Blue Caps e Os Incríveis.

Uma das músicas célebres da autoria de Ed Wilson é “Chuva de prata”, interpretada por Gal Costa. Ele compôs também “Aguenta coração”, famosa na voz de José Augusto; “Pede a ela”, cantada por Tim Maia; e “O pensamento vai mais longe”, interpretada pelo The Feveres.

Na década de 1980 ele aderiu à onda gospel e gravou vários CDs e DVDs com temática religiosa evangélica, entre eles o álbum “Chuva de bênçãos”.

Ed Wilson, uma referência na cena musical brasileira, era carioca do bairro Piedade e faleceu em 2010, aos 65 anos de idade.

Abaixo tem um vídeo de minha autoria gravado em uma exposição sobre as mulheres do rádio, no Centro Cultural Santander, em São Paulo, onde também faço menção à origem do meu nome. Assista:

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O bloco de Sérgio Sampaio ainda está na rua

Texto de Celso Borges, poeta e jornalista

São Paulo, primeiro semestre de 1994. Subo a Rua Abílio Soares, no bairro do Paraíso, em direção à Avenida Paulista. Passo na porta do Café Paris, ou seria o Barnaldo Lucrécia? A memória falha, mas isso não tem importância, porque lembro perfeitamente o cartaz na porta: “Sérgio Sampaio, show dia 14 de abril”. Seria dali a duas semanas. Meu coração bateu no brilho dos olhos. Finalmente poderia ver um cara que eu amava apenas no radinho de pilha. Queria chegar perto dele depois do show, talvez, e pedir um abraço. Não aconteceu. Na semana seguinte fui comprar o ingresso e o show tinha sido transferido, sem previsão de data.

A verdade do adiamento é que Sérgio Sampaio estava morrendo. Um mês depois, em 15 de maio, foi embora, vítima de cirrose hepática. Ficou um vazio duplamente presente pelas duas ausências. O show e o abraço que não tive, além do silêncio do corpo do artista para sempre.

Essa tristeza foi substituída poucos anos depois pela enorme alegria ao ouvir Zeca Baleiro cantando Tem que acontecer, uma canção belíssima que invadiu deliciosamente rádios do Brasil inteiro e trouxe de volta a alma e a voz do compositor popular.

Não fui eu nem Deus

Não foi você nem foi ninguém

Tudo o que se ganha nessa vida

É pra perder

Tem que acontecer, tem que ser assim

Nada permanece inalterado até o fim

Foi Zeca, sem dúvida, o grande responsável pela valorização de Sampaio. Pouco tempo depois, Mazolla produziria o CD Balaio do Sampaio, uma coletânea de suas músicas cantadas por vários artistas da MPB. Foi ali que ouvi pela primeira vez Meu pobre blues, composição de Sérgio em “homenagem” a seu conterrâneo de Cachoeiro do Itapemirim, Roberto Carlos. Sampaio sempre tentou, em vão, que Roberto cantasse uma música dele, mas o rei do iê-iê-iê não tinha olhos para ver e ouvir as verdades de quem teve coragem de dizer versos tão comoventes, ironicamente interpretados no disco pelo parceiro Erasmo Carlos.

Meu amigo,

Foi inútil…

Eu juro que tentei compor

Uma canção de amor

Mas tudo pareceu tão fútil

E agora que esses detalhes

Já estão pequenos demais

E até o nosso calhambeque

Não te reconhece mais

Eu trouxe um novo blues

Com um cheiro de uns dez anos atrás

E penso ouvir você cantar

Mesmo que as mesmas portas

Estejam fechadas

Eu pretendo entrar

Mesmo que minha mulher

Depois de me escutar

Ainda insista

Que você não vai gostar

Mas a homenagem mais importante viria em 2010, quando Zeca Baleiro produziu e lançou o disco Cruel, reunindo oito canções que Sampaio tinha registrado em voz e violão num estúdio em Salvador pouco tempo antes de morrer, além de outras composições resgatadas de uma velha fita cassete. Baleiro colocou uma banda acompanhando o artista, um trabalho arriscado e difícil de fazer, mas cujo resultado final valeu a pena.

Semana passada recebi a mensagem de um amigo do Rio de Janeiro, o poeta e diretor de teatro, Sidnei Cruz, sugerindo um vídeo com o último show gravado de Sérgio Sampaio, em 1993, na Universidade Federal do Espírito Santo. Não tenho palavras. Vê-lo cantar me passa uma verdade tão grande, que compreendo claramente porque Eu quero botar meu bloco na rua, sua composição mais conhecida, sempre me causou tanta emoção desde a primeira vez que a escutei num radinho de pilha no programa Quem manda é você, de Zé Branco, na Difusora AM, em 1972.

Essa canção me joga em outras imagens, que também me atravessam e me comovem. Um pequeno trecho de um show de Sérgio Sampaio, em maio de 1993, organizado pela gravadora Phonogram, no Centro de Convenções do Anhembi, em São Paulo. O compositor capixaba se apresenta de cabelos compridos, veste uma espécie de tapete colorido como casaco, calça boca de sino e uma faixa amarela na cintura. Como um dândi, um arlequim, um antibobo da corte, corpo e alma sentindo a vida com a profundidade dos grandes artistas. Canta e toca sentado, passa a mão nos olhos, levanta em transe, continua cantando, dança, se contorce e bota o bloco na rua. Há algo ali maior que tudo.

Fotos/Divulgação (selecionadas no Google por Celso Borges)