Categorias
notícia

O bloco de Sérgio Sampaio ainda está na rua

Texto de Celso Borges, poeta e jornalista

São Paulo, primeiro semestre de 1994. Subo a Rua Abílio Soares, no bairro do Paraíso, em direção à Avenida Paulista. Passo na porta do Café Paris, ou seria o Barnaldo Lucrécia? A memória falha, mas isso não tem importância, porque lembro perfeitamente o cartaz na porta: “Sérgio Sampaio, show dia 14 de abril”. Seria dali a duas semanas. Meu coração bateu no brilho dos olhos. Finalmente poderia ver um cara que eu amava apenas no radinho de pilha. Queria chegar perto dele depois do show, talvez, e pedir um abraço. Não aconteceu. Na semana seguinte fui comprar o ingresso e o show tinha sido transferido, sem previsão de data.

A verdade do adiamento é que Sérgio Sampaio estava morrendo. Um mês depois, em 15 de maio, foi embora, vítima de cirrose hepática. Ficou um vazio duplamente presente pelas duas ausências. O show e o abraço que não tive, além do silêncio do corpo do artista para sempre.

Essa tristeza foi substituída poucos anos depois pela enorme alegria ao ouvir Zeca Baleiro cantando Tem que acontecer, uma canção belíssima que invadiu deliciosamente rádios do Brasil inteiro e trouxe de volta a alma e a voz do compositor popular.

Não fui eu nem Deus

Não foi você nem foi ninguém

Tudo o que se ganha nessa vida

É pra perder

Tem que acontecer, tem que ser assim

Nada permanece inalterado até o fim

Foi Zeca, sem dúvida, o grande responsável pela valorização de Sampaio. Pouco tempo depois, Mazolla produziria o CD Balaio do Sampaio, uma coletânea de suas músicas cantadas por vários artistas da MPB. Foi ali que ouvi pela primeira vez Meu pobre blues, composição de Sérgio em “homenagem” a seu conterrâneo de Cachoeiro do Itapemirim, Roberto Carlos. Sampaio sempre tentou, em vão, que Roberto cantasse uma música dele, mas o rei do iê-iê-iê não tinha olhos para ver e ouvir as verdades de quem teve coragem de dizer versos tão comoventes, ironicamente interpretados no disco pelo parceiro Erasmo Carlos.

Meu amigo,

Foi inútil…

Eu juro que tentei compor

Uma canção de amor

Mas tudo pareceu tão fútil

E agora que esses detalhes

Já estão pequenos demais

E até o nosso calhambeque

Não te reconhece mais

Eu trouxe um novo blues

Com um cheiro de uns dez anos atrás

E penso ouvir você cantar

Mesmo que as mesmas portas

Estejam fechadas

Eu pretendo entrar

Mesmo que minha mulher

Depois de me escutar

Ainda insista

Que você não vai gostar

Mas a homenagem mais importante viria em 2010, quando Zeca Baleiro produziu e lançou o disco Cruel, reunindo oito canções que Sampaio tinha registrado em voz e violão num estúdio em Salvador pouco tempo antes de morrer, além de outras composições resgatadas de uma velha fita cassete. Baleiro colocou uma banda acompanhando o artista, um trabalho arriscado e difícil de fazer, mas cujo resultado final valeu a pena.

Semana passada recebi a mensagem de um amigo do Rio de Janeiro, o poeta e diretor de teatro, Sidnei Cruz, sugerindo um vídeo com o último show gravado de Sérgio Sampaio, em 1993, na Universidade Federal do Espírito Santo. Não tenho palavras. Vê-lo cantar me passa uma verdade tão grande, que compreendo claramente porque Eu quero botar meu bloco na rua, sua composição mais conhecida, sempre me causou tanta emoção desde a primeira vez que a escutei num radinho de pilha no programa Quem manda é você, de Zé Branco, na Difusora AM, em 1972.

Essa canção me joga em outras imagens, que também me atravessam e me comovem. Um pequeno trecho de um show de Sérgio Sampaio, em maio de 1993, organizado pela gravadora Phonogram, no Centro de Convenções do Anhembi, em São Paulo. O compositor capixaba se apresenta de cabelos compridos, veste uma espécie de tapete colorido como casaco, calça boca de sino e uma faixa amarela na cintura. Como um dândi, um arlequim, um antibobo da corte, corpo e alma sentindo a vida com a profundidade dos grandes artistas. Canta e toca sentado, passa a mão nos olhos, levanta em transe, continua cantando, dança, se contorce e bota o bloco na rua. Há algo ali maior que tudo.

Fotos/Divulgação (selecionadas no Google por Celso Borges)

Categorias
notícia

Apruma faz levantamento sobre trabalho remoto na UFMA

A Apruma (Associação dos Professores da UFMA), seção sindical do Andes, está realizando um levantamento junto aos docentes da Universidade Federal do Maranhão sobre as condições de trabalho no contexto da pandemia do Covid-19.

Responda ao levantamento clicando aqui

O objetivo do levantamento é coletar informações que possam subsidiar o debate, a posição e as proposições da Apruma quanto ao trabalho no contexto de isolamento social, bem como na expectativa de retorno gradual das atividades, pós-isolamento. 

A iniciativa da Apruma decorre da Resolução nº 1.999 publicada pela Universidade Federal do Maranhão, ad referendum, em 18 de maio/2020, que dispõe sobre o calendário acadêmico especial (2020.3), por meio de atividades remotas.

Segundo a direção da UFMA, a Resolução nº 1.999 foi baseada em um diagnóstico realizado junto a(os) alunos(as), professores(as) e técnicos administrativos acerca das condições para o desenvolvimento de atividades de ensino de forma remota, por meio de um questionário disponibilizado através da plataforma eletrônica Sigaa.

De acordo com a Apruma, muitos estudantes e professores, em reuniões e debates, questionam o formato do diagnóstico da UFMA, que não considerou aspectos mais amplos para tal atividade e a ausência de um debate abrangente com a comunidade acadêmica.

Assim, atendendo a sugestões dos docentes em reunião realizada no dia 19 de maio de 2020, a Apruma está realizando o levantamento próprio com o objetivo de mapear as condições de trabalho docente na forma remota, em suas múltiplas dimensões, visando coletar informações que possam subsidiar a entidade representativa dos professores no contexto atual.

Clique no link para responder às perguntas da Apruma

Imagem destacada capturada neste site

Categorias
notícia

Manifesto em defesa da democracia cita Diretas Já e reúne FHC, Haddad, Huck e Flávio Dino

“Somos a maioria e exigimos que nossos representantes e lideranças políticas exerçam com afinco e dignidade seu papel diante da devastadora crise sanitária, política e econômica que atravessa o país”, diz o texto.

Sputnik – Criado pelo Movimento Estamos Juntos, o manifesto suprapartidário foi publicado em forma de anúncio neste sábado (30) nas páginas dos principais jornais do Brasil. Assinam o documento políticos e outras figuras públicas, como artistas, escritores, religiosos, intelectuais, economistas, jornalistas e cientistas. 

O título do manifesto, datado de 29 de maio, é “Somos muitos”, e trecho em destaque, ao final do texto, diz: “Vamos juntos sonhar e fazer um Brasil que nos traga de volta a alegria e o orgulho de ser brasileiros”. 

Outra parte do manifesto pede união de diversos setores da sociedade e cita o movimento das Diretas Já. Não há referência ao presidente Jair Bolsonaro no texto. 

“Como aconteceu no movimento Diretas Já, é hora de deixar de lado velhas disputas em busca do bem comum. Esquerda, centro e direita unidos para defender a lei, a ordem, a política, a ética, as famílias, o voto, a ciência, a verdade, o respeito e a valorização da diversidade, a liberdade de imprensa, a importância da arte, a preservação do meio ambiente e a responsabilidade na economia”, afirma. 

‘Devastadora crise sanitária, política e econômica’

No anúncio aparecem cerca de 230 assinaturas, entre elas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do ex-prefeito de São Paulo e ex-presidenciável Fernando Haddad, do governador do Maranhão, Flávio Dino, do apresentador Luciano Huck, da economista Elena Landau, do escritor Paulo Coelho, do cardeal arcebispo de São Paulo, dom Odilo Sherer, do cantor Lobão, do deputado federal Marcelo Freixo e da educadora e acionista do Itaú, Maria Alice Setúbal. 

Segundo o movimento, o manifesto já reúne mais de 20 mil assinaturas. 

“Somos a maioria e exigimos que nossos representantes e lideranças políticas exerçam com afinco e dignidade seu papel diante da devastadora crise sanitária, política e econômica que atravessa o país. Somos a maioria de brasileiras e brasileiros que apoia a independência dos poderes da República e clamamos que lideranças partidárias, prefeitos, governadores, vereadores, deputados, senadores, procuradores e juízes assumam a responsabilidade de unir a pátria e resgatar nossa identidade como nação”, diz a carta.

Imagem destacada / Fernando Haddad e Flávio Dino em comício na campanha de 2018, em São Luís / crédito: Ricardo Stuckert

Categorias
notícia

Literatura para ouvir: fragmentos de García Márquez em áudio

Tudo começou quando o poeta Celso Borges postou em uma rede social que começaria a reler “Cem anos de solidão”, obra clássica do escritor colombiano Gabriel García Márquez.

Eu também queria revisitar a obra, mas estava impedido pela pandemia de buscar meu livro na antiga casa da minha família, no bairro Apeadouro, guardado em alguma caixa ou armário que eu demoraria a encontrar.

Ainda sou do tipo fissurado em livro de papel e não tenho o hábito de ler grandes obras literárias em pdf nos dispositivos móveis.

Então pedi a Celso que gravasse alguns trechos em áudio e enviasse por WhatsApp. Aos poucos ele está me abastecendo com passagens de um livro marcante para toda a minha vida.

Nas três gravações já enviadas você pode ouvir um trecho descritivo sobre Macondo, a morte do coronel Aureliano Buendía e a reação irada de Aureliano Segundo.

Ando ansioso para o poeta enviar algum trecho da personagem “Remédios, a Bela”

Já que não me interessei em fazer o download do livro de Márquez, fiz o upload dos fragmentos da obra enviados por áudio para a minha nuvem no Soundcloud. Obrigado, Celso.

A pandemia tem dessas coisas. Nós estamos isolados, mas não solitários. Viva a solidariedade.

Categorias
notícia

Jornalismo, democracia e os governos no Brasil

Editorial – Agência Tambor

28/05/2020

Quando se fala de liberdade de imprensa, se fala essencialmente de democracia.  Trata-se de um tema que nos remete a um antigo debate, sobre democratização da comunicação.

No Brasil, além da poderosa mídia de mercado, vivemos um tempo de novas máquinas milionárias, feitas pra mentir e caluniar. É a nova “Indústria da Fake News”, de viés evidentemente fascista.

Nesse novo ambiente, o que seria liberdade de imprensa? O que significaria democratizar a comunicação? Qual o papel dos governos?

O assunto dá muito pano pra manga!

Mas entre outras coisas, é evidente que no Brasil segue a necessidade de fracionar o poder. Dividi-lo entre os mais diferentes meios de comunicação, longe de critérios oligárquicos e/ou monopolistas.

O orçamento público deveria ter um papel importante nesse processo, atuando para pluralizar as vozes, incluindo o jornalismo de viés popular, feito com autonomia, comprometido com os mais pobres, com os trabalhadores.

Estamos falando de uma ação de governo que não pode ser sinônimo de aparelhamento. É o inverso disso.

Qualquer governo; seja ele de direita, de centro ou de esquerda, não tem legitimidade pra falar de liberdade de imprensa, no momento que utiliza o orçamento da comunicação de modo conservador, baseado unicamente na publicidade, na propaganda travestida de reportagem, no culto a personalidade e na bajulação.

Liberdade de expressão e democracia tem que ter, necessariamente, relação com justiça social e defesa do interesse público.

A extrema direita precisa ser superada. Isso é prioridade! Mas o debate da democratização da comunicação é estruturante e precisa ser aprofundado.

E o Maranhão tem muito a dizer!

Categorias
notícia

Machismo e acusação inquisitiva em Dom Casmurro: forças subjacentes ao suposto adultério

Por Arnaldo Gomes, professor de Língua Portuguesa.

Com grande relevância na produção literária de Machado de Assis, o romance Dom Casmurro faz voltar às memórias, “quase póstumas”, que dialogam com Memórias Póstumas de Brás Cubas – obra inicial do realismo no Brasil.

Conforme afirma Alfredo Bosi, a narrativa em primeira pessoa revela um Bentinho dominado por uma lacuna. Nesse sentido, pode-se perceber a melancolia de Bento Santiago (Bentinho) por meio do relato de suas reminiscências, com um tom negativo não apenas sobre faltas e perdas de outras pessoas em sua vida, mas sobre a falta de si mesmo (capítulo II):

         “O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida e restaurar na velhice a adolescência[...]Só me faltassem os outros,vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo,e essa lacuna é tudo.”

A leitura atenta dessa metalinguagem pode ajudar o leitor a entender que, nos capítulos subsequentes, o discurso monolítico de Bentinho, interessado em compor a imagem de Capitu como dissimulada e adúltera, é permeado por fissuras reveladoras de ambiguidades: não se deve dar credibilidade ao que profere o narrador acerca da suposta infidelidade da sua mulher, posto que ele mesmo se revela inseguro e, por conseguinte, perturbado; narra os fatos a partir de um olhar uno e inquisitivo. Sob esse viés, vale salientar a reflexão feita pelo filósofo Edgar Morin, de que “ todo ponto de vista é sempre uma vista a partir de um determinado ponto”. Observe-se ainda que, a despeito de toda a acusação, Capitu não tem direito ao contraditório na trama da narrativa.

À luz da processualística contemporânea, poder-se-ia alegar nulidade do processo contra Capitu, visto que não houve isonomia entre as partes, tampouco ela foi intimada para apresentar a sua defesa. Portanto, não existe igualdade e, muito menos equidade, caso se pretenda dirimir um conflito, quando a parte interessada em acusar pretende ainda proferir a sentença.

Entender esse conjunto de elementos que permeiam o enredo é fundamental à percepção de que a genialidade de Machado de Assis não se limitaria certamente à questão instigante sobre a existência – ou não – do adultério em Dom Casmurro. É a partir da compreensão dessas questões que se percebem as temáticas – como o machismo de um “Casmurro” e a acusação sem provas contra Capitu- que emergem como forças subjacentes na obra, cujo debate não se limita às instituições (família e casamento) do século XIX; ao contrário, permanece vivo na sociedade contemporânea, numa prova inequívoca de que o olhar percuciente do autor projeta Dom Casmurro para além do seu tempo e traz à baila temáticas que não se tornam extemporâneas. Ao contrário, permanecem vivas e atuais.

Essa concepção é corroborada pelo próprio Machado de Assis, ao afirmar seu Sentimento de Nacionalidade: “o que se deve esperar de um escritor é, antes de tudo, um certo sentimento íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos num tempo e no espaço”. Faz-se, pois, inconteste a intenção do autor de projetar as diversas temáticas na obra em tela (suposto adultério, machismo, acusação inquisitiva e violência simbólica), só que o faz em tom nada panfletário ou incisivo. Essas questões, não obstante, devem ser compreendidas nas contradições e fraquezas do narrador-personagem, desveladas no próprio discurso de Bentinho e – intencionalmente – exploradas pelo realismo investigativo de Machado de Assis, um analista crítico à hipocrisia das instituições e um exímio observador da alma humana.

No entanto, é difícil pensar em Dom Casmurro e não ser seduzido a discutir sua temática mais visível. Para o escritor Arnaldo Sampaio Godoy, pensa-se que Capitu traiu, porque Capitu poderia ter traído. Essa é,portanto, a mais injusta e infame das provas. De fato, Godoy tem razão. É injusto e violento dar como certo aquilo que poderia ter ocorrido, ainda que não se tenha como provar se realmente ocorreu. É assim que o machismo e a insegurança de Bentinho agarram-se à possibilidade da traição, com o ardil de torná-la verossímil e subordinar a ela todas as conclusões possíveis, a fim de impossibilitar qualquer conclusão que não esteja vinculada à premissa acusatória, escolhida por ele para condenar Capitu.

Essa postura unilateral do narrador-personagem pode levar o leitor a emaranhar-se nas armadilhas do enredo e não atentar para o fato de que, contrariando a tese de quem a vê como adúltera, Capitu seria um exemplo de mulher injustiçada, como são tantas outras ainda hoje. Sob o predomínio da presunção de sua inocência, pode ser vista como uma metonímia da parte pelo todo, do individual pelo coletivo: de mulheres vítimas da violência perpetrada pelo machismo. No caso de Bentinho, um machista confuso e de extrema fraqueza moral, visto que teria suportado a traição, sem que tivesse a coragem de romper o casamento.

Para além da discussão sobre o suposto adultério, é importante perceber que Dom Casmurro é um libelo de condenação sem provas, bem ao gosto dos inquéritos medievais, pois busca construir uma verdade com base numa razão edificada sobre si mesma. Essa inquisição, reprodutora de tantas iniquidades (contra mulheres, negros, indígenas e tantas categorias historicamente vulneráveis) precisa ser suplantada.

Por fim, se Edgar Morin é cético quanto à imparcialidade do olhar, percebe-se que realidade e ficção andam juntas, já que – na obra de Machado de Assis – o mais importante não é o fato em si, mas a constelação de intenções e ressonâncias que o envolvem.

Imagem destacada capturada neste site

Categorias
notícia

Fotografias registram a peste bubônica em São Luís

Amanda Gato, historiadora e mestre em Cultura da Sociedade pela UFMA

Reportagem publicada originalmente no site Agenda Maranhão

No início do século XX, entre os anos de 1901 e 1906, São Luís passou por alguns projetos de melhoramento urbano, no intuito de embelezar e, principalmente, sanear as áreas insalubres para conter o avanço de doenças e epidemias.

No esteio do discurso republicano da modernização e do progresso, a cidade não poderia continuar vivendo com os diversos problemas estruturais urbanos e sociais relatados e denunciados diariamente pela imprensa local.

Enquanto a Intendência embeleza a cidade, o povo pacato e tolerante do nosso Maranhão é obrigado a andar como as rãs, pulando de charco em charco! Belo povo, que com pouco se contenta… E os jornais do dia que se amolem em clamar providências para que sejam demovidos os lodaçais que inundam nossas ruas prejudicando assim a saúde pública!” denunciava o Jornal A Campanha, em 1903.

Entretanto, mesmo com os relatórios e estudos sobre higiene e saneamento básico de São Luís acusando altos índices de enfermidades, os poderes dirigentes se omitiam em resolvê-los de fato, nem mesmo oferecendo os serviços básicos. Logo, o descaso com a cidade e, sobretudo com a população mais pobre era refletido na mórbida realidade social e nas chocantes condições sanitárias. Infelizmente, algo não muito diferente dos dias de hoje no Brasil.

Além da peste bubônica, São Luís enfrentou outros surtos epidêmicos com altos índices de mortalidade, como beribéri, tuberculose, lepra, febre amarela e varíola. No entanto, numa política de hierarquização de doenças, a peste era a que mais preocupava as autoridades políticas e sanitárias naquele período.

A peste bubônica chegou ao Brasil, em 1899, pelo porto de Santos, em São Paulo e logo se espalhou pelo restante do país, como Rio de Janeiro, Recife e Porto Alegre.

Aqui em São Luís, a porta de entrada também foi pelo porto, principal acesso de embarque e desembarque de produtos e de pessoas. A doença iniciou o seu contágio na cidade em 1903, prosseguindo pelo ano de 1904 e repetindo novos ciclos em 1908 e 1921.

Em 1904, a Revista do Norte publicou uma reportagem com oito páginas sobre o novo hospital de isolamento do Maranhão, dedicado ao tratamento dos doentes da peste bubônica. Na reportagem há informações sobre o seu funcionamento, descrições dos espaços físicos, sua organização e divisão das enfermarias por classe social e sexo, dados epidêmicos, além de sete fotografias ilustrando.

Capa da Revista do Norte com a fotografia da equipe de administração superior do Hospital de isolamento. Fotografia: autor desconhecido

Na capa da revista a fotografia da equipe que formava a administração superior do Hospital, o Dr. Victor Godinho ao centro acompanhado do lado esquerdo pelo Dr. Álvaro Sanches e a enfermeira Violet Small, ao lado direito a enfermeira Mary Baggott e o Dr. Gomes.

Em 1904, o Dr. Victor Godinho, que tinha experiência na administração hospitalar e no tratamento da peste bubônica, foi convidado por Collares Moreira, então governador do estado, para formar uma Comissão Sanitária e combater a peste em São Luís. Deste trabalho, resultou um extenso o relatório com dados detalhados sobre o a peste no Maranhão, incluindo gráficos e fotografias.

Gráfico do movimento de doentes e óbitos por quinzenas. Fonte: Relatório da Peste no Maranhão, 1904.

Fotografia da Comissão Sanitária. Autor desconhecido

Enfermaria Geral das Mulheres do Hospital de isolamento.  Autor desconhecido

Enfermaria de Classe para Mulheres.  Autor desconhecido.

As enfermarias do hospital eram divididas em quatro e por sexo: uma para mulheres de classe, com 12 leitos, uma para homens de classe, com 15 leitos, uma geral para homens, 30 leitos e outra geral para mulheres, com 32 leitos.

Existiam também quatro quartos particulares reservados com 2 leitos cada, para doentes de classe que fosse acompanhados por pessoas da família e de sexo diferente. No total, o Hospital dispunha de 97 leitos e, em caso de necessidade, o número poderia ser elevado para 147.

Enfermaria geral para homens, com médicos, enfermeiras e pacientes posando para a foto

Enfermaria de homens de classe. Nota-se que os pacientes, aparentemente, não aparecem na imagem

Segundo os dados fornecidos pelo Dr. Godinho, o total de doentes não excedeu o número de 800 pessoas, entre os dias 17 de outubro a 20 de abril. E os casos conhecidos oficialmente pelo órgão de higiene eram de 648 pessoas doentes, sendo que destas, 195 faleceram em domicílio e 443 foram tratadas no Hospital de Isolamento. O número de casos da doença em domicílio foi confirmado através das visitas dos Inspetores Sanitários, incumbidos de mapear as casas e os doentes. O resultado das visitas detectou o número de 659 doentes de peste em toda a cidade de São Luís. Ainda segundo a revista, a mortalidade das pessoas com peste recolhidas nos hospitais foi de 39,50% e a mortalidade em domicílio obteve a alta taxa de 81%.

Além da vacinação da população, outra medida de enfrentamento da epidemia foi a desinfecção da cidade, ruas, casas, cortiços com focos foram desinfetadas sistematicamente. Para evitar a contaminação do interior do estado, foram feitas desinfecções em todas as embarcações, nas bagagens e nas roupas dos passageiros que partiam de São Luís.

Os funcionários só saiam do hospital em dias já determinados e com licença especial, além disso, o hospital fazia todo trabalho de higienização e desinfecção das roupas e objetos utilizados no próprio estabelecimento. O isolamento hospitalar era garantido, segundo a revista, “por um piquete de seis praças”, distante o suficiente da área central da cidade, situado no extremo da Rua São Pantaleão.

Área interna do Hospital, pátio, jardim e varandas.

A peste bubônica é uma doença transmitida pela picada de pulgas infectadas por ratos contaminados. No Brasil, foi combatida por Oswaldo Cruz e as medidas contra a doença não tiveram resistência da população, ao contrário do que ocorreu com a varíola, que gerou do famoso episódio da Revolta da Vacina.

Para combater a peste, as autoridades sanitárias decidiram por medidas que evitassem a proliferação da doença como intensa limpeza e desinfecção urbana para a eliminação do principal vetor, o rato e a notificação compulsória dos doentes, o que ajudou no isolamento e no tratamento dos pacientes com o soro produzido pelo Instituto Soroterápico Federal, mais tarde conhecido como Instituto Oswaldo Cruz.

Não podemos esquecer que o Instituto Oswaldo Cruz ou Fiocruz vem, ao longo de 120 anos, contribuindo para o desenvolvimento da ciência e da produção de vacinas e medicamentos no país, bem como na formação de profissionais e pesquisas ligadas a área da saúde pública brasileira, com reconhecimento nacional e internacional por suas ações. Hoje, a Fiocruz integra o consórcio internacional para estudo e combate ao novo coronavírus.

Categorias
notícia

Vacinação contra a gripe influenza H1N1 prossegue com novos grupos prioritários em São Luís

Nesta quarta-feira (27), será dada continuidade à vacinação de pessoas com nomes iniciados pelas letras J, K e L. São público-alvo nesta Campanha Nacional de Vacinação contra a gripe Influenza H1N1, crianças de 6 meses a 5 anos de idade, gestantes e puérperas (mulheres que deram luz a até 45 dias), adultos de 55 anos a 59 anos, pessoas com doenças crônicas, profissionais das escolas públicas e privadas. A campanha é realizada pelo Governo do Estado e prefeituras, em todo o Maranhão e prossegue até 5 de junho.

Pelo cronograma, das 8h às 12h, vacinam as crianças, gestantes e puérperas; e das 13h às 17h, a imunização é para adultos, doentes crônicos, profissionais das escolas públicas e privadas. Nos dias 28 e 29, é a vez das pessoas com nomes iniciados por M, N e O; dias 1º e 2 de junho, nomes iniciados pelas letras P, Q e R; dias 3 e 4 de junho, letras S, T, U e V; e dia 5 de junho, vacinam pessoas com nomes começados em W, X, Y e Z.

Nova fase da campanha está marcada para o período de 8 a 26 de junho, com vacinação de profissionais das forças de segurança e salvamento; caminhoneiros; profissionais de transporte coletivo (motorista e cobrador); portuários; e pessoas com deficiência física, auditiva, visual, intelectual e deficiência múltipla. Nesse prazo também serão atendidos retardatários dos grupos anteriores. A ordem alfabética e turno serão definidos.

Em São Luís, a vacinação é realizada em 43 unidades de saúde e quatro escolas da rede pública. A campanha é coordenada pela Secretaria Municipal de Saúde (Semus) e o cronograma e pontos de vacinação pode ser acessado no link: http://www.agenciasaoluis.com.br/noticia/28490.

Prevenção

Profissionais da saúde reforçam a importância de se vacinar contra a gripe comum. A vacina pode auxiliar no atendimento e diagnóstico de paciente com suspeita de infecção pelo novo coronavírus. Devido aos sintomas das duas doenças serem semelhantes, se o paciente com suspeitas chegar ao pronto-atendimento e tiver se vacinado contra gripe, pode ser descartada a hipótese da gripe comum e os profissionais se concentrarem em outras possibilidades, como de se tratar do novo coronavírus.

Categorias
notícia

Regina Duarte, a breve; Nelson Teich, o brevíssimo

A humilhação provocada pelo presidente Jair Bolsonaro a Regina Duarte, que ocupava um cargo equivalente ao de ministra da Cultura; e ao então ministro da Saúde, Nelson Teich, são dois episódios que demonstram o total desprezo do governo pelos seus colaboradores.

A exposição de Regina Duarte a todo tipo de pilhéria palaciana transformou a despedida da atriz no verdadeiro enterro da “Viúva Porcina”, personagem dela que contracenava com o fazendeiro “Sinhorzinho Malta” na novela “Roque Santeiro”, da TV Globo.

Nelson Teich foi ainda mais pisoteado por não ter informações básicas sobre os acontecimentos da sua pasta, a mais demandada diante da pandemia do novo coronavírus.

Ambos passaram ao largo da História, humilhados publicamente, pisoteados internamente, ridicularizados no governo e na oposição, achincalhados em memes nas redes sociais… enfim, transformados em seres desprezíveis pelo bolsonarismo.

Categorias
notícia

Condomínio da Península tem síndico bolsonarista e porteiro sem máscara

Discreto morador de um prédio localizado no cobiçado reduto imobiliário de São Luís segredou ao blog uma situação inusitada.

Apesar de todas as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS) e das diretrizes do Governo do Maranhão para o uso de máscaras, um dos funcionários do referido condomínio trabalha durante os seus turnos sem o equipamento de proteção.

Evangélico sectário, o porteiro está sempre acompanhado de uma bíblia enorme e ouve com frequência os programas de rádio da Igreja Universal do Reino de Deus.

O síndico do prédio, bolsonarista dos mais radicais, até agora não tomou providências para adequar o funcionário às orientações da OMS. Vez por outra, o gerente do condomínio, no alto do seu apartamento, solta da sacada o berro “mito” quando o presidente Jair Bolsonaro faz pronunciamentos em rede nacional de rádio e TV.

As fontes serão mantidas em sigilo, principalmente para proteger o emprego do funcionário da portaria, que pode sofrer represálias.

A Península, que na Geografia é rigorosamente a Ponta d’Areia, reúne os condomínios de apartamentos mais caros do Maranhão, com preços exorbitantes até mesmo se comparados à realidade do mercado imobiliário nacional.

Para lá houve a transferência dos chamados “novos ricos”. Embora seja o lugar mais caro e luxuoso de São Luís, a Península vive as contradições da cidade: esgotos transbordantes, ruas esburacadas e os carros-pipa socorrendo a falta d’água.

Nesse lugar exótico o deputado federal Edilázio Junior (PSD) proclamou com bastante antecedência o isolamento social da elite ludovicense, ao se contrapor de forma sórdida ao projeto de um porto que ligaria a Ponta d’Areia à Baixada Maranhense (reveja aqui).

O que interessa?

Indo além dos aspectos pitorescos do fato, o que mais importa é analisar como os tons do fascismo reúnem pessoas de classes sociais distintas e vidas economicamente opostas.

O síndico com espírito burguês está sintonizado nos mesmos ideais do evangélico da Universal do Reino de Deus que nos seus dias de turno pega ônibus, sem máscara, para se deslocar entre o condomínio de luxo onde trabalha e a sua casa na periferia de São Luís.

Do topo ao teto, as ideias fascistas encontram abrigo em diferentes classes sociais mediante discursos e práticas antigas sempre renovadas, fazendo eco nas novas gerações: (1) a volta ao passado de respeito aos valores e às tradições da família ocidental cristã; (2) a ideia fixa de construir um inimigo que precisa ser destruído – o comunismo; e (3) a perspectiva de futuro – o Brasil voltará a ser grande novamente.

Tudo isso sistematizado em dois bordões encaixados na promessa de que a vida será melhor no reino do bolsonarismo. Na campanha eleitoral bradavam “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”; na gestão, “Pátria amada Brasil”.

Apesar do tom nacionalista, os contornos do fascismo à brasileira incorporam um severo grau de submissão geopolítica, principalmente em relação aos Estados Unidos e Israel, no processo de alinhamento à onda conservadora que varre o mundo.

Para Trump é preciso destruir os mexicanos invasores e o terrorismo islâmico. Bolsonaro mira suas armas nos comunistas e na esquerda em geral; ou seja, o inimigo revisitado que já estava presente na Doutrina de Segurança Nacional, um dos pilares do golpe militar de 1964.

A ideia de criar um inimigo (e eliminá-lo!) serve para manter o clima de guerra necessário à alimentação ao fascismo. Vem daí o interesse pela flexibilização do uso de armas para abastecer a indústria bélica na esteira da aproximação da família do presidente com as milícias.

É, pois, esse caldo cultural que fascina tanto o síndico quanto o porteiro. Eles se encontram no ódio às mulheres libertárias, aos artistas, pobres, negros, índios, ambientalistas, gays em geral, a China etc. Todo esse conjunto de personagens é julgado e condenado à eliminação.

Correlato ao governo autoritário, o bolsonarismo referenda no seu protótipo de família a base da tirania: o pai opressor, a mulher submissa e os filhos obedientes.

Nas madrugadas, quanto todos nós estamos dormindo, o porteiro ouve no rádio repetidas vezes o pastor da Universal pregar o ódio maquiado de amor. Essa mensagem chega depois em outros formatos de mídia pelo WhatApp e vai sendo compartilhado infinitamente.

Assim, o fascismo opera dentro das subjetividades, nos ambientes mais profundos do animal humano.

O porteiro e o síndico também surfam na onda obscurantista de negação da Ciência e do Jornalismo. Ambos detestam o noticiário, repudiam a verdade, têm ojeriza aos critérios objetivos e desprezam a pesquisa. De quebra, querem o SUS e a Universidade pública privatizada.

Eles preferem meias verdades e mentiras inteiras a uma reportagem com base em fatos reais. Vale a crença no lugar da notícia ou da descoberta científica.

Nessa temporalidade conservadora, a luta de classes, que teoricamente oporia o síndico de espírito burguês e o trabalhador da portaria, perde a batalha para a unidade entre ricos e pobres em nome da antipolítica materializada em vários componentes: ódio, revanchismo, descrédito nas instituições (Judiciário, Ciência, Jornalismo etc), fundamentalismo religioso,  ressentimento…

Os tons fascistas necessitam ainda de uma permanente fogueira acesa com ofensas e caricaturas proferidas pelos protagonistas do próprio governo. Essa é uma das formas de manter a resistência paralisada, presa à bolha conservadora, em especial nas redes sociais.

Aquilo que era latente em um terço da população brasileira e no espírito do síndico da Península aflora na representatividade do presidente eleito pelo voto direto. Burgueses e proletários regozijam-se no “mito” depravado que usa o nome de Deus em vão, agride, ameaça, xinga e despreza até mesmo seus aliados.

Imagem destacada / reprodução / capturada neste site /