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Federação Nacional dos Jornalistas repudia ameaças à liberdade de imprensa no Brasil

Em nota, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) denunciou as restrições à cobertura jornalística durante a posse do presidente eleito Jair Bolsonaro. O excessivo aparato de segurança na solenidade foi classificado como ameaça à liberdade de imprensa.

Nota oficial FENAJ

Novo governo desrespeita jornalistas e ameaça liberdade de imprensa

A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), entidade de representação nacional da categoria, vem a público manifestar seu veemente repúdio às restrições ao trabalho dos jornalistas e ao tratamento desrespeitoso dispensado aos profissionais durante a posse do presidente Jair Bolsonaro, ocorrida ontem, 1º de janeiro, em Brasília. Os profissionais da imprensa foram obrigados a cumprir um horário injustificado, tendo de se apresentar para a cobertura às 7 horas, para uma solenidade marcada para o início da tarde. Jornalistas tiveram de se deslocar para os locais de cobertura em veículos disponibilizados pelo governo, não puderam circular livremente (alguns correspondentes estrangeiros consideram o confinamento obrigatório como cárcere privado), passaram por privação de água e ainda foram ameaçados, caso desrespeitassem as rígidas regras de comportamento anunciadas. Quem não respeitasse as restrições de acesso ou mesmo fizesse movimentos bruscos (aviso especial aos repórteres fotográficos, que não deveriam erguer suas câmaras), poderia se tornar alvo dos atiradores de elite. 

Na história recente do país, nunca houve restrições ao trabalho dos jornalistas para a cobertura das posses dos presidentes eleitos pelo povo brasileiro. Aos profissionais credenciados foi anunciado, por uma assessora do novo governo, que se tratava de “uma posse diferenciada e todos têm que entender isso”. A diferença, entretanto, foi uma demonstração inequívoca de que o novo governo acha-se no direito de desrespeitar uma das regras essenciais das democracias: a liberdade de imprensa. A segurança não pode ser justificativa para medidas autoritárias e abusivas, que visam, na verdade, dificultar o trabalho dos jornalistas e restringir a produção e a livre circulação da informação. O verdadeiro aparato de guerra montado para a posse revela que a tática de Bolsonaro de espalhar o medo, utilizada na campanha eleitoral, será mantida no governo.

A Fenaj soma-se ao Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal, que já havia denunciado as medidas restritivas ao trabalho da imprensa quando do credenciamento dos profissionais, e exige das autoridades do novo governo uma mudança no tratamento dispensado aos jornalistas no exercício da profissão. A Federação também cobra das empresas de comunicação postura mais firme na defesa de seus profissionais e da liberdade de imprensa. A maioria das empresas nem mesmo denunciou as medidas restritivas imposta pelo governo e o tratamento desrespeitoso dispensado aos jornalistas.

Não podemos naturalizar medidas antidemocráticas, para que não se tornem a regra. A democracia exige vigilância e estaremos vigilantes.

Federação Nacional dos Jornalistas – Fenaj.

Brasília, 2 de janeiro de 2019.

Imagem destacada:
Foto: Leonardo Milano, neste site

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Nova direita terá embate com os antigos coronéis

Pode não ser tão fácil quanto se imagina a vida do governo Jair Bolsonaro.

A nova direita, embora venha incensada por milhões de votos, terá de disputar poder e dinheiro dentro do Congresso Nacional com os velhos esquemas de corrupção liderados pelos antigos coronéis.

Renan Calheiros é um exemplo típico de quem não vai se deixar domar facilmente pelos novos líderes emanados das urnas.

Bolsonaro, embora eleito com ufanismo, terá de ceder à regra do jogo.

Calheiros é forte candidato à presidência do Senado e pode ganhar, seja por acordo com a própria base governista, ou impondo uma primeira derrota ao Palácio do Planalto.

É uma questão de sobrevivência e tradição. A casta privilegiada dos grandes partidos, sanguessuga da República, não vai abrir mão dos seus privilégios para entregá-los aos bichos recém-saídos do porão.

O governo que assume, embora incensado por uma base que lhe parece fiel, terá uma disputa de foice entre o antigo esquema de corrupção e a fome de poder e dinheiro do baixo clero.

Na Câmara dos Deputados já se colocam panos quentes para acomodar a reeleição de Rodrigo Maia. É a velha política com apoio da nova direita.

Acostumados ao pântano do Congresso Nacional, Rodrigo Maia e Renan Calheiros gostam de mandar e estão acostumados há muito tempo nessa posição.

Eles terão dificuldade em aceitar ordens de deputados-pastores mercenários que sempre estiveram em posição submissa no jogo de poder.

Os novos famintos e os antigos bolsos fartos terão embates. E desse conflito sairá a síntese entre o campo conservador e a extrema direita.

A governabilidade será fruto dessa tensão. E pode ser que Bolsonaro tenha baixas no primeiro momento, até que os cofres se abram para fazer os devidos ajustes e deixar tudo como antes.

A República só tem a perder com esse tipo de gente.

Imagem destacada retirada deste site

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Governo Bolsonaro: o banquete da Casa Grande e do baixo clero

A excessiva aproximação do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) com os Estados Unidos e Israel revela os interesses precisos do capital internacional no Brasil.

O governo vai tentar agir rápido para entregar aos banqueiros tudo o que resta das reservas naturais, o lucrativo negócio da previdência privada e os setores estratégicos nas áreas de energia e geopolítica.

A Amazônia será um foco, embalsamada no discurso de exterminação das reservas extrativistas e indígenas para arregaçar todas as fronteiras ao agronegócio e às multinacionais dos medicamentos e mineradoras.

Esse plano econômico de submissão do Brasil aos interesses imperialistas se alimenta na velha base reacionária que, pela primeira vez, terá na Presidência da República um representante “dos seus”.

Bolsonaro é a revolta do porão, o banquete onde vão se locupletar a Casa Grande e o baixo clero, evangélicos mercenários, militares e civis incensados pelo agendamento da segurança pública e os parlamentares emanados do processo de judicialização da política.

Somam nesse perfil as celebridades artificiais produzidas por surtos digitais ou programadas profissionalmente para pontificar nas redes sociais.

Essa gente que “causou” na web, com discursos histéricos em nome da moralidade e dos bons costumes, defende a família e bate palmas para o ator pornô Alexandre Frota.

É o tipo de ser humano que condena o PT, mas perdoa Michelle Bolsonaro por ter recebido dinheiro do assessor Queiroz.

As desculpas esfarrapadas já começam a surgir: “foi apenas 24 mil”, “o Coaf só enxerga a família Bolsonaro”, “a Globo está a serviço do PT” e por ai vai.

Nunca antes a mentira e a hipocrisia tiveram pernas tão longas.

Se o PT cometeu erros ao longo do processo histórico, cedendo aos encantos da governabilidade a qualquer custo, a direita de 2019 em diante já assume o poder contaminada pelo germe do fisiologismo e do clientelismo.

A nova legislatura não é uma qualquer. Vem montada em milhões de votos, tem uma forte base fundamentalista organizada em igrejas, na indústria do veneno e nas corporações de segurança.

Esta base que já existia agora ganha força política dentro da máquina governamental. Os parlamentares pastores, outrora relegados ao segundo plano, comendo apenas as sobras dos grandes negócios da República, sentarão na mesa principal do banquete.

Que se lambuzem de poder, dinheiro e hipocrisia o mais rápido possível. Pode ser que a mistura faça mal a eles e bem ao Brasil.

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Fim e começo (crônica)

Eloy Melonio

Já falei sobre os ciclos da vida num recente ensaio para este blog. Só que desta vez a história é diferente. Mas, de certa forma, tem alguma conexão com essa coisa de “repetição de momentos importantes” de nossa existência.

Entra ano, sai ano, e nos vemos fazendo as mesmas festas, as mesmas promessas. Tudo bem! Isso é importante porque garante a preservação de nossas tradições.

Dessas coisas, uma se repete todo ano. Não apenas porque seja feita ano após ano, mas porque, não sendo feita, volta novamente a incorporar a lista anterior. São as “resoluções de Ano-novo”. Ou seja, nossas decisões para o ano que vai entrar. Aquilo que queremos ou pensamos realizar. E são, algumas vezes, listas solenes.

O fim do ano coincide com a temporada das resoluções. Quem já não jurou a todos os santos que faria algo diferente no ano novo? Acho que todo mundo, não é verdade? De forma declarada, ou não. Registrando sua lista em cartório, ou não.

Conheço pessoas que têm uma lista enorme de resoluções. Outras, não as declaram publicamente. E — mais engraçado ainda — são as que têm a mesma lista há anos. Ou seja, aquelas que não concretizaram o que foi decidido e, portanto, tiveram de repetir tudo de novo. E ainda tem aquele tipo que desiste na primeira dificuldade. Ou até faz de conta que não fez lista nenhuma.

Das resoluções mais comuns, posso citar “perder peso”, “abrir uma poupança”, “ler um livro a cada dois meses”, “parar de fumar ou beber”, “fazer a viagem dos sonhos”. E tem também as bizarras: encontrar a alma gêmea, parar de mentir, ser fiel ao cônjuge.

O que quero enfatizar aqui não é propriamente a questão pessoal, mas a necessidade premente de resoluções de caráter mais coletivo, que visem ao bem comum. É disso que a humanidade precisa. Pessoas sensíveis, solidárias…

E como resultado, resoluções que visem melhorar a vida em sociedade, as relações humanas, a compreensão, o respeito, a tolerância. Dentre essas, cito alguns exemplos: estacionar na vaga certa, dirigir dentro da velocidade permitida, não jogar lixo na rua, respeitar as normas e os bons costumes, evitar os “jeitinhos”. Em suma, exercer uma cidadania responsável.

Feito isso, é só acreditar no que diz Gandhi: “Seja a mudança que você quer ver no mundo”.

E assim, confiante num mundo melhor, desejo aos homens de boa vontade um 2019 repleto de grandes e significativas resoluções!

*Eloy Melonio é professor, escritor, poeta e compositor.

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Videoclipe impulsiona o novo disco de Lena Machado

O videoclipe de “Batalhão de Rosas”, música que dá título ao terceiro álbum da cantora, foi disponibilizado no youtube

Cheira a flor e vento de maresia o videoclipe de Batalhão de rosas, música de Bruno Batista que dá nome ao terceiro disco de Lena Machado.

Sobram flores na tela, no cabelo da cantora, enfeitando o barco e as que desabrocham em pleno mar, a dar a ideia de que o mundo anda precisando dessa polinização do que é bom e belo.

Beleza não falta: a da composição, a das paisagens – o clipe foi rodado entre as reentrâncias de Raposa e a praia de Caúra, em São José de Ribamar, ambos municípios da Grande Ilha –, a do canto e dança de Lena Machado, e a da fé, em demonstração do sincretismo que povoa o imaginário do catolicismo popular, evocado também na melodia – tão maranhense e tão afro-latina, sob o cuidado e talento do diretor musical Wendell Cosme.

Batalhão de rosas, a música e o videoclipe, servem de aperitivo a Batalhão de rosas, o caprichado disco que chegou em 2018. Como a barra da saia de coreira do tambor de crioula, que ao subir um pouco mais, revela a identidade deste novo trabalho, repleto de referências e reverências aos encantados do Maranhão, das heranças ancestrais que os maranhenses trazemos na pele, no sangue e na história.

Lena Machado é capitã de seu próprio barco, ao afirmar-se mulher e artista, dona de seu destino, apontando o leme de sua carreira em direção à sua verdade artística: canta o que lhe emociona, assim emocionando ao público que a acompanha, atento e curioso.

“De areia branca mais forte eu vim…/ cruzei a morte com um velho coturno… Por meu destino encantado eu vim,/ venço o inimigo pra me sagrar…/ os pés feridos de anjo noturno,/ mas cheguei pra representar”, diz a letra de Batalhão de rosas, a revelar: para uma artista independente, cada novo disco é uma vitória – para termos uma ideia, o disco chegou em 2018, dois anos após as gravações realizadas em abril de 2016 no Rio de Janeiro.

Batalhão de rosas, o videoclipe, tem direção de Aléssio Seabra, Francisco Colombo e Gilberto Goiabeira.

Foto destacada/crédito: Rivânio Santos

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Alô, Iphan de Alcântara!

Esse jogo de futebol aconteceu dia 16 de dezembro, no interior das ruínas do forte de São Sebastião, em Alcântara! Transformaram o monumento histórico em campo de futebol! Cadê o Iphan?

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Memórias do Apeadouro: “sarrar” e cabeça de peixe

(Ed Wilson Araújo)

Dona Cocota e seu Raimundo (Mundico), vizinhos de muro com muro na rua Sousândrade, disputavam acirradamente o título de melhor triturador(a) de peixe do Apeadouro.

Ela está vivinha da silva para contar a história e ele, no céu, lugar de gente boa como era meu pai, o popular Cabeça Branca, conhecido na feira do João Paulo, onde foi quitandeiro por uns 40 anos ou mais.

Papai gostava especialmente de um peixe pequeno chamado bagrinho, cozido com caju azedo, que dava um sabor especial no caldo.

Ainda tenho na lembrança aquela montanha de carcaças de bagrinho em cima do prato, caindo pelas beiradas, depois de um banquete com as tradicionais chupadas na cabeça do bicho, arrematado com a famosa mistura do caldo com farinha.

É uma arte sugar as reentrâncias da parte superior do peixe, onde estão as gorduras derretidas mais saborosas. Chupador(a) de verdade se lambuza com método e perícia para devorar a iguaria com astúcia.

Cocota e Mundico tinham o costume de trocar um relaxo sempre que o pescado era o prato do dia: “eita, aí gosta de chupar uma cabeça de peixe”.

Não se sabe como, esta expressão, “chupar uma cabeça de peixe”, foi adaptada pela juventude do bairro.

Nos anos 1980 era tudo mais difícil. Para rolar uma transa não tinha as facilidades de hoje: motel, carro, dormir na casa do namorado ou namorada e tantas vantagens para ficar junto.

Ed Wilson e Solange Knapp (abraçados), o Bala, dona Cocota, Neilma e meu pai Raimundo (Mundico) ou Cabeça Branca

Geralmente, quando a turma do bairro via alguém arrumado e perfumado saindo fora do território, logo começavam as especulações, até que a pessoa declinava a frase desdenhando da molecagem – “vou ali chupar uma cabeça de peixe”.

Em tradução direta: o rapaz ia “namorar de porta” e o máximo desse ato era beijar.

Namorar de porta significava ir para a casa da menina, entrelaçar as mãos, conversar e sorver os lábios um do outro, sabendo que os pais ou irmãos da jovem poderiam surpreender o casal a qualquer momento.

Além desse namoro de porta, havia uma opção mais caliente: “sarrar”!

Esse ato libidinoso não combinava com namoro de porta, sob os auspícios dos pais. Sarro pra valer tinha de ser em lugar neutro: embaixo de árvores frondosas, encostados em um carro, nos arredores dos largos das igrejas, em alguma sombra onde tivesse uma calçada alta para encaixar os corpos em pé.

Sarrar é uma prévia elevada à terceira potência, uma esfregação sem fim de genitálias sob as roupas, mãos salientes deslizando por onde for possível e laços de língua em movimentos frenéticos.

Sarrar era um ato sexual sem penetração, porque todo o enlace era feito em pé e o casal se esfregava vestido.

Quando havia a evolução de “chupar a cabeça de peixe” para o sarro, era a glória entre a rapaziada!

Nesse tempo não tinha celular, telefone fixo era um luxo, carro em nosso bairro uma preciosidade e motel só no improviso da “Brisa”, uns quartinhos de aluguel, encravada entre o Alto Paraíso e o relógio do João Paulo, onde hoje tem a estátua de São Marçal.

Tinha gente no Apeadouro que caminhava quilômetros a pé para chupar uma cabeça de peixe em outros bairros distantes e só voltava tarde da noite, sem se preocupar com violência.

Saudades dessa cidade que se foi e dos bons tempos do Apeadouro.

Imagem destacada: turma do Apeadouro na porta da antiga quitanda do Bala. Na sequência da esquerda para a direita: Bala, Eduardo, Maria, Cocota, Neilma, Ernildo, Solange, dona Silvia, Apolo e Lady Laura. Ao fundo: Benigno, Gugu, Guimarães e Danilo.

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O tempo do maconim

Ed Wilson Araújo

Corremos para a beira do porto, embarcamos rápido, o barqueiro manobrou ligeiro usando toda a sua astúcia, mas a lancha encalhou.

Das onze horas da manhã as cinco da tarde a embarcação ficou sobre a lama, parada no tempo, lambida por um fio de água que escorria de um igarapé farfalhante.

A maré sumiu, o tempo mudou, a lancha encalhou e só restava esperar.

Quem se avexa no trânsito da cidade grande com 30 segundos no sinal vermelho e chega em um lugar onde a vida é tocada pelo regime das marés, se assusta.

É estranho sair da cidade e viajar para onde não existem carros, motos e nem bicicletas.

Vizinha de Bate Vento, na ilha dos Lençóis só há uma carroça e um casal de jumentos. Quando os bichos vão namorar distante, o povoado fica sem “taxi”.

Há muitos segredos e lendas nas ilhas da Floresta dos Guarás, onde a vida é guiada pelas marés, o vento, o sol e a lua.

Os entendidos diriam que a lancha encalhada foi obra de Dom Sebastião, o rei encantado que governa a ilha dos Lençóis e os arredores.

O dono do lugar teria ficado insatisfeito com a pressa dos visitantes e resolveu aquietá-los um tempo sobre a lama, até a maré encher de novo.

Assim, a lancha parada acabou se transformando em um delicioso aconchego onde fizemos um assado de guaravira (cinturão) acompanhado da deliciosa farinha de Cururupu, com um visual fantástico, de frente para as morrarias de Lençóis, onde a lenda conta que Dom Sebastião cavalga nas noites de lua cheia.

A nossa pressa era para atravessar de Bate Vento para Lençóis, duas ilhas espiritualmente siamesas, ligadas pelas encantarias do sebastianismo.

Queríamos voltar no dia seguinte para conhecer o Morro dos Três Irmãos e o Farol de São João, em Bate Vento.

Tentando acertar os horários de acordo com as nossas preferências de visitação, eis que um ilhéu foi logo passando o sal: “o tempo aqui não é o de vocês, é da maré.”

Dito e feito! A lancha travou na lama.

Mas, tudo conspirou para as coisas boas. A embarcação parada na calha da maré permitiu ver de perto várias cenas do manguezal: filhotes de guará sem as penas vermelhas, o oportunista gavião pilherga (que só aparece na hora do almoço) e o famoso chama maré, popularmente conhecido entre os pescadores pela alcunha de maracoanim, maraquanim ou simplesmente maconim.

O astuto caranguejo chama-maré, representante legítimo de Dom Sebastião nos apicuns da Floresta dos Guarás, é o senhor do tempo, o Kairós dos manguezais e morrarias do Maranhão.

É como se o tempo da cidade fosse regido por Cronos, a métrica do relógio, o passar das horas, a computação dos dias…. Kairós, por sua vez, é o tempo vivido e degustado por alguns prazeres que a correria da urbe não permite.

Vendo o chama-maré de perto, é curioso perceber os movimentos desses parentes do caranguejo quando o vento muda e eles formam, em centenas, o balé sincronizado movimentando a pata grande, avisando que a maré começa a encher.

Junto com os movimentos do maconim bate a brisa de maré crescente, penetrando nossas narinas com o cheiro afrodisíaco de sal e sol no fim da tarde.

O maconim é o regente na orquestra das marés de enchente, guardião das praias, guia do ritual das embarcações e fiscal da natureza.

A viagem é sempre um ensinamento. O tempo de correr na cidade não deixa perceber o outro tempo mais profundo.

Viva Dom Sebastião!

Imagem do topo retirada deste site

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Praça Deodoro: um conto de fadas no Centro de São Luís

(Ed Wilson Araújo)

Uma grande festa celebrou a inauguração do complexo de obras da praça Deodoro, até pouco tempo marcada por uma paisagem grotesca no principal logradouro de São Luís. O Centro da cidade está mais belo e vai ficar ainda melhor quando for concluída a reestruturação da rua Grande.

A cidade respira um astral nunca antes visto nas últimas três décadas. Os ludovicenses apaixonados e os visitantes deslumbrados estão eufóricos. Basta observar o congestionamento dos moradores e turistas para apreciar as luzes de Natal no Palácio dos Leões e toda a ornamentação que se estende até a praça Benedito Leite.

O conjunto de obras é fundamental para revitalizar o comércio, a mobilidade, a habitação e o turismo em uma região da cidade por muito tempo negligenciada e agora valorizada no programa do governo federal (PAC Cidades Históricas), em parceria com a Prefeitura e o Governo do Estado.

A revitalização do complexo Deodoro é o coroamento de três décadas de uma sequência de gestões. Ufa! 2019 completa o ciclo de 30 anos de domínio e herança do mesmo grupo político, com algumas variações, na Prefeitura de São Luís.

Os muito apaixonados estão todos refastelados com este feito homérico, elogiando-se uns aos outros, nesta cidade ainda marcada por características provincianas, onde a crítica reverbera tons de medo, despeito ou repulsa.

Neste ambiente provinciano, a discordância é vista até como ato de má vontade, atribuído às pessoas mal intencionadas que sempre enxergam defeitos no sucesso dos gestores públicos.

Dito isso, vamos aos outros fatos que contrariam a euforia da praça Deodoro.

Esta cidade fantástica do Centro, quase um conto de fadas, destoa da São Luís profunda, onde os serviços públicos não alcançam a maioria da população ou chegam precariamente.

Em qualquer capital do Brasil pelo menos as avenidas principais têm asfalto decente. Em três décadas de repetição do mesmo grupo político, nem a pavimentação melhorou nos principais eixos rodoviários.

Quem sai do Anil percorrendo o antigo Caminho Grande para alcançar a praça Deodoro parece dirigir na mesma estrada carroçal de outrora, como se ainda vivêssemos no passado da engenharia asfáltica.

Asfalto é apenas um detalhe da complexa teia de equipamentos da mobilidade urbana, nesta cidade onde só há uma faixa de pedestre decente, na área nobre de São Luís, em frente ao Tropical Shopping, mesmo assim com a rampa lateral danificada.

Esses pequenos registros da paisagem são apenas detalhes de algo muito grave – o zoneamento de São Luís. A Prefeitura que torra milhões do dinheiro público em propaganda deveria divulgar amplamente as audiências públicas que vão alterar o Plano Diretor.

Uma gestão com o mínimo de transparência deveria convocar e esclarecer a população sobre as mudanças no uso e ocupação do solo urbano que muito breve irão impactar no cotidiano da população.

Se teremos mais poluição e calor na cidade, será fruto das mudanças no Plano Diretor, mas este debate é omitido pela Prefeitura.

Vivemos em São Luís uma versão da sociedade do espetáculo (Guy Debord), onde a população só é chamada para aplaudir as inaugurações das obras, sem de fato participar da gestão da cidade.

Por sua vez, a Câmara dos Vereadores, salvo as exceções de alguns edis, funciona como engrenagem de transmissão das vontades do Palácio La Ravardière, transformando o Legislativo em um poder submisso ao prefeito.

Esta Câmara, por exemplo, passou sessões intermináveis debatendo o projeto da Escola Sem Partido, muito preocupada com as questões morais da família, mas pouco se importa com as famílias maltratadas pelo abandono dos bairros sem saneamento.

Por falar nisso, temos de reconhecer: São Luís só é democrática em um quesito – a falta de saneamento. Em qualquer lugar da cidade, na área nobre ou na periferia, tem esgoto transbordando. Nesta cidade, a fedentina é ampla, geral e irrestrita.

Os vereadores, tão preocupados com a sexualidade das crianças, não fiscalizam as precárias condições das escolas municipais e os esquemas dos anexos na rede pública de ensino, onde prepondera o clientelismo e o fisiologismo para a manutenção dos micropoderes eleitorais.

Onde está a sensibilidade dos vereadores diante da situação das crianças encurraladas nos anexos da rede municipal de ensino?

A Câmara dos Vereadores negligencia sua função de fiscalizar o prefeito. Não há notícia de uma CPI para investigar a situação das escolas municipais e as comunitárias, a megalicitação do transporte público, os aluguéis dos prédios particulares pela Prefeitura, os índices de poluição na cidade, os Socorrões, os contratos com as empreiteiras e tantos outros temas de interesse público.

O sentido da cidade é a democracia. Sem participação e transparência não há gestão pública, no sentido rigoroso do termo. Aí predominam os interesses privados dos grupos econômicos que operam o orçamento.

Nesse contexto das alterações no zoneamento, a Prefeitura age como lobista dos interesses do capital para lotear a cidade ao sabor das empreiteiras, pouco importando se teremos menos áreas verdes, mais calor, menos espaço para os pedestres e mais poluição.

São Luís é uma virgem cobiçada pela especulação imobiliária e as mudanças no zoneamento estão a serviço de um casamento, cujo dote é o mercado das terras, direcionando a cidade histórica para uma configuração portuária e industrial.

É óbvio que todos estamos felizes com a revitalização da praça Deodoro. Não ponhamos fel no mel da notícia para não desagradar os apaixonados.

Mas também não vamos cegar a crítica. Sem ela, o jornalismo perde o sabor e o sentido.

Foto do topo: A. Baeta.

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Desafio Brasil x África terá futebol, música e culinária

O futebol da confraternização entre brasileiros e estudantes africanos da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) será realizado dia 30 de dezembro, na sede da Assuma, no Olho d’Água, a partir das 9h da manhã.

Desde 2012 o jogo é realizado, sempre ao final do ano, com o intuito de integrar e confraternizar os brasileiros e os estudantes africanos dos programas de intercâmbio de diversos cursos da UFMA, oriundos da Nigéria, Gana, Costa do Marfim, Moçambique e outros. Já o time brasileiro é formado por alunos da UFMA e moradores do Sá Viana.

A ideia de fazer do futebol um elo entre a comunidade dos estudantes africanos e os alunos de São Luís é do trabalhador autônomo (lavador de carros) Amilton Farias Lobato, o popular “Mussolino”. Morador do bairro Sá Viana, ele formou amizade com os africanos e sugeriu o futebol para congregar os estrangeiros que passaram a morar nas proximidades do campus do Bacanga (cidade universitária).

A partida Brasil x África vem sendo realizada em diversos locais da cidade, como o campo do Cardosão (no Sá Viana) e o Aterro do Bacanga (Associação Bacurituba). Em 2019 a partida será na sede da Associação dos Servidores da UFMA (Assuma), no bairro Olho d’Água.

Veja no vídeo a entrevista do canal Bate Papo Futebol Clube, com Amilton Mussolino.

Logo que os estudantes africanos começaram a fazer intercâmbio para estudar na UFMA, Mussolilno viu no futebol uma forma de integração dos novos moradores. No princípio realizavam jogos durante o ano todo, pelo menos uma vez a cada mês, mas o ponto alto nos últimos anos tem sido a partida única que reúne as “seleções” dos dois países.

Música & feijoada

Um dos principais incentivadores da confraternização é o radialista Marcus Vinicius, que apoia o projeto desde o início. “É uma iniciativa importante e sempre demos apoio porque o futebol e a música estão na veia desses dois continentes muito ricos na cultura, no esporte e na culinária. Por isso abraçamos nossos irmãos africanos todos os anos”, declarou Vinicius.

DJ, radialista e apresentador de programas na rádio Universidade FM, Marcus Vinicius será o animador musical da festa, além de atuar como jogador na partida principal. Vinicius formará dupla com o DJ Joaquim Zion, outra importante raridade do cenário da música afro-brasileira.

Ao final da partida haverá uma feijoada. Toda a organização do evento é feita de forma coletiva, através da doação de amigos e parceiros da iniciativa. “Dá muito trabalho para organizar, mas sempre temos apoio dos amigos que nos ajudam nos momentos que mais precisamos”, declarou Mussolino.