Por Arnaldo Gomes, professor de Língua Portuguesa.
Com grande relevância na produção literária de Machado de Assis, o romance Dom Casmurro faz voltar às memórias, “quase póstumas”, que dialogam com Memórias Póstumas de Brás Cubas – obra inicial do realismo no Brasil.
Conforme afirma Alfredo Bosi, a narrativa em primeira pessoa revela um Bentinho dominado por uma lacuna. Nesse sentido, pode-se perceber a melancolia de Bento Santiago (Bentinho) por meio do relato de suas reminiscências, com um tom negativo não apenas sobre faltas e perdas de outras pessoas em sua vida, mas sobre a falta de si mesmo (capítulo II):
“O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida e restaurar na velhice a adolescência[...]Só me faltassem os outros,vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo,e essa lacuna é tudo.”
A leitura atenta dessa metalinguagem pode ajudar o leitor a entender que, nos capítulos subsequentes, o discurso monolítico de Bentinho, interessado em compor a imagem de Capitu como dissimulada e adúltera, é permeado por fissuras reveladoras de ambiguidades: não se deve dar credibilidade ao que profere o narrador acerca da suposta infidelidade da sua mulher, posto que ele mesmo se revela inseguro e, por conseguinte, perturbado; narra os fatos a partir de um olhar uno e inquisitivo. Sob esse viés, vale salientar a reflexão feita pelo filósofo Edgar Morin, de que “ todo ponto de vista é sempre uma vista a partir de um determinado ponto”. Observe-se ainda que, a despeito de toda a acusação, Capitu não tem direito ao contraditório na trama da narrativa.
À luz da processualística contemporânea, poder-se-ia alegar nulidade do processo contra Capitu, visto que não houve isonomia entre as partes, tampouco ela foi intimada para apresentar a sua defesa. Portanto, não existe igualdade e, muito menos equidade, caso se pretenda dirimir um conflito, quando a parte interessada em acusar pretende ainda proferir a sentença.
Entender esse conjunto de elementos que permeiam o enredo é fundamental à percepção de que a genialidade de Machado de Assis não se limitaria certamente à questão instigante sobre a existência – ou não – do adultério em Dom Casmurro. É a partir da compreensão dessas questões que se percebem as temáticas – como o machismo de um “Casmurro” e a acusação sem provas contra Capitu- que emergem como forças subjacentes na obra, cujo debate não se limita às instituições (família e casamento) do século XIX; ao contrário, permanece vivo na sociedade contemporânea, numa prova inequívoca de que o olhar percuciente do autor projeta Dom Casmurro para além do seu tempo e traz à baila temáticas que não se tornam extemporâneas. Ao contrário, permanecem vivas e atuais.
Essa concepção é corroborada pelo próprio Machado de Assis, ao afirmar seu Sentimento de Nacionalidade: “o que se deve esperar de um escritor é, antes de tudo, um certo sentimento íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos num tempo e no espaço”. Faz-se, pois, inconteste a intenção do autor de projetar as diversas temáticas na obra em tela (suposto adultério, machismo, acusação inquisitiva e violência simbólica), só que o faz em tom nada panfletário ou incisivo. Essas questões, não obstante, devem ser compreendidas nas contradições e fraquezas do narrador-personagem, desveladas no próprio discurso de Bentinho e – intencionalmente – exploradas pelo realismo investigativo de Machado de Assis, um analista crítico à hipocrisia das instituições e um exímio observador da alma humana.
No entanto, é difícil pensar em Dom Casmurro e não ser seduzido a discutir sua temática mais visível. Para o escritor Arnaldo Sampaio Godoy, pensa-se que Capitu traiu, porque Capitu poderia ter traído. Essa é,portanto, a mais injusta e infame das provas. De fato, Godoy tem razão. É injusto e violento dar como certo aquilo que poderia ter ocorrido, ainda que não se tenha como provar se realmente ocorreu. É assim que o machismo e a insegurança de Bentinho agarram-se à possibilidade da traição, com o ardil de torná-la verossímil e subordinar a ela todas as conclusões possíveis, a fim de impossibilitar qualquer conclusão que não esteja vinculada à premissa acusatória, escolhida por ele para condenar Capitu.
Essa postura unilateral do narrador-personagem pode levar o leitor a emaranhar-se nas armadilhas do enredo e não atentar para o fato de que, contrariando a tese de quem a vê como adúltera, Capitu seria um exemplo de mulher injustiçada, como são tantas outras ainda hoje. Sob o predomínio da presunção de sua inocência, pode ser vista como uma metonímia da parte pelo todo, do individual pelo coletivo: de mulheres vítimas da violência perpetrada pelo machismo. No caso de Bentinho, um machista confuso e de extrema fraqueza moral, visto que teria suportado a traição, sem que tivesse a coragem de romper o casamento.
Para além da discussão sobre o suposto adultério, é importante perceber que Dom Casmurro é um libelo de condenação sem provas, bem ao gosto dos inquéritos medievais, pois busca construir uma verdade com base numa razão edificada sobre si mesma. Essa inquisição, reprodutora de tantas iniquidades (contra mulheres, negros, indígenas e tantas categorias historicamente vulneráveis) precisa ser suplantada.
Por fim, se Edgar Morin é cético quanto à imparcialidade do olhar, percebe-se que realidade e ficção andam juntas, já que – na obra de Machado de Assis – o mais importante não é o fato em si, mas a constelação de intenções e ressonâncias que o envolvem.
No início do século XX, entre os anos de 1901 e 1906, São Luís passou por alguns projetos de melhoramento urbano, no intuito de embelezar e, principalmente, sanear as áreas insalubres para conter o avanço de doenças e epidemias.
No esteio do discurso republicano da modernização e do progresso, a cidade não poderia continuar vivendo com os diversos problemas estruturais urbanos e sociais relatados e denunciados diariamente pela imprensa local.
“Enquanto a Intendência embeleza a cidade, o povo pacato e tolerante do nosso Maranhão é obrigado a andar como as rãs, pulando de charco em charco! Belo povo, que com pouco se contenta… E os jornais do dia que se amolem em clamar providências para que sejam demovidos os lodaçais que inundam nossas ruas prejudicando assim a saúde pública!” denunciava o Jornal A Campanha, em 1903.
Entretanto, mesmo com os relatórios e estudos sobre higiene e saneamento básico de São Luís acusando altos índices de enfermidades, os poderes dirigentes se omitiam em resolvê-los de fato, nem mesmo oferecendo os serviços básicos. Logo, o descaso com a cidade e, sobretudo com a população mais pobre era refletido na mórbida realidade social e nas chocantes condições sanitárias. Infelizmente, algo não muito diferente dos dias de hoje no Brasil.
Além da peste bubônica, São Luís enfrentou outros surtos epidêmicos com altos índices de mortalidade, como beribéri, tuberculose, lepra, febre amarela e varíola. No entanto, numa política de hierarquização de doenças, a peste era a que mais preocupava as autoridades políticas e sanitárias naquele período.
A peste bubônica chegou ao Brasil, em 1899, pelo porto de Santos, em São Paulo e logo se espalhou pelo restante do país, como Rio de Janeiro, Recife e Porto Alegre.
Aqui em São Luís, a porta de entrada também foi pelo porto, principal acesso de embarque e desembarque de produtos e de pessoas. A doença iniciou o seu contágio na cidade em 1903, prosseguindo pelo ano de 1904 e repetindo novos ciclos em 1908 e 1921.
Em 1904, a Revista do Norte publicou uma reportagem com oito páginas sobre o novo hospital de isolamento do Maranhão, dedicado ao tratamento dos doentes da peste bubônica. Na reportagem há informações sobre o seu funcionamento, descrições dos espaços físicos, sua organização e divisão das enfermarias por classe social e sexo, dados epidêmicos, além de sete fotografias ilustrando.
Capa da Revista do Norte com a fotografia da equipe de administração superior do Hospital de isolamento. Fotografia: autor desconhecido
Na capa da revista a fotografia da equipe que formava a administração superior do Hospital, o Dr. Victor Godinho ao centro acompanhado do lado esquerdo pelo Dr. Álvaro Sanches e a enfermeira Violet Small, ao lado direito a enfermeira Mary Baggott e o Dr. Gomes.
Em 1904, o Dr. Victor Godinho, que tinha experiência na administração hospitalar e no tratamento da peste bubônica, foi convidado por Collares Moreira, então governador do estado, para formar uma Comissão Sanitária e combater a peste em São Luís. Deste trabalho, resultou um extenso o relatório com dados detalhados sobre o a peste no Maranhão, incluindo gráficos e fotografias.
Gráfico do movimento de doentes e óbitos por quinzenas. Fonte: Relatório da Peste no Maranhão, 1904.
Fotografia da Comissão Sanitária. Autor desconhecido
Enfermaria Geral das Mulheres do Hospital de isolamento. Autor desconhecido
Enfermaria de Classe para Mulheres. Autor desconhecido.
As enfermarias do hospital eram divididas em quatro e por sexo: uma para mulheres de classe, com 12 leitos, uma para homens de classe, com 15 leitos, uma geral para homens, 30 leitos e outra geral para mulheres, com 32 leitos.
Existiam também quatro quartos particulares reservados com 2 leitos cada, para doentes de classe que fosse acompanhados por pessoas da família e de sexo diferente. No total, o Hospital dispunha de 97 leitos e, em caso de necessidade, o número poderia ser elevado para 147.
Enfermaria geral para homens, com médicos, enfermeiras e pacientes posando para a foto
Enfermaria de homens de classe. Nota-se que os pacientes, aparentemente, não aparecem na imagem
Segundo os dados fornecidos pelo Dr. Godinho, o total de doentes não excedeu o número de 800 pessoas, entre os dias 17 de outubro a 20 de abril. E os casos conhecidos oficialmente pelo órgão de higiene eram de 648 pessoas doentes, sendo que destas, 195 faleceram em domicílio e 443 foram tratadas no Hospital de Isolamento. O número de casos da doença em domicílio foi confirmado através das visitas dos Inspetores Sanitários, incumbidos de mapear as casas e os doentes. O resultado das visitas detectou o número de 659 doentes de peste em toda a cidade de São Luís. Ainda segundo a revista, a mortalidade das pessoas com peste recolhidas nos hospitais foi de 39,50% e a mortalidade em domicílio obteve a alta taxa de 81%.
Além da vacinação da população, outra medida de enfrentamento da epidemia foi a desinfecção da cidade, ruas, casas, cortiços com focos foram desinfetadas sistematicamente. Para evitar a contaminação do interior do estado, foram feitas desinfecções em todas as embarcações, nas bagagens e nas roupas dos passageiros que partiam de São Luís.
Os funcionários só saiam do hospital em dias já determinados e com licença especial, além disso, o hospital fazia todo trabalho de higienização e desinfecção das roupas e objetos utilizados no próprio estabelecimento. O isolamento hospitalar era garantido, segundo a revista, “por um piquete de seis praças”, distante o suficiente da área central da cidade, situado no extremo da Rua São Pantaleão.
Área interna do Hospital, pátio, jardim e varandas.
A peste bubônica é uma doença transmitida pela picada de pulgas infectadas por ratos contaminados. No Brasil, foi combatida por Oswaldo Cruz e as medidas contra a doença não tiveram resistência da população, ao contrário do que ocorreu com a varíola, que gerou do famoso episódio da Revolta da Vacina.
Para combater a peste, as autoridades sanitárias decidiram por medidas que evitassem a proliferação da doença como intensa limpeza e desinfecção urbana para a eliminação do principal vetor, o rato e a notificação compulsória dos doentes, o que ajudou no isolamento e no tratamento dos pacientes com o soro produzido pelo Instituto Soroterápico Federal, mais tarde conhecido como Instituto Oswaldo Cruz.
Não podemos esquecer que o Instituto Oswaldo Cruz ou Fiocruz vem, ao longo de 120 anos, contribuindo para o desenvolvimento da ciência e da produção de vacinas e medicamentos no país, bem como na formação de profissionais e pesquisas ligadas a área da saúde pública brasileira, com reconhecimento nacional e internacional por suas ações. Hoje, a Fiocruz integra o consórcio internacional para estudo e combate ao novo coronavírus.
Nesta quarta-feira (27), será dada continuidade à vacinação de pessoas com nomes iniciados pelas letras J, K e L. São público-alvo nesta Campanha Nacional de Vacinação contra a gripe Influenza H1N1, crianças de 6 meses a 5 anos de idade, gestantes e puérperas (mulheres que deram luz a até 45 dias), adultos de 55 anos a 59 anos, pessoas com doenças crônicas, profissionais das escolas públicas e privadas. A campanha é realizada pelo Governo do Estado e prefeituras, em todo o Maranhão e prossegue até 5 de junho.
Pelo cronograma, das 8h às 12h, vacinam as crianças, gestantes e puérperas; e das 13h às 17h, a imunização é para adultos, doentes crônicos, profissionais das escolas públicas e privadas. Nos dias 28 e 29, é a vez das pessoas com nomes iniciados por M, N e O; dias 1º e 2 de junho, nomes iniciados pelas letras P, Q e R; dias 3 e 4 de junho, letras S, T, U e V; e dia 5 de junho, vacinam pessoas com nomes começados em W, X, Y e Z.
Nova fase da campanha está marcada para o período de 8 a 26 de junho, com vacinação de profissionais das forças de segurança e salvamento; caminhoneiros; profissionais de transporte coletivo (motorista e cobrador); portuários; e pessoas com deficiência física, auditiva, visual, intelectual e deficiência múltipla. Nesse prazo também serão atendidos retardatários dos grupos anteriores. A ordem alfabética e turno serão definidos.
Em São Luís, a vacinação é realizada em 43 unidades de saúde e quatro escolas da rede pública. A campanha é coordenada pela Secretaria Municipal de Saúde (Semus) e o cronograma e pontos de vacinação pode ser acessado no link: http://www.agenciasaoluis.com.br/noticia/28490.
Prevenção
Profissionais da saúde reforçam a importância de se vacinar contra a gripe comum. A vacina pode auxiliar no atendimento e diagnóstico de paciente com suspeita de infecção pelo novo coronavírus. Devido aos sintomas das duas doenças serem semelhantes, se o paciente com suspeitas chegar ao pronto-atendimento e tiver se vacinado contra gripe, pode ser descartada a hipótese da gripe comum e os profissionais se concentrarem em outras possibilidades, como de se tratar do novo coronavírus.
A humilhação provocada pelo presidente Jair Bolsonaro a Regina Duarte, que ocupava um cargo equivalente ao de ministra da Cultura; e ao então ministro da Saúde, Nelson Teich, são dois episódios que demonstram o total desprezo do governo pelos seus colaboradores.
A exposição de Regina Duarte a todo tipo de pilhéria palaciana transformou a despedida da atriz no verdadeiro enterro da “Viúva Porcina”, personagem dela que contracenava com o fazendeiro “Sinhorzinho Malta” na novela “Roque Santeiro”, da TV Globo.
Nelson Teich foi ainda mais pisoteado por não ter informações básicas sobre os acontecimentos da sua pasta, a mais demandada diante da pandemia do novo coronavírus.
Ambos passaram ao largo da História, humilhados publicamente, pisoteados internamente, ridicularizados no governo e na oposição, achincalhados em memes nas redes sociais… enfim, transformados em seres desprezíveis pelo bolsonarismo.
Discreto morador de um prédio localizado no cobiçado reduto imobiliário de São Luís segredou ao blog uma situação inusitada.
Apesar de todas as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS) e das diretrizes do Governo do Maranhão para o uso de máscaras, um dos funcionários do referido condomínio trabalha durante os seus turnos sem o equipamento de proteção.
Evangélico sectário, o porteiro está sempre acompanhado de uma bíblia enorme e ouve com frequência os programas de rádio da Igreja Universal do Reino de Deus.
O síndico do prédio, bolsonarista dos mais radicais, até agora não tomou providências para adequar o funcionário às orientações da OMS. Vez por outra, o gerente do condomínio, no alto do seu apartamento, solta da sacada o berro “mito” quando o presidente Jair Bolsonaro faz pronunciamentos em rede nacional de rádio e TV.
As fontes serão mantidas em sigilo, principalmente para proteger o emprego do funcionário da portaria, que pode sofrer represálias.
A Península, que na Geografia é rigorosamente a Ponta d’Areia, reúne os condomínios de apartamentos mais caros do Maranhão, com preços exorbitantes até mesmo se comparados à realidade do mercado imobiliário nacional.
Para lá houve a transferência dos chamados “novos ricos”. Embora seja o lugar mais caro e luxuoso de São Luís, a Península vive as contradições da cidade: esgotos transbordantes, ruas esburacadas e os carros-pipa socorrendo a falta d’água.
Nesse lugar exótico o deputado federal Edilázio Junior (PSD) proclamou com bastante antecedência o isolamento social da elite ludovicense, ao se contrapor de forma sórdida ao projeto de um porto que ligaria a Ponta d’Areia à Baixada Maranhense (reveja aqui).
O que interessa?
Indo além dos aspectos pitorescos do fato, o que mais importa é analisar como os tons do fascismo reúnem pessoas de classes sociais distintas e vidas economicamente opostas.
O síndico com espírito burguês está sintonizado nos mesmos ideais do evangélico da Universal do Reino de Deus que nos seus dias de turno pega ônibus, sem máscara, para se deslocar entre o condomínio de luxo onde trabalha e a sua casa na periferia de São Luís.
Do topo ao teto, as ideias fascistas encontram abrigo em diferentes classes sociais mediante discursos e práticas antigas sempre renovadas, fazendo eco nas novas gerações: (1) a volta ao passado de respeito aos valores e às tradições da família ocidental cristã; (2) a ideia fixa de construir um inimigo que precisa ser destruído – o comunismo; e (3) a perspectiva de futuro – o Brasil voltará a ser grande novamente.
Tudo isso sistematizado em dois bordões encaixados na promessa de que a vida será melhor no reino do bolsonarismo. Na campanha eleitoral bradavam “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”; na gestão, “Pátria amada Brasil”.
Apesar do tom nacionalista, os contornos do fascismo à brasileira incorporam um severo grau de submissão geopolítica, principalmente em relação aos Estados Unidos e Israel, no processo de alinhamento à onda conservadora que varre o mundo.
Para Trump é preciso destruir os mexicanos invasores e o terrorismo islâmico. Bolsonaro mira suas armas nos comunistas e na esquerda em geral; ou seja, o inimigo revisitado que já estava presente na Doutrina de Segurança Nacional, um dos pilares do golpe militar de 1964.
A ideia de criar um inimigo (e eliminá-lo!) serve para manter o clima de guerra necessário à alimentação ao fascismo. Vem daí o interesse pela flexibilização do uso de armas para abastecer a indústria bélica na esteira da aproximação da família do presidente com as milícias.
É, pois, esse caldo cultural que fascina tanto o síndico quanto o porteiro. Eles se encontram no ódio às mulheres libertárias, aos artistas, pobres, negros, índios, ambientalistas, gays em geral, a China etc. Todo esse conjunto de personagens é julgado e condenado à eliminação.
Correlato ao governo autoritário, o bolsonarismo referenda no seu protótipo de família a base da tirania: o pai opressor, a mulher submissa e os filhos obedientes.
Nas madrugadas, quanto todos nós estamos dormindo, o porteiro ouve no rádio repetidas vezes o pastor da Universal pregar o ódio maquiado de amor. Essa mensagem chega depois em outros formatos de mídia pelo WhatApp e vai sendo compartilhado infinitamente.
Assim, o fascismo opera dentro das subjetividades, nos ambientes mais profundos do animal humano.
O porteiro e o síndico também surfam na onda obscurantista de negação da Ciência e do Jornalismo. Ambos detestam o noticiário, repudiam a verdade, têm ojeriza aos critérios objetivos e desprezam a pesquisa. De quebra, querem o SUS e a Universidade pública privatizada.
Eles preferem meias verdades e mentiras inteiras a uma reportagem com base em fatos reais. Vale a crença no lugar da notícia ou da descoberta científica.
Nessa temporalidade conservadora, a luta de classes, que teoricamente oporia o síndico de espírito burguês e o trabalhador da portaria, perde a batalha para a unidade entre ricos e pobres em nome da antipolítica materializada em vários componentes: ódio, revanchismo, descrédito nas instituições (Judiciário, Ciência, Jornalismo etc), fundamentalismo religioso, ressentimento…
Os tons fascistas necessitam ainda de uma permanente fogueira acesa com ofensas e caricaturas proferidas pelos protagonistas do próprio governo. Essa é uma das formas de manter a resistência paralisada, presa à bolha conservadora, em especial nas redes sociais.
Aquilo que era latente em um terço da população brasileira e no espírito do síndico da Península aflora na representatividade do presidente eleito pelo voto direto. Burgueses e proletários regozijam-se no “mito” depravado que usa o nome de Deus em vão, agride, ameaça, xinga e despreza até mesmo seus aliados.
Imagem destacada / reprodução / capturada neste site /
“São Luís do Maranhão, Corpo e Alma”, obra da historiadora Maria de Lourdes Lauande Lacroix (foto acima) sai em dois volumes,em formato digital e tem coordenação editorial do professor Flávio Reis.
São Luís do Maranhão, Corpo e Alma apresenta vasto painel, em escrita livre, sobre a evolução urbana, os costumes e as manifestações culturais e artísticas da capital maranhense. Numa narrativa envolvente, Maria de Lourdes Lauande Lacroix mergulha de forma apaixonado na historiografia, nas memórias e iconografia de São Luís.
A primeira edição, de 2012, foi um grande sucesso de público e crítica e se esgotou rapidamente. A nova edição, ampliada, começou a ser feita em 2015 e ficou pronta no final do ano passado. O livro foi elaborado com vasta utilização dos álbuns fotográficos da cidade de São Luís e montado no Studio Edgar Rocha.
“Os dois volumes têm novos textos e fotografias e são publicados somente em versão digital, pelo menos por enquanto, pois ainda não há perspectiva de edição impressa. Esse livro é uma pesquisa importante, tecida com o cuidado de uma escritora que tem recursos de narração e vai envolvendo o leitor”, afirma Flávio Reis A segunda edição de São Luís do Maranhão, Corpo e Alma tem o prefácio de Benedito Buzar e posfácio de Flávio Soares. A obra estará disponível para download gratuito a partir desta quinta-feira, dia 21 de maio no seguinte endereço: https://saoluiscorpoalma.blogspot.com/
Leia abaixo o posfácio escrito pelo historiador Flávio Soares
POSFÁCIO
Vida e morte da São Luís antiga:
histórias, memórias e imagens
Flávio Soares
Um comentário sobre São Luís do Maranhão, Corpo e Alma, da professora Maria de Lourdes Lauande Lacroix, cujo escopo não seja, obviamente, apresentar o que a escritora “quis escrever”, mas refletir e problematizar sobre o tema da cidade através dessa escrita, deveria começar pela questão do seu valor no conjunto dos trabalhos da autora.
Característica talvez única entre os escritores do seu grupo-geração, esses trabalhos iniciaram e coincidiram, no caso dela, com o momento em que, abrindo também a terceira idade, a professora proporcionou lugar à escritora. Tal condição, é certo, dera sinais em outro momento, quando, por exemplo, escreveu a dissertação de mestrado, A Educação na Baixada Maranhense, publicada em seguida, em 1983; mas, também é verdade, apenas no final da carreira docente, de fato, a escritora apareceu. Havia se aposentado antes na Universidade Federal do Maranhão, no começo dos anos noventa do século passado (dezembro/1991); lecionou ainda como professora substituta na mesma instituição e depois integrou o quadro de docentes do Curso de História da Universidade Estadual do Maranhão, quando lançou os primeiros livros da fase atual enquanto escritora, fechando o ciclo das atividades como professora e passando a se dedicar a escrever e publicar livros de história. Todos sobre São Luís, tema quase absolutamente ausente até então no seu campo de interesses, delimitado pela História moderna e contemporânea, sobretudo da Europa ocidental, especialmente Inglaterra e França.
Até o momento, com a segunda edição desta obra, oito livros, entre os quais duas reedições ampliadas e revistas do primeiro, A fundação francesa de São Luís e seus mitos (2000), integrando conjunto relativamente pequeno e rico de trabalhos com extensões variadas, fruto de quase vinte anos de pesquisa incessante. Importa, aqui, advertir ao leitor quanto a, pelo menos, três condições iniciais da relação entre autora, obra e assunto.
De início, considerar que a São Luís de interesse da autora, e com a qual mais se afina, se refere ao ajuntamento urbano gestado nos quadros da colonização moderna do país, impulsionado principalmente a partir da segunda metade do século XVIII, quando, no contexto da instalação de uma colônia de exploração escravista, seus elementos agrários, mercantis e político-administrativos ganharam maior volume, densidade e sentido quase de “comunidade”, fazendo com que seu aspecto inicial de fortaleza, burgo senhorial militar, “grande aldeia” ou povoação de algum tom barroco, sobretudo pela longa presença jesuítica, fosse superado pela fisionomia mais urbana, de ar neoclássico e, certamente, eclética, hoje reconhecida como a da “São Luís antiga”. A rigor, portanto, surge como um tipo misto de cidade colonial moderna (leia-se, portanto, a expressão “cidade antiga” sempre no sentido de antiga modernidade ou modernidade antiga), sede, do ponto de vista do poder dominante e proprietário dos solos e imóveis, de grupos oriundos do grande comércio, das fazendas e da administração real portuguesa, em associações as mais variadas.
Moradora de São Lu ís até hoje, a autora viveu as últimas décadas do tempo da cidade antiga ou do tempo antigo da cidade, onde nasceu, passou infância, adolescência, juventude, estudou, concluiu bacharelado em direito (iniciado em Belém do Pará), licenciou-se em História, constituiu família (após casar-se com o ex-padre e sociólogo canadense Gilles Lacroix, no Canadá, onde também, na Universidade de Laval, especializou-se em História Contemporânea), e durante anos, dividiu-se, profissionalmente, entre as atividades na Previdência Social e as da docência no Departamento de História da UFMA.
Tais elementos de identificação são importantes não só para orientar o leitor, desde logo, quanto ao espírito e propósitos da obra, mas para começar a compreender a forma por ela tomada. Porque não é apena inventário histórico sobre a cidade antiga como objeto distante no tempo e espaço; é, igualmente, esforço extraordinário de rememoração, isto é, de elaboração das histórias e memórias da velha cidade enquanto partes também das histórias e memórias da escritora.
A segunda condição, além das afinidades naturais e biográficas, diz respeito ao tempo visado: tempo de longa duração, desaparecido ou em desaparecimento. Aspecto decorrente do fato de que a narradora testemunhou, a partir de determinado momento, em sua cidade, o impacto de um processo de transformações convencionado chamar “modernização” nas Ciências Sociais, de âmbito nacional e mundial, com particularidades históricas e regionais segundo cada situação.
No caso abordado, a ênfase do relato recaiu sobre a responsabilidade de políticas, planejamentos e administrações de governo equivocadas, decorridas das intercorrências e contradições históricas entre “interesses da cidade” como um todo, públicos, e, em especial, interesses de grupos ou particulares dos seus governantes, potencializadas no período indicado. Tais políticas, se não foram causas exclusivas, foram decisivas para a convergência entre aquele processo nacional de “modernização”, também chamado de “desenvolvimento”, e a “mutilação”, ou mesmo desfiguração e destruição, da cidade antiga. Embora em razão dos objetivos específicos do livro, a autora não teça ou se detenha em traçar paralelos, pois não é um estudo comparativo, trata-se, quanto à intensidade, de convergência talvez única no universo das capitais brasileiras. Lembre-se de várias “cidades históricas”, Ouro Preto (laboratório da política do patrimônio), Belém, Salvador, Recife, Rio de Janeiro, mesmo São Paulo, lugar do processo de metropolização e mistura urbana mais radical do país, onde áreas antigas, ou pelo menos suas memórias, parecem, à primeira vista, mais preservadas.
Em suma, na situação da capital maranhense, apesar do aspecto de lenta agonia da cidade antiga ligado a um processo relativamente vagaroso mas, sobretudo nas últimas quatro décadas, cada vez mais acelerado de urbanização, a dar a impressão (até por confronto, talvez, com a situação ao lado, mais drástica e reveladora, de Alcântara) de patrimônio histórico e arquitetônico que resiste “naturalmente” à “doença da pedra” e suas “ruínas verdes” e tudo mais, os processos de transformações acabaram mesmo foi levando à hecatombe de um dos acervos de construção “civil” mais importantes da América Latina, exemplo único de “sucesso urbano antigo”, dando dimensões mais largas ao caso ludovicense. Desde que não se reduza a São Luís antiga à sua configuração física, ao traçado e edificações, trata-se de verdadeiro colapso de uma experiência urbana, histórica e social, de onde emergiu a São Luís atual.
Falência bem mais ampla se considerar que ela se liga a um processo de modernização, de urbanização, que não surgiu organicamente, de dentro da cidade antiga, obedecendo às suas necessidades internas de atualização, mas de fora, dissociado, mesmo em contraposição, e não articulado, reajustado, à velha matriz urbana. O modo como foram politicamente conduzidas a “conservação” do núcleo antigo e a construção da cidade moderna além rio Anil, acabou resultando, hoje vemos, numa velha cidade degradada e num simulacro de cidade moderna, para dizer o mínimo.
Também, acrescente-se terceira condição, não é irrelevante o leitor ter em conta o surgimento do livro em pauta no decênio ora encerrado, isto é, algum tempo após o período da degradação, entre as décadas de 1930 e 1980, para dar algumas balizas cronológicas. No período indicado, é difícil imaginar no estado esta obra escrita por quaisquer autores. Especialmente a partir de meados dos anos 60, dominado por um paradigmadesenvolvimentista e autoritário, só depois questionado, num ou outro ponto, em seus aspectos ilusórios. Apenas nas décadas recentes, pós-hecatombe, pós-história da cidade velha, mudanças nas “condições de possibilidades” sociais, no campo cultural e intelectual em particular, permitiram àquela expansão do núcleo antigo ganhar visibilidade pelo seu avesso catastrófico.
Décadas, por um lado, do fim do relativo isolamento da condição provinciana, quando, como efeito da nova e explosiva onda de modernização, decorrentes não apenas de fatores econômicos, mas também político-estratégicos (não esqueça o fato de São Luís ser a capital de um estado porta de entrada para a Amazônia), começaram a aparecer nas paisagens do interior da ilha e da baia de São Marcos as hoje rotineiras filas de vagões de minérios de ferro da ferrovia Carajás e de navios “vindos da China”, dizem, conectadas pelo novo Porto do Itaqui, enquanto, bem perto, do outro lado da mesma baía, no continente, em meio às ruínas de Alcântara e desarranjos no modo de vida das comunidades locais, era assentada uma base espacial; quando, também, além das pontes – do Caratatiua, do São Francisco e Bandeira Tribuzi – e da barragem do Bacanga, de uma hora a outra, sob o império da indústria da construção civil e do mercado imobiliário, apareciam em formas modernas já obsoletas torres e mansões à beira das praias de águas escuras (Ponta da Areia, Calhau, Olho d’Água, Araçagi), como que formando, de fato, uma nova e gigantesca “Praia Grande”, para uso das classes altas e médias, erguidos ao longo das Avenidas Litorânea e dos Holandeses; às margens das Avenidas rasgadas com nomes de personagens evocando a memória antiga da cidade – Jerônimo de Albuquerque, Franceses, Daniel de La Touche, São Luís Rei de França -, acumulavam-se conjuntos habitacionais para uso das classes médias, altas e baixas, com rótulos em forma de siglas esquisitas e sem graça (COHAMA, COHAFUMA, IPASE, COHAB, COHAJAP, COHATRAC); e, em áreas periféricas cortadas por Avenidas com denominações de sentido histórico também simbólicas – Portugueses, Africanos, Guajajaras -, explodiam cortiços, mocambos, guetos, favelas e palafitas – chamados eufemisticamente de “vilas”, “jardins”, “parques” – das classes populares, trabalhadoras e pobres urbanas, frutos em parte das novas guerras de ocupações irregulares e invasões (também, ou sobretudo, dos “ricos”, note-se). Hoje, uma extensa mancha urbana se formou no noroeste da Ilha, município de São Luís, em processo de deslocamento cada vez mais rápido rumo aos municípios de São José do Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa, no leste da Ilha, gerador de “bairros sem história e sem cidade” (Frederico Burnett, “São Luís por um triz”, 2011, p. 108)
Ao mesmo tempo, a percepção de aspectos, crescentes dia à dia e sobrepostos ao longo de décadas, de degradação, sujeira, ruínas, enfermidades, em relação àquela área mais antiga e originária ou de modernidade mais envelhecida da São Luís atual, ainda que ocupada por famílias humildes, órgãos públicos e algumas atividades de comércio, oficina e serviço, e, mais ainda, apesar do “promontório” e da construção rápida de vias de escape e barreiras protetoras ao “patrimônio” contra a modernização arrasadora, como as pontes, o “anel viário”, a “zona tampão” (de tombamento estadual), etc., possibilitou ver também na expansão indicada o afloramento de elementos até então latentes que lhe deram, para usar uma imagem de pensamento, o aspecto de produção de resto ou carcaça de um corpo urbano no espaço da grande São Luís em gestação.
Possibilitou um ponto de vista a partir de um horizonte de desaparecimento inédito. Por exemplo, ao contrário da “ideologia decadentista” oficial, secular, que comporta uma ideia de “abandono”, de “parada no tempo” (reinterpretada, irônica e interessadamente, como “protetora” da parte mais antiga da cidade histórica) ou da “cidade por um fio”, mas alimentada ainda por expectativas desenvolvimentistas de crescimento e ressurreição futura dos bons tempos da “idade de ouro” (no melhor dos casos cada vez mais ingênuas), agora não há mais isso. Sobretudo, depois que, enfim, a velha São Luís foi incluída na lista do “Patrimônio Mundial” da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, criada em 1945), em dezembro de 1997, na administração Roseana Sarney, a distância entre título, plano e realidade como que se tornou abissal, e, que fique assinalado, graças, em grande parte, a razões (reconhecidas pela autora) especialmente ligadas a medidas e ações de governos, principalmente estadual e municipal (em suas três esferas: executiva, legislativa e judiciária), claramente insuficientes e omissas, desarticuladas, eleitoreiras e emergenciais quando não baseadas em pura maquiagem, propaganda e retórica vazias. Revalorização discursiva e desvalorização prática da “cidade histórica” são faces de uma mesma forma de gestão e governo.
Falência de uma política patrimonialista do patrimônio histórico e cultural da cidade, incapaz de efetivamente sintetizar, a não ser como relação caricata, o “antigo” e o “moderno”. No exemplo talvez o mais simbólico de todos, típico de Godfather da tribo, da morada cercada de palmeiras frente ao mar nos bairros modernos luxuosos e a apropriação pessoal do edifício antigo sagrado a título de conservação. O dano histórico e social tornou-se irreparável por quaisquer “política de conservação” possível. Como o instituto do tombamento de bens, materiais e culturais, poderia, efetivamente, se aplicar numa realidade incapaz de dissociar o privado e o público? Difícil não ver e sentir que não há mais fio algum…
Por isto também nada mais longe do espírito deste trabalho que o desejo da revitalização, restauração ou renascimento da São Luís antiga como museu a céu aberto, centro de atração turística, consumo, investimentos e negócios (segundo linha estabelecida por organismos internacionais no pós-guerra, como a UNESCO, de transformar cidades antigas em “patrimônios históricos e culturais” e, assim, em oportunidades econômicas e produtos de mercado), no contexto da sucessão de gestões, de esquerda ou direita, a essa altura tanto ou quase tanto faz, precárias, ineficientes, corruptas, armadas e assistencialistas de contingentes populacionais da grande São Luís cada vez mais tomada pelo inchaço urbano, o desemprego e a escravização do trabalho, a servidão por dívida, indústria da construção civil voraz e especulação imobiliária, a privatização e o desastre ambiental da Ilha, despersonalização e individualismo patológico, a desumanização e o mercenarismo de hospitais e médicos, o “apocalipse motorizado”, a violência das rotas e guerras do narcotráfico, a informalidade administrativa e econômica como forma de camuflar práticas ilegais e o domínio de milícias, etc., enfim, a dissolução dos frágeis vínculos históricos e sociais de civilidade ou urbanidade pela barbárie.
A compreensão deste livro deve, portanto, partir, além das suas afinidades e sentido particular de “final de um tempo” em relação à São Luís antiga, especialmente das suas relações (circunstanciais ou não) com o agora pós-catástrofe proveniente de e posterior a uma história de intervenções e expansão cujo resultado final em relação ao projetado, menos que atualização conservadora ou mesmo “desenvolvimento do subdesenvolvimento”, menos ainda que reforma urbana profunda, evidenciou-se traumático e trágico.
Eis o dado de atualidade que permite ler essa obra como necrológio, elaboração radical de uma perda, mas, obrigatoriamente, também como reinvenção, nos campos da história, memória e imaginário da cidade antiga. Um tipo de luto, pergunta-se? Quem sabe em relação às perspectivas e esperanças predominantes anteriormente. Em analogia inevitável com a Coruja de Minerva filosófica, parece que só agora com distância e possibilidade real de balanceamento, “Clio” pode inspirar o trabalho de reconstituição fisionômica e tecelagem dos fios esgarçados, fragmentados, do que aconteceu. Momento em que a cidade antiga ao deixar de ser contemporânea, ao se tornar “não-contemporânea”, pode, enfim, revelar algo de si à nossa contemporaneidade tão insólita…
A autora pode então voltar várias vezes ao básico. Às origens coloniais da cidade, à sua pré-história de “grande aldeia”, por assim dizer, rearranjando dados fundamentais e seus significados míticos e históricos, como a cerimônia religiosa cristã francesa e a Batalha da Guaxenduba, resultante na vitória portuguesa, mas também aos momentos cruciais e finais da sua história, nos anos 1940/1950. A pretexto circunstancial de “comemoração” dos 150 anos da Associação Comercial do Maranhão, descreveu em A Campanha da Produção (2004), pela primeira vez em seus trabalhos com apoio ilustrativo e cru das imagens, o último suspiro da Praia Grande e sua burguesia agroexportadora. Inspirado em Jerônimo de Viveiros, autor do clássico História do Comércio do Maranhão, escrito nas décadas de 1950 e começos da de 1960 mas sem chegar até aos anos da Campanha, o estudo permite problematizar um pouco a história do “alto comércio” a partir da visão do historiador.
Faz pensar, por exemplo, que diante da “catástrofe” da Abolição da Escravidão, em cuja enxurrada foram juntos a grande lavoura e o setor açucareiro e de engenhos (incluindo Alcântara e outras regiões da Baixada estudadas pela autora), a “loucura industrial” foi, no fundo, fruto de um cálculo inteligente e esperto através do qual a alta burguesia prolongou sua forma de acumulação por mais 50 ou 60 anos (diferente de Recife/Pernambuco, por sua vez, onde se transitou para o sistema de “usina”). No caso em pauta, porém, em princípio o maior desafio, imagina-se, era o de manter e fortalecer a posição competitiva de São Luís/Maranhão diante do processo avassalador de integração à nova fase econômica do país fundada no capitalismo urbano-industrial baseado no centro-sul. Isso exigiria o aprofundamento da “loucura industrial” além da forma de acumulação primitiva característica dos negócios da Praia Grande desde o final da era colonial.
Era o desafio da industrialização, da tomada ao pé da letra do mito da “Manchester brasileira”, que, levado à sério, poderia acabar implicando o enfrentamento de questões de base postas desde a Abolição e Proclamação da República, como, por exemplo, as reformas agrária e urbana. A Campanha buscou precisamente, diante dos impasses, aumentar a produtividade dos camponeses com assistência técnica, médico-sanitária, de infraestrutura, sem tocar na estrutura da propriedade das terras e fazendas. Como em várias outras regiões do país, antigas tensões no campo se agravaram, a revolta dos caboclos foi atiçada e lideranças, como Manuel da Conceição, apareceram.
Com a falência do esquema de negócios “algodão-fábricas têxteis-bancos”, a burguesia local simplesmente foi abandonando e/ou fugindo da velha área nobre da cidade, sitiada e ocupada, cada vez mais, pelas classes populares e pobres, para as quais, talvez, inicialmente tenha se tornado lugar de sobrevivência e “resistência”, mas, hoje, tristemente, desterro, beco infeliz, sem saída ou de grande precariedade social. Aja sofrimento e paciência!
Fato é que o fim daquela cidade mercantil marítima de mentalidade senhorial, levou junto qualquer veleidade, caso a “loucura industrial” tenha sido mais que um delírio ou cálculo de adaptação, de tornar São Luís polo competitivo no Brasil, ou mesmo no norte e nordeste. Procurou, principalmente a partir do Golpe de 1964 e do governo do “Maranhão Novo”, quando não emigrar do estado, a melhor posição possível (no limite até de uma vida nova de classe média por exemplo) no contexto do inchamento urbano e consolidação da região como periferia do capitalismo industrial brasileiro dependente. Os “distritos industriais”, sabe-se, com uma ou outra fábrica estabelecida, nunca passaram das placas. A essa altura o valor da produção industrial do Maranhão havia declinado de 0,7%, em 1907, para 0,2%, em 1958, enquanto São Paulo saltara, nos mesmos anos, de 16,5% para 55,0% (Lopes, JB, p.20, 1971).
É a partir, portanto, da relação tridimensional da autora com a São Luís antiga – repita-se: afinidade biográfica, consciência do “fim de um tempo” e escritura pós-catástrofe -, que o livro em foco implica um assunto e um modo de composição sobre os quais vale refletir.
Começa que, dado o “novo” horizonte, curto e emergencial, difícil ou impossível de planejar, é pelo trabalho da pesquisa que se faz o mergulho direto na matéria histórica constitutiva do núcleo antigo, fonte primeira do relato e de seus desdobramentos. É a partir da investigação quase etnográfica e não conceitual do urbano, além do faro desenvolvido, que o objeto do livro – a experiência histórica da São Luís antiga – foi percebido como “cadinho” ou “cadinhos” de váriasvivências, práticas, condutas e crenças, valores, ideias.Condições ou associações de classes e moradias diferentes, etnias heterogêneas, grupos, categorias sociais e tipos humanos singulares (nada blasé) e movimentos religiosos, ideológicos ou expressões culturais e artísticas distintas. Conjunto de situações e processos materiais e imateriais, coexistindo e convivendo num mesmo espaço e tempo, ou segundo uma variedade de lugares e ritmos de tempos, estabelecendo entre si relações de familiaridade e estranhamento, tensões mas também negociações e fusões, sincretismos, miscigenações e segregações, liberdade e escravidão, civilização e barbárie.O traçado da cidade, por exemplo, apesar da geometria regular, foi capaz de comportar uma arquitetura de estilos diversos e misturados, principalmente quando São Luís se estende para além dos limites das ruas do Egito e Formosa. Enfim, penso eu, a cidade enquanto crisol, se não no sentido pleno de uma “comunidade urbana” enquanto “cidadania” (inexistente), certamente no sentido geral de multiplicidade de elementos, ou melhor, de fragmentos políticos, sociais, econômicos, culturais. Em suma, uma cidade cuja característica principal, por isso mesmo, é a sua quase indeterminação ou fragilidade de caráter no tempo.
Reparando bem, a compreensão no sentido indicado, da cidade antiga como “multiplicidade”, ou pequeno laboratório de heterogeneidades, já aparece, de certa maneira, nas pesquisas dos livros sobre fundação, mito e guerra colonial, quando se retoma em outra chave a figura do português Jerônimo de Albuquerque Maranhão em relação a determinado modo de olhar o francês Daniel de La Touche. A fundação francesa, vista como mítica e fruto da combinação mais recente do galicismo e narcisismo de elites decadentistas, sobretudo letradas e políticas, é deslocada para a genealogia colonial portuguesa em um sentido não exclusivista, “distinto”, mas “mestiço”, “múltiplo”, sem que tal signifique ausência de violência, mas um modo de dominação mais mediatizado.
Mas, é sobretudo neste São Luís do Maranhão, Corpo e Alma que a ideia de multiplicidade é levada mais longe. Mas, note-se, a multiplicidade percebida pela pesquisa, nos termos indicados, é entendida como característica mais do passado que do presente (ou não?), pois, apesar de construída neste tempo caótico, a pesquisa não projeta (até porque não há projeção) sobre a São Luís antiga uma diferenciação ou complexidade, real ou simulada, um multiculturalismo qualquer, por exemplo, que seria reconhecida na São Luís contemporânea, ou vice-versa; na verdade, a “multidão”, a corporificação social do fenômeno em questão, percebida na matéria histórica investigada, não é, porém, percebida como fenômeno de consciência ou reconhecimento individual e social, com raríssimas exceções, a exemplos de João Lisboa nos seus folhetins (em um dos quais apresenta a extraordinária visão da multidão como serpente de mil cores “sem rabo nem cabeça”, isto é, como multiplicidade incompleta, diferente da outra serpente, a da lenda da cidade, completa e adormecida); a exemplo também de Aluízio Azevedo em alguns parágrafos de O Mulato, e mais um ou outro autor.
Trata-se de um dado de realidade, porém não reconhecido, latente. Uma multiplicidade cuja lógica específica da indeterminação aponta mais para uma sociabilidade fragmentada e segregacionista que uma genuína comunidade urbana ou “cidadã” (associação autônoma, nos termos de Max Weber). O que se coloca como um passo adiante no entendimento da “cidade” tendo em vista o modo como normalmente ela foi percebida.
Atingida pelo impacto modernizador, que, apesar de “mutilador” e traumático, carrega novos elementos, a multiplicidade urbana tradicional, isto é, a velha modernidade, sem ser efetivamente superada e atualizada (o que implicaria a “síntese” indicada), já que nem reconhecida era, passa a girar no espaço-tempo da São Luís contemporânea, pós-moderna e já totalmente tomada pelo fetiche da imagem da mercadoria, enquanto ruína de não importa qual cor e puro espetáculo sombrio. Consciência dramática da passagem e possibilidade históricas interrompida ou mesmo perdida de vez, mas também da necessidade de se insurgir e erguer contrapontos e alternativas à lógica fantasmagórica objetiva que passou a sufocar a cidade e suas memórias e possibilidades.
A matéria e a composição da obra, além da pesquisa livre, passam também pelo arquivo da relações de intimidade da autora com a velha cidade, escavado no livro; relação indissociável de uma vida cuja trajetória foi informada, em boa medida, por aquele complexo de “cadinhos”, emaranhado de espaços-tempos, lugares ou roteiros nas hierarquias sociais, filtrados nos termos da cultura predominante. Assim como grande parte da trajetória de vida da autora, mas com teor de percepção, consciência e reflexão mais amadurecido, esta obra-ensaio é o resultado eclético de várias influências, absorvidas, dosadas, organizadas e sintetizadas, elas mesmas, se não em regras, em orientações de pesquisa e composição.
O leitor observará, por exemplo, no uso dos materiais, a diversidade das fontes. Desde documentos primários do Arquivo Ultramarino de Lisboa, crônicas antigas, jornais, legislação, relatórios, mensagens de governo, revistas, bibliografias, mapas, passando por memórias pessoais, familiares, cada vez mais utilizadas, também de outras pessoas com as quais se relaciona, conhece ou conheceu, até o emprego variado das imagens, como ilustração e, progressivamente, linguagem estética própria. Mescla de erudição e crítica, a composição do livro também incorpora um aspecto literário e artístico, crescentemente elaborado e refeito. Aspecto de interesse porque marca de identificação da São Luís antiga, mas, provavelmente, em nível cultural mais profundo, como o da língua, traço histórico de elites urbanas oriundas da colonização católica, ibérica, portuguesa. Em todo caso, recorde-se. Desde os tempos da província, principalmente após o choque anárquico da guerra dos bem-te-vis (Balaiada) e da insurreição escrava (1838-41), a mais radical revolta de caboclos e negros ocorrida na história da região, ludovicenses, em particular o grupo mais instruído dos senhores e senhoras, num movimento instintivo de conjuração, assimilação e diferenciação de classe, fundindo recalque, adaptação, sublimação, defesa e generalização, fabricaram para si um padrão singular como “atenienses” do Brasil.
Ora, essa medida de reconhecimento e status foi posta também em questão pelas mudanças ocorridas no século XX. De um lado, pela violência e desmanche causados, mas, de outro, porque trouxeram à tona formas diferentes de expressão e comunicação: a oralidade das culturas populares; a audiovisual da cultura de massas (cinema, rádio, televisão); a científica das universidades; formas atuais de linguagens estéticas (em poesia, música, literatura, artes plásticas, teatro, arquitetura) e, mais recente, a linguagem virtual dos programas de computadores, dos simulacros. Sem passar ao largo, mas antenado, o escrito em questão capta a atmosfera em mutação e, à sua maneira, dialoga com tais meios de expressão, o que lhe dá traços não só de história e rememoração, como já escrevi, mas também de empenho de reconstrução do lugar da Autora e da escrita.
Pela exploração das correspondências entre história e memória, palavra, texto e imagem, o artesanato da escrita recria uma espécie de caleidoscópio através do qual histórias são contadas, memória e imaginário reelaborados, almas e corpos dissecados e mostrados. É daí, talvez, da fricção entre conteúdo da multiplicidade e forma caleidoscópica, se puder dizer assim, que provém, no contexto das transformações indicadas e dos escritores maranhenses contemporâneos, o fogo, a energia radical, extemporânea, a força atuante e atualizadora, na base da relação estabelecida entre autora, livro e assunto: esforço de recomposição da linguagem e reelaboração da história, memória e do imaginário da cidade e da autora do ponto de vista da consciência tanto de uma falência histórica quanto do ânimo para existir, resistir e persistir.
Exagero? Nem tanto se o leitor considerar que aqui se trata de remoer o testemunho, a percepção e, em particular, afetos vários, complicados e delicados em torno de uma tragédia urbana e social como a da São Luís antiga. Como, de outra forma, enterrar mortos, exorcizar fantasmas e liberar novas energias? Difícil responder, mas vale ressaltar um ponto.
Não há recusa do envolvimento emocional com o tema. Nem poderia. Qualquer tentativa de distanciamento, adoção exclusiva de postura objetiva, fria, técnica, ao modo das abordagens científicas, como as que proliferaram na chamada área dos “estudos urbanos”, no caso dela, soaria restritiva ou falsa. Afinal se trata da cidade onde nasceu e cresceu. Então há sim elementos de nostalgia, saudade, tristeza, dor. Contudo, o trabalho – elaborador de uma passagem -, não fica preso aí, não se encerra no círculo fantasmagórico do culto aos mortos, da melancolia, queixume, percepção autopiedosa, idealizações escapistas ou otimismos restauradores inocentes, comum às reações tradicionalistas, mas não só. Não. Ele dá passos adiante, se insurge e apresenta e potencializa outros elementos, de denúncia, indignação, revolta, crítica, ironia, etc., os quais funcionam como contraponto, contrapeso, e configuram um equilíbrio lúcido e sensível, resistente e modulável, singular em relação ao tema, que, ao ser formulado, deu à obra da autora força compreensiva, matiz próprio, tom harmonioso e dissonante. Basta comparar com obras, escritas e iconográficas, existentes sobre São Luís (feitas por memorialistas, historiadores, geógrafos, urbanistas, sociólogos, jornalistas, fotógrafos, artistas em geral) ou outra cidade do estado, como Alcântara de Antônio Lopes, por exemplo, e mesmo fora do Maranhão, elaborados segundo antigos cânones eruditos e literários ou novas regras e enfoques acadêmicos, teóricos, empíricos e metódicos, para se dar conta do passo dado e a perspectiva aberta quanto à forma de percepção do tema da cidade.
Livro para ser ao mesmo tempo lido, visto e sentido, implica um tipo de compreensão que toma a vida urbana de maneira transversal, aquém e além de uma ciência urbana. E mesmo que, em função de um conjunto de circunstâncias e condições históricas e sociais, gerais e particulares, a São Luís antiga, provinciana e moderna à sua maneira, jamais tenha chegado, nem na alucinação “ateniense” mais alta, perto da situação das capitais dos centros do capitalismo mundial e nacional (Londres, Paris, Berlim, São Petersburgo, Chicago, Nova York, Buenos Aires , São Paulo, Rio de Janeiro), e talvez por isso mesmo, este trabalho indica ser possível abordagem fora dos lugares comuns e entediantes, sobre a experiência urbana em zonas periféricas extremas, onde e quando, por conta do domínio dos elementos agrários e rurais, ela se apresenta ainda quase como miragem no meio da floresta.
Imaginado e escrito em linguagem clara, distante do jargão universitário, com liberdade só possível à maturidade da vida e também com muitas pitadas de delicadeza, elegância, classe e sentido de beleza ou gosto característicos da autora, São Luís do Maranhã, Corpo e Alma é contribuição rara às bibliotecas brasileiras, em particular maranhenses, à espera discreta dos leitores.
O ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva (PT) é o entrevistado dessa quinta-feira (21), às 18h, para um pool de emissoras de rádio pela democracia no Maranhão, em parceria com o programa “Ponto e Vírgula”, da Difusora FM.
Lula será indagado sobre vários temas da atualidade que são desdobramentos do golpe iniciado com a operação Lava Jato e posteriormente na deposiçãoda presidente Dilma Roussef (PT), em 31 de agosto de 2016.
Um dos assuntos presentes na pauta é o novo pedido deimpeachment do presidente Jair Bolsonaro protocolado hoje por 400 signatários, entre partidos políticos de oposição, movimentos sociais e outras entidades da sociedade civil.
A entrevista terá a parceria de emissoras vinculadas à Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço) no Maranhão e da Agência Tambor.
Lula é o segundo petista do cenário nacional entrevistado no “Ponto e Vírgula” no mês de maio. Semana passada (13 de maio) o ex-candidato a presidente Fernando Haddad participou do programa.
A Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço) no Maranhão começou a distribuir nas emissoras de todo o estado a nova produção de programas contendo dicas, orientações e instruções sobre a pandemia covid19.
Na terceira série dos programas “Rádio Abraço Saúde” o entrevistado é o professor titular da disciplina de Pneumologia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) Alcimar Nunes Pinheiro (foto). Ao longo de 12 edições, o médico responde perguntas acerca dos sintomas da doença, orienta sobre exercícios respiratórios, fala sobre a importância do isolamento social e ensina os procedimentos básicos de higienização, entre outros assuntos.
Os programas estão sendo veiculados nas rádios comunitárias e têm o objetivo de ajudar no trabalho de conscientização da população sobre os cuidados diante da pandemia.
Clique nos números para ouvir a 3ª série dos programas Rádio Abraço Saúde: 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22.
A iniciativa da Abraço Maranhão, em parceria com a Agência Tambor, visa disponibilizar conteúdo radiofônico em linguagem acessível à maioria da população e reforça o papel das rádios comunitárias no enfrentamento da pandemia.
A primeira série dos programas teve a participação da médica infectologista e professora doutora da UFMA Maria dos Remédios Carvalho Branco. Na segunda etapa colaborou a professora doutora do Departamento de Enfermagem da UFMA Sirliane Paiva.
Os programas têm roteiro do presidente da Abraço Maranhão e professor do curso de Rádio e TV da UFMA, Ed Wilson Araújo; locução e edição do radialista Marcio Calvet; participação especial da radialista Lanna Gatinho; e consultoria do engenheiro eletricista e especialista em tecnologia de comunicações Fernando Cesar Moraes.
O juiz titular da Comarca de Paraibano (MA), Caio Davi Medeiros Veras, concedeu hoje (20 de maio) liminar em mandado de segurança impetrado pelo Indespa (Instituto de Desenvolvimento de Paraibano), entidade mantenedora da rádio comunitária Máxima FM, que foi fechada na manhã de segunda-feira (18) em um ato arbitrário cometido pela Prefeitura de Paraibano, sob o argumento de que a emissora estaria em débito com tributos municipais – ausência de Alvará de Funcionamento.
Funcionários da administração municipal chegaram a bloquear o acesso à emissora utilizando cadeado, correntes e faixas zebradas, além do desligamento do sistema de energia elétrica. No auto de infração, a administração municipal comandada pelo prefeito Zé Hélio (PCdoB) também aplicou multa de R$ 100 mil (cem mil reais) à emissora.
Na sua decisão liminar, o magistrado Caio Veras determinou “a imediata reabertura da Rádio Máxima FM, ora impetrante, no prazo limite de 3 (três) horas após intimação das autoridades coatoras, sob pena de incidência de multa diária no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais) limitada a R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), direcionada à pessoa do Prefeito e do segundo impetrado para cada um). Comprovada a tentativa de não recebimento da intimação, autorizo a Oficial de Justiça a iniciar de logo o procedimento por hora certa (art. 252 do CPC).”
Os impetrados são, respectivamente, o prefeito de Paraibano, José Helio Pereira de Sousa, o Zé Hélio (PCdoB); e o Diretor de Departamento – DAS 2 da Secretaria Municipal de Finanças, Domingos Lima Neto.
A decisão também autoriza o Indespa a retirar as correntes e cadeados fixados na porta da emissora pelos servidores da administração municipal. “Ultrapassados 05 (cinco) dias, sem o cumprimento desta decisão, FICA AUTORIZADO AO IMPETRANTE QUE RETIRE CORRENTES E CADEADOS PARA O INGRESSO NO ESTABELECIMENTO, sem prejuízo da apuração da multa previamente fixada em razão do descumprimento”, explicita a liminar.
Em nota, a Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço) no Maranhão repudiou as atitudes autoritárias cometidas pela Prefeitura de Paraibano contra a rádio Máxima FM.
Difícil imaginar! Pois sempre tivemos forte afeição por essa moldura na parede das nossas casas.
Quem já não ouviu sobre a janela de onde D. Pedro I anunciou que ficaria no Brasil, ou sobre a janela do Palácio Apostólico, em Roma, de onde o papa fala para milhares de fiéis? Na ficção, as crianças viajam na história da janela da torre onde Rapunzel ficou aprisionada por uma bruxa vingativa.
Mas da janela amarelo-dourada da foto que ilustra esta narrativa não se sabe muita coisa. Felizmente não é a sua história o que nos importa. É algo mais original, mais arrebatador.
Vou tentar, breve e sucintamente, reconstruir a história da janela. E vou começar pelo começo. Porque nem todo começo é o que parece ser. Assim como a lua não é a mesma em cada noite, em cada fase ou a cada olhar.
Mas essa história começa mesmo onde, ou quando?
Não sei direito. Alguém, algum dia, em algum lugar, teve a iluminada ideia de deixar um buraquinho na parede de sua moradia para a entrada de ar e claridade. E não é que todos na redondeza logo estavam olhando o horizonte por um buraquinho igual a esse!
Séculos e séculos se passaram, e a ideiazinha fajuta ainda se mantinha em voga ― aberta ou fechada. E, aos poucos, as coisas foram se abrindo a novos ares. Desde a antiguidade, a arquitetura, talvez a mais exuberante das artes, se ocupou da organização e do adorno dos espaços. E as janelas sempre tiveram destaque em suas obras.
Além do vento e da claridade, viram que, para sobreviver, o buraquinho tinha de ter mil e uma utilidades. Numa delas, talvez a mais comum, a pessoa ficava “ali” horas a fio só para ver o que estava acontecendo lá fora, como porteiro de condomínio. Dizem por aí que foi dessa mania que surgiram as fofoqueiras de plantão. E por que também não as “fake news”?
Bentinho e Capitu, protagonistas de “Dom Casmurro”, romance de Machado de Assis, por exemplo, passavam suas noites à sua janela da Glória, bairro onde moravam, no Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX, “mirando o mar e o céu, a sombra das montanhas e dos navios ou a gente que passava na praia”.
Na poesia, Drummond exalta o amor metendo-o por uma janela: “O amor é grande e cabe nesta janela sobre o mar” (O mundo é grande, in “Amar se Aprende Amando”). Eu também inventei de fazer versos para a janela: “E não demorou muito,/ estávamos, eu e ela,/ casados, olhando o mundo/ da mesma janela” (A janela de minha casa, p. 158, Dentro de Mim).
Sem perda de tempo, vamos falar da nossa protagonista. Não antes de eu lhe contar que, recém-casado, morava numa porta-e-janela, típica casinha de aluguel na periferia das cidades. Antes disso, na pré-adolescência, via filmes e shows através da janela do único vizinho que tinha aparelho de televisão. Foi nesse período que, entre tantas janelas, vi como a vida se refaz todos os dias no puxar e no empurrar de ferrolhos e trincos. E nesse abre-e-fecha, as casas se enchem de sol, ar fresco e de alegria. E se esquecem do mundo lá fora.
Abrindo as cortinas do palco da vida real, vemos como a nossa janela se mostra ao mundo. Sempre saudando o dia e a poesia. E o palco não poderia ter melhor cenário: o segundo andar de um casarão colonial na Rua Henrique Leal, no centro histórico de nossa cidade, por onde, diariamente, passam dezenas de turistas.
Se ― por alguns minutos ― parar para admirá-la, você perceberá a evolução estética do buraquinho de que falei no início desta crônica. E certamente vai se deslumbrar com a beleza e a magia dessa janela de forma e cor ricamente tecidas, que encanta as manhãs e tardes da Ilha do Amor.
Misturados aos turistas e transeuntes, estão os bem-te-vis, os beija-flores, as borboletas ― todos encantados com sua elegância, que, em dias de sol, parece querer compor uma sinfonia de tom amarelado.
Enquanto escrevo, imagino-me nesse cenário, olhando para a janela e ouvindo de seus admiradores ao meu redor os mais lindos comentários: “Que linda, toda florida!”, “Uma janela cheia de vida!”, “E toda hora tem passarinhos!”, “Tem também as essenciais abelhas, as etéreas borboletas, os besourinhos a fainar!”.
De repente, alguém exclama: Essa janela é um texto! Olho para trás. Era o Ed, um jornalista e escritor amigo meu.
E, enfim, chego a imaginar que a nossa janelinha está sempre sorrindo porque talvez queira acalentar no peito os nossos olhares. E quem sabe contar-nos as suas histórias!
* Eloy Melonio é professor, escritor, compositor e poeta. Foto: Ed Wilson Araújo