Eloy Melonio*
Que tal chamar o Latino para organizar a nossa festa?
Quem?! Que festa?!
Vamos contextualizar pra você entender melhor. Porque sem
contexto não há texto, não é verdade?
Então, vamos lá. A festa do Latino é uma festa aberta e democrática,
e mais um monte de outras coisas boas e politicamente corretas. E o Latino é
aquele cantor-dançarino que interpreta músicas dançantes. Seu grande sucesso foi
Festa no Apê, de 2008. Não sei se você lembra, mas, nessa balada, o astro da
música pop dá um bom exemplo de cordialidade: “Olá, prazer”; “Chega aí, pode
entrar”; “Quem tá aqui, tá em casa”; “Garçom, por favor, venha aqui e sirva bem
a visita”.
Lembrou agora? De tão bacana, dá até vontade de entrar e
curtir.
Nessa festa ficcional cabe todo o mundo: branco, negro,
pobre, hétero, gordinho, gente vestindo verde, gente vestindo vermelho. O que
vale é a curtição, a “alegria”. E em nome dessa alegria, todo mundo “pode
chegar”.
Dado o contexto, vamos ver se as festas no mundo real também
podem ser assim. Muita gente duvida, e acha que isso, hoje, é uma utopia.
O que se vê por aí são “grupos” (partidos, frentes, bancadas)
puxando a brasa para sua sardinha. Mas não é pouca brasa, não! Se possível, é
toda a brasa. E não é fácil imaginar uma festa em que todo o mundo possa entrar
e se divertir. Porque, nessas festas, prevalece uma tendência exclusivista cada
vez mais forte, onde as pessoas se reúnem segundo suas convicções,
preferências, origens. E fecham a porta da casa para quem não dança a sua dança.
E assim nascem os conflitos, as disputas nas redes sociais,
escolas e faculdades, nos eventos político-partidários. São tantas vozes,
tantos gritos! Todo o mundo querendo ser o mais “isso”, o mais “aquilo”. Tudo
isso faz parte da democracia, mas a forma como está acontecendo é que não é
nada democrática. Palavras como “tolerância e respeito” parecem se esconder nos
manuais de boa conduta, e de lá não saem pra nada.
Divergências são aceitáveis numa festa democrática e devem
ser fomentadas. Especialmente se acompanhadas de bom senso, respeito, tolerância.
Segundo o Gênesis, até Abraão discordou de Deus com relação à destruição de
Sodoma e Gomorra. E tentou, sem sucesso, negociar uma forma de salvar aquelas duas
cidades.
E a quem se poderia recorrer então?
Acho que a arte pode dar uma mãozinha. A música “Verdade
Chinesa”, eternizada na voz de Emílio Santiago, nos mostra um ritmo possível:
“Muita coisa a gente faz/ Seguindo a receita da vida normal”. E conclui: “O que
vale/ É o sentimento/ E o amor que/ A gente tem no coração”.
Mas por onde andam essa “vida normal” e esse “sentimento”?
A verdade é que as redes sociais consolidaram uma ampla liberdade
de expressão, abrindo canais para a troca de ideias, experiências e informações,
promoção pessoal. Com tantas possibilidades, parecia que o homem finalmente
encontrara a fonte da felicidade. Mas não tem sido assim. O universo virtual é
uma “arena” onde as pessoas se digladiam, defendendo fervorosamente suas opiniões
e posições. Acham que sabem tudo sobre tudo, e que podem dizer tudo sobre todos.
E por aí vai.
Antigamente dizia-se que todo brasileiro é um pouco de tudo:
técnico de futebol, médico, advogado. Hoje parece que viramos todos (ou quase
todos) “jornalistas e cientistas políticos”.
Não queria me deter nesse assunto, mas esta semana
acompanhei indignado os “insultos” dirigidos a Alcione, nossa maior referência
artística na atualidade, por causa de seu posicionamento em defesa dos
nordestinos (e contra o presidente Jair Bolsonaro) no caso dos “paraíbas”.
Tanta gente arrumando argumentos (e até vasculhando seu passado) para massacrar
a Marrom. Não estou defendendo nossa conterrânea. O que defendo é “seu” (e
nosso) direito de se manifestar criticamente sobre qualquer assunto. E o que condeno
é a forma como esses ataques são feitos, e como são ― de forma inescrupulosa ― passados
e repassados a outras pessoas.
Voltando ao nosso bom rapaz, seu disco era intitulado “Junto
& Misturado: Fazendo a festa” (Som Livre). Uma revolução, porque até então tínhamos
aprendido que “a gente se une, mas não se mistura”. A proposta do “junto e
misturado” do Latino é pura empatia: personificada e materializada. Ou
seja, rara expressão de atenção e cordialidade.
À propósito, a última estrofe do poema “Nosso Mundo”,
escalado para o meu segundo livro de poesias, diz: O nosso mundo somos nós: eu,
você, e os outros.
E por fim ― já que criar e acabar ministérios no Brasil parece brincadeira ― sugiro a criação do ministério do Junto e Misturado, que teria a nobre missão de promover o diálogo, a tolerância e o respeito entre cores, siglas, bandeiras, e tudo o mais que está “separado” por conta de nossas opções político-ideológicas.
Será que dá pra adivinhar quem eu sugiro para ministro?
Imagem destacada capturada neste site