Por Marco Rodrigues, filósofo e escritor
Relatos acerca de criaturas sanguessugas não são raros ao longo da história. Na mitologia grega, por exemplo, Λάμια (Lâmia) é uma representação significativa. Ela era descrita como uma belíssima rainha que, ao se envolver amorosamente com o grande Zeus, fora punida pela ciumenta e violentíssima deusa Hera, tendo como desfecho seus filhos mortos logo ao nascer. Conta-se, que a partir de então, tornara-se uma criatura vil e atormentada, devoradora insaciável do sangue de crianças e jovens. De modo análogo é Lilith, na mitologia judaica, associada a mortes inexplicáveis de recém-nascidos.
Em outras tradições, pode-se destacar as seguintes figuras: o Tlahuelpuchi (México), provável inspiração para os vampiros da série de TV “Um drink no Inferno”; o Chiang-shih, que segundo o folclore chinês é capaz de drenar a força vital humana; o Nachtzehrer (Alemanha), cujo nome pode se traduzir por “devorador da noite”; o Yara-ma-yha-who (Austrália), que de acordo com as lendas aborígenes habitam os pés de figos e as fontes d’água, permanecendo à estreita de suas vítimas. Há muitos outros exemplos. Porém, a representação mais popularmente conhecida, através de várias obras literárias e pelo cinema, deriva das expressões eslavas upir e vampir, personagens oriundos das lendas dos países do Leste Europeu.
O que importa compreender, no fim das contas, em relação às perspectivas imaginárias do vampirismo, é a fascinação que a morte expectora através do simbolismo do sangue. Sangue é vida, tanto para Jesus quanto para Drácula, respectivamente: “Este cálice é a nova Aliança no meu sangue”; “Sangue é tudo de que você precisa. Só no sangue descobrimos a verdade”. Mas na natureza vampírica vidas precisam ser ceifadas para conferir o prazer da experimentação de quem já não vive exatamente. Não sendo possível morrer a vida perde o significado, o que gera plena insuportabilidade por meio de veias translúcidas que revelam uma insaciável sede. Uma profunda crise inexistencial os acomete, marcada por angústia e profundo ressentimento.
No imaginário cultural brasileiro, o primeiro vampiro deve ter sido Bento Carneiro, um dos mais famosos personagens do humorista Chico Anysio, que sempre era mal sucedido em suas empreitadas em busca de sangue. “Minha Vingança será malígrina!”, dizia ele. Não conseguia assustar ninguém, além de medroso, em companhia de seu servo, o corcunda zumbilóide Calunga. Por outro lado, há relatos que sugerem ataques verídicos de vampiros no Brasil. Dentre eles, destaca-se uma reportagem de 1973, cuja história foi rememorada pela Folha de São Paulo em matéria de 27 de fevereiro de 2018, com o título “Há 45 anos, taxista disse ter sido atacado por vampiro em São Paulo”. O tal vampiro, que se apresentara com o nome Baron Franks, segundo taxista, confessou ser médico, embora não mais exercesse a profissão. Por ter confessado problemas no carro, precisando chegar ao Paraná, o taxista oferece uma carona até uma cidade próxima. Ao chegar ao local, conta ter sido atacado pelo vampiro, e somente foi salvo por ter rezado ao Padre Cícero que, coincidentemente, é conterrâneo de Chico Anysio, o criador de Bento Carneiro, o vampiro brasileiro.
Não seria qualquer surpresa se descobríssemos, de repente, que Baron Franks seria Nelson Teich, o atual ministro da saúde, ou alguém próximo dele, proveniente de uma possível dinastia vampírica radicada no Brasil. A diferença é que não é inofensivo, e nem cômico, como Bento Carneiro. Sua falta de afinco diante de suas urgentes atribuições lança trevas sobre um cenário de morte.
O ministro da saúde está e não está no ministério. Na prática, não há ninguém. Foi escolhido para conduzir morosamente a grave crise acarretada pela pandemia. Sempre evasivo, impreciso e hipotético, sem qualquer proposta objetiva endossa a posição homicida de Bolsonaro sem precisar concordar na ordem do discurso. Estudou Gestão de Negócios na Universidade de Harvard, mas demonstrou imperícia com o simples uso da máscara, como se atestou em vídeo viralizado. Talvez isso demonstre sua natureza vampírica, deixando os dentes a mostra por pura necessidade de fluídos orgânicos. E quanto sangue de brasileiros, agora mais do que nunca, poder-se-á está à altura de sua língua sádica, que não hesitou em dizer: “Como você tem dinheiro limitado, você vai ter que fazer escolhas, vai ter que definir onde você vai investir” (…) “O mesmo dinheiro, é igual, só que essa pessoa é um adolescente que tem a vida inteira pela frente e a outra pessoa idosa que pode estar no final da vida.” Se o dinheiro é igual, sua isonomia é financeira, tão fria quanto a de um açougueiro de frigorífico. Sim, é isso que importa, investir. Ao ser cogitado a compra de mais ventiladores, ele conjecturou: “(…) aí de repente você dobra a sua quantidade de ventilador mecânico. O que você vai fazer com isso depois?”… Alguma semelhança com o “E daí?”
Essa absoluta insensibilidade flerta com a morte na mais absoluta sedução do senhor das trevas. Mas como poderia ser diferente? Ora, em algum momento a categoria médica, em sua maioria esmagadora bolsonarista, terá que responder a isso diante de sua história. Quanta falta de inteligência política, para uma classe que se acha elite, e que se dizem doutores, mesmo quando são desprovidos de doutorado. Não obstante, Mauro Luiz de Brito Ribeiro, presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), uma espécie de sub-vampiro de Teich, quase um Nosferatu, fez questão de fazer corporativismo barato e mesquinho, em plena pandemia, em vídeo numa rede social oficial do CFM, em negativa diante da proposta de flexibilização do revalida, o que permitiria a médicos estrangeiros atuarem no combate à covid-19, como se o Brasil fosse assim tão bem servido de médicos, para se dá ao luxo de recusar tal medida caso se instaure um colapso absoluto no sistema de saúde. Isso é sem dúvida de uma arrogância descomunal, pois, além do baixo contingente de médicos, tal presidente de conselho faz pose de altíssimo pica-da-galáxia, como se as melhores faculdades de medicina do mundo fossem brasileiras.
Sendo assim considerado, como oncologista, Nelson Teich navega sobre a metástase da ignorância do Governo Bolsonaro, cuja natureza corrobora perfeitamente às expectativas de qualquer amante da morte e degustadores de sangue.
Resta-nos, então, afiar as nossas estacas, recolher os dentes de alho, crucifixos e coletar o que resta de água benta das Igrejas, mesmo na ausência de algum Van Helsing. Fiquemos em quarentena, a fim de preservar o sangue vital da ameaça não de vampiros, mas de vermes que têm sido mais danosos que o vírus.
Calma, caríssimos leitores, não julguem que este filósofo surtou, não se trata de uma apologia à existência de vampiros, deixemos as teorias da conspiração para terraplanistas, olavistas e demais delirantes desqualificados. A questão aqui é demasiadamente séria, apesar da ironia…
Sem inteligência, não há salvação!