Luiz Eduardo Neves dos Santos *
* Professor Adjunto I do Curso de Licenciatura em Ciências Humanas da UFMA, Campus Pinheiro. Doutorando em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia pela UFC.
Desde o dia 17 de janeiro, a Prefeitura Municipal de São
Luís, vem organizando audiências públicas para revisão da Lei 4.669/06 que
dispõe sobre o Plano Diretor. Ao todo são 9 sessões, que terminarão no próximo
dia 2 de fevereiro. O Capítulo III, do Art. 40, §4º, I, do Estatuto da Cidade
(Lei nº 10.257/2001), determina que, para elaborar o plano diretor e fiscalizar
sua implantação, os municípios devem realizar “audiências públicas e debates
com a participação da população e de associações representativas dos vários
segmentos da comunidade”.
O Plano Diretor é um diagnóstico científico da realidade
territorial socioeconômica e política do município, segundo Flávio Villaça,
“apresenta um conjunto de propostas para o futuro desenvolvimento dos usos do
solo urbano, das redes de infra-estrutura e de elementos fundamentais da
estrutura urbana”. Portanto, é indiscutível a relevância desta
legislação.
O processo de revisão do Plano Diretor de São Luís foi
proposto em 2015 por órgãos da prefeitura com o intuito de fazer apenas alguns
ajustes no texto sobre o Macrozoneamento Ambiental, estratégia que visava a
discussão e aprovação da legislação de zoneamento, parcelamento, uso e ocupação
do solo, uma lei que complementa o Plano Diretor e estabelece índices e usos urbanísticos,
dividindo a cidade em zonas. O processo previa 8 audiências, o Ministério
Público Estadual e a sociedade civil pediram um número maior e mais divulgação
à época, a prefeitura acatou e estabeleceu 15 audiências, destas, 13 foram
realizadas e o processo foi cancelado pelo MP Estadual que determinou que se
discutisse, de maneira mais ampla, o Plano Diretor.
O Plano Diretor de fato foi rediscutido por órgãos e membros
da prefeitura e de outros setores da sociedade em reuniões técnicas no Conselho
da Cidade. Houve alterações que chamam atenção do ponto de vista quantitativo,
como a inclusão de 59 artigos, exclusão de outros 19 e algumas inclusões
textuais. Mas no geral, do ponto de vista qualitativo, não há diferenças
substanciais em relação a lei vigente.
Algumas propostas estão recebendo duras críticas da
sociedade civil, a exemplo da escandalosa supressão da Zona Rural sem a devida
apresentação de estudos técnicos consistentes, utilizando uma metodologia
frágil, baseada principalmente em imagens de satélite e fotografias aéreas de
2009, e sem uma análise empírica do território passível de ser transformado em
zona urbana, que por sua vez apresenta características de ocupação espontânea
recente, sem o mínimo de infraestrutura. Outra questão a ser destacada são as
respostas do Instituto da Cidade (INCID) por meio de seu presidente José
Marcelo do Espírito Santo, quando das indagações, elas em muitas ocasiões são
vagas, às vezes em linguagem não adequada à população leiga e frequentemente
não satisfazem os que levantam as questões, o que faz das audiências um grande
teatro.
Pelo que há na proposta, a ampliação da zona urbana,
sobretudo na porção oeste e sudoeste do território – chamado no Macrozoneamento
Urbano de “zona em consolidação 2” – favorecerá a instalação de um porto
privado ao sul da baía de São Marcos, objeto da sanha do capital financeiro
chinês, que possui previsão de investimentos em São Luís com o aval do governo
estadual. Os próprios representantes da prefeitura defenderam essa posição nas
audiências, o discurso é velho conhecido: tais empreendimentos proporcionarão
emprego, renda e desenvolvimento ao município. Curiosamente, apenas setores
empresariais da construção civil estão batendo palmas. Além disso, tal
ampliação comprime um território da zona rural na bacia do rio dos Cachorros,
onde estão comunidades como Taim, Colier, Juçaral, Santa Cruz, que sofrerão em
pouco tempo com a investida de empresários para comprar suas terras e destruir
seus modos de vida caso a proposta vá para frente.
É digno de nota ainda, a omissão dos funcionários do alto
escalão da gestão Edivaldo Holanda Junior em não propor neste Plano Diretor a
delimitação de novas Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) no município,
principalmente em territórios da porção norte de São Luís e na área do
Itaqui-Bacanga, onde há grande adensamento e milhares de ocupações precárias.
As ZEIS ou ZIS (Zonas de Interesse Social) como é chamada na legislação vigente
nunca foram regulamentadas enquanto instrumento de política urbana, apesar de
existirem desde 1992, um absurdo, já que elas abrem possibilidades de garantia
de fixação via regularização fundiária aos habitantes pobres em diversos
bairros da cidade.
O que a prefeitura tem feito, de forma irresponsável, é
criar ZIS em lugares distantes na zona rural via Programas como o Minha Casa,
Minha Vida – a exemplo do elefante branco na comunidade Mato Grosso –
favorecendo o lucro de construtores, promovendo uma segregação
institucionalizada ao deixar milhares de pessoas sem o mínimo de dignidade,
usurpando-as do direito de ter saneamento básico, transporte público adequado,
rede de água potável, acesso à serviços e equipamentos urbanos como escolas,
creches, hospitais, dentre outros.
Outro ponto que merece destaque e que tem sido objeto de
polêmica nas audiências é o descaso com o Mapa de Vulnerabilidade
Socioambiental, que vem sendo prometido pela prefeitura e pelo INCID há mais de
uma década, o que configura um total desrespeito à população da cidade. Tal
mapa seria de extrema importância para diagnosticar problemas ambientais e
sociais em muitos territórios do município. Na lei vigente de 2006 a prefeitura
tinha um prazo de 90 dias a partir da data de promulgação do Plano Diretor para
elaborar o mapa de vulnerabilidade socioambiental, até hoje nunca se viu tal
mapa. Na proposta atual o prazo para elaboração é de 150 dias, o que é um
acinte se formos levar em consideração um atraso de 12 anos.
Pelo exposto, ainda é preciso dizer que o planejamento
urbano em São Luís tem sido uma lástima nos últimos 30 anos, só para falar de
um período mais recente. A pobreza e a desigualdade têm aumentado na cidade,
assentamentos informais se proliferam, o transporte público é caótico e caro,
não há acessibilidade digna, ruas e avenidas padecem por falta de pavimentação
– aliás essa cidade é dos carros – faltam espaços públicos de lazer, não por
acaso os shoppings estão abarrotados de gente.
A impressão que dá é que os planejadores deste município – que são os mesmos há três décadas! – ainda não saíram de seus gabinetes refrigerados, não conhecem a totalidade da cidade concreta e os problemas reais de seus habitantes, conhecem no máximo a cidade legal e/ou a cidade pelos mapas e estão a serviço dos poderosos. Aliás, as legislações urbanísticas representam as ideologias das elites, funcionando como marco delimitador de fronteiras de poder, como bem pode ser observado no processo de revisão do Plano Diretor atual. O planejamento urbano deve ser feito com a participação ativa da população no cotidiano e não apenas em poucas audiências públicas em intervalos de anos, como diria Jane Jacobs o planejamento urbano tem como “objetivo alcançar uma vitalidade urbana”, levando em conta as relações de proximidade, afinal nunca é demais lembrar a lição deixada por Milton Santos nos limites da sua psicosfera: “o planejamento urbano, antes de tudo, supõe uma mudança de comportamento nos habitantes da cidade”, o que a gestão municipal, definitivamente, não leva em consideração.
Imagem / Reprodução / TV Mirante: caminho da roça no Calhau, na área nobre de São Luís, onde deveria ser uma calçada.