Ed Wilson Araújo *
Os partidos políticos e os movimentos
sociais do campo democrático precisam construir uma agenda para além da crítica
à mídia hegemônica. É o momento de pautar a Reforma da Comunicação no Congresso
Nacional e no conjunto da sociedade.
De
tudo que passou no processo do golpe de 2016 até a decisão do Supremo Tribunal
Federal sobre a condenação em segunda instância, várias lições podem ser
tiradas. Uma delas: o Jornalismo independente ajudou a salvar a democracia no
Brasil.
Graças
ao trabalho investigativo do The Intercept Brasil a narrativa justiceira da
Lava Jato desmoronou e, com ela, caiu a farsa Sergio Moro & Deltan
Dallagnoll.
A
reboque da Vaza Jato vieram os jornalões tradicionais e a pomposa TV Globo,
tentando se refazer do vexame. Uns agiram por oportunismo e outros porque não
tinham saída.
É
óbvio que The Intercept Brasil não colhe os méritos isoladamente. Havia vários sites,
blogs, jornais, meios independentes, alternativos, partidários do campo da
esquerda e o conjunto dos movimentos sociais, ativistas digitais, coletivos de
jornalistas e tantas iniciativas que convergiram para desmascarar o golpe.
A
guerrilha travada contra a mídia golpista se deu pela combinação das ações de
comunicação e da luta real nas ruas, com a memorável demonstração de
resistência da vigília Lula Livre, nas barras da carceragem da Polícia Federal,
em Curitiba.
Dito
isso, o que teremos pela frente: Lula Livre!
Mas,
e o resto? Como vai ser?
Lula
solto vai ganhar o mundo fazendo campanha para a eleição presidencial de 2022.
Ótimo. Paralelamente, a batalha da comunicação vai continuar e a ditadura da
mídia não tende a mudar. Vejamos o caso da Bolívia, Venezuela e tantas outras
ameaças na América Latina.
Estamos
em permanente disputa e não podemos perder o foco da organização midiática
fundamental nas disputas políticas.
Além
de ocupar os espaços na trincheira dos meios de comunicação do campo alternativo,
popular, independente e livre, precisamos inserir no debate uma agenda: a
REFORMA DA COMUNICAÇÃO.
É
necessário tornar público esse debate através do parlamento e fazer isso com
insistência. Eis uma bandeira para o campo democrático-popular. É necessário
construir uma agenda propositiva por dentro do Congresso Nacional,
espraiando-se aos movimentos sociais e ao conjunto da sociedade.
A
REFORMA DA COMUNICAÇÃO precisa ter foco na mudança da legislação que criou os
oligopólios da mídia de mercado, alterar a regra da distribuição de verbas
publicitárias, buscar o equilíbrio entre as empresas privadas, fortalecer os
meios públicos e reconhecer a mídia alternativa como um movimento importante no
contexto da comunicação.
A
REFORMA DA COMUNICAÇÃO é uma plataforma para a construção de um novo
ordenamento jurídico amplo no Brasil. Já temos acúmulo teórico e militância. Ao
longo de várias décadas os movimentos sociais que atuam na área de comunicação
produziram documentos, livros, manifestos, teses e propostas concretas para
regulamentar o setor.
O
Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) chegou a formular um
projeto de lei de iniciativa popular e deflagrou a campanha “Para expressar a
liberdade”, sistematizando as diretrizes fundamentais de mudança no modelo
atual da concentração empresarial.
Portanto,
é o momento de retomar a campanha com uma agenda pública pela REFORMA DA
COMUNICAÇÃO. Temos de certa forma perdido tempo nos consumindo com as mentiras
de Jair Bolsonaro e seus filhos nas redes sociais. É necessário combatê-los em
todas as instâncias, mas não podemos perder de vista a estratégia, que passa
por dupla tarefa: 1) a batalha jurídica e parlamentar por um novo marco
regulatório na comunicação e, paralelamente, 2) fortalecer as milhares de
iniciativas da mídia popular, alternativa, independente e livre.
Do
lado de lá tem um projeto e uma agenda bem claras: as reformas ultraliberais
propagandeadas todos os dias nos oligopólios, a hiperconcentração de capital, a
destruição do Estado e dos direitos trabalhistas.
Citemos
apenas um exemplo.
Disfarçada
de cobertura jornalística, a ostensiva campanha publicitária da TV Globo sobre
a Reforma da Previdência é mais um episódio abusivo de censura e sonegação de
informações à audiência, ferindo de morte o interesse público.
O
telespectador é proibido de conhecer a totalidade do tema Seguridade Social.
Dele recortaram apenas uma parte, a Previdência, transformando o ministro Paulo
Guedes em garoto propaganda do capital rentista, com um estrepitoso bordão de
que precisa “economizar” R$ 1 trilhão.
Todo
o trabalho da CPI da Previdência liderado pelo senador Paulo Paim (PT) e o
desmonte da farsa sobre o déficit foi censurado nos grandes meios de
comunicação.
Essa
mesma ditadura da mídia censurou um dos fatos jornalísticos mais importantes da
atualidade – a primeira entrevista de Lula na prisão, concedida os jornais El
País e Folha de São Paulo, antes censurada pelo SFT (Supremo Tribunal Federal).
Lula
era um preso político proibido de falar com jornalistas, até que os homens de
toga decidiram liberá-lo para dar entrevistas.
Lembremos
também que até o jornal Folha de São Paulo, um dos peticionários e autor da
entrevista, não publicou o momento inicial do pronunciamento de Lula – o texto
lido pelo petista antes do diálogo com os jornalistas.
Por
fim, a Rede TV, que entrou com uma reclamação junto ao mesmo STF para garantir
o direito de entrevistar o ex-presidente, decidiu não exibir a entrevista,
gravada dia 3 de maio de 2019.
Os
diversos níveis de censura à entrevista remetem ao livro de Perseu Abramo,
“Padrões de manipulação na grande imprensa”, onde ele revela as engrenagens
internas da produção jornalística nem sempre percebidas pela maioria da
audiência.
Segundo
Abramo, a mídia opera para revelar uns fatos e esconder outros, dependendo dos
interesses subterrâneos e da superfície que movem a gestão do interesse público
e dos agentes privados no jogo do poder.
Foi
assim que a entrevista de Lula passou ao largo da pauta das Organizações Globo.
Se
alguém tinha dúvidas sobre os abalos no Estado Democrático de Direito no
Brasil, basta refletir sobre esta situação típica de ditaduras. Um
ex-presidente, preso há um ano, estava proibido de conceder entrevista por uma
decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
Quando
finalmente ele foi autorizado a falar, a maior empresa de comunicação do país
ocultou o fato (a entrevista) duplamente jornalístico.
A
população brasileira foi proibida de tomar conhecimento (pela Rede Globo) de
uma entrevista da maior liderança popular do país. Esse é o ponto de partida
para recortar, no contexto da comunicação, algo fundamental para a atualidade –
o golpe segue exaltando uns e censurando outros.
Vista
pela antítese da censura, a entrevista tem muitos laureus. Um deles é a
autocrítica do maior de todos os petistas.
Lula tocou nesse assunto delicado sem
meias palavras. Questionado sobre erros do PT, ele foi direto ao ponto.
Reconheceu que o partido, no governo, cometeu um erro grave ao não regulamentar
os meios de comunicação.
Lula,
na entrevista, revelou que tinha um projeto pronto para apresentar ao Congresso
Nacional visando regulamentar os meios de comunicação, mas deixou a tarefa para
sua sucessora Dilma Roussef (PT). E complementou dizendo que não sabe explicar
porque a companheira não levou adiante.
Na
verdade todos os petistas de proa tinham amplo conhecimento dos textos e
projetos organizados pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
(FNDC) para regulamentar a mídia. Está tudo registrado no Projeto de Iniciativa
Popular em prol da Lei da Mídia Democrática, instituída no bojo da campanha
Para Expressar a Liberdade.
Mas,
em meio às complexidades de um governo heterogêneo, formado por uma coalizão de
forças políticas, a comunicação foi ficando em segundo plano.
Lula
preferiu o caminho mais cômodo – a parceria com a burguesia radiodifusora no
contexto de uma ampla aliança da governabilidade.
Somente
em 2009 o governo federal convocou a 1ª Conferência Nacional de Comunicação
(CONFECOM), reunindo os setores privado, estatal e os movimentos sociais para
debater o tema “Comunicação: meios para a construção de direitos e de cidadania
na era digital”.
Ao
final de quatro dias de plenárias e grupos de trabalhos, mais de 600
proposições foram aprovadas no relatório final e quase nada foi encaminhado.
Mais uma vez a comunicação foi colocada em segundo plano, apesar de todos os precedentes.
René
Dreifuss explica detalhadamente a atuação do complexo formado pelo Ipes/Ibad na
campanha organizada e sistemática para consumar o Golpe de 1964 por dentro dos
meios de comunicação.
Outros
avisos foram dados. Na eleição de 1989, a edição do debate entre Lula e Collor
foi decisiva para impedir a vitória do petista.
É a
velha e atual luta de classes. Em 2016 o impeachment de Dilma Roussef e os seus
desdobramentos chegaram ao ápice. O Brasil retrocedeu da manipulação exagerada
para a mentira descarada.
Apesar
de todos os avisos, o PT e o conjunto dos partidos do chamado campo democrático
descuidaram da comunicação.
Se
havia dúvidas sobre uma política de conciliação com a burguesia, basta ver a
violência do golpe de 2016.
O
diagnóstico está feito. Falta agora o remédio.
A
esquerda precisa de uma agenda para chamar de sua. Não podemos desperdiçar 100%
da energia em torno dos fragmentos disparados pela família Bolsonaro e seus
asseclas nas redes sociais. Essa batalha tática é necessária, indispensável e
deve ser travada a cada minuto.
Do
ponto de vista estratégico, é hora de levantar a bandeira da REFORMA DA
COMUNICAÇÃO.
Lula Livre não basta. A luta de classes está posta e precisamos travar uma batalha permanente em defesa da democracia. Isso passa necessariamente pela comunicação.
Ed Wilson Araújo é jornalista, professor da Universidade Federal do Maranhão, presidente da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço) no Maranhão e integrante da Agência Tambor
Imagem destacada capturada neste site