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Racismo em São Luís: “Crime da Baronesa” completa 144 anos

Em 14 de novembro de 1876, quando São Luís vivia uma sofisticada efervescência cultural, motivo da falsa denominação de Atenas Brasileira, a cidade foi palco de um dos crimes de racismo mais bizarros já registrados.

A vítima não foi nenhum “escravo fujão”, como eram estigmatizados os negros que se recusavam aos maus tratos, escapavam do cativeiro, e, por isso, eram enforcados em praça pública.

Naquele tenebroso novembro, a violência foi desferida contra um menino negro de apenas 8 anos de idade, configurada em quatro atos brutais.

Primeiro: o garoto foi torturado e assassinado;

Segundo: houve um sepultamento às pressas do corpo mutilado;

Terceiro: apontada como autora, Dona Anna Rosa Viana Ribeiro, típica representante da aristocracia provinciana, foi absolvida por unanimidade;

Quarto: o promotor do caso, Celso Magalhães, que levou a júri a baronesa Anna Rosa Ribeiro, foi execrado da cidade.

O rumoroso episódio ficou conhecido como o “Crime da baronesa”.

No site do Memorial do Ministério Público do Maranhão é possível acessar um texto contundente de Rui Cavallin Pinto acerca do rumoroso caso, com detalhes sobre a trama que tomou conta da provinciana São Luís do século XIX.

“Nesse tempo o Maranhão vivia um clima de efervescência cultural, representado por humanistas e intelectuais, integrantes do Grupo Maranhense que fez a Província receber o título de Atenas Brasileira. A condessa, por sua vez, se arrimara nos dotes jurídicos e na palavra vigorosa do afamado jurista Paulo Belfort Duarte, representante de poderoso clã maranhense.”

“Assim, no dia do julgamento, a fidalga Anna Rosa Ribeiro compareceu à sessão acompanhada do seu marido e irmão. Vestia um traje de seda preta e envolvia o rosto e o busto com um véu de crepe. Acompanhavam-na dezoito damas, vestidas de luto, em sinal de protesto que ocuparam os primeiros bancos do salão. O povo apinhava-se nas galerias e a cidade vivia uma excitante expectativa do debate e da decisão.”

“A decisão seria, porém, como era próprio do tempo: a absolvição unânime, que transitou em julgado, à falta de recurso.”

Ao fim e ao cabo, não só a baronesa fora absolvida unanimemente, como o seu marido, o médico Carlos Fernandes Ribeiro, chefe do Partido Liberal, assumiu em 1878 a presidência da Província do Maranhão e tratou logo de demitir o promotor Celso Magalhães, que morreu um ano depois de ser defenestrado da comarca de São Luís.

São Luís do século XXI lembra o XIX

O episódio caracteriza não só um crime de racismo, mas uma prática da cultura política fisiologista, provinciana e clientelista marcante no Maranhão há séculos e presente em pleno ano de 2020, quando um morador de rua foi torturado, amarrado pelos pés com uma corda e arrastado por uma caminhonete até a morte, em pleno Centro Histórico de São Luís.