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Carta do II Seminário Comunicação e Poder no Maranhão

Nós, organizações que participamos do II Seminário de Comunicação e Poder no Maranhão, dias 27 e 28 de julho de 2022, reafirmamos a importância do debate e da ação em torno da democratização da mídia. Trata-se de um tema fundamental no Brasil, gerando dois eventos em nosso estado, num intervalo de cinco anos.

E estamos convictos da necessidade de começar a pensar, desde já, num terceiro seminário de Comunicação e Poder no Maranhão, a ser realizado no segundo semestre de 2023. 

Ao fazer o debate, levamos em conta que o Brasil hoje é marcado por uma extrema-direita que avançou, assumindo um protagonismo num campo político conservador.  Esse avanço se deu por uma estratégia de comunicação que, a partir de modernas tecnologias e muito dinheiro investido, vem disseminando violência, incluindo ódios e mentiras.  

É uma comunicação que mobiliza parte da sociedade brasileira, atingindo questões fundamentais,  passando por todo tipo de  ataque às possibilidades democráticas, incluindo as tentativas de apagamento de uma memória dolorosa da nossa história.

Essa comunicação de extrema direita ganha força num país marcado por um cartel de comunicação empresarial, com grandes emissoras de TV, que são de direita, movidas por interesses econômicos dos ricos, que defendem privilégios, em clara oposição as pautas de cunho popular.  

E ao tratar de Comunicação e Poder, particularmente no Maranhão, apontamos algumas prioridades: 

1 – Organização e consolidação de projetos jornalísticos que possam produzir conteúdos comprometidos com a classe trabalhadora, com justiça social, direitos humanos, igualdade racial,  gênero e orientação sexual, preservação do meio ambiente e reforma agrária. Isso significa ter referências sólidas de uma comunicação contra-hegemonica.    

2 – Seguir investindo e tentando ampliar o trabalho de formação política, com a produção coletiva de conhecimento e troca de experiências, na perspectiva de formar novos e antigos comunicadores populares, para ocupação de diferentes espaços.

3 – Estimular a comunicação oriunda das periferias, dos povos e comunidades tradicionais, comprometida com a diversidade da classe trabalhadora, das lutas por terra-território e bem viver, a partir de suas múltiplas organizações, movimentos e coletivos. 

4 – Avançar na ampliação de uma rede de solidariedade, com ações conjuntas de comunicação.

5 – Democratizar o orçamento público. Comunicação é um direito. E é inaceitável que o suado dinheiro do contribuinte, de um povo empobrecido, seja quase que exclusivamente destinado aos cofres de poderosos grupos comerciais, que já são naturalmente financiados pelo agronegócio, bancos privados, mineração, grandes empresas. O investimento público tem que garantir liberdade de expressão, pluralidade de vozes, possibilitando a quebra do silêncio diante das diferentes formas de violência, rotineiramente promovidas por elites econômicas, estruturas oligárquicas, latifúndio, agronegócio.

Núcleo Piratininga de Comunicação (RJ)

Agência Tambor

Associacão Brasileira de Rádios Comunitárias do Maranhão — ABRAÇO-MA

Teia de Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão

Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultoras e Agricultores Familiares do Maranhão – FETAEMA

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)

Sindicato dos Bancários do Maranhão

Fóruns e Redes de Cidadania do Maranhão

Sindicato dos Urbanitários do Maranhão

Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias do Maranhão Pará e Tocantins – STEFEM

Associação Nacional de História – Sessão Maranhão

Caritas Brasileira Regional Maranhão

Movimento pela Soberania Popular na Mineração

Rede de Agroecologia do Maranhão – RAMA

Forum Maranhense de Mulheres

Carabina Filmes

Levante Popular da Juventude

Sindicato dos Servidores da Assembleia Legislativa do Maranhão – Sindisalem

APRUMA – Seção Sindical do ANDES-SN

Sindicato dos Servidores Públicos Federais no Estado do Maranhão – SINDSEP/MA

Sindicato dos Servidores do Judiciário Federal e do MPU no Maranhão – SINTRAJUF

Sindicato dos Profissionais do Magistério da Rede Pública Municipal de São Luís – Sindeducação

Sindicato dos Trabalhadores em Saúde e Previdência no Estado do Maranhão – SINTSPREV

Central Única dos Trabalhadores (CUT-MA)

Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB-MA)

CSP Conlutas

Movimento de Defesa da Ilha

São Luís, 28 de julho de 2022.

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Luis Nassif: xadrez do fim dos grupos nacionais de mídia

Texto publicado originalmente no Jornal GGN, com autoria de Luis Nassif

Seria relevante que o Conselho Nacional de Justiça, a Procuradoria Geral da República, as Escolas de Magistratura e do Ministério Público montassem discussões sobre o tema, mas de forma aberta, juntando não apenas associações dos grupos de mídia, mas representantes de mídia alternativa e especialistas em direito à informação.

Preliminar 1 – o papel da mídia nas democracias

Durante o século 20, os grupos de mídia foram os mais relevantes atores no mercado de opinião, mais influentes que os partidos políticos, que as igrejas, que os sindicatos. Já eram influentes no começo do século, com o avanço do telégrafo. Ampliaram o poder com o advento das rádios e, especialmente, das redes de rádios. E, finalmente, com a televisão, o veículo que dominou amplamente a opinião pública na segunda metade do século 20.

As formas de controle sobre a opinião pública eram de mão única, os melhores veículos através da seleção dos temas de cobertura e das análises de acordo com o alinhamento político ou comercial do grupo; os piores, através  da exploração de notícias falsas e de assassinato de reputação.

As maneiras de envolvimento da opinião pública se davam especialmente através da dramaturgia das notícias, buscando na ficção modelos de narrativas aplicadas às notícias, construindo heróis ou vilões como formas de manipulação política e de envolvimento emocional do leitor.

Em cada mudança de padrão tecnológico, houve um terremoto entre os grupos de mídia. A nova tecnologia seria vitoriosa e nem todos os grupos conseguiriam pular para o novo barco.

Havia uma perda de rumo, uma travessia complicada na qual os grupos de mídia se valiam de todas as suas armas, influências políticas, assassinatos de reputação, criação de inimigos públicos para se colocar na nova etapa.

Na última etapa tecnológica, com o avanço da Internet, essa tática foi explorada pelos infames Murdoch‘s, os australianos que se tornaram modelos para um processo de degradação mundial da mídia. E, no Brasil, por um movimento liderado por Roberto Civita e a revista Veja.

Atualmente, há dois fenômenos em curso que tornarão inevitável a globalização das mídias: as redes sociais e os grupos globais de mídia.

É nesse contexto que deve ser analisado o futuro da mídia no Brasil e o velocino de ouro: a disputa sobre o controle da opinião pública nacional.

Preliminar 2 – o início da Internet

Para entender melhor a próxima guerra, é preciso uma pequena revisitada nos primórdios da Internet.

A Internet permitiu não apenas a confluência de mídia, mas a confluência de conteúdos. No início da Internet, tentou-se o modelo dos portais, os chamados provedores de conteúdo, cujo pioneiro foi a AOL (American On Line), com a pretensão de ser a porta de entrada na Internet. Criava-se um sítio com um browser exclusivo que dava acesso ao conteúdo abrigado no portal.

O sucesso inicial da AOL foi tão rápido que lhe permitiu, inicialmente, adquirir a Time Warner, um gigante decorrente da fusão dos grupos Time-Life e Warner Bros, que já incluía o canal CNN.  Rapidamente se percebeu que o modelo não funcionava. Depois de um período, o modelo AOL fez água e sua participação acabou se diluindo na fusão.

A superação rápida do modelo portal se deveu à disseminação da padronização tecnológica na Internet e de padrões de interação entre sites. Os modelos fechados, tipo AOL, não podiam competir  com o universo aberto da Internet.

Consolidou-se um modelo de negócio, impulsionado inicialmente pela expansão mundial do cabo, baseado na assinatura e na publicidade. A fusão era necessária para garantir os investimentos necessários para a expansão global.

Peça 1 – os novos grupos globais

Os modelos de grupos de mídia globais  surgem das sucessivas fusões entre empresas de entretenimento, empresas jornalísticas e de tecnologia.

A fusão mais bem sucedida juntou um gigante das telecomunicações, a ATT, um do entretenimento, a Warner, e uma de jornalismo e TV a cabo, a Turner. Grupos tradicionais, como a Disney, se reinventaram e criaram canais de esporte, por exemplo. E definiram um novo modelo de negócios, baseado na assinatura, nos acordos com empresas de telefonia e de cabo, e publicidade segmentada e se alavancando inicialmente através do cabo e das parcerias com empresas de telefonia nacionais.

Foi a primeira brecha nas cidadelas ferreamente defendias das mídias nacionais. Financiando-se através da publicidade, as mídias nacionais tornaram-se campeãs das bandeiras internacionalistas, de abertura da economia – menos para seu próprio setor.

De fato, na expansão do capitalismo americano no pós-guerra, os grupos de mídia não conseguiram acompanhar outros setores devido à influência política das mídias nacionais, que se defendiam através de legislações impedindo a entrada de grupos estrangeiros; e do controle do espectro de concessões de rádios e TVs.

Com a Internet e a TV a cabo, o muro foi derrubado e houve uma convergência entre os diversos tipos de mídia, juntando grupos de entretenimento, empresas de tecnologia e empresas jornalísticas.

A explosão de novas mídias pulverizou a audiência, levando a uma disputa em torno de eventos de entretenimento, como jogos de futebol e de lutas. É por aí que deve ser analisada uma das mais espúrias alianças políticas, especialmente na América Latina.

Grupos hegemônicos de mídia garantiam a blindagem política dos cartolas perante os políticos; e celebravam acordos ilegais pela exclusividade na transmissão de eventos esportivos. Com as operações contra a FIFA, conduzidas pelo FBI, esse modelo implodiu. Com a decadência do futebol nacional, as grandes atrações deslocaram-se para os campeonatos europeus e paramos eventos de luta.

E, aí, desaparecem os grandes diferenciais de audiência dos grupos nacionais e aparecem os ganhos de escala dos grupos globais, adquirindo direitos de transmissão dos grandes eventos internacionais para suas afiliadas em todos os países

O crescimento dos novos meios se deu em cima da TV aberta e da mídia escrita, justamente o eixo central do modelo de negócios dos grupos de mídia tradicionais.

Peça 2 – as big tecs

O segundo caminho foi das big tecs. A questão não era mais produzir conteúdo, mas desenvolver modelos de organização – e direcionamento – do conteúdo global da Internet.

No modelo tradicional, os jornais se comportam como condutores dos povos, selecionando informações e opiniões de acordo com seus objetivos comerciais e políticos e oferecendo, como produto, a possibilidade de ele, jornal, influenciar seu público com as mensagens de interesse do patrocinador.

No novo modelo, as empresas oferecendo o universo de informações de seus usuários para clientes dispostos a pagar para influenciar o mercado de opinião. Desde o fabricante de bens de consumo, identificando clientes potenciais através de algoritmos fuçando mensagens e e-mails do público, até grupos políticos tentando influenciar eleições presidenciais.

Peça 3 – os grupos nacionais

É nesse novo modelo, espremido entre dois gigantes, que os grupos nacionais de mídia tentarão se equilibrar.

Na Europa, a influência dos grupos de mídia tradicionais têm levado governos nacionais a estabelecer limites para a ação das big tecs. Afinal, veículos como BBC, Financial Times, The Guardian, Le Mondé, são tratados como instituições nacionais, ao contrário dos grupos brasileiros, que gastaram todo seu estoque de credibilidade nas guerras políticas das últimas décadas.

O último trunfo das mídias hegemônicas latino-americanas foram as associações criminosas com a FIFA e as confederações nacionais de futebol.

Com a ascensão de Bolsonaro e a pandemia, acentuou-se sua fragilidade financeira e perderam a guerra.  A maior derrota aconteceu com o fim do monopólio dos campeonatos nacionais e sul-americanos pela TV Globo. E, mais recentemente, com a decisão do Conselho Administrativo de Direito Econômico (CADE) de proibir o bônus de veiculação –  devolução de parte das receitas publicitárias para as agências de publicidade -, o maior instrumento de cartelização comercial do grupo.

Talvez o maior exemplo do desespero atual da mídia, aliás, seja o jornal O Globo. Nos últimos meses, lobbies de jogos entraram pesadamente na Internet brasileira, colocando publicidade em veículos de todos os tamanho. Até o Jornal GGN foi procurado, e recusou, apesar do cerco financeiro a que está exposto.

Em um gesto de desespero, impensável em outras épocas, O Globo não apenas aceitou o patrocínio, no banner principal, como deu, como contrapartida,  um artigo de Nelson Motta, com uma defesa candente da abertura de cassinos, brandindo argumentos falaciosamente primários.

Na hora em que o governo está desesperado por dinheiro para bancar seu programa de renda mínima, sem aumentar impostos, surgiu na Câmara, pela milésima vez, o projeto de liberação do jogo, que poderia render R$ 50 bilhões por ano em impostos para a União, estados e municípios quebrados pela pandemia. O lobby já trocou “jogos de azar” por “jogos de fortuna”. Nunca o momento foi tão oportuno. Desta vez vai.

O artigo foi celebrado em veículos oficiais dos jogos de azar. Imprudências desse tipo não aconteciam com a mídia brasileira desde a IstoÉ a última fase da Editora Abril, com Roberto Civita.