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“Agro tech/pop/tudo”: propaganda ruralista contém ideologia em altas doses

Ed Wilson Araújo

As indústrias do veneno e dos transgênicos têm várias formas de elogiar seus estragos. Uma delas é a ostensiva propaganda do agronegócio no horário nobre da televisão.

Não se trata de um simples anúncio. A peça publicitária propagandeia uma fórmula de sucesso para um ramo da economia muito influente nas decisões políticas – o latifundiário contemporâneo, pop.

Observe as conexões. Uma rede multinacional de sementes transgênicas e adubo tem relações intrínsecas com as usinas de veneno usado largamente no Brasil.

A televisão entra no circuito para ativar uma forma de ver o mundo pela lógica do capital e do lucro sem limites. É ideológico mesmo!

No filme publicitário está contida a intenção de levar a audiência a crer no milagre da lavoura, como se ela fosse algo tão presente na vida que a gente se torne refém dela, cativo.

A ideia de cativar o interlocutor visa reforçar nele algo que já era latente ou despertar no alienado alguma ideia, geralmente de prosperidade, sucesso, lucros, méritos, satisfação e…. nacionalismo. Aí está uma pista.

Com um forte apelo de amor à terra, culto ao campo, louvação do setor produtivo e tantos outros engenhos cinematográficos, o filme publicitário é uma elegia ao homem da terra abençoada.

É mais ou menos uma adaptação da carta de Pero Vaz de Caminha aos interesses do agronegócio. Nessa terra, se plantando, tudo dá!. Acréscimo: desde que o governo ajude.

E ajude mais que o trabalhador rural comum, expropriado e agora ameaçado até de morrer à míngua, sem amparo do Estado na velhice, como promete a reforma da Previdência.

Por outro lado, no agronegócio prepondera o empresário liberal que odeia o Estado, mas é useiro e vezeiro dos empréstimos dos bancos públicos para financiar a produção. Quando é para defender seus interesses privados usufruindo do erário, essa gente supostamente detesta benefícios oriundos da veia estatal.

A hipocrisia consiste em uma dualidade: só o investimento privado é capaz de salvar a humanidade, contanto que seja financiado pelo BNDES.

Embora seja um nacionalismo de fachada, o “agro é pop” chega ao imaginário do povo pela tela da TV. E a gente nem percebe direito o que se diz quase sem querer.

O agronegócio é a versão high tec das formas arcaicas do Brasil colonial naquilo que tem de essencial – concentrador de riquezas e destruidor do meio ambiente. Nos dias de hoje, essa indústria rural, de perfil excessivamente conservador, constituiu uma parte da base política do bolsonarismo.

As bandeiras do agronegócio, em nome do lucro a qualquer custo, são: destruição das leis ambientais, facilitação do veneno e um imperioso apelo à monocultura como fórmula de sucesso para manter o superávit da balança comercial.

Não é à toa que o governo Bolsonaro tem vigor nas bancadas do boi e da bala, setor onde as bandeiras como a liberação de compra e venda de armas prospera no Congresso Nacional.

Essa agenda em parte justifica a onda de ódio desencadeado no país contra o MST, agricultores familiares, quilombolas, indígenas, ambientalistas, povos e comunidades tradicionais, direitos humanos e afins.

No geral, este campo político passou a ser tratado como inimigo do Brasil porque prega a agricultura sustentável, a repartição das terras, o controle do veneno e a produção com limites à predação.

Trata-se de uma demonstração concreta de que divisão da terra, a cultura em pequena e média escalas, a agricultura familiar e a preservação das áreas ambientais, estas sim, são ações ativas e concretas de um sentido equilibrado de desenvolvimento.

O leitor com discernimento entende que esse artigo não é um ativismo. Países de inspiração socialista como a gigante China não cuidam do meio ambiente como deveriam. Assim, não se trata de uma oposição ao agronegócio por ser um empreendimento do capitalismo. E também estou longe de uma associação imediata à ideia de que o rural é atraso e a vida urbana, progresso. Faço essas observações para seguir adiante nos meus argumentos.

Assim, a primazia da monocultura para computar no superávit da balança comercial tem um custo algo para o Brasil. Basta ver o exemplo correlato da mineração. As tragédias provocadas pela Vale em Mariana e Brumadinho estão comprovando a necessidade urgente de limites à exploração dos recursos naturais.

Armas, veneno, mineração descontrolada e lucro a qualquer custo não têm outro nome – é a ideologia da reprodução do capital.

Em outras palavras, a celebração da violência em todos os sentidos.

Imagem capturada neste site

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Outra folia

O sucesso do Carnaval de São Luís, com destaque para o circuito Beira-Mar, derrubou uma falsa impressão de que só Roseana Sarney sabia fazer festa popular. Tá bonito ver o novo circuito dando um banho de folia no Maranhão do passado.

Foto / Jardel Scott / imagem aérea dos foliões no entorno da antiga estação da Rffsa

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Escola de amestrados, país de robôs!

O Brasil está mergulhado em um pântano cultural que puxa para o fundo e mata algumas esperanças. Outras, pela dinâmica da História, não se deixarão tragar. É isso que nos anima em meio às notícias ruins.

A investida dessa vez é uma derivação do projeto Escola Sem Partido, vindo à tona pelo comunicado do Ministério da Educação às escolas, para que os estudantes cantem o hino nacional e sejam filmados, a pretexto de “incentivar a valorização dos símbolos nacionais”. Ainda por cima, os alunos teriam de ouvir uma carta cujo desfecho seria o bordão publicitário da campanha presidencial de Jair Bolsonaro.

O objetivo é claro: matar o sentido pleno da educação como prática de liberdade e desconstruir o Estado laico, regido por uma Constituição de 30 anos.

Diante das críticas, o ministro Ricardo Vélez Rodríguez recuou e disse que não era bem assim. Mas, não nos espantemos se a elite pensante do governo voltar à carga com algo mais radical: além de cantar o hino nacional, os estudantes terão de ler trechos da bíblia.

Sob o manto de um suposto nacionalismo e apego aos valores cristãos, o atual governo brasileiro apresenta ideias e propostas antiquadas, como se o passado fosse gerar a salvação da pátria.

Isso não ocorre por acaso. É preciso entender o contexto.

A onda conservadora que destrói a República no Brasil é fabricada na mesma forma que gerou criaturas como o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, turbinado pelo discurso que disseminou notícias falsas e ódio.

Na campanha e na gestão, Trump tem um fantasma e um alvo, respectivamente: a América voltará a ser grande e os inimigos são os mexicanos e os muçulmanos.

Mutatis mutandis, o Brasil voltará à glória do passado e os inimigos são a esquerda e o materialismo cultural.

Nesse contexto macropolítico, o governo ataca a escola para criar uma geração de estudantes amestrados e pais robotizados, alimentados pelas fake news que grassam como uma praga destruidora da capacidade de pensar e refletir.

Basta ver o episódio recente que atribuiu à esquerda a “proposta” de distribuir uma mamadeira erótica para as crianças.

Assim, a tentativa de perfilar estudantes para cantar o hino nacional chega a ser um desprezo pela educação diante de muitos problemas a resolver. Com tantas escolas sem teto nem material didático, salas sem professores, docentes com baixos salários, condições de trabalho precárias, desvio de dinheiro público nos fundos constitucionais, escolas sem água potável nem quadras esportivas… eis que o MEC está preocupado com (pasmem!) a cantoria do hino nacional.

Entendamos também a proposta do Ministério da Educação como parte da estratégia de comunicação do governo para desviar o debate sobre os grandes temas: a reforma da Previdência, a economia e a geopolítica.

Se fosse nacionalista e patriota, o governo estaria a defender as nossas reservas de petróleo e o patrimônio nacional, não se perfilando às investidas dos Estados Unidos para usurpar a maior riqueza mineral da Venezuela.

Caso este governo fosse realmente patriota e nacionalista, não estaria tentando aprovar a reforma previdenciária que vai criar uma legião de miseráveis no momento em que a proteção do Estado é fundamental – a velhice.

O plano ideológico da onda conservadora é um pacto geracional pela mediocridade. Amestra as crianças na escola para levá-las ao matadouro sem resistência quando estiverem idosos.

Isso é desumano.

Imagem do site El País: Estudantes perfilados fazem saudação nazista a Hitler

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São Pedro dos Crentes (parte 1): cidade evangélica tem fiéis ardorosos e irmãos desviados

O Blog do Ed Wilson publica hoje a primeira de uma série de matérias sobre São Pedro dos Crentes, cidade no sul do Maranhão povoada por evangélicos da Assembleia de Deus.

A primeira impressão de quem visita São Pedro dos Crentes é de estranhamento. Logo no acesso à rua principal da cidade, onde ficam as lojas do comércio, um bar reúne muitos homens no famoso campeonato de sinuca, com um boi vivo de premiação para o vencedor. Jogo, bebida, cigarro e música nas alturas destoam da expectativa criada em torno da cidade cuja marca é a expressiva população evangélica e as suas congregações.

Bar na entrada da cidade movimentou torneio de sinuca

Caminhando na praça do templo central da Assembleia de Deus, a primeira moradora convertida em São Pedro dos Crentes retorna de mais uma sessão de oração. Aos 86 anos, Terezinha Carvalho de Sousa ‘aceitou Jesus’ quando tinha sete anos de idade e está cada vez mais firme na fé. “Eu tinha o desejo de ir para o céu. Aí nos instruímos bem como era o céu, mostrado pela bíblia e aí eu entendi e se convertemos (sic), as três irmãs. Fiquemos crentes, graças a Deus. Eu leio a bíblia do começo ao fim, duas a três vezes no ano. Quem não segue ela está perdido”, definiu.

Terezinha Sousa: perseverança a caminho do céu

Origens religiosas

Encravada no sul do Maranhão, a 758 Km da capital São Luís, a cidade tem seus primórdios nos anos 1940, quando o missionário húngaro João Jonas percorreu a região ainda totalmente rural, montado em animais ou a pés, recrutando os primeiros fiéis.

Naquela época a fazenda São Pedro nucleava um povoado que posteriormente se transformaria na cidade São Pedro dos Crentes, recebendo esse registro porque as terras dos herdeiros da propriedade foram distribuídas apenas aos convertidos da Assembleia de Deus. “Os filhos e a viúva fizeram um inventário e doaram uma parte para a igreja e aí começaram a vir os crentes para morar”, explicou Antônio Lopes de Castro, 87 anos, um dos primeiros moradores do então povoado São Pedro, ainda em 1952.

Para Antônio Castro, ser crente é “aceitar Jesus como salvador para ter a certeza da salvação da alma e conviver juntamente aos irmãos com união perfeita e santidade. E esperar então as providências de Deus.”

A enciclopédia da cidade

Uma das referências sobre a história da cidade é o autodidata Pedro Damasceno Pereira Pinto. Ele reuniu em um livreto as memórias sobre a presença dos evangélicos na região, com o título “História da Assembleia de Deus em São Pedro dos Crentes”

Damasceno reúne memórias e registros sobre a cidade

Indagado sobre a fé, ele foi direto ao ponto: “Com toda razão eu lhe explico, porque Deus dá o conhecimento e as pessoas vão pensando e todos eles têm o conhecimento da bíblia. Deus abençoa. Em primeiro lugar nós temos conhecimento da bíblia, que diz ‘feliz é a nação cujo Deus é o senhor’. E também feliz é aquela cidade que tem Deus como seu Senhor que ora”, pregou.

O sentimento dos idosos Terezinha Sousa, Antônio Castro e Pedro Pinto ainda não está formatado no pensamento da pré-adolescente Mariane da Silva Aguiar Sousa. Com apenas 13 anos de idade, manipula um smartfone na porta de casa, tentando fugir do calor escaldante. Ela mudou recentemente da cidade vizinha (Fortaleza dos Nogueiras) para São Pedro e já aderiu à Assembleia de Deus. “É sempre bom ir para a igreja, aprendemos várias coisas lá na escola dominical, ouvir da Palavra, os hinos, cantar também, falar com Deus”, detalhou.

Crente Raimundo

O encontro de gerações na religião é observado com frequência nas famílias. À sombra de um frondoso pé de jambo na porta de casa, perto do templo central da Assembleia de Deus, o lavrador Pedro dos Reis Pinto, 76 anos, está cercado de filhos e netos, todos convertidos. “Tem um ou dois desviados, mas é pouca casa que tem pessoa que não é crente. Desviado é a assim […] a pessoa cresce, o rapaz tá grande, aí dá fé da perversidade, aí se desvia, larga de ser crente para seguir a perversidade”, explicou Pinto.

Pedro e o filho Joades: perseverança é o caminho para a salvação

No jargão evangélico há uma expressão jocosa para caracterizar o fiel que se afasta dos princípios rigorosos do Evangelho. Trata-se do “crente Raimundo”, definido pelo bordão “aquele tem um pé na igreja e outro no mundo”, denominado também de “crente desviado”.

Nesta situação encontra-se Joades de Sousa Pinto, um dos filhos de Pedro dos Reis Pinto. Ele tem 40 anos de idade e segue a religião desde criança. “Sou cristão, só estou um pouco afastado da igreja, um pouco desviado. Eu acho assim, devido alguns problemas pessoais de família, tipo a gente se separa, começa a conhecer outras pessoas também aí vai indo e a pessoa cai no mundo, mas não afastado de vez da igreja”, considerou.

O pai de Joades ajuda a qualificar o desvio de certos fiéis. “Eu acredito que seja desse tipo que estou lhe dizendo. Eles se desviam assim porque são novinho, foram criado no evangelho, não viram nada, aí quando vê o movimento do mundo, quando pensam que não estão lá”, enumerou.

O cabeleireiro Hudson: fé e fidelidade ao Evangelho

Próximo ao templo central da Assembleia de Deus, dois jovens conversam em pé, ao lado de uma motocicleta. Um deles fuma cigarro. Joelson Castro de Sousa, 30 anos, foi evangélico desde criança até completar 19 anos de idade, depois ficou desviado. O pai dele está na mesma situação, mas a mãe segue firme na igreja. Ele atribui o desvio aos “problemas que tem na vida da gente, a gente é falho mesmo, mas breve também estou voltando. A gente sabe que tá aqui fora, tá no erro, já errando mais, mas temos que voltar. O caminho certo é voltar para a casa do Senhor, contornou.

Mas, os desviados estão em menor quantidade. Durante reportagem ficou visível a frequência dos irmãos nas igrejas, desde crianças até idosos, engajados em todas as dimensões da fé, nas orações e nos sofisticados instrumentos musicais que animam os cultos.

O jovem casal Hudson da Silva Fontes Aguiar (21 anos) e Eldeni de Oliveira Aguiar (20 anos) é exemplo de geração focada no Evangelho. “O meio evangélico é bom. A partir do momento que eu aceitei mesmo entrar na religião, através disso vem mudando meu aspecto de viver porque até então certos atos a gente não faz, né, devido as doutrinas da igreja. Tá sendo uma maravilha, graças a Deus. “A vida de evangélica é muito boa […] aceitar Jesus. Na igreja a  gente aprende a palavra, os hinos, é muito bom”, completou Eldeni Aguiar.

Na próxima reportagem vamos abordar as relações entre política e religião em São Pedro dos Crentes

Imagem destacada: Centro de São Pedro dos Crentes / Magna Regina Santana.

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Novos (e velhos) impactos no cerrado maranhense

Texto de autoria do jornalista Mayron Régis, do Fórum Carajás

Os municípios de Buriti, Mata Roma, Chapadinha e Afonso Cunha se localizam na bacia do Médio Munim, rio que corta e abastece vários povoados e cidades do norte e centro-norte maranhense. O rio Munim tem suas nascentes principais no município de Aldeias Altas, região dos Cocais, onde sofre impacto pela produção de cana-de-açúcar, e em Codó, onde tem impactos pela criação de gado.

No final dos anos 90, a região do Médio Munim começou a receber fluxos de plantadores de soja, entre eles a empresa SLC, que comprou irregularmente mais de 50 mil hectares de áreas de chapada, das mãos do ex-prefeito de Buriti, Nenem Mourão.

Esses mais de 50 mil hectares estão localizados parte no município de Buriti e outra parte em Mata Roma. A empresa SLC, assim como outros plantadores de soja, beneficiaram-se de apoio de grupos políticos locais e estaduais que pressionavam pela rápida liberação de licenças ambientais.

Em 2009, o Fórum Carajás denunciou a SLC por grilagem de terras e por irregularidades na obtenção de licenças ambientais. Em 2010, a empresa, alegando questões financeiras, vende a fazenda para um grupo desconhecido. Mais tarde se ficou sabendo que a fazenda foi apenas arrendada e um dos objetivos desse arrendamento seria plantar mudas de eucalipto que se destinariam à fabrica de pellets da Suzano Papel e Celulose, planejada para a cidade de Chapadinha.

O projeto da Suzano não foi adiante e os plantios de eucalipto ficaram encalhados para objetivos mais lucrativos. Atualmente, os eucaliptos são cortados e vendidos para cerâmicas em vários pontos do estado do Maranhão, o que não compensa financeiramente. A última noticia que se tem é que a SLC pediu as terras de volta e para que isso ocorra a empresa arrendatária precisa cortar todos os eucaliptos.

Nesse processo, os funcionários da empresa arrendatária cortam os eucaliptos e derrubam também a mata nativa do cerrado. Segundo informações de moradores da zona rural de Buriti, os funcionários desmataram mais de 300 hectares e a pretensão é alcançar 1500 hectares, atingindo as cabeceiras do riacho Feio, principal tributário do rio Munim e de fundamental importância econômica ambiental para várias comunidades nos municípios de Buriti e Chapadinha.

Caso esse desmatamento e outros desmatamentos se concluam as comunidades verão seus acessos a água e à biodiversidade se restringirem ainda mais com impactos no clima e no solo.

Imagem destacada: vegetação do cerrado maranhense / Fórum Carajás

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Filme sobre o bispo Casaldáliga explica o combate atual à Igreja Católica progressista no Brasil

Uma boa narrativa para entender as denúncias de espionagem contra religiosos da Igreja Católica é o documentário “Descalço sobre a terra vermelha”, que narra a saga do bispo emérito de São Félix do Araguaia (MS), Dom Pedro Casaldáliga.

No auge da ditadura, em 1968, Casaldáliga enfrentava latifundiários, grileiros e jagunços que exterminavam lavradores e índios no Mato Grosso.

O documentário retrata uma terra sem lei nem justiça, onde a força bruta e a bala imperavam, com apoio do próprio sistema de segurança oficial.

Em determinada cena do filme, os fazendeiros reunidos concluem que a resistência e organização dos lavradores e indígenas não estava apenas em Casaldáliga, mas na força das ideias progressistas impregnadas na leitura da bíblia.

Leia-se nessas ideias a Teologia da Libertação, o método “ver-julgar-agir” e as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), que vicejaram na América Latina a partir da Conferência de Medellín (1968), mesmo ano em que Pedro Casaldáliga chegou ao Araguaia.

Parte da igreja, o chamado clero progressista, aderiu à Teologia da Libertação e ao seu princípio fundamental – a “opção preferencial pelos pobres” – atuando em defesa da reforma agrária, do meio ambiente e contra a ditadura militar.

No documentário, é nítida também a batalha ideológica que ocorre dentro e fora da Igreja Católica.

Casaldáliga enfrentava os latifundiários no Brasil e era acuado também pela censura do Vaticano, sob o comando do então cardeal linha dura da direita católica Joseph Ratzinger.

A Teologia da Libertação era um incômodo à cúpula do Vaticano, que censurou vários religiosos na América Latina, entre eles Leonardo Boff e Clodovis Boff.

O silêncio imposto aos religiosos, o corte de recursos para as ações da Teologia da Libertação e uma série de restrições ao trabalho de base do clero progressista acabou afastando a Igreja Católica das suas bases no meio do povo.

A postura da cúpula do Vaticano colaborou muito para a proliferação das igrejas evangélicas pentecostais e neopentecostais, ainda mais à direita que a linha dura do cardeal Ratzinger.

No Brasil atual, a suposta espionagem contra o chamado clero de esquerda tem raízes mais profundas. Basta ver o filme protagonizado pelo bispo Dom Pedro Casaldáliga.

Assista aqui ao documentário “Descalço sobre a terra vermelha”

Diretor: Oriol Ferrer

Coprodução: TVC, TVE, TV Brasil, Raiz Produções e Minoria Absoluta (produtora espanhola)

A película é baseada na obra homônima do escritor Francesco Escribano.

Imagem destacada capturada neste site

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Plano Diretor de São Luís, para que e a quem serve?

Luiz Eduardo Neves dos Santos *

* Professor Adjunto I do Curso de Licenciatura em Ciências Humanas da UFMA,  Campus Pinheiro. Doutorando em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia pela UFC.

Desde o dia 17 de janeiro, a Prefeitura Municipal de São Luís, vem organizando audiências públicas para revisão da Lei 4.669/06 que dispõe sobre o Plano Diretor. Ao todo são 9 sessões, que terminarão no próximo dia 2 de fevereiro. O Capítulo III, do Art. 40, §4º, I, do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), determina que, para elaborar o plano diretor e fiscalizar sua implantação, os municípios devem realizar “audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade”. 

O Plano Diretor é um diagnóstico científico da realidade territorial socioeconômica e política do município, segundo Flávio Villaça, “apresenta um conjunto de propostas para o futuro desenvolvimento dos usos do solo urbano, das redes de infra-estrutura e de elementos fundamentais da estrutura urbana”. Portanto, é indiscutível a relevância desta legislação. 

O processo de revisão do Plano Diretor de São Luís foi proposto em 2015 por órgãos da prefeitura com o intuito de fazer apenas alguns ajustes no texto sobre o Macrozoneamento Ambiental, estratégia que visava a discussão e aprovação da legislação de zoneamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, uma lei que complementa o Plano Diretor e estabelece índices e usos urbanísticos, dividindo a cidade em zonas. O processo previa 8 audiências, o Ministério Público Estadual e a sociedade civil pediram um número maior e mais divulgação à época, a prefeitura acatou e estabeleceu 15 audiências, destas, 13 foram realizadas e o processo foi cancelado pelo MP Estadual que determinou que se discutisse, de maneira mais ampla, o Plano Diretor.

O Plano Diretor de fato foi rediscutido por órgãos e membros da prefeitura e de outros setores da sociedade em reuniões técnicas no Conselho da Cidade. Houve alterações que chamam atenção do ponto de vista quantitativo, como a inclusão de 59 artigos, exclusão de outros 19 e algumas inclusões textuais. Mas no geral, do ponto de vista qualitativo, não há diferenças substanciais em relação a lei vigente. 

Algumas propostas estão recebendo duras críticas da sociedade civil, a exemplo da escandalosa supressão da Zona Rural sem a devida apresentação de estudos técnicos consistentes, utilizando uma metodologia frágil, baseada principalmente em imagens de satélite e fotografias aéreas de 2009, e sem uma análise empírica do território passível de ser transformado em zona urbana, que por sua vez apresenta características de ocupação espontânea recente, sem o mínimo de infraestrutura. Outra questão a ser destacada são as respostas do Instituto da Cidade (INCID) por meio de seu presidente José Marcelo do Espírito Santo, quando das indagações, elas em muitas ocasiões são vagas, às vezes em linguagem não adequada à população leiga e frequentemente não satisfazem os que levantam as questões, o que faz das audiências um grande teatro.

Pelo que há na proposta, a ampliação da zona urbana, sobretudo na porção oeste e sudoeste do território – chamado no Macrozoneamento Urbano de “zona em consolidação 2” – favorecerá a instalação de um porto privado ao sul da baía de São Marcos, objeto da sanha do capital financeiro chinês, que possui previsão de investimentos em São Luís com o aval do governo estadual. Os próprios representantes da prefeitura defenderam essa posição nas audiências, o discurso é velho conhecido: tais empreendimentos proporcionarão emprego, renda e desenvolvimento ao município. Curiosamente, apenas setores empresariais da construção civil estão batendo palmas.  Além disso, tal ampliação comprime um território da zona rural na bacia do rio dos Cachorros, onde estão comunidades como Taim, Colier, Juçaral, Santa Cruz, que sofrerão em pouco tempo com a investida de empresários para comprar suas terras e destruir seus modos de vida caso a proposta vá para frente. 

É digno de nota ainda, a omissão dos funcionários do alto escalão da gestão Edivaldo Holanda Junior em não propor neste Plano Diretor a delimitação de novas Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) no município, principalmente em territórios da porção norte de São Luís e na área do Itaqui-Bacanga, onde há grande adensamento e milhares de ocupações precárias. As ZEIS ou ZIS (Zonas de Interesse Social) como é chamada na legislação vigente nunca foram regulamentadas enquanto instrumento de política urbana, apesar de existirem desde 1992, um absurdo, já que elas abrem possibilidades de garantia de fixação via regularização fundiária aos habitantes pobres em diversos bairros da cidade. 

O que a prefeitura tem feito, de forma irresponsável, é criar ZIS em lugares distantes na zona rural via Programas como o Minha Casa, Minha Vida – a exemplo do elefante branco na comunidade Mato Grosso – favorecendo o lucro de construtores, promovendo uma segregação institucionalizada ao deixar milhares de pessoas sem o mínimo de dignidade, usurpando-as do direito de ter saneamento básico, transporte público adequado, rede de água potável, acesso à serviços e equipamentos urbanos como escolas, creches, hospitais, dentre outros. 

Outro ponto que merece destaque e que tem sido objeto de polêmica nas audiências é o descaso com o Mapa de Vulnerabilidade Socioambiental, que vem sendo prometido pela prefeitura e pelo INCID há mais de uma década, o que configura um total desrespeito à população da cidade. Tal mapa seria de extrema importância para diagnosticar problemas ambientais e sociais em muitos territórios do município. Na lei vigente de 2006 a prefeitura tinha um prazo de 90 dias a partir da data de promulgação do Plano Diretor para elaborar o mapa de vulnerabilidade socioambiental, até hoje nunca se viu tal mapa. Na proposta atual o prazo para elaboração é de 150 dias, o que é um acinte se formos levar em consideração um atraso de 12 anos.

Pelo exposto, ainda é preciso dizer que o planejamento urbano em São Luís tem sido uma lástima nos últimos 30 anos, só para falar de um período mais recente. A pobreza e a desigualdade têm aumentado na cidade, assentamentos informais se proliferam, o transporte público é caótico e caro, não há acessibilidade digna, ruas e avenidas padecem por falta de pavimentação – aliás essa cidade é dos carros – faltam espaços públicos de lazer, não por acaso os shoppings estão abarrotados de gente. 

A impressão que dá é que os planejadores deste município – que são os mesmos há três décadas! – ainda não saíram de seus gabinetes refrigerados, não conhecem a totalidade da cidade concreta e os problemas reais de seus habitantes, conhecem no máximo a cidade legal e/ou a cidade pelos mapas e estão a serviço dos poderosos. Aliás, as legislações urbanísticas representam as ideologias das elites, funcionando como marco delimitador de fronteiras de poder, como bem pode ser observado no processo de revisão do Plano Diretor atual. O planejamento urbano deve ser feito com a participação ativa da população no cotidiano e não apenas em poucas audiências públicas em intervalos de anos, como diria Jane Jacobs o planejamento urbano tem como “objetivo alcançar uma vitalidade urbana”, levando em conta as relações de proximidade, afinal nunca é demais lembrar a lição deixada por Milton Santos nos limites da sua psicosfera: “o planejamento urbano, antes de tudo, supõe uma mudança de comportamento nos habitantes da cidade”, o que a gestão municipal, definitivamente, não leva em consideração.

Imagem / Reprodução / TV Mirante: caminho da roça no Calhau, na área nobre de São Luís, onde deveria ser uma calçada.

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Apenas visita protocolar dos vereadores à Alumar, não Vale

Após a repercussão sobre as condições de segurança das lagoas de resíduos de bauxita da Alumar, os vereadores de São Luís decidiram montar uma comissão para inspecionar as instalações da multinacional, nesta quinta-feira (31), às 14 horas.

Em nota, a empresa antecipou o discurso, afirmando que as
ARBs (Áreas de Resíduos de Bauxita) não oferecem riscos de vazamento.

A iniciativa da Câmara Municipal só está ocorrendo porque o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho mobiliza a opinião pública sobre outros potenciais poluidores Brasil afora.

Com as devidas exceções, os nossos edis têm algumas dívidas com a cidade. A Câmara, por exemplo, se mobiliza para discutir projeto similar ao “Escola Sem Partido”, mas não tem o mesmo empenho para fiscalizar algumas escolas da rede municipal de São Luís que correm o risco de desabar sobre as crianças e os professores.

A Alumar e a Vale são irmãs siamesas filhas da poluição, mas em raras ocasiões foram objeto da atenção dos vereadores, deputados ou senadores do Maranhão.

Justiça seja feita ao vereador Sá Marques, ex-funcionário da Alumar, que se manifestou com preocupação e conhecimento técnico sobre as condições de segurança das rumorosas lagoas de lama vermelha, onde estão armazenados os resíduos de bauxita resultantes do processo de produção de alumina.

Na Assembleia Legislativa apenas o deputado Wellington do Curso vem se posicionando sobre a urgência de fiscalizar as empresas como Vale e Alumar.

É preciso, portanto, muita atenção à qualidade da visita dos edis a uma multinacional tão poderosa. Se for apenas uma inspeção protocolar, para ouvir a direção da Alumar, fazer self e divulgar nas redes sociais, não Vale!

A inspeção dos vereadores precisa ter consequências. Eles têm todas as condições de mobilizar a cidade para cobrar transparência da Alumar, mediante a apresentação de relatórios circunstanciados, analisados por especialistas e pesquisadores independentes, capazes de traduzir os termos técnicos e torná-los acessíveis à maioria da população.

Os vereadores devem também convocar audiências públicas e obrigar a Alumar a comparecer e prestar contas sobre as reais condições de armazenamento dos resíduos da bauxita.

As audiências públicas devem ser realizadas tanto na Câmara Municipal quanto nos bairros de São Luís, com ampla divulgação, transmissões ao vivo pelas redes sociais, acompanhadas de material didático acessível aos moradores.

A Alumar e a Vale estão no centro do debate atual da cidade, visto que a Prefeitura de São Luís está fazendo a revisão do Plano Diretor e, na proposta, prevê a redução da zona rural em 41%.

Serão suprimidos mais de 8 mil hectares e, obviamente, este território deve ser pleiteado para expandir a zona industrial. É aí que mora o perigo.

Portanto, há um jogo muito poderoso de interesses na revisão do Plano Diretor, onde atuam como lobistas as empreiteiras e a Federação das Indústrias do Maranhão (Fiema), esta a principal interessada na redução da zona rural para expandir as plantas industriais dos empreendimentos mínero-metalúrgicos e outros tão agressivos quanto.

Em São Luís já funciona uma usina termelétrica à base de carvão mineral, da Eneva. Outros empreendimentos podem estar de olho na revisão do Plano Diretor, que ao final passará pelo aval de quem?

Justamente ela, a Câmara Municipal.

Como se vê, a inspeção dos vereadores na Alumar não é algo tão simples.

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Proposta de revisão do Plano Diretor destrói a zona rural de São Luís

José Guilherme Carvalho Zagallo, advogado

A Prefeitura de São Luís está submetendo à população, por intermédio de nove audiências públicas, proposta de revisão do Plano Diretor – Lei nº 4.669/06, que reduz em 41% a zona rural do município.

O Plano Diretor é a lei urbanística mais importante de um município. É a partir dela que todas as outras leis que tratam da questão urbana são editadas, como lei de zoneamento, uso e ocupação do solo, lei de toponímia, dentre outras.

A atual lei do Plano Diretor de São Luís é do ano 2006, e, deveria ter sido revisada até 2016, conforme determina o Estatuto das Cidades – lei federal nº 10.257/2001, que também obriga que esse processo tenha participação da população, na forma de audiências públicas.

A Prefeitura chegou a iniciar o processo de revisão do Plano Diretor em 2015, mas por falhas graves no processo de revisão tais como divulgação precária das audiências e revisão simultânea da lei de zoneamento, uso e ocupação do solo, houve uma recomendação do Ministério Público Estadual para que o processo fosse reiniciado, com a revisão exclusiva do Plano Diretor, que foi transformada num Termo de Ajuste de Conduta.

Com base nesse Termo de Ajuste de Conduta, o Município de São Luís, através do seu Conselho da Cidade, que tem representantes do poder público e da sociedade civil, elaborou uma minuta de alteração da Lei nº 4.669/06, propondo uma grande revisão, com a inclusão de 59 artigos, alteração de outros 63 artigos e exclusão de 19 artigos, além da substituição dos 3 mapas anexos à lei, sendo que estes foram elaborados com base em imagens aéreas realizadas em 2009.

Dentre as principais alterações propostas estão a redução de 8.643 hectares na zona rural do município, que passaria de 20.820 hectares para 12.177 hectares, a redução de 11,5 hectares da área de dunas, a diminuição das áreas de recarga de aquíferos e a redução parcial da área protegida no Sítio Santa Eulália.

Causam espanto as propostas apresentadas, pois terão graves consequências sobre a produção rural do município, além de permitir a ampliação da já elevada atividade industrial na Ilha de São Luís, que já emite quatro vezes o volume poluição do Município de Cubatão, em São Paulo, e ultrapassa os limites legais de emissões de três poluentes, segundo relatório produzido em janeiro de 2017 pela Secretaria de Indústria e Comércio do Estado do Maranhão. Além disso, afetará a produção de água potável em São Luís, uma vez que 40% da água consumida é extraída do subsolo da ilha.

Todos esses pontos de preocupação quanto ao conteúdo da proposta apresentada têm sido apontados, nas audiências públicas já realizadas, por professores, líderes comunitários, pesquisadores e ambientalistas, que também criticam a ausência de estudos técnicos a justificar cada uma dessas alterações.

Espera-se que o Poder Executivo Municipal reavalie sua proposta, e que, antes de enviar o Projeto de Lei à Câmara de Vereadores, proceda os ajustes quanto aos problemas que estão sendo levantados nas audiências públicas.

Foto: Claudio Castro

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Abaixo o desmonte da EBC no Maranhão!

Sindicatos e funcionários reagem aos ataques do governo federal para destruir um patrimônio do Brasil. Veja a nota abaixo:

Nesta segunda-feira, os trabalhadores da EBC Maranhão foram surpreendidos com o fim súbito do telejornal local, sem qualquer aviso inclusive aos telespectadores. Superintendente e coordenadores de jornalismo e operações da praça foram dispensados de suas funções, deixando tudo à deriva por lá. Até as portas dos setores foram fechadas, de modo que os trabalhadores no momento se encontram sem poder entrar nas salas, sem local para ficar e sem qualquer orientação.

Esta situação é absurda. Entendemos que qualquer processo de reestruturação deve ser feito a partir do diálogo com os trabalhadores, sendo pautado numa relação de respeito. Infelizmente, não é isto que estamos vendo. Não há sequer transparência da empresa com relação ao que se pretende, de maneira que somos periodicamente informados pela imprensa que praça x ou y vai fechar ou mesmo, nas palavras de um determinado veículo, “ser dizimada”. Ora, é das vidas das pessoas que estamos falando.

Nenhuma praça deve fechar, pois isto significa diminuir a abrangência da comunicação pública no país. 

A praça Maranhão particularmente tem história: são 50 anos da emissora de TV no ar (antes como TVE) e 30 só de telejornal local. Não é razoável colocar uma pá de cal em cima de tudo isso dessa forma atabalhoada. Inclusive a lei de criação da EBC estabelece a exigência de veiculação de conteúdos regionalizados. 

Sendo assim, reivindicamos que as entidades dos trabalhadores sejam recebidas pela direção da empresa para uma reunião em que se esclareça que reestruturação se pretende fazer e como ela impactará a vida dos funcionários. Reivindicamos também que a direção da empresa explique como fica a situação da praça do Maranhão, totalmente à deriva neste momento. 

Assinam esta nota:

 Comissão de Empregados da EBC

Sindicato dos Jornalistas de Brasília

Sindicato dos Radialistas de Brasília

Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro

Sindicato dos Radialistas do Rio de Janeiro

Sindicato dos Jornalistas de São Paulo

Sindicato dos Radialistas de São Paulo