Luiz Eduardo Neves dos Santos [i]
Geógrafo, Mestre em Economia (UFMA), Doutorando em Geografia (UFC) e professor Adjunto do Curso de Licenciatura em Ciências Humanas da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
Todos os dias vemos nos noticiários e nas redes sociais, falas, frases e gestos agressivos e indecorosos por parte do presidente do Brasil direcionados à pessoas públicas, instituições, jornalistas, opositores políticos, ex-aliados e até mesmo àqueles que são parte de sua própria gestão.
A situação que vivemos é assustadora. Um sujeito desprovido de qualquer civilidade, bom senso ou o mínimo de educação, sempre à procura de um inimigo para confrontar, idólatra de ditaduras sanguinárias, avesso aos direitos humanos, ocupa o cargo político mais importante do país. Foi um legislador que em quase três décadas pouco ou nada contribuiu com ideias e projetos no parlamento nacional, no entanto em 2018 chegou ao poder via voto popular.
Não se pretende dissecar aqui os diversos fatores que o levaram a chegar ao poder, embora se reconheça que seja decorrente de algumas condições: a forte rejeição ao petismo, um desejo por mudança presente em setores específicos da sociedade, um anseio – contestável diga-se de passagem – pelo combate implacável à corrupção, a crise econômica e uma campanha maciça e bem orquestrada nas redes sociais pela disseminação em massa de notícias falsas.
O escritor espanhol Rafael Chirbes[ii] escreveu que “o medo excita o mal”, a linguagem do medo se transformou em uma poderosa arma política geradora de ódio. Nos anos 1930, Góes Monteiro, Mourão Filho e Plínio Salgado em conluio com o presidente Getúlio Vargas, se utilizaram desta linguagem ao espalhar a notícia da existência de um documento que atestaria um plano comunista revolucionário em curso no país, nele incluía assassinatos de civis e militares, prisões políticas, sequestros, assaltos, depredações e claro, a deposição de Vargas. O Plano Cohen – referência ao líder comunista húngaro Bela Cohen – como ficou conhecido, amedrontou a população na época e justificou o golpe que inauguraria o Estado Novo em 10 de novembro de 1937. Em 1945, no fim da ditadura Vargas, veio à tona a verdade, o Plano Cohen não passara de uma mentira.
Em 2002, o PSDB se utilizou da mesma estratégia do medo na disputa entre os candidatos José Serra (PSDB) e Lula (PT), a atriz Regina Duarte, hoje Secretária de Cultura, chegou a fazer um vídeo à época de grande repercussão, afirmando que tinha medo da vitória do petista, caso vencesse, poderia levar o Brasil a perder a estabilidade da moeda, com a consequente volta da inflação e a desvalorização cambial, ou seja, uma crise que boa parte da população conhecia bem. O tiro desta vez saiu pela culatra, Lula foi eleito naquele ano.
A ideologia do medo mais uma vez se fez presente na campanha de 2018, fomentando a disseminação e a prática do ódio. As famosas fake news estiveram no centro deste processo, tinham e ainda tem por objetivo atiçar as emoções das massas, mexer com seus medos, medo do comunismo, medo do Outro, dos pobres, dos negros, dos indígenas, dos homossexuais, medo da violência, etc. Não por acaso, cresceu no Brasil a ânsia por segurança, com a consequente fuga para a vida privada e para os enclaves fortificados[iii], à medida que grupos evangélicos também se expandem, capturados pelo discurso sedutor de igrejas que prometem aos fiéis uma vida de prosperidade e com bens materiais.
O conteúdo das notícias falsas, por mais absurdos que possam parecer e são, atingem as crenças e as convicções que muitos possuem, seus idealizadores se aproveitam da ingenuidade, do desconhecimento e do preconceito de grupos conservadores (religiosos ou não) e reacionários, tocando em pontos sensíveis de suas existências; o alvo foi e ainda é o pensamento progressista, seus expoentes e suas pautas.
Desta forma, as fake news digitais produzem e reforçam ideologias, derivadas de um sistema discursivo ubíquo na vida social da população brasileira, encontrado em toda parte em virtude do fácil acesso às tecnologias[iv]. Nos aplicativos que trocam mensagens há grande quantidade de textos, vídeos, imagens e notícias de blogs, portais e jornais.
Alguns exemplos de fake news são emblemáticos, como a informação que o ex-deputado federal Jean Wyllys fazia apologia ao casamento de crianças com menos de 10 anos de idade, incentivando assim a pedofilia; também como no caso do filho do ex-presidente Lula, acusado de ser dono da empresa Friboi e proprietário de uma Ferrari de ouro; ou ainda na difamatória “notícia” que a vereadora Marielle Franco, assassinada brutalmente em março 2018, possuía estreitas ligações com o tráfico de drogas. A informação que as urnas eletrônicas nas últimas eleições foram fraudadas foi outro conteúdo amplamente divulgado por grupos de extrema direita. Todos os boatos tiveram imenso alcance, sendo acompanhados de textos infames e montagens grotescas e, por incrível que pareça, ainda povoam o imaginário de muitos.
Como asseverou Christian Dunker[v], ao analisar as massas digitais, há uma impossibilidade de se fazer escutar por argumentos ou fatos na atual vida social brasileira, a batalha discursiva é encharcada por uso de notícias falsas e dogmas que fragmentaram e romperam laços, bem como dividiram grupos.
Pelo exposto, é correto afirmar que a divulgação de notícias falsas não morreu com o fim das eleições, elas são o modus operandi do governo Bolsonaro, há fortes indícios da existência de um denominado “gabinete do ódio”[vi] em Brasília, uma milícia virtual que atua de modo a disseminar não somente informações caluniosas – por meio de disparos com perfis falsos nas redes – contra desafetos, ex-aliados, ministros do STF, deputados, artistas, etc. mas também a divulgar notícias no mínimo duvidosas e/ou maquiadas em favor das realizações do governo vigente. À frente deste lamaçal de mentiras estariam os filhos do presidente[vii], blogueiros e empresários, estes últimos, financiadores de disparos nas redes sociais[viii].
O presidente Bolsonaro contribui bastante para disseminação de informações falsas e/ou duvidosas, seja nas suas redes sociais, ou nas declarações que faz cotidianamente na porta de entrada do Palácio da Alvorada. O presidente costuma utilizar um linguajar tosco e desrespeitoso, sobretudo com a imprensa, desde que a pandemia começou no Brasil, tem falado absurdos de repercussão mundial. Ao ser questionado por jornalistas sobre as mortes causadas pelo coronavírus no Brasil, já disse coisas como: “não sou coveiro”[ix] e “E daí, lamento. Quer que eu faça o que? Sou Messias, mas não faço milagre”[x]. Amiúde, manda jornalistas calarem a boca, profere palavrões contra a imprensa e estimula apoiadores a destratar repórteres. Ele possui bastante desconhecimento sobre diversos temas e assuntos[xi], isto inclui uma absoluta repulsa pelo conhecimento científico, como no caso das queimadas na Amazônia[xii], do derramamento de óleo no litoral brasileiro e mais recentemente sobre a pandemia do COVID-19[xiii].
Em recente texto, Michael Löwy[xiv], alertou sobre essa lógica “negacionista” de Bolsonaro em relação à pandemia, caracterizando-a como Neofascista, fenômeno contemporâneo denominado por Umberto Eco[xv] nos anos 1990 de Fascismo Eterno ou Ur-fascismo, de caráter conservador, que cultua as tradições, recusa a modernidade e atua fortemente, com seus discursos, às massas frustradas, agora aglutinadas nas redes sociais.
O neofascismo bolsonarista é adepto do neoliberalismo, assinalado por Perry Anderson[xvi] como uma ampla e profunda vitória ideológica conservadora e um desastre econômico. As políticas econômicas de austeridade, a redução dos orçamentos públicos, as privatizações, a manutenção e a expansão de privilégios ao sistema financeiro estão na ordem do dia na gestão atual e a justificativa para tais posicionamentos é a crise econômica, que precisa ser combatida, exigindo quase sempre sacrifícios da população mais empobrecida e assalariada, discurso que camufla seu grande objetivo, facilitar a acumulação a um punhado de megaempresários.
Nem mesmo as milhares de mortes causadas pelo COVID-19 no Brasil e no mundo, que mostram como o Estado e os serviços públicos tem sido relevantes no combate à doença, sensibilizaram os integrantes do Executivo nacional, que sob os auspícios do ministro Paulo Guedes, já vislumbram impor medidas econômicas que atingirão em cheio trabalhadores, servidores públicos e os milhões de autônomos e desempregados no pós-pandemia.
Somado a tudo isto, Bolsonaro usa o cargo para proteger os filhos, investigados em casos de corrupção como lavagem de dinheiro e peculato. Não à toa tem interferido no trabalho da Polícia Federal, por ela possuir trabalhos adiantados sobre crimes relacionados às fake news, com possível envolvimento de sua prole e tendo seu tácito consentimento[xvii]. Além disso, nomeou um Procurador Geral fora da lista tríplice, que tem agido de forma a arquivar diversas denúncias[xviii] contra ele.
O presidente demonstra imaturidade política para o cargo, é incapaz de dialogar com setores diversos, mente com frequência, não respeita aqueles que dele discordam, ataca e xinga jornalistas, agride a democracia ao incentivar grupos que defendem o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal, acirra os ânimos, reforça e aprofunda a polarização política e desdenha de uma doença mortal que já ceifou a vida de milhares de brasileiros.
Bolsonaro e seu grupo trabalham incansavelmente para sabotar o Brasil. Indígenas, artistas, quilombolas, camponeses, gays, sindicalistas, marginalizados das metrópoles, biomas como a Floresta Amazônica e o Cerrado, empresas públicas estratégicas e lucrativas, recursos minerais valiosos, eventos artísticos e culturais, estudantes e professores de escolas e universidades públicas, dentro outros, são seus principais alvos, estão sob constante ameaça, pois o que importa verdadeiramente aos sabotadores no poder do Brasil são os interesses imperialistas dos Estados Unidos[xix], a plena saúde do mercado financeiro, a expansão do agronegócio e o lucro das grandes corporações.
Mas toda sabotagem exige grandes riscos, com perdas e danos, principalmente quando existem estúpidos e egocêntricos por trás dela.
[i] Geógrafo, Mestre em Economia (UFMA), Doutorando em Geografia (UFC) e professor Adjunto do Curso de Licenciatura em Ciências Humanas da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
[ii] CHIRBES, Rafael. Crematório. Barcelona: Anagrama, narrativas hispânicas, 2007. 424p.
[iii] CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de Muros: Crime, Segregação e Cidadania em São Paulo.São Paulo: Editora 34/EDUSP, 2000. 399 p.
[iv] O número de smartphones no Brasil é maior que a própria população, existem 230 milhões deles e 210 milhões de habitantes. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2019/04/26/brasil-tem-230-mi-de-smartphones-em-uso.htm. Acesso em 29 abr. 2020.
[v] DUNKER, Christian. Psicologia das massas digitais e análise do sujeito democrático. In: ABRANCHES, Sérgio et al. Democracia em Risco? 22 ensaios sobre o Brasil de hoje. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. p. 116-135.
[vi] Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/03/26/interna_politica,83
7799/gabinete-do-odio-vira-o-conselho-da-republica-durante-pandemia.shtml. Acesso em 29 abr. 2020.
[vii] Disponível em: https://noticias.uol.com.br/colunas/reinaldo-azevedo/2020/04/25/pf-identifica-carlos-bolsonaro-como-chefe-em-esquema-criminoso-de-fake-news.htm. Acesso em 29 abr. 2020.
[viii] Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,empresarios-bolsonaristas-financiam-ataques-contra-stf-revela-inquerito,70003228062. Acesso em 29 abr. 2020.
[ix] Disponível em: https://veja.abril.com.br/politica/eu-nao-sou-coveiro-responde-bolsonaro-a-jornalista-na-porta-do-alvorada/
[x] Disponível em: https://www.poder360.com.br/coronavirus/bolsonaro-sobre-mortes-por-covid-19-e-dai-lamento-quer-que-eu-faca-o-que/
[xi] Disponível em: https://aosfatos.org/noticias/desde-a-posse-bolsonaro-deu-400-declaracoes-falsas-ou-distorcidas/. Acesso em 29 abr. 2020.
[xii] Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/bolsonaro-diz-que-desmatamento-na-amaz%C3%B4nia-%C3%A9-quest%C3%A3o-cultural/a-51334649
[xiii] Disponível em: https://valor.globo.com/politica/noticia/2020/04/02/nao-e-tudo-isso-que-estao-pintando-diz-bolsonaro-sobre-a-pandemia.ghtml
[xiv] LÖWY, Michael. O Neofascista Bolsonaro diante da pandemia. In: Blog da Boitempo. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2020/04/28/michael-lowy-o-neofascista-bolsonaro-diante-da-pandemia/. Acesso em 30 abr. 2020.
[xv] ECO, Umberto. Fascismo Eterno. Rio de Janeiro: Record, 2018. 63p.
[xvi] ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: SADER, E.; GENTILI, P. (Orgs). O pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro, 1995. p. 9-23.
[xvii] Disponível em: https://congressoemfoco.uol.com.br/legislativo/bolsonaro-age-em-conjunto-com-o-gabinete-do-odio-diz-relatora-da-cpi-das-fake-news/. Acesso em 30 abr. 2020.
[xviii] Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/04/pgr-arquiva-medidas-contra-bolsonaro-e-mira-reforco-de-caixa-para-enfrentar-pandemia.shtml. Acesso em 30 abr. 2020.
[xix] Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/03/14/politica/1552600455_614851.html. Acesso em 30 abr. 2020.