Categorias
notícia

Viva os tambores de São Luís e de todo o Maranhão

Leitura de Josué Montello com vista para o Centro Histórico de São Luís
Categorias
notícia

Livrinho ouve o silêncio do BOI

BOI reúne poemas e letras de música que o poeta Celso Borges escreveu, principalmente, nos últimos dez anos. Obra tem o projeto gráfico de Isis Rost e faz parte da coleção Livrinho também é livro, da editora Passagens.

O poeta e letrista Celso Borges homenageia o boi do Maranhão no primeiro ano em que essa manifestação não estará nas ruas e arraiais da cidade, por causa da pandemia do corona vírus.

“Este livrinho nasce dessa não voz, ou da poesia dessa voz na memória, ou do afeto que vislumbro a partir da falta do boi e suas zoadas essenciais”, afirma o escritor que tem ligação com o bumba-meu-boi desde criança, quando via e ouvia os grupos se apresentarem em frente à sua casa, no Largo de São João, centro da cidade.

BOI é o terceiro trabalho da coleção Livrinho também é livro que estreou com A rua morta (Luís Inácio Oliveira), seguido de O declínio da narrativa (Isis Rost). Assim como os dois primeiros livrinhos, BOI vai sair também no formato digital.

“É claro que a gente quer publicar esses trabalhos no papel, mas por enquanto eles estão disponíveis de forma gratuita apenas virtualmente”, afirma Isis Rost, da editora Passagens, que já publicou, além das obras dessa coleção, quatro outros livros: Penúltima Página (Zema Ribeiro); O Risco do Berro – Torquato, neto, Morte e Loucura (Isis Rost), Vaia de Bebo Não Vale (Helen Lopes) e Ruminações – cultura e política (Flávio Reis), todos em 2019.

A capa de BOI foi feita a partir de um quadro do pintor Ciro Falcão, da geração de artistas plásticos maranhenses que começou a expor nos anos 1970. As outras páginas do livrinho trazem ilustrações, quadros e fotos de vários artistas nacionais e internacionais, entre eles Pablo Picasso, Cícero Dias, Aldemir Martins, Marcos Palhano, Ribamar Rocha, Militão dos Santos e J. Borges.

BOI

Livro de Celso Borges

Projeto gráfico de Isis Rost

56 páginas, editora Passagens

A partir do dia 20 de junho, disponível gratuitamente

No site da editora: https://editorapassagens.blogspot.com/

Categorias
notícia

Aldeia Tupinambá: cantador Humberto de Maracanã recebe homenagens em tributo ao bumba-meu-boi

Gravado no Estúdio Zabumba Records, em São Luís, o CD reúne grandes nomes da música brasileira, entre eles Chico César, Alcione, César Nascimento e Ribinha de Maracanã, além de Zeca Baleiro, que assina a produção musical do disco como percussionista Luiz Claudio Farias.

Em celebração à obra de Humberto de Maracanã quatro anos depois de sua morte, os filhos do cantador, Ribinha e Humberto, se juntaram ao músico e produtor Luiz Claudio e ao cantor e compositor Zeca Baleiro, para gravar um disco que homenageia a poesia do mestre e a rica história do Boi de Maracanã.

O CD tem participações de Alcione, Chico César, Fauzi Beydoun, Alê Muniz, Henrique Menezes, Ribão D’Oludo, Roberto Ricci, Guilherme Kastrup, César Nascimento, Zeca Baleiro, Pedro Cunha e André Magalhães, além dos vocais de Vange Milliet, NôStopa, Tata Fernandes, Simone Julian, Anna Cláudia e Célia Sampaio. As toadas foram gravadas entre outubro e novembro de 2019.

Aldeia Tupinambá – Tributo ao Bumba-meu-Boi de Maracanã tem a base de percussão (pandeirões, matracas e tambor-onça) gravada pelo batalhão de Maracanã. O trabalho será primeiro lançado nas plataformas digitais pelos selos Na Music (Belém) e Zabumba Records (São Luís). É a terceira parceria entre os dois selos, que anteriormente lançaram discos Resistência do Boi de Zabumba da Liberdade e Encantarias, de Luiz Claudio.

Humberto de Maracanã foi um dos maiores mestres da cultura popular do Maranhão. Dono de voz grave e poderosa e compositor de toadas que viraram clássico do bumba-meu-boi, o Guriatã deixou um legado que permanece vivo na comunidade, agora sob o comando de seus filhos e herdeiros de arte, Ribinha e Humberto Filho, e da viúva Maria José, presidente da Associação do Bumba-meu-Boi de Maracanã, que tomaram pra si a missão de levar adiante um dos mais tradicionais grupos do estado.

Os produtores do CD fizeram algumas mudanças na forma como as toadas são geralmente registradas em discos, mas também respeitaram determinados itens da tradição. “Fizemos questão, por exemplo, que os pandeirões usados fossem de couro, afinados na fogueira, e tocados de forma cadenciada nas gravações. Ultimamente a maioria dos bois vem utilizando mais os de pele sintética”, afirma Luiz Claudio.

No meio de algumas toadas foi retirada a base de graves dos pandeirões e deixados somente os agudos das matracas e maracás, criando efeitos e nuances interessantes. “Usamos Pedro Cunha com seus sintetizadores, samplers e pianos nas faixas de Alcione e Zeca Baleiro, dando um toque eletrônico/erudito. Já na faixa de minha autoria, O filme do Guriatã, chamei Guilherme Kastrup, produtor de Elza Soares no disco Mulher do Fim do Mundo, para colocar efeitos, samplers e programações eletrônicas sobre a voz de Alê Muniz.

A toada foi composta logo depois que Luiz Claudio viu, em 2019, o documentário de Renata Amaral sobre Humberto de Maracanã. Em uma das cenas, o Guriatã aparece andando no quintal de sua casa falando com seus guias. O produtor destaca também, entre outras participações do disco, as de Vange Milliet, Tata Fernandes, NôStopa e Simone Julian, que faziam parte das Orquídeas Negras, grupo que acompanhava o cantor paulistano Itamar Assunção.

Das 10 faixas do disco, cinco são de autoria de Humberto e as outras foram feitas em homenagem a ele. É o caso de Meu Guriatã (Roberto Ricci), Herdeiros do Guriatã  (Zeca Baleiro), O Filme do Guriatã (Luiz Claudio), Guriatã, a estrela que não se apaga (Henrique Menezes) e Batalhão de Ouro (Ribão D´Oludo).

Aldeia Tupinambá – Tributo ao Bumba-meu-Boi de Maracanã

Lançamento nas plataformas digitais: dia 24 de junho (das 22h até meia noite)

Repertório do Disco

A coroa ainda existe / No reinado está na coroa – Ribinha de Maracanã

Meu Guriatã – Roberto Ricci

Herdeiros do Guriatã – Zeca Baleiro

Pássaro Branco – Alcione

Sereia Linda de Cumã – Chico César

O filme do Guriatã – Alê Muniz

Vem trazendo a aurora – César Nascimento

Lua – Fauzi Beydoun

Guriatã – a estrela que não se apaga – Henrique Menezes

Batalhão de ouro – Ribão D’Oludo

Contatos

Zabumba Records – Luiz Claudio (5598) 98185 0684

Email: luizclaudio@pegadaproducoes.combr

Instagram: zabumbarecords/

Facebook: zabumbarecords

Youtube: Zabumba Records

Foto destacada / divulgação: Alcione e Zeca Baleiro interpretam toadas em homenagem a Humberto de Maracanã

Categorias
notícia

Josué Montello: memórias das trupiadas de bumba-meu-boi em São Luís

Fonte: Agenda Maranhão

Prenúncio dos festejos de São João, maio é o mês de recolhimento das chuvas grandes e aparição mais intensa do sol no Maranhão. Nessa época, na zona rural de São Luís e por toda a Baixada e no Litoral, os grupos de bumba-meu-boi intensificam os ensaios aquecendo os pandeirões com grandes fogueiras nas brincadeiras de sotaque da ilha, zabumba e costa de mão.

Esse tempo de preparação e festejo tem uma memorável passagem na obra “Os tambores de São Luís”, do escritor Josué Montello. No vídeo abaixo, o jornalista Ed Wilson Araújo interpreta um trecho do livro, tendo como cenário o Centro Histórico.

Os ensaios treinam as toadas e as trupiadas dos batalhões para se apresentarem nos arraiais. Uma cena emblemática se repete nesse tempo, nos sábados à noite, quando os homens desentocam dos povoados do interior da ilha de São Luís e caminham para os terreiros dos ensaios carregando suas matracas e pandeirões. As mulheres, chamadas mutucas, também seguem o ritual.

A festa em homenagem a São João, São Pedro e São Marçal tem seu esplendor em junho, mas tudo começa logo em abril, no Sábado de Aleluia, e aquece mesmo em maio, quando o sol seca a madeira e as fogueiras iluminam os quatro cantos da ilha onde o povo se reúne para bater matraca, esmurrar os pandeirões e entoar as famosas toadas.

Em 2020, com a pandemia, não teremos aglomerações. Os festejos juninos ficarão apenas nas nossas memórias e nas redes sociais. Mas no ano que vem, como sempre dizem as toadas, o boi volta a brincar.

Foto destacada capturada neste siteFacebookTwitterWhatsApp

Categorias
notícia

Paixões, varíola e machismo em São Luís, na novela “Maria Arcângela”, de Erasmo Dias

Ed Wilson Araújo

Organizado pelo poeta Nauro Machado, o livro “Erasmo Dias e Noites” reúne artigos, crônicas, contos, poemas e uma novela, “Maria Arcângela”, ambientada nos desdobramentos da epidemia de varíola ou “bexiga”, nos meados do século 19, quando São Luís vivenciou o isolamento social, quarentena, pânico e morte.

“Foi quando a peste chegou. A última varíola que assolou São Luís. Interditaram parte do Codozinho, pois lá estava o Isolamento, hospital para onde iam os bexigosos.” (DIAS, 2016, p. 358)

A novela se passa na fronteira entre a Belira, o Codozinho e a Madre Deus, onde transbordam variadas paixões : o gosto pela tiquira, os encantamentos por homens boêmios, morte em decorrência da peste, religiosidade, preconceito e a rivalidade entre grupos de bumba-meu-boi.

Sapateiro famoso, Mestre Quirino e sua mulher Rita criavam a filha Maria Arcângela na simplicidade do casebre construído em uma nesga de terra do novo bairro criado após uma ocupação eleitoreira na cidade. Pairava no ar o receio da varíola:

“Tudo foi indo num ramerrão do comum que entedia. O Mestre batendo sola, Rita sempre triste, com medo da invasão, dizia: Maria Arcângela crescendo, bonita, gordinha, mistura racial de homem de cor e mulher brancarana, e já mudando os dentes de leite.

Foi quando a peste chegou. A última varíola que assolou São Luís. Interditaram parte do Codozinho, pois lá estava o Isolamento, hospital para onde iam os bexigosos.

O pânico tomou conta da cidade. A pavorosa passava sem sirene, que não as havia, batendo e retinindo a campainha: era um a mais que ia para o recolhimento do Lira. As escolas todas fecharam. O governo reagiu com uma vacinação domiciliar e compulsória. Foram proibidas as reuniões. Enquanto, porém, a autoridade decretava as suas medidas de salvação pública, o povo, independente e liberto como o é, reagia ao seu modo. Pouco importava que o rabecão, derramando desinfetante, passasse dez vezes por dia, na rua do Passeio, levando os mortos, recolhidos nas residências. Quando o guarda sanitário saída, após a vacinação, a dona da casa dizia: “Vamos passar limão nessa porcaria, que isso é só pus. Credo, a doença dá em quem tem de dar”. Com medo da vizinhança, as famílias escondiam os doentes, argumentando: “O Lira, sim, só quem não sabe, é um matadouro! Da outra vez, vovó se tratou em casa e está a mesminha”. (DIAS, 2016, p. 358)

Observadas as temporalidades, o drama de Erasmo Dias ocorre no contexto da ocupação espacial da cidade, sempre pautada no discurso de que São Luís seria “moderna”, empurrando a pobreza para a periferia.

(Leia aqui artigo sobre a gripe espanhola e o advento da luz elétrica na capital do Maranhão, alusiva à obra “Os degraus do paraíso”, de Josué Montello).

Àquela época as autoridades sanitárias tomaram providências para impedir os sepultamentos no interior das igrejas, onde a convivência misturava os fiéis vivos e os mortos, objetivando ainda inibir a condução dos defuntos em caixões abertos durante os cortejos fúnebres pelas ruas.

Capa do livro Erasmo Dias e Noites, organizado pelo poeta Nauro Machado

Nas áreas cotadas para fazer um cemitério estava a localidade Gavião, hoje um dos tradicionais lugares de sepultamento em São Luís (veja a foto destacada, de Gaudêncio Cunha).

Então, o cemitério passou a ser um equipamento incorporado à ideia de higiene social adequada às medidas sanitárias modernizadoras.

Os conflitos na novela se dão com a descoberta de que Maria Arcângela, até então tida como filha de Rita e Mestre Quirino, na verdade era rebenta do glamuroso cantador de bumba meu boi Edinho. Assim conta Erasmo Dias, nas palavras do cachaceiro (apreciador de tiquira) Romualdo:

“Seu doutô, a finada Rita – a quem Deus a tenha – era do chifre furado. Brancarana bonita e de xandanga, como nunca eu vi. Que o Mestre não me ouça, lá onde todos os dois já estão, mas a pequena, a Maria Arcângela, não era filha dele; era filha do Edinho, que cantava como ninguém e sabia bater um pinho de fazer chorar.

[…]

– Doutô, lhe digo, sobre aquela conversa que as vez a gente fala da falecida Rita, veja como as coisas são: quando ela pegou a lixa lá na Belira, no outro dia Edinho pegou a peste aqui neste Codozinho, que hoje é uma cidade. Todos dois morreram no mesmo dia e na mesma hora.” (DIAS, 2016, p. 359)

A novela se passa nos bairros tradicionais de São Luís: Belira, Codozinho e Madre Deus

Viúvo de Rita, Mestre Quirino criava Maria Arcângela sem saber desse fato. Até que um dia Maria Arcângela aparece grávida. Por coincidência, o pai da criança era outro cantador de boi pelo qual ela se apaixonara perdidamente: Luizinho.

Uma das cenas mais chocantes da novela é a sessão de espancamento verbal e físico protagonizada por Mestre Quirino em sua (até então) filha Maria Arcângela, ao tomar conhecimento de que ela estava grávida e seria mãe solteira, “falada” no bairro inteiro.

A surra só não levou a nocaute a menina porque a velha parteira Nhá Maria Teresa adentrou no barraco arrotando a pura tiquira e flagrou a balbúrdia. Tentando impedir a sessão de violência, durante a discussão com o irado Quirino, ela revelou aquilo que nos bastidores toda a vizinhança já sabia – Maria Arcângela era filha de outro homem, o boieiro Edinho.

Ao saber da traição, Mestre Quirino teve até uma congestão e morreu babando de ódio.

Além do machismo, a religiosidade e o misticismo compõem a trama, como o hábito de passar limão no local da vacina para evitar o pus, registrado nesse trecho:

“A peste se alastrava. Mestre Quirino se vacinou, vacinou a filha e a mulher.

Rita não acreditava, passou limão nas incisões do braço. Dias depois, o febrão, o delírio, a denúncia da vizinhança e dizem que ela morreu de bexiga-lixa, lá no Isolamento, cheia de tantas e dolorosas pústulas, que, nuazinha, rendeu a alma, posta sobre folhas verdes de bananeiras, já que plásticos em aqueles tempos não havia.” (DIAS, 2016, p. 358-359)

Se o limão não resolvesse, a fé ajudava. As procissões em honra a São Sebastião davam o tom do fanatismo religioso:

“A varíola declinou. Nas ruas do subúrbio, ainda que proibidas as reuniões, já não se encontravam os grupos de penitentes, com velas acessas e uma imagem pequenina do Santo, cantando medievalescamente, tomados de fé, as coplas que arrepiavam de um a todos:

Oh mártir de Cristo,
Meu Santo Varão,
Livrai-me da peste
Meu glorioso mártir
Meu São Sebastião”.

Toda a novela é cerzida pela representatividade da cultura popular enaltecida nas brincadeiras de bumba meu boi. Nesse folguedo, o destino de duas mulheres se encontra – a mãe Rita e a filha Maria Arcângela, tocadas pelo feitiço boêmio dos cantadores Edinho e Luizinho.

Parte da novela, nas entrelinhas, aborda as normas sanitárias impulsionadoras do progresso de São Luís. As periferias cresciam como uma espécie de “higienização” do tecido urbano já em meados do século 19, traduzida na hipótese de uma cidade supostamente mais saudável aos seus moradores.

Novamente, a promessa de São Luís “moderna” desfila no terreno da ficção.

Afinal, quando seremos Paris?

Leia mais sobre a promessa de modernidade em São Luís.

Imagem destacada / cemitério do Gavião / Gaudêncio Cunha.