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Lixão de Barreirinhas contrasta as belezas naturais dos Lençóis Maranhenses

Ed Wilson Araújo

O luxo.

Uma rápida folheada no cardápio de um dos restaurantes de médio padrão na orla de Atins, o point do turismo sofisticado de Barreirinhas, revela preços estratosféricos de bebidas e alimentos. Uma cerveja de 350ml (long neck) é 20,00; uma porção de pastel sai por 70,00; e um prato para quatro pessoas chega a 675,00. Para sentar e consumir, ao som de música ao vivo, o couvert custa 30,00. Nesse pedaço de paraíso tropical localizado nos Lençóis Maranhenses, algumas diárias de hotéis chegam a R$ 5.000,00.

Esse lugar onde circula muito dinheiro também produz demasiado lixo nas pousadas, resorts, bares e restaurantes. Tudo é transportado em tratores e caminhonetes para a sede do município de Barreirinhas, a 256 Km de São Luís. Em julho de 2024, o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses recebeu o título de Patrimônio Natural da Humanidade, concedido pela Unesco.

O inferno.

Diariamente, às 5h30min da manhã, um velho caminhão pau de arara leva um grupo de catadores para o lixão da cidade, uma área de aproximadamente três hectares, degradada, às margens da rodovia MA-225, próximo ao povoado Sobradinho. Eles trabalham entre urubus, calor extenuante, fumaça tóxica asfixiante, contaminantes químicos, odores diversos, carniças disputadas por cachorros esqueléticos, ratos, baratas e moscas aos montes, correndo ainda o risco de serem atingidos por incêndio.

Sem licença ambiental, a Prefeitura de Barreirinhas despeja diariamente 80 toneladas de resíduos na margem da MA-225, segundo a Secretaria Municipal do Meio Ambente.

Transporte precário conduz catadores ao trabalho. Imagem: Ed Wilson Araújo

Sentada no monturo de sacos pretos e outros de variadas colorações, uma mulher forte faz várias operações simultâneas: maneja uma pequena faca e corta as embalagens, espanta a nuvem de moscas no seu rosto e revira tudo à cata das coisas de valor. A alma do capitalismo espalha-se sobre a montanha de resíduos, onde os objetos recicláveis viram mercadoria com preços diferenciados: garrafas pet, plástico filme, latas de bebidas, cobre, papelão, embalagens de papel, alumínio e ferro.

Os primeiros registros sobre o lixão datam de 2004, segundo a pesquisa de Fernanda Maria da Costa Lindoso, graduada em Ciências Biológicas pelo Instituto Federal do Maranhão (IFMA) em Barreirinhas. O depósito de resíduos a céu aberto ficava nas proximidades do Hospital Regional e dos bairros Vila Canaã, Cidade Nova e Residencial Mundico Cosme e era conhecido como “Lixão da Cidade Nova”, objeto de conflitos com moradores devido à fumaça tóxica, moscas, odores e contaminação do solo e da água.

À época, um relatório técnico emitido por pesquisadores do IFMA, após avaliar a qualidade da água dos poços da Vila Canaã, registrou um dado alarmante: “85% das amostras coletadas na estação seca e na estação chuvosa apresentaram contaminação por coliformes totais e todas as amostras que apresentaram contaminação por coliformes também apresentaram contaminação por coliformes fecais”, constatando o perigo de consumo para a saúde humana, atestaram a doutora em Biologia Vegetal Éville Karina Maciel Delgado Ribeiro Novaes e o químico industrial Carlos Augusto Gomes Soares.

VIDA “SOFRIDEIRA”

Em 2022, houve a transferência dos resíduos para o terreno marginal à rodovia MA-225, a cerca de 25Km do Centro de Barreirinhas. No novo depósito não há moradias nem equipamentos públicos nas proximidades, mas a área degradada é flagrante crime ambiental, previsto na Lei 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, determinando a extinção dos lixões até 2014.

Cerca de 30 famílias trabalham no local. O rosto coberto de fuligem, entre as rugas profundas, guarda as marcas do tempo de serviço de Sebastião Nunes Pereira, o Tião da Reciclagem. Ele explicou que atua no ramo há cerca de 20 anos, desde o lixão de Tutoia, cidade localizada a 70 Km de Barreirinhas. Hoje, além de catador, é sucateiro. Há quatro anos comprou uma caminhonete e passou a empreender – adquire no lixão e vende para os “patrões”, como são denominados os compradores de maior porte. “A nossa vida é sofrideira. Se não trabalhar, não vai”, definiu. A sua esposa, Maria dos Reis, tem 28 anos na reciclagem. “Sou fundadora do lixão de Tutóia, mas aqui em Barreirinhas o lixo dá melhor, tem mais renda”, enfatizou.

Tião da Reciclagem começou a reciclar no lixão de Tutóia. Foto: Ed Wilson Araújo

A jovem Letícia Silva, de 24 anos, afirma estar no lixão desde criança, trabalhando com o seu pai no antigo depósito de resíduos da Cidade Nova. “Aqui é bom, mas cansativo, por causa do sol e da fumaça”, enfatizou. Perguntada sobre o futuro, disse que deseja fazer curso de Fisioterapia para cuidar das pessoas.

Antônio Pereira da Silva tem 40 anos de idade e considera-se um dos fundadores do “novo” lixão, em 2022, à margem da MA-225. A sua esposa, Bernadete Feitosa, de 49 anos, foi junto. O casal tem uma renda média de R$ 4.000,00 com a reciclagem.

Nenhum dos catadores usa EPI (Equipamento de Proteção Individual). Todos manejam pequenas facas para cortar os sacos que chegam despejados pelas caçambas e caminhões de coleta. A triagem é rústica. Consiste em ir para dentro do monturo, revirar os sacos e separar os recicláveis. “A gente aqui faz a limpeza”, explica Feitosa.

O Maranhão tem 217 municípios e apenas um aterro sanitário – o Titara. Localizado em Rosário, a 75 Km de São Luís, foi implantado em 2015 e recebe os resíduos coletados de apenas 17 cidades, segundo a Agência Executiva Metropolitana (Agem). As demais, incluindo Barreirinhas, utilizam lixões a céu aberto, em desobediência à Política Federal de Saneamento Básico, instituída pela Lei nº 11.445/2007, complementada pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010), atualizada pelo Marco Legal do Saneamento (Lei nº 14.026/2020).

Em seu conjunto, as legislações recomendam uma série de medidas para o tratamento dos resíduos sólidos em ambientes adequados (evitando danos ambientais), a valorização da profissão de catador de materiais recicláveis e a extinção dos lixões.

Apesar de sofrer discriminação pelo tipo do trabalho, Bernadete Feitosa conta que tem uma vida digna. Com ela e o marido – detalha – outros familiares também vivem da reciclagem: mãe, irmã, sobrinha e cunhados. “Eu comprei um terreno, fiz o muro, construí a minha casa e tenho moto. Tudo do lixão. Se eu tivesse outro serviço não tinha certeza de conquistar essas coisas”, comparou.

REVÓLVER, DINHEIRO E FETO

Quando o sol e a fumaça pesam sobre os corpos exaustos, os catadores buscam abrigo em um barraco improvisado, rodeado de sacos gigantes abarrotados de garrafas pet. É o momento da resenha, do café e da contação das histórias sobre a vida no lixão e os achados inusitados.

A narradora Bernadete Feitosa comanda o fio da conversa, entrecortada pelos outros participantes, revelando fatos diversos. Relatam que certa vez um conhecido político de Barreirinhas chegou desesperado para encontrar um revólver de cabo dourado que estava enrolado em um plástico e foi colocado no lixo da casa dele por engano, pela faxineira. Contam ainda sobre 5 mil reais encontrados em uma caixa de peixe seco. Os donos do dinheiro estariam bebendo em um bar e deixaram a caixa de papelão na calçada, distraídos, quando o caminhão da limpeza passou e recolheu.

Bernardete e Antônio: casa, roupas e motocicleta conquistados no lixão. Foto: Ed Wilson Araújo

Outros ditos dão conta dos achados de R$ 200,00 em uma carteira porta-cédulas e 475,00 em um envelope utilizado para fazer depósito bancário. “O Deus nos acuda mesmo aconteceu no dia que encontraram um feto no lixão. Era polícia para todo lado, um desespero. O corpo ainda estava molinho. Uma tristeza essa tragédia”, confessa Feitosa.

Os catadores, por outro lado, celebram a coleta de objetos de uso pessoal descartados ainda em boas condições de uso, como bolsas, calças, bermudas, sapatos, tênis, sandálias e até aparelhos celulares. “Tudo que eu visto tiro daqui. As minhas roupas de cama também, porque nós recebe doação de enxovais usados das pousadas e hotéis”, mencionou Maria José da Silva, registrando ainda as cestas básicas fornecidas pelos eventos de trilha e rally nos Lençóis Maranhenses.

MUNICÍPIO DESCUMPRIU DECISÃO JUDICIAL

A transferência do depósito de resíduos da área urbana para a margem da MA-225 ocorreu em meio aos protestos de moradores, de iniciativas do Ministério Público (MP) e condenação do município em decisão judicial. Os trâmites remetem ao ano de 2014, quando o Promotor de Proteção ao Meio Ambiente, Urbanismo e Patrimônio Cultural de Barreirinhas instaurou Inquérito Civil para apurar o cumprimento do artigo 54 da Lei nº 12.305/2010 (Política Nacional de Resíduos Sólidos), que proíbe a destinação ou disposição final de resíduos sólidos ou rejeitos in natura a céu aberto, estabelecendo o prazo de quatro anos (2014) para a extinção dos lixões.

Já em 2018, a Promotoria de Justiça de Barreirinhas instaurou o Inquérito Civil nº 001347-018/2018 com o objetivo de apurar as providências.

Respondendo ao MP, o Município de Barreirinhas informou que realizou o Processo Licitatório nº 008-3766/2013 e contratou a empresa Gestão Ambiental de Projetos e Consultoria Ltda para conduzir a implantação do Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB), efetivado na Lei nº 765, de 07/12/2017. Sobre o despejo dos resíduos a céu aberto, informou que estava realizando a contenção do lixão existente no povoado Santa Cruz e que seria transferido para o Aterro Sanitário, a ser localizado após a comunidade Passagem do Castro.

Apesar das justificativas apresentadas ao MP, a Prefeitura de Barreirinhas não cumpriu a Lei nº 12.305/2010, que mandava extinguir os lixões até 2014. 

Em 2019 o Ministério Público ingressou com uma Ação Civil Pública (ACP) contra o município, requerendo a imediata interrupção do despejo irregular de resíduos sólidos a céu aberto e a construção de Aterro Sanitário, com prazo de implantação em até quatro anos (2023). O município não acatou o Parket, que ajuizou junto ao Tribunal de Justiça para obrigar a gestão municipal a fazer a destinação adequada dos resíduos.

A Justiça julgou procedente o pedido do Ministério Público, condenando o Município de Barreirinhas a:

– Adequar a destinação dos resíduos sólidos conforme os padrões técnicos e sanitários da Lei nº 12.305/2010, no prazo de até 24 meses;

– Encaminhar ao Ministério Público, após 120 dias da intimação, o projeto e cronograma para a execução da medida;

– Prestar contas mensalmente ao Ministério Público sobre o cumprimento do cronograma;

– Prever os recursos financeiros necessários no orçamento municipal a partir de 2022.

O município descumpriu a decisão. Em sua defesa, a gestão alegou ausência de área licenciada para fazer o descarte e solicitou prazo de 120 dias aprovar um projeto de lei na Câmara dos Vereadores, bem como realizar uma licitação para construir uma usina de tratamento dos resíduos, mas nenhuma das medidas foi cumprida.

Ao fim, o Lixão da Cidade Nova foi desativado e o destino final dos resíduos sólidos passou a ser o novo depósito a céu aberto à margem da MA-225.

No entanto, o aterro sanitário está previsto no Plano Municipal de Saneamento Básico (Lei nº 765, de 07/12/2017), constando, na Seção III, a “Adoção do aterro sanitário enquanto solução tecnológica de destinação final dos rejeitos, com sua vida útil de até 20 anos”.

PROBLEMAS E SOLUÇÕES

O documento “Diagnóstico situacional: Inclusão Socioprodutiva de Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis do Estado do Maranhão”, produzido pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) no Maranhão, no âmbito do Programa Pró-Catadores (PPC), apresenta uma série de indicadores sobre a cadeia produtiva dos resíduos sólidos em 16 cidades do Maranhão, incluindo Barreirinhas.

Segundo o levantamento, a situação dos trabalhadores nos lixões configura violação de direitos em ambientes insalubres, sem uso dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), submetidos a riscos de acidentes com materiais perfurocortantes, ameaças de contrair doenças de pele ou intoxicação por substâncias químicas e fumaça tóxica, constante exposição a resíduos contaminantes e altas temperaturas geradas pela queima dos rejeitos.

O documento aponta ainda a falta de reconhecimento institucional. “Apesar da sua importância, os catadores ainda são pouco valorizados pelas políticas públicas e pela sociedade, o que limita o acesso aos programas de apoio e financiamento”, explica o diagnóstico.

Entre as 16 cidades mapeadas pelo Sebrae, Barreirinhas figura com médias baixas em quase todos os itens. Embora tenha elaborado o Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (ver página 7 no link), o município não implantou o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) para os catadores, item obrigatório da legislação. Outro dispositivo ausente é o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), destinado a evitar danos corporais e acidentes com os catadores nos ambientes insalubres e precários.

CATADORES ORGANIZADOS

Egresso do lixão, outro grupo trabalha de forma organizada na Associação dos Catadores e Catadoras de Barreirinhas (ACCB), o Shopping da Reciclagem, localizado em um galpão na área urbana da cidade, equipado com máquina de prensa e balança fornecidos pelo Governo do Estado e utilizados para compactar e pesar os recicláveis.

Ex-catadores do lixão migraram para o Shopping da Reciclagem. Foto: Ed Wilson Araújo

O Shopping da Reciclagem recolhe os materiais (garrafas plásticas, papelão e latas de bebidas) com uma triagem prévia dos parceiros do comércio e da hotelaria. “No galpão somos cinco catadores. Toda a renda da associação é dividida e vendemos para os compradores que dão o maior preço. O mercado de resíduo sólido é muito procurado”, esclareceu a vice-presidenta da associação, Josélia Reis.

A Prefeitura de Barreirinhas paga o aluguel e a manutenção do galpão. Fornece também o caminhão para o transporte dos resídios.

Criada em 2018, a entidade tem 32 filiados e registro no CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas). Recentemente, criou o “selo verde” com a identificação “esse estabelecimento tem compromisso com a sustentabilidade”, distinção utilizada para valorizar e estimular as parcerias que fornecem os resíduos.

O secretário municipal de Meio Ambiente de Barreirinhas, Ronald Augusto Sousa Rocha, o Ronin, explica que o Shopping da Reciclagem serve como referência para retirar os catadores do lixão. “O objetivo da prefeitura é concentrar todos os catadores no galpão, transformar o lixão em área de transbordo e transferir os resíduos para o aterro sanitário de Titara”, detalhou.

Até agosto de 2025 o município recebeu cerca de 250 mil turistas, mas a gestão ainda não implantou a coleta seletiva, informou o secretário.

MAIS TURISMO, MENOS SANEAMENTO

Para o doutorando em Geografia Humana pela USP e membro do Lepeng (Laboratório de Extensão, Pesquisa e Ensino de Geografia), da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Giovanny Castro, “o crescimento populacional e o avanço do turismo transformaram Barreirinhas, porta de entrada do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, em um retrato das contradições brasileiras”. Com base no IBGE, ele detalha que entre 1993 e 2022 a população do município aumentou 251%, saltando de 18,6 mil para 65,5 mil habitantes.

O pesquisador interpreta a situação como um exemplo de expansão do turismo sem planejamento e políticas públicas eficazes, acentuando desigualdades com a degradação de áreas ecologicamente sensíveis, em desobediência à Política Nacional dos Resíduos Sólidos.

Área do novo lixão de Barreirinhas tem fogo e fumaça permanantes. Imagem: Giovanny Castro

“Barreirinhas ainda não conta com rede de esgoto e destina seus resíduos a céu aberto. Novos empreendimentos como pousadas, resorts e hotéis sobrecarregaram uma estrutura já frágil”, enfatizou.

O conflito entre a localização de lixões e a resistência das populações adjacentes revela o fenômeno conhecido como “nimby”, iniciais de not in my backyard (“não no meu quintal”), utilizada para repudiar instalações predatórias e insalubres em vizinhanças de moradias urbanas ou do campo.

O acúmulo de resíduos a céu aberto também contamina o solo e as águas subterrâneas pela produção de “chorume” – o líquido oriundo da decomposição da matéria orgânica, de grande potencial poluidor.

ALTERNATIVAS AOS LIXÕES

Uma das formas de amenizar o destino final dos resíduos está em curso por meio da Secretaria de Estado do Trabalho e Economia Solidária (Setres), que pretende implantar 11 Centros de Triagem e Reciclagem (CTR) no Maranhão. “O equipamento terá um galpão de 1050 metros quadrados, veículos elétricos para fazer a coleta, esteira seletiva, triturador, prensas hidráulicas para papel, plástico e alumínio e balanças digitais de precisão. O investimento total é de R$ 25 milhões, com recursos oriundos do governo federal, através do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento)”, explica o titular da Setres Luiz Henrique Lula.

Os CTRs têm parceria do Sebrae, através do Programa Pró-Catadores, responsável pela capacitação em planejamento e gestão de negócios, marketing e logística, com o propósito de ensinar os beneficiários a precificar os produtos e administrar os empreendimentos.

Barreirinhas é uma das cidades programadas para receber um dos 11 CTRs. “Eu já encaminhei a documentação de um terreno específico, no local onde funcionava o antigo lixão, na Cidade Nova”, enumerou Ronald Rocha (Ronin). Ele acrescentou que outras medidas como a implantação de um ecoponto no povoado Santo Inácio (próximo de Atins) e de miniecopontos nas escolas municipais estão nos planos da prefeitura.

Segundo a Setres e a Sema de Barreirinhas, o objetivo comum é tirar os catadores dos lixões, qualificá-los para operar no circuito empreendedor dos recicláveis e fechar os depósitos de resíduos a céu aberto.

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Os “espíritos” dos Lençóis Maranhenses

Encantaria a gente não vê, mas sente!

As energias boas estão nas águas, nas coisas verdes, nos ventos, na escuridão e nas luzes que brotam do céu.

É a força de Deus, o maior dos ambientalistas.

Ele ensina a preservar a natureza para nos dar força e paz.

< Comunidade Bar da Hora, em Barreirinhas, entre o Farol de Mandacaru e Atins, nos Lençóis Maranhenses >

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Bar da Hora: um ‘oásis’ nos Lençóis Maranhenses

Ed Wilson Araújo

A uma hora e meia de Barreirinhas, navegando pelo rio Preguiças, tem um povoado charmoso, acolhedor e rodeado de encantarias.

Contam os moradores que nos tempos antigos havia ali uma quitanda funcionando noite e dia. Quando os pescadores precisavam de mantimentos, encostavam para abastecer as embarcações antes de encarar o mar aberto. E como o estabelecimento era full time, batizaram de Bar da Hora.

O nome faz jus também a uma gíria maranhense utilizada para qualificar situações fáceis de agilizar ou resolver. Dizer que alguém ou um lugar é “da hora” significa solução, vibrações positivas, coisa boa…

Bondade é pouco para descrever o povoado e a sua hospitalidade. O lugarejo tranquilo está localizado no território de Atins, mas preservado das pousadas sofisticadas e ressorts caríssimos.

As acomodações em Bar da Hora têm preços justos, adaptados ao bolso do visitante em busca de paz, alimentação saudável e boas práticas do Turismo de Base Comunitária (TBC).

Na pousada Ingapura, o único “corre” é feito por Renato Amorim, o cara que resolve os passeios de barco e cuida de muitos afazeres, além de bater papo sobre as curiosidades do lugar e da vida em geral, compartilhados também por Patrícia Nunes, que prepara um delicioso café da manhã servido na varanda com vista para o rio Preguiças.

Ela ainda utiliza as sobras dos alimentos na compostagem, gerando adubo orgânico.

Patricia explica como os restos de alimentos orgânicos viram adubo. Imagens: Ed Wilson Araújo. Edição: Roberto Carvalho

O QUE FAZER?

Bar da Hora tem cerca de 100 casas e 600 moradores sem pressa de “crescer” na lógica do turismo “industrial”. A sobrevivência gira em torno da pesca artesanal, pequeno comércio, cultura ancestral e sustentável. É um lugar para compartilhar os saberes e as práticas de vida dos pescadores, artesãos, ambientalistas e idealizadores de arranjos produtivos – agora denominados empreendedores.

Uma das opções é o Passeio pelos Quintais Produtivos, guiado por Jamerson Lindoso Pereira pelas ruas de areia fofa e terreiros, apreciando a vida simples e os experimentos sustentáveis.

O guia Jamerson, com o filho Francisco, explica o funcionamento do escambo e da compostagem aproveitando sobras de alimentos verdes

A primeira parada é na Casa Novo Horizonte, onde mora o guia Jamerson Pereira. Ele detalha a filosofia do TBC, as práticas de escambo (troca de produtos orgânicos e mantimentos) entre os moradores e a produção de adubo a partir de biodigestor. A compostagem feita com sobras de alimentos (folhagens e cascas de ovo) em uma caixa d’água é outro atrativo especial, bem como a produção de biofertilizante com aproveitamento do esgoto doméstico.

Já no restaurante Grelhado é possível conhecer o biodigestor à base de esterco de gado transformado em adubo orgânico, utilizado na horta que fornece verduras fresquinhas para temperar os alimentos. Além disso, o gás do biodigestor alimenta os fogões na cozinha.

Neuza comemora os resultados do biodigestor: adubo para a horta e gás na cozinha. Imagens: Ed Wilson Araújo. Edição: Roberto Carvalho

Outra experiência sustentável é a fábrica de vassouras cerzidas com garrafas pet, iniciativa de um coletivo de mulheres pescadoras. Elas recebem doações e recolhem as pets no mar. Com uma técnica simples, transformam aquilo que seria lixo em fonte de renda. O galpão da fábrica foi construído em regime de mutirão e as próprias mulheres meteram a mão na massa, enfatizam Ângela Maria Silva e Elciane Santos, responsáveis pelo empreendimento.

Garrafas de plástico viram vassouras, geram trabalho e renda. Imagens: Ed Wilson Araújo

A fábrica, o aproveitamento dos resíduos sólidos e a produção de adubo no biodigestor tiveram apoio e parceria do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e da Setres (Secretaria de Estado do Trabalho e Economia Solidária) em treinamentos e plano de negócios. As vassouras são vendidas por R$ 25,00 cada.

Mineiros, morando em Santa Catarina, o casal Luana e Leonardo, acompanhados da versátil filha Lavínia, de seis anos, chegaram ao Bar da Hora em busca de vivências e interações com as coisas simples da vida, distintas do turismo badalado.

“Estar no povoado Bar da Hora nos possibilitou adentrar a cultura local e conhecer além das belezas naturais do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses. O local é permeado de calor humano, simplicidade e uma beleza surreal. A gente se desconecta de cronos para vivenciar o ritmo do sol, da lua, das marés… Eu desejo que a comunidade local se mantenha firme no modelo de TBC, seja visto pelo poder público e amparado nas suas necessidades sem perder sua essência”, resume Luana.

Jordana, Patricia, Leonardo, Lavínia e Luana: viagem e afetos. Foto: Ed Wilson Araújo

Se o visitante quiser fazer uma caminhada hard, vale encarar o percurso até o vizinho povoado Mandacaru, e, depois da trilha, se tiver fôlego, pode encarar a subida dos muitos degraus do farol e ter uma recompensa: contemplar a vista deslumbrante de uma parte preciosa dos Lençóis Maranhenses.

Fique ligado no horário. O Farol do Mandacaru é aberto à visitação somente até 17h.

CULINÁRIA RAIZ

Para comer bem, a preços justos, Bar da Hora oferece três restaurantes. No “Panela Cheia”, pilotado por Ernestina Gomes de Oliveira, vale experimentar arroz de cuxá e peixe grelhado. Depois, sobremesas de doce de caju ou banana.

Cuxá, iguaria típica da culinária dos povos originários, é feito com vinagreira (hibisco), gergelim, camarão seco e outros temperos regionais.

Na casa, recomenda-se a visada para a arquitetura da mureta, utilizando garrafas de vidro no complemento da alvenaria.

Em Bar da Hora é possível observar também as ações do governo federal chegando nos lugares mais remotos. Olhando o futuro, o empreendimento de Ernestina Oliveira estuda opções de financiamento do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) para construir uma pousada.

O restaurante “Grelhado” tem também dois quartos de hospedagem. O visitante pode apreciar a horta viçosa antes de saborear um arroz de couve com peixe frito, tomar um café “da hora” e descansar no redário sob um barracão de palha ventilado pela brisa do rio Preguiças.

Adubada pelo biodigestor, a horta de Neuza abastece a cozinha do restaurante. Foto: Ed Wilson Araújo

O negócio completou 10 anos, administrado por Neuza Oliveira Pires. Antes, ela trabalhava como pescadora e cozinheira, durante seis anos, em bares do balneário Caburé, do outro lado do rio Preguiças.

Ela conta que os turistas passavam direto de Barreirinhas para Atins, mas aos poucos os moradores de Bar da Hora foram buscando parcerias com as agências, o Sebrae, a Embrapa e o Curso de Turismo da UFMA, através da professora Monica de Nazaré Araújo, uma referência em TBC.

“Pedrão” guarda a sete chaves a magia do “licor” de gengibre. Foto: Ed Wilson Araújo

A “Toca do Caranguejo”, administrada pela família de Pedro Pires dos Santos, o Pedrão, oferece um delicioso camarão frito ao alho e óleo. Se der mais sorte, o cliente pode saborear o prato no meio da rua, com os pés na areia branca, em noite de lua cheia, batendo um papo com o dono do estabelecimento.

LUGAR DE ENCANTARIAS

Pedrão tem 50 anos de idade e várias profissões: pedreiro, carpinteiro, eletricista, encanador, pintor, mestre de obras, pescador e cozinheiro.

Ele aprendeu algumas artes da culinária com o lendário e memorável “Paturi”, um dos pioneiros do turismo em Barreirinhas.

Depois do camarão, Pedrão oferece uma deliciosa bebida à base de gengibre, que diz ter poderes especiais, mas a receita é guardada em absoluto segredo.

Além da beberagem mágica, Bar da Hora guarda outros mistérios, como a morraria encantada em formato de cabeça de cuia, visada do outro lado do rio. “O encantado é uma força”, sintetiza o guia Jamerson Lindoso.

A noite em Bar da Hora é um convite ao bate papo sobre as estórias do lugar. Foto: Ed Wilson Araújo

RECONHECIMENTO NACIONAL

Pelo conjunto da obra, em 2024 o Bar da Hora ganhou o Prêmio Braztoa de Sustentabilidade, concedido pela Associação Brasileira das Operadoras de Turismo, um dos mais importantes do setor, em reconhecimento ao trabalho coletivo dos moradores e empreendedores do povoado.

As conquistas foram viabilizadas também pela organização local, desde 2008, através da Associação de Moradores, Pescadores e Pescadoras do Bar da Hora, atualmente presidida por Neuza Oliveira Pires, proprietária do restaurante e pousada Grelhado.

A comunidade também administra o Fundo do Turismo, recurso coletivo e compartilhado para investimentos nas práticas de sustentabilidade no povoado.

Sentado em um banquinho de madeira, no fim de tarde, à margem do rio Preguiças, um homem velho olha o mar. Grisalho, de pele queimada e rugas cavadas entre as sobrancelhas, aprecia com tranquilidade o vai e vem de lanchas motorizadas velozes, indo e vindo, transportando turistas entre a sede do município de Barreirinhas e o badalado point de Atins.

Quando perguntado sobre as coisas do lugar, resumiu: “Siô, o Bar da Hora é outra estória”

COMO CHEGAR

São Luís – Barreirinhas

Carro (em média 3 horas e meia de viagem)

Ônibus: Terminal Rodoviário de São Luís: empresas Guanabara ou Cisne Branco (em média 5 horas de viagem)

Van e microônibus: diversas opções e horários de traslado

Barreirinhas – Bar da Hora

Lancha (voadeira): em média 1 hora e meia de viagem (reservar com antecedência os dias e horários)

Carro tração 4 x 4: Toyota do Caju (contato: 98 – 99147 5541)

Veja aqui todas as opções de hospedagem, transporte e mais detalhes sobre o Bar da Hora

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Monocultura do eucalipto já ameaça o território de Barreirinhas, nos Lençóis Maranhenses

Texto e imagens: Ed Wilson Araújo / Produção: James Barros

Firmino Conceição, 53 anos, caminha rápido na trilha onde havia um córrego, no povoado onde nasceu e vive até hoje. Ele fala com saudade dos tempos da fartura de água na chapada. Num gesto ligeiro, junta um graveto do chão e detalha a cena do passado, futucando o leito seco do riacho. “Quando eu me entendi aqui era bacana. Eu vinha pescar com meu facão reparando o sarapó debaixo da capemba. Aí levava para os meus filhos comer. E agora não tem água, viu.”, lamentou.

Capemba ou caçamba é um tipo de palma larga de palmeiras ou coqueiros. Quando despenca do tronco e cai no chão, serve de esconderijo para os peixes no alagado. O povoado de Firmino Conceição, denominado Mendes, fica no município de Belágua.

O eucalipto secou o riacho onde Firmino pescava

Antes da construção da moderna rodovia MA-402, interligando São Luís ao Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses e à Rota das Emoções, o acesso a esta região era feito pela antiga estrada MA-225, que conecta Barreirinhas ao Baixo Parnaíba, à altura de São Benedito do Rio Preto e Urbano Santos.

Esquecida, a MA-225 ainda é uma estrada de chão, tem 87 Km de areia, piçarra e barro, atravessa riachos, córregos, brejos e proporciona um exuberante visual do cerrado maranhense. Mas, essa paisagem muda na fronteira entre Barreirinhas e Urbano Santos, vizinho de Belágua. Nesse município já é visível a destruição da biodiversidade pelas grandes fazendas de eucalipto.

James Barros dá o mapa do eucalipto no cerrado

No povoado Mendes, cercado das extensas plantações de eucalipto, estão algumas nascentes do rio Jacu, um dos afluentes do rio Preguiças, que banha o município de Barreirinhas, famoso destino de turistas do mundo inteiro.

Quando chove, a esperança de água vira um tormento porque a devastação da cobertura vegetal do cerrado para o plantio do eucalipto solta a terra e o entulho do desmatamento que, arrastados pela enxurrada, acabam assoreando os mananciais. No quintal da casa de Jocemildo Rocha, 31 anos, a situação é desoladora. “Essa areia vem da chapada”, explica, apontando para o riacho morto pelo assoreamento. Sem os córregos, não há peixes, caça e nem aves, provocando não só um desequilíbrio ambiental como a escassez de alimentos para as comunidades.

Os “desertos” de eucalipto entre Barreirinhas e Humberto de Campos

Ele se refere aos “gaúchos” genericamente para identificar os fazendeiros ou empresas do agronegócio. Por razões de segurança, a reportagem não abordou funcionários nas sedes das fazendas que servem de base ao plantio de eucalipto para entrevistá-los, seguindo o critério de pluralidade de fontes na produção jornalística.

“A gente conviver com os gaúchos aqui é complicado. Todas as colheitas que eles fazem, o impacto vem parar sobre nós. A gente não pode tirar sequer uma vareta de pescar na plantação deles, mas eles podem vir na região da gente e fazer isso que vocês tão vendo ó: morte para os nossos rios, morte das plantas, morte dos peixes e nós somos obrigados a conviver com isso porque os nossos governantes não têm capacidade de chegar junto para nos ajudar. Deixam a gente a Deus dará”, resumiu.

Para Jocemildo Rocha, “só resta a tristeza”

Responsabilidades compartilhadas

Se para o presidente Jair Bolsonaro (PL) Deus está acima de todos, o agronegócio atropela tudo, até os lugares sagrados da natureza. O conjunto de ações e medidas do governo federal estimula a violência no campo através do uso de agrotóxicos em larga escala, do desmonte dos órgãos ambientais, incitamento ao armamentismo, esvaziamento das instituições de pesquisa e do ódio contra ambientalistas, índios, quilombolas e negros.

Já no âmbito estadual, na gestão do governador Flávio Dino (PSB), o ponto crítico está localizado nas licenças ambientais expedidas pela Sema (Secretaria de Estado do Meio Ambiente), que viabilizam a expansão da monocultura com impactos degradantes sobre as comunidades tradicionais. O Maranhão ocupa o segundo lugar no ranking dos conflitos agrários no Brasil e é o campeão de mortes no campo, segundo o relatório da CPT (Comissão Pastoral da Terra) em 2021.

Esse contexto motivou uma ação ajuizada pela Defensoria Pública do Estado (DPE), Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras do Estado do Maranhão (Fetaema) e Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), contra o Estado do Maranhão, pedindo a suspensão das licenças ambientais não precedidas de consulta junto aos moradores dos territórios afetados.

Em decisão liminar, o juiz titular da Vara de Interesses Difusos e Coletivos, Douglas de Melo Martins, acatou o pedido. O magistrado suspendeu os licenciamentos até que as comunidades sejam ouvidas. A liminar tem como base a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que determina a consulta prévia, livre e informada para que os povos e comunidades tradicionais se posicionem diante de ações sobre os seus territórios.

O defensor público e professor de Direito da Universidade Estadual do Maranhão (Uema), Jean Carlos Nunes Pereira, entrevistado na Agência Tambor, computou vários mecanismos e instâncias de proteção e segurança jurídica no contexto dos conflitos no campo. O Maranhão tem uma Vara Agrária, no Tribunal de Justiça; uma Promotoria Especializada em Conflitos Agrários, no Ministério Público; o Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado; e a Coecv (Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade), vinculada ao Governo do Estado.

No entanto, ponderou o defensor, as medidas em curso são “reativas”; ou seja, ocorrem depois do conflito já instalado. Segundo ele, as raízes mais profundas e complexas da violência no campo são de ordem estrutural no Brasil, incluindo o Maranhão, marcadas pela concentração de terra e renda.

Embora os sete anos de mandato (2014-2021) do governador Flávio Dino (ex-PCdoB e agora no PSB) tenham efetivado melhorias relevantes, a estrutura fundiária manteve o tripé do latifúndio, grilagem e violência. O candidato oficial do Palácio dos Leões (símbolo máximo de poder no Maranhão) para a sucessão do governador é o seu atual vice, Carlos Brandão (PSDB), um dos matizes da estrutura oligárquica, vinculado ao agronegócio. 

Recentemente, a Assembleia Legislativa do Maranhão concedeu uma homenagem a Gisela Introvini, membro de uma família de plantadores de soja e símbolo da violência no campo na região do Baixo Parnaíba.

Defesa legal

Há esperança? Em Barreirinhas já existem leis municipais proibindo os cultivos predatórios ao meio ambiente datadas em 1998, 2005 e 2014.

A Lei nº 420/1998, sancionada à época pelo prefeito Francisco Pedro Monroe Conceição, com apenas quatro artigos em uma lauda, “dispõe sobre a proibição de reflorestamento com eucalipto ou outro tipo de reflorestamento que venha danificar o meio ambiente, em toda a área territorial do município de Barreirinhas”. No artigo 2º a legislação alerta: “Esta proibição se faz necessária em virtude de algumas empresas estarem a se instalar nas proximidades do município de Barreirinhas, com projetos de reflorestamento de eucalipto.”

Outra Lei (nº 528/2005) dispõe sobre a proibição do plantio de soja em todo o território municipal. Com apenas três artigos, em uma página, a legislação é lacônica e foi sancionada pelo então prefeito Milton Dias Rocha Filho: “Esta proibição visa manter preservado nosso eco-sistema, particularmente os piquizeiros e bacurizeiros entre outras frutíferas existente em nossas chapadas e demais regiões”, diz o artigo 2º.

Juiz aposentado, o prefeito de Barreirinhas, Amilcar Gonçalves Rocha (PCdoB), afirma que já houve tentativas de revogação das leis municipais, mas as investidas não prosperaram “por falta de força política”. Ele observa com apreensão o crescimento do agronegócio nos limites da cidade com outros municípios onde as plantações de eucalipto já estão consolidadas, a exemplo de Urbano Santos e Santa Quitéria. “Já chegaram a fazer carvoarias do nosso lado, mas depois de uma blitz da Secretaria Municipal de Meio Ambiente temos conhecimento de que recentemente derrubaram essas carvoarias. Tiraram porque sabem que nós não vamos permitir essa abertura para fazer o avanço (do agronegócio) no nosso território”, enfatizou.

Prefeito Amilcar Rocha está amparado em leis municipais

O território de Barreirinhas tem 246 povoados e está pressionado por dois tipos de indústrias: o agronegócio predatório no cerrado e os empreendimentos imobiliários no litoral e nas margens dos rios, estes também objeto de tensão com os licenciamentos.

Segundo o prefeito, existem apenas três fiscais ambientais concursados efetivos na administração municipal. O trabalho de vigilância é reforçado pelos servidores contratados. O Plano Diretor e a legislação complementar estão defasados. Nas áreas limítrofes com os municípios, onde o eucalipto predomina, não constam placas de sinalização e nem marcos delimitando as fronteiras. Ao longo da MA-225, diante da monocultura visível, não há informação com avisos e letreiros sobre as leis ambientais municipais que proíbem o cultivo predatório.

Uma terceira lei (nº 719/2014) de proteção do território de Barreirinhas, com 26 páginas, sancionada pelo prefeito Arieldes Macário da Costa, o Léo Costa, faz profundas mudanças no Código Municipal do Meio Ambiente (Lei nº 540/2005). O novo dispositivo jurídico estabelece diretrizes quanto ao planejamento urbano e proteção da biodiversidade em todo o município; cria mecanismos de financiamento para a defesa do patrimônio natural; exige relatórios de impacto ambiental para licenciar empreendimentos; altera a composição e as regras do Comuma (Conselho Municipal de Meio Ambiente); institui o Fundo Municipal do Meio Ambiente (FMMA) com a finalidade de apoiar investimentos sustentáveis, pesquisa e capacitação de agentes ambientais; reforça os mecanismos de controle, fiscalização e defesa do meio ambiente; disciplina a concessão de licenças para a instalação de empreendimentos; e estabelece punições administrativas e multa aos infratores, entre outros aspectos.

“Os recursos são pequenos e os investimentos feitos por governos anteriores na área de proteção ambiental foram muito poucos”, argumentou Rocha, pontuando as dificuldades ocorridas no período atípico da pandemia, os limites orçamentários e a restrição de gastos impostos pela legislação federal. O gestor pretende aprovar na Câmara dos Vereadores uma nova lei de organização administrativa, focada na vocação do município para o desenvolvimento sustentável.

Além de toda a legislação municipal mencionada, Barreirinhas e os municípios de Santo Amaro e Primeira Cruz estão sob a proteção do decreto federal Nº 86.060, de 02 de junho de 1981, que cria o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, com uma área de 155 mil hectares. Desse total, 90 mil hectares são constituídos de dunas livres e lagoas entre dunas.

Fronteira aberta

O presidente do Fórum Carajás (articulação de entidades do Maranhão, Pará e Tocantins, cuja missão é acompanhar e monitorar os impactos socioambientais dos grandes projetos), jornalista Mayron Regis Borges, há 10 anos acompanha comunidades atingidas pelo agronegócio no Maranhão. Na sua percepção, um dos obstáculos para conter o avanço indiscriminado do plantio de eucalipto é a indefinição cartográfica das fronteiras entre os municípios. “A região limítrofe entre Barreirinhas e Urbano Santos se coloca numa situação de limbo fundiário e territorial. Devido a essa situação incerta em que se desconhece a que município pertence determinada área, as empresas de reflorestamento se aproveitam para desmatar e plantar eucalipto em milhares de hectares com a presunção de que os seus cultivos se encontram no município de Urbano Santos, que não possui legislação ambiental impeditiva ao plantio de eucalipto”, especificou Borges. Ele menciona como principais empresas de eucalipto a Suzano Papel e Celulose e a Margusa.

As investidas dos fazendeiros do eucalipto já resultaram em conflitos nos povoados Tabocas, Rio Grande dos Lopes, Guarimãzinho, Mamede, Jabuti, Areia Branca, Armazém, Buriti, Jurubeba, Cigana e Gonçalo, onde houve reação das comunidades e recuo dos invasores. “A gente sabe que eles (agronegócio) continuam querendo fazer essa abertura aqui e nós estamos preparados para enfrentar isso com apoio de alguns políticos de âmbito nacional. Eu inclusive coloquei a situação para deputados federais e senadores. Nós pretendemos continuar com essa política preservacionista gerando emprego e renda de modo sustentável porque temos convicção de que aqui não é lugar para o plantio da monocultura”, ressaltou Amilcar Rocha.

Nascido e criado no povoado Tabocas, um dos mais importantes na chapada, o radialista e líder comunitário James Barros repudia a monocultura de eucalipto na região. Ele e o nativo Firmino Conceição guiaram a nossa reportagem até uma das nascentes do rio Jacu, afluente do Preguiças, principal rio de Barreirinhas. “Essa plantação atinge diretamente os nossos recursos hídricos, a fauna e a flora, afetando a vida de todos os moradores dos povoados do entorno, sem esquecer o extermínio das espécies de frutas nativas como o bacuri e o pequi, entre tantas outras fontes de alimento”, enumerou.

Uma das nascentes do rio Jacu, afluente do Preguiças, agoniza

Firmino Conceição foi enfático na comparação entre o avanço do eucalipto e a sobrevivência das populações originárias: “a fome aumentou”. Olhando a fina lamina d’água onde antes havia lagoas cheias nas cabeceiras do rio Jacu, recorda os tempos da fartura: “aqui a gente vinha pegar o camarão, a piaba… na cabeceira do rio lá em cima na chapada e nós papocava com o landruá.”

Euforia e incerteza

Fim de tarde na porta de uma pousada no Centro de Barreirinhas. Uma turista de Brasília chega à recepção e comenta:

– Eu estou deslumbrada. Nunca vi coisa mais linda em toda a minha vida”, exaltou-se, ao chegar de um passeio pelas dunas, rios e lagoas dos Lençóis Maranhenses.

O visitante brasileiro e estrangeiro desembarca na zona urbana, faz os roteiros turísticos, mas tem pouca noção do que acontece no cerrado. Grande parte da água que abastece o rio Preguiças, que passa no coração de Barreirinhas, vem da chapada. Os contrastes são um alerta até mesmo para quem se deslumbra quase sem perceber que a beleza oculta uma ferida. Na Praia do Amor, em Tabocas, o rio caudaloso está fino e assoreado.

Em Tabocas, moradores disciplinam o uso da Praia do Amor

Já nas entranhas do antigo povoado Café Sem Troco, na margem da MA-225, o rio Jacu renasce feito uma pintura. O cerrado pulsa lindo, mas está seriamente ameaçado.

Trecho vivo do rio Jacu, afluente do Preguiças, distante do eucalipto

Bastidores da reportagem

Nossa viagem começou às 5 horas da manhã e encerrou às 21 horas, sem parada nem para o almoço. Veja como a reportagem se virou para contar essa história.

Imagem destacada / Cercada de plantações de eucalipto, uma das nascentes do rio Jacu está secando / Ed Wilson Araújo

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Conheça o “Bacuri do PDT”, uma lenda no cerrado maranhense

O mundo da política no Maranhão tem muitos relatos instigantes e curiosos. Um deles é narrado pelo radialista e líder comunitário James Barros, nascido no povoado Tabocas, importante localidade na zona rural de Barreirinhas, cidade referência nos Lençóis Maranhenses.

Quando não havia a rodovia MA-402, o percurso para chegar a Barreirinhas era feito pela MA-225, acessada no Baixo Parnaíba à altura de Urbano Santos e/ou São Benedito do Rio Preto.

A MA-225 ainda está viva na memória do povo do cerrado e nessa estrada, ainda percorrida na atualidade pelos moradores das comunidades, muita coisa aconteceu.

As reuniões políticas e eleitorais, por exemplo, tinham um ponto de referência ao longo da rodovia – um frondoso pé de bacuri, fruta das mais deliciosas do cerrado.

No tempo das campanhas, à sombra da frondosa árvore, os partidários de Leonel Brizola batizaram a planta de “Bacuri do PDT”, o point da política.

“O batismo da planta foi de Luiz Lisboa da Silva, o Luis Moura. Inspirado na flor do bacuri, ele gravou no tronco da graciosa árvore a sigla PDT, legenda que tem no seu logotipo uma rosa vermelha, representando valores humanistas e democráticos”, explicou James Barros.

James Barros e as memórias do “Bacuri do PDT”

Os moradores das redondezas se deslocavam até o “Bacuri do PDT” para as reuniões. Iam a pé, de cavalo ou jumento, em caminhões, paus de arara e carros menores. O motivo era um só – debater a política e tomar as decisões.

Hoje o fluxo na MA-225 é pequeno, mas a estrada ainda é muito usada pelos lavradores e extrativistas do cerrado. O “Bacuri do PDT”, que já testemunhou muitas pelejas, do alto da sua majestade, é testemunha das mudanças na região. Uma delas, muito perigosa, é a invasão da monocultura de eucalipto já na fronteira entre Urbano Santos e Barreirinhas.

Esse tema – o impacto do agronegócio – será tratado em outra postagem. Aguarde.

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Geografia: entenda as diferenças entre a Ilha dos Lençóis e os Lençóis Maranhenses

Muitos maranhenses e turistas ainda confundem a região dos Lençóis Maranhenses e a Ilha de Lençóis.

A primeira está situada no Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, uma extensa área que compreende os municípios de Barreirinhas, Paulino Neves, Primeira Cruz e Humberto de Campos.

Essa região é bastante divulgada no trading turístico internacional pelas belezas naturais do rio Preguiças e o conjunto de dunas e lagoas, além das praias que formam um complexo de atrativos até mesmo para a prática de esportes náuticos, como o kitesurf, na localidade Atins.

O Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses está localizado no percurso da Rota das Emoções, estendendo-se pelo litoral do Maranhão, Piauí e Ceará.

Já a Ilha dos Lençóis é posicionada no litoral ocidental do Maranhão, na região denominada Floresta dos Guarás, em direção oposta ao Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses.

Entre tantas referências a ilha já foi tema do enredo da escola de samba Tuiuti, do Rio de Janeiro, no carnaval de 2020.

A Ilha dos Lençóis faz parte do grande território da Reserva Extrativista (Resex) de Cururupu ou Arquipélago de Maiaú, formada por 17 áreas insulares onde se cultivam principalmente a pesca, a maricultura e o turismo, entre outras atividades.

Lençóis, a ilha, é conhecida pelas belezas naturais e aspectos culturais relacionados ao sebastianismo (veja vídeo abaixo). Conta a lenda que o rei de Portugal, Dom Sebastião, morto na batalha de Alcácer-Quibir (África), em 1578, reaparece cavalgando sobre as exuberantes dunas da ilha nas noites de lua cheia.

Parte dos moradores tem a pele embranquecida e frágil devido ao fenômeno do albinismo. Colados à lenda e cautelosos na exposição ao sol intenso na região, os albinos costumam sair de casa com mais frequência depois do poente.

Caminhando sobre as dunas à noite, produzem uma cena cinematográfica e incorporam à lenda o relato de que seriam filhos da lua. Os moradores, no geral, prestam reverência ao rei Dom Sebastião (veja abaixo).

Moradora da ilha dos Lençóis, Helena fala sobre a encantaria de Dom Sebastião.
Vídeo: Marizélia Ribeiro

Para você se localizar melhor no mapa do Brasil, posicione o dedo no Maranhão. Se você mover em direção ao Ceará indica que está a caminho do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, que tem como principal referência a cidade de Barreirinhas.

Se mover o dedo em direção ao Pará vai encontrar o litoral ocidental e nessa orientação segue para o município de Cururupu (cerca de 300km de São Luís), onde está localizada a famosa ILHA DOS LENÇÓIS.

Veja abaixo os contatos de pousada na Ilha dos Lençóis.

O porto de Apicum-Açu é um dos caminhos para chegar à Ilha dos Lençóis.

Aprecie o visual da chegada à Ilha dos Lençóis

Conheça também o sistema híbrido de geração de energia na Ilha dos Lençóis.

Saiba como funciona o manejo ecológico da Resex Cururupu na Ilha dos Lençóis.

Conheça também os atrativos na Ilha de Bate Vento, vizinha à Ilha dos Lençóis.

Imagem destacada / Vista das dunas na Ilha dos Lençóis / Fonte: Pinterest

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Enredo da Tuiuti (RJ) traz encantaria da Ilha dos Lençóis, no Maranhão

A escola de samba Paraíso do Tuiuti, do Rio de Janeiro, apresentou no Carnaval de 2020 o enredo “O santo e o rei: encantarias de Sebastião”, do carnavalesco João Vitor Araújo.

Na composição constam duas referências a São Sebastião: uma no Rio de Janeiro e outra no litoral do Maranhão.

Padroeiro dos cariocas, o santo é referenciado especialmente pela comunidade Tuiuti, que também apadrinha a escola de samba.

O enredo é alusivo à lenda de Dom Sebastião, cultuada na Ilha dos Lençóis, localizada no município de Cururupu, no litoral ocidental do Maranhão.

Destaque da Tuiutí /
Foto: Alexandre Mourão G1

A ilha é povoada pelas encantarias originárias da saga do rei português Dom Sebastião, morto no século 16, na batalha de Alcácer-Quibir, no Marrocos, quando tentava reconstruir a pujança econômica de Portugal.

Diz a lenda que nas noites de lua cheia Dom Sebastião renasce em uma aparição, cavalgando sobre um touro adornado por joias nos imensos morros de areia branca da Ilha dos Lençóis.

Devido a incidência do albinismo em uma parte dos moradores da ilha, as pessoas de pele clara são denominadas “filhos da lua”, de certa forma colaborando para o imaginário das encantarias em Lençóis.

Entenda a Geografia

Muitos maranhenses e turistas ainda confundem a região dos Lençóis Maranhenses e a Ilha de Lençóis.

A primeira está situada no Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, uma extensa área que compreende os municípios de Barreirinhas, Paulino Neves, Primeira Cruz e Humberto de Campos.

Essa região é bastante divulgada no trading turístico internacional pelas belezas naturais do rio Preguiças e o conjunto de dunas e lagoas, além das praias que formam um complexo de atrativos até mesmo para a prática de esportes náuticos, como o kitesurf, na localidade Atins.

O Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses está localizado no percurso da Rota das Emoções, estendendo-se pelo litoral do Maranhão, Piauí e Ceará.

Já a Ilha dos Lençóis é posicionada no litoral ocidental do Maranhão, na região denominada Floresta dos Guarás, em direção oposta ao Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses.

A Ilha dos Lençóis faz parte do grande território da Reserva Extrativista (Resex) de Cururupu ou Arquipélago de Maiaú, formada por 17 áreas insulares onde se cultivam principalmente a pesca, a maricultura e o turismo, entre outras atividades.

Na Resex Cururupu existem atrativos turísticos de grande potencial: dunas, praias, lagoas, manguezal, culinária e a toda a cultura dos moradores.

Leia mais sobre a Ilha dos Lençóis, saiba como chegar lá e onde se hospedar.

Lençóis, a ilha, é conhecida pelas belezas naturais e aspectos culturais relacionados ao sebastianismo (veja vídeo abaixo). Conta a lenda que o rei de Portugal, Dom Sebastião, morto na batalha de Alcácer-Quibir (África), em 1578, reaparece cavalgando sobre as exuberantes dunas da ilha nas noites de lua cheia.

Parte dos moradores tem a pele embranquecida e frágil devido ao fenômeno do albinismo. Colados à lenda e cautelosos na exposição ao sol intenso na região, os albinos costumam sair de casa com mais frequência depois do poente.

Caminhando sobre as dunas à noite, produzem uma cena cinematográfica e incorporam à lenda o relato de que seriam filhos da lua. Os moradores, no geral, prestam reverência ao rei Dom Sebastião (veja vídeo abaixo)

Moradora da ilha dos Lençóis, Helena fala sobre a encantaria de Dom Sebastião.
Vídeo: Marizélia Ribeiro

Para você se localizar melhor no mapa do Brasil, posicione o dedo no Maranhão. Se você mover em direção ao Ceará indica que está a caminho do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, que tem como principal referência a cidade de Barreirinhas.

Veja o visual da Ilha dos Lençóis, em Cururupu, no litoral ocidental do Maranhão.
Vídeo: Marizélia Ribeiro

Se mover o dedo em direção ao Pará vai encontrar o litoral ocidental e nessa orientação segue para o município de Cururupu (cerca de 300km de São Luís), onde está localizada a famosa ILHA DOS LENÇÓIS.

Ouça aqui o samba da Paraíso do Tuiuti

Compositores: Moacyr Luz, Cláudio Russo, Aníbal, Júlio Alves, Pier e Tricolor Intérpretes: Celsinho Mody e Nino do Milênio

Veja no vídeo abaixo o comentário sobre a Ilha dos Lençóis.