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Big não são os “brothers”. Big são as “sisters”

Eloy Melonio *

Que tal tirar uns minutinhos de nosso precioso tempo pra falar do Big Brother Brasil, o famoso BBB da Rede Globo? Por quê? Porque tá todo mundo falando sobre isso. Especialmente depois da final apoteótica da 20ª edição do mais popular reality show do país, nessa segunda-feira, 27, que consagrou uma mulher negra como a grande vencedora.

Esse estrondoso sucesso me faz lembrar o início do BBB, quando uma suposta elite intelectual vigiava e condenava quem assistia ao programa, então acusado de “vulgar”, sem conteúdo, e com excessivo apelo sexual. E era assim mesmo! Pelo menos para muita gente. Mas havia algo mais subliminar, só apreendido por olhos e ouvidos mais atentos. Gente que tentava entender o que cada participante tinha a dizer, a ousar, a realizar. Que via nas cenas e nas pessoas um reflexo de sua casa, de seu condomínio, do escritório, dos amigos.

Eu era um desses desajustados.

Nessa loucura toda, quanto mais se fala em liberdade, mais se tenta reprimi-la. E os repressores são justamente seus pretensos defensores. Quanta incoerência, não? Hoje muita gente receia expor suas idéias, suas escolhas, suas concepções. Porque uma “milícia” parece andar atrás de quem pensa diferente dela. Na verdade, nesse velho Brasil de hoje, são “duas”. Que não apenas caçam, mas acusam e julgam. E ainda usam apelidos ofensivos com o nítido intuito de depreciar o outro. E aí eu me pergunto: para onde foi a educação, o respeito, a convivência pacífica?

Uma parte de que sempre gostei no BBB ¬― e que ainda me emociona ― é a música-tema do programa. Paulo Ricardo não podia estar mais inspirado quando compôs Vida Real, música que é a cara do programa. E que tem tudo a ver com a vida: a dos participantes e a nossa vidinha de cada dia. Na contramão do programa, a música não promove o embate de idéias ou atitudes agressivas entre os oponentes. É mais uma conversa de amigo, de brother, de gente que se interessa pelo outro. Do início ao fim, o ex-RPM revela esse interesse em conhecer e entender o outro: Se você pudesse (soubesse)…, o que faria?

É ou não é apaixonante?

Nunca assisti ao BBB sob a mesma ótica de um telespectador comum. Enquanto alguns queriam apenas ver participantes atraentes, seminus, exibindo-se na piscina e nas festas, ou fazendo sexo debaixo do edredom, eu buscava aspectos mais psicológicos. Suas idéias e motivações, seus sonhos e suas estratégias, suas histórias, indo um pouco além para conhecer a pessoa por trás do participante.

No show, um participante pode até fingir, dissimular, enganar os outros. E aqui, um parêntese para uma explicação do padre Manuel Bernardes (Nova Floresta, IV, p. 5.): “Simular é fingir o que não é; dissimular é encobrir o que é.” Alguns até tentam, mas “Encobrir o que se (verdadeiramente) é” para milhões e milhões de olhos é uma tarefa hercúlea.

Dessa forma, the Big boss, ou seja, aquele que assiste a tudo da poltrona de sua casa e tem o poder de decidir, raramente é enganado. E é aí que, para mim, reside a genialidade do programa-laboratório, hoje estudado por comunicadores, psicólogos, críticos de arte. E curtido pelos comuns, pelos “invisíveis”, e (pasmem!) até pela antiga opositora elite intelectual.

Acho que Paulo Ricardo não imaginava quão fortes e verdadeiras eram suas palavras. E que a verdade ― tão avacalhada em nossos dias ― confirma-se como único caminho das pessoas sérias e honestas. Seus versos hoje soam ainda mais atuais e significativos do que em 2002: “O mundo é perigoso/ E cheio de armadilhas/ Um dia estéril e gozo/ Verdades e mentiras”.

O tempo passou e o show ganhou status de “jogo”, competição que exige mais que aparência física, simpatia ou loquacidade do participante. Jogo é a palavra que melhor traduz o espírito do programa, desbancando a idéia de que é apenas um showzinho qualquer, cheia de gente bonita. Jogo tem foco, estratégia, esquema…, e um vencedor.

Sob tanta inspiração, Paulo Ricardo já antecipava: “Viver é quase um jogo/ Um mergulho no infinito/ Se souber brincar com fogo/ Não há nada mais bonito”.

Da inspiração musical para o mundo dos brothers, o programa capitaneado por Tiago Leifert é bem diferente do BBB da era Pedro Bial. É mais conceitual, mais estratégico e mais envolvente. E nesse contexto, o apresentador é tão interativo quanto os concorrentes. Equilibrado, e dono de invejável expressividade, Leifert rege o programa com a batuta da fina autoridade, da simpatia e da elegância.

A edição 2020 do BBB foi realmente espetacular. Reuniu gente comum (os inscritos) e celebridades do mundo digital (os convidados) num mesmo palco. Provocou discussões acirradas e oportunas, como o debate racial, protagonizado por dois participantes negros: a médica Thelma Assis, 35 anos, e o ator Babu Santana, 40 anos.

Thelma, a única das três finalistas que se inscreveu no programa, sabia quem ela era, pagou para ver o futuro, deslumbrou-se com o brilho das estrelas, driblou armadilhas, mergulhou no infinito. Fez de tudo um pouco, seguindo a trilha sonora de Vida Real. E, acima de tudo, “brincou com fogo”, quando, estrategicamente, teve de votar em Babu, amigo e parceiro de lutas.

Finalmente, depois de mais de 90 dias de confinamento, Tiago Leifert, com a voz embargada pela emoção, anunciou: Thelma Assis, a grande vencedora do BBB 2020.

E o nosso amado Brasil viverá, até janeiro de 2021, merecidamente, sob o reinado de uma Big Sister.

  • Eloy Melonio é professor de inglês, compositor, escritor e poeta.
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A queda para cima: Sérgio Moro e a nova face da tirania

Por Marco Rodrigues, escritor e filósofo

No diálogo Πολιτεία (Politéia), do filósofo grego Platão, mais conhecido como A República, um sofista (mestre na arte da persuasão), chamado Trasímaco, apresenta a seguinte tese: “o justo nada mais é senão a vantagem do mais forte”. Essa ideia poderia muito bem servir ao ex-juiz, e agora ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, que teve a imagem de “herói nacional ” construída com a ajuda de boa parte da mídia, embora se servindo à revelia de procedimentos ilegais e vazamentos, enquanto exercia o cargo de juiz federal em pleno apogeu da Operação Lava-Jato. Porém, a potência da mística entorno do combate à corrupção acabou por solapar e minimizar essas práticas sorrateiras, ao ponto de parecerem nem existir. Combatia-se a corrupção? Sem dúvida, como jamais havia se realizado antes, com ampla autonomia do Ministério Público e da Polícia Federal inclusive, mas na mesma medida em que também se cometia crimes e abusos contra o ordenamento legal.

Já estava esboçado, inequivocamente, um projeto de poder, cujas raízes já se estendiam às paragens da parcialidade ainda não muito nítidas. O verme da corrosão social vagarosamente roía as bordas da Constituição Federal de 1988. Cito aqui o livro A República não apenas por ser a justiça o tema central, além da dimensão política de seu debate. Essa obra na verdade permite compreender, quando lida cuidadosamente, a genealogia das possíveis aspirações tirânicas e suas causas, as quais não se realizam sem a imposição de uma fúria ornada de certa pseudomoral, cujo sentido precisa contagiar e inspirar a esperança e o anseio por mudança meio ao caos, generalizado pela ineficiência das instituições políticas em decadência. É na figura de um “salvador da pátria”, de um “messias”, que esse fenômeno se demonstra, na mesma medida que o autoritarismo avança sistematicamente.

Poderíamos supor, então, que se trataria de Jair Bolsonaro a consumação dessa tendência em vigor. Mas não, de forma alguma. Apresentar-lhes-ei uma outra hipótese. Antes, em estado de crisálida, uma mariposa hematófaga que crescia em Curitiba, as sombras do mito mequetrefe, rompe o invólucro e começa voar. O presidente da república Jair Bolsonaro não tem condições cognitivas mínimas para se tornar nem mesmo o maior dos estúpidos da história brasileira. Restar-lhe-á, em dado momento, apenas anedotas burlescas a seu respeito, ilustrativas de um tempo caricato ao delírio de teorias da conspiração e obscurantismo. Por outro lado, tem realizado, sem perceber, o trabalho sujo que servirá ao autêntico representante dos modos tirânicos hodiernos, deixando assim um larguíssimo campo aberto. As desavenças com governadores, até com aqueles que eram a ele simpáticos, como Ronaldo Caiado; as demissões por simples divergência e capricho, envolvendo o general Santos Cruz, Gustavo Bebianno, e principalmente a de Henrique Mandetta que, por sua vez, o incomodava pela popularidade atingida com mérito frente a pasta da saúde, expressa o orgulho característico da psicologia platônica do tirano. É por isso que Platão compreende que “o tirano terá que se livrar de todos”, é uma condição sine qua non, “se pretender governar, até que a sua volta não reste um único amigo ou inimigo de alguma dignidade”, pois nutre um egoísmo visceral por ser inteiramente dominado por seus apetites e frêmitos dos mais passionais – o que desencadeia a necessidade constante em ser o centro de todas as atenções. Todavia, isso constitui, inevitavelmente, a sua própria ruína, pois chegará um momento em que não será capaz de confiar nem mesmo em sua própria sombra.

Porém, estamos diante de um outro tipo de homem tirânico, que diferente do platônico não se deixa facilmente arrastar por seus ímpetos em histeria e chilique espontâneos. Pelo contrário, ele é frio, dissimulado. Olha de soslaio, sorri de canto de boca. Como um operador de telemarketing, fala quase sempre no mesmo tom, sem alterar drasticamente a voz, mesmo sob grande tensão. Não é porque não seja afetado pelos seus impulsos, mas porque os domina inteiramente, e por isso almeja realizá-los por completo no instante derradeiro. Não é uma disposição virtuosa, trata-se de uma disciplina dos vícios e iniquidades de um predador. Ao invés de inflamar-se por fora, como o tirano clássico, abrasa-se por dentro. Cirúrgico, como Hannibal Lecter, no clássico cinematográfico O Silêncio dos Inocentes, conhece os métodos mais eficazes no exercício da morte para não levantar tantas suspeitas. É por essa razão que suporta humilhações, é habilidoso em manter o foco. Cínico, sem utilizar de deboche, como na gíria ludovicense, “a cara nem treme”. É resiliente, de causar inveja ao melhor dos coachs; digo “melhor” apenas por cortesia. Não se importa de modo algum em perder a dignidade, em ser desautorizado, ultrajado, conquanto que isso garanta a saída oportuna no instante em que o seu adversário direto estiver em crise e enfraquecido pelas circunstâncias ou por sua própria inoperância. Arma em seu fracasso o próprio triunfo, fingindo ser a vítima, instaurando uma nova fase. Tem objetivos ao invés de sonhos, com ares megalomaníacos. Sendo assim considerado, o homem tirânico contemporâneo, que vos apresento, exerce o seu domínio, com efeito, através da indiferença atrativa de sua condição de existência, que serve de espelho ao ódio e ao moralismo exaltado das massas e dos homens médios que nele se reconhecem através de mecanismos de destruição que atuam como representações da eficácia.

Para conferir alguns exemplos, sem titubear Sérgio Moro outrora propôs o “excludente de ilicitude”, isto é, licença para matar, como uma das medidas do “pacote anticrime”. Sem qualquer constrangimento, foi contra o projeto de lei que visa punir abuso de autoridade, ao passo que se servira largamente, na condição de juiz, de medidas coercitivas e mandados de prisão mesmo sem necessidade. Não hesitou em condenar sem provas, e provavelmente por esse motivo foi contra a proposta de instauração do chamado “juiz de garantias”, o que poderia eventualmente inviabilizar a promoção de seu bel-prazer, a exemplo da possibilidade de indicar uma testemunha à acusação, como fizera, cujo processo ele mesmo julgaria.

Ora, levando em consideração tamanho grau de manipulação, premeditação e calculismo, em nome dos próprios interesses, seria quiçá possível e forçoso se concluir que se trata de um caso de psicopatia? Deixo isso a cargo de especialistas. Com requintes de crueldade, no ato do pronunciamento de sua demissão, não foi difícil acusar o presidente Jair Bolsonaro de crimes graves, dentre os quais se destacam improbidade administrativa, por tentar interferir no trabalho da Polícia Federal e crime de responsabilidade, ao impor que se destituísse do cargo o diretor-geral da Polícia Federal Maurício Valeixo, de modo a atender demandas pessoais, as quais pouco ainda se sabe. E, para coroar seu sadismo, fez questão de sugerir que tais eventos seriam até impensáveis em tempos dos governos petistas, os quais sempre foi oposição: “Imaginem se durante a própria Lava Jato, o ministro, o diretor-geral, a então presidente Dilma, o ex-presidente Lula ficassem ligando para o superintendente em Curitiba para colher informações sobre as investigações em andamento”. Quase como um lance de poker, arrogando para si uma ausência de autonomia na condução do ministério, afirmando não ter tido “carta branca”, reforça a imagem de autoritário do presidente da república e suaviza a sua própria, permitindo assim passar a impressão de que agora, além de “símbolo” do combate à corrupção, seria também o mais honrado paladino da liberdade. “Falei com o presidente que [a exoneração de Valeixo] seria uma intervenção política [na PF], e ele disse que ‘seria mesmo’”, diz ainda o ex-ministro, não tendo qualquer empatia ao chutar, com a ponto de seu caro sapato social, um cão que gradativamente agoniza, num gesto de regozijo e júbilo incapaz de arrependimento. Foi praticamente indiferente aos problemas decorrentes com a pandemia de covid-19, cuja medida utilizada não passou de silêncio.

Conduto, não poderia sair momentaneamente de cena sem conservar um traço distintivo do bolsonarismo à construção do morismo: a formação intelectual deficitária, ou simplesmente a burrice arrogante. Ao declarar que houvera solicitado uma pensão, caso algo a ele acontecesse, cuja proposta não está prevista em lei, deixa claro seu reles domínio do conhecimento jurídico, além de confessar sem querer um crime, previsto no seguinte mecanismo legal:

Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem” (Artigo 317 – código penal)

Destarte, duas facções certamente estarão em curso. O bolsonarismo deve sem dúvida se radicalizar ainda mais, com o estrebuchar do “gabinete do ódio”, o que nutrirá a possível ascensão do morismo sem precisar nem mesmo de propaganda. Como modelo de homem tirânico contemporâneo, é Sergio Moro, e não Bolsonaro, embora isso não retire esse último da condição de escória existencial, o verdadeiro expoente daquilo que se denomina, embora de modo insuficiente, de extrema-direita.

Por fim, caberá aos “cidadões de bem” decidir quem apoiar, cuja ignorância passa a vivenciar um dilema: qual desses dois criminosos é menos criminoso ao combater a corrupção e a ameaça comunista?

É difícil imaginar quando esse delírio irá se dissipar, trazendo de volta a lucidez indispensável que permita se pensar, com seriedade, a promoção da democracia. Reflexões são extremamente necessárias nesse momento, frente a possibilidades distópicas que tem avançado, que minam a liberdade e a ideia de cidadania. Como adverte Montesquieu, cujos conceitos inspiraram inclusive a nossa Constituição, “liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem; se um cidadão pudesse fazer tudo o que elas proíbem, não teria mais liberdade, porque os outros também teriam tal poder”. Por isso, preservar instituições é imprescindível e, ao invés de buscar destruí-las ou fechá-las, por conta de falhas humanas, que sempre irão existir, o que se precisa é constantemente corrigi-las e aperfeiçoá-las, com alternância de poder e vigilância perene de suas práticas que a todos afeta. 

Sem inteligência, não há salvação…

Imagem destacada capturada aqui / Marcelo Camargo / Agência Brasil

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Projeto Conexão Cultural dá fôlego financeiro a mais de 600 artistas em tempos de pandemia

No dia 18 de março, um dia antes de decretar situação de calamidade pública no Maranhão por conta da pandemia do novo coronavírus, o governador Flávio Dino anunciou em suas redes sociais um edital de apresentações via internet para apoiar artistas, já que o setor cultural foi um dos primeiros a parar por força da pandemia. 

Surgia ali o projeto Conexão Cultural. A iniciativa foi a solução encontrada para movimentar a economia criativa do Maranhão em tempos de distanciamento social. A ideia deu tão certo que no dia 4 de abril foi lançado um novo edital de apresentações culturais. 

O novo certame previa a seleção de 50 profissionais, mas por determinação do governador Flávio Dino, todos os artistas regularmente inscritos foram contemplados com o segundo edital do projeto. 

Ao todo, os dois editais selecionaram aproximadamente 650 artistas de várias modalidades culturais, como artes visuais, arte urbana, bandas de todos os gêneros, músicos de voz e violão, circo, dança, DJs, grupos instrumentais, performances teatrais e shows de humor.

Entre os contemplados, o DJ e pesquisador musical Pedrinho Dreadlock, que há 10 anos faz shows em São Luís com uma playlist heterogênea, que passeia pelo eletrônico, reggae, dub, soul e ritmos regionais, sempre com forte ênfase para a musicalidade negra. 

Com dois contratos fixos e vasta experiência na área artística, do dia para a noite o DJ viu seu faturamento como músico despencar devido à pandemia da Covid-19. Segundo Pedrinho, a quarentena que impôs o distanciamento social como saída para reduzir o contágio da doença “afetou 100% do seu rendimento”. 

“Eu não tenho como sair para gerar minha renda, os lugares em que me apresento estão fechados. Apertou tanto que estou me desfazendo de alguns equipamentos. Estou tentando desenvolver algo pela internet, mas ainda tá muito difícil. Nas lives, as pessoas preferem ajudar grandes artistas do que os artistas do seu próprio estado”, diz. 

Sua apresentação no projeto Conexão Cultural ainda não teve a data divulgada, mas ele reconhece a importância desse tipo de auxílio em um momento delicado para o setor artístico. 

“Eles foram muito felizes com essa iniciativa e em aprovarem todos os inscritos. Nota 10! Eu admiro muito a iniciativa. Não vejo nenhum estado que esteja fazendo isso com os artistas”, pontuou Pedrinho Dreadlock. 

DJ Pedrinho Dreadlock (Foto: arquivo pessoal)

Avaliação similar à do multi-instrumentista e produtor musical Sandoval Filho, que também foi selecionado na segunda chamada do Conexão Cultural. 

“Esse edital pra mim foi uma boa iniciativa do Estado, uma forma de não desamparar os músicos. Uma iniciativa excelente e necessária que eu acho que deve permanecer em apoio à classe artística enquanto a pandemia não acabar”, aponta o músico.            

Ele atua em projetos musicais consistentes da cena maranhense, como o duo Criolina e a Soulvenir, banda que ganhou projeção internacional em 2016 ao vencer o concurso EDP Live Bands Brasil e se apresentar em vários países da Europa.  

“Amparo fundamental”

Sandoval Filho diz que só não vem sofrendo tanto com os efeitos da pandemia porque mantém workshops online e algumas atividades de estúdio que não prescindem de contato físico com outros músicos. Sandoval Filho elogiou a decisão do governador em beneficiar todos os artistas inscritos no segundo edital. 

Sandoval Filho durante turnê da Soulvenir na Europa. (Foto: aquivo pessoal)

“Uma atitude dessa da parte do governador mostra que ele se preocupa com a classe artística. Isso é muito importante porque, infelizmente, é incomum as pessoas priorizarem ou darem importância para a classe artística. O meio artístico normalmente se locomove de forma independente e ter um amparo desse em uma situação como essa é fundamental”, afirmou. 

Já para Rhúzell Póvoas, músico que se apresenta com voz e violão em casas de shows maranhenses há duas décadas, se não fosse o projeto Conexão Cultural, o artista só teria como manter as despesas com o uso de uma reserva econômica pessoal e com o auxílio emergencial aprovado pelo Congresso.

“Achei uma grande iniciativa do estado, dando esse apoio aos artistas. Já dá pra dá uma ajuda nas despesas do músico enquanto esse período não acaba”, avalia Rhúzell. 

Os shows do Conexão Cultural são transmitidos pelo Instagram da Secretaria de Estado da Cultura (Secma), @cultura.maranhao, e pelas redes sociais dos artistas. Cada apresentação tem duração de 15 a 30 minutos, com produção e transmissão ao vivo (lives) ou em mídia gravada enviada à Secma.

Imagem destacada / Rhúzell Póvoas (Foto: arquivo pessoal)

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Égua! Festival Pan-Amazônico de Cinema chega à sexta edição

As cinco edições do Festival Pan-Amazônico de Cinema Amazônia Doc realizadas nos últimos dez anos, no período de 2009 a 2019, contribuíram efetivamente com a democratização do acesso e difusão da produção cinematográfica dos países da Pan-Amazônia. Permitiu ainda, ampliar o conhecimento sobre a diversidade cultural e etnográfica desse imenso território por meio dos filmes exibidos e ainda, dos debates, bate-papos e palestras apresentadas.

Nas últimas cinco edições o Amazônia Doc viabilizou a democratização do acesso gratuito aos bens culturais de aproximadamente 30.000 pessoas. Além disso, oportunizou a formação na linguagem audiovisual de aproximadamente 600 pessoas, entre jovens e adultos na faixa etária de 16 a 50 anos, tanto nos municípios de Belém (sede do evento), como na sua ITINERÂNCIA pelos municípios de Marabá, Rondon do Pará, Santarém e Soure.

Diante deste cenário, os resultados esperados para 2020 são extremamente positivos e permitem vislumbrar a ampliação do público circulante e de espectadores na nossa 6ª edição para aproximadamente 50.000 participantes na circulação do projeto sediado em Belém, e ainda, na intenção de realizar uma itinerância por cinco municípios paraenses a serem definidos e divulgados em breve pela comissão organizadora do Festival e seus patrocinadores.

Em 2020, mesmo com um cenário de grandes dificuldades para o setor audiovisual no Brasil, nós do time da organização do Festival desde 2009 decidimos por unanimidade ampliar os horizontes da 6ª. Edição do Festival Pan-Amazônico de Cinema – Amazônia Doc. Nesta edição, não temos edital de apoio à produção, ainda não temos recursos financeiros captados, mas, de forma voluntária, vamos realizar a 6ª edição do Festival Pan-Amazônico de Cinema Amazônia Doc e vamos contribuir com o protagonismo dos alunos do ensino médio das Escolas Públicas do Pará com o lançamento oficial do 1º Festival Curta Escolas, com Troféus e premiações para os 3 primeiros curtas documentários selecionados pelo Júri oficial.

E seguindo o compromisso com as pautas urgentes da sociedade, vamos prosseguir com o fortalecimento e visibilidade da mulher, promovendo o lançamento do 1ª Festival as Amazonas do Cinema, com uma Mostra Competitiva específica para premiação de cineastas mulheres da Pan-Amazônia.

E assim, de mãos dadas e no fluxo das águas, publicamos a convocatória de inscrições nacionais e internacionais para Mostra competitiva da 6ª edição do Festival Pan-Amazônico de Cinema Amazônia Doc, na certeza de sempre encontrar um caminho pra vencer os obstáculos e adversidades!

Zienhe Castro

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Virgínia Fontes: coronavírus e a crise do capital

Fonte: Andes Sindicato Nacional

Crises são também momentos de agudização das contradições que atormentam a vida social sob o capitalismo. A pandemia do novo coronavírus – ao que sabemos até aqui – nasceu na China, país superpopuloso que, diante do temor de expansão da doença em proporções gigantescas e descontroladas, tomou rigorosas medidas de isolamento social. Tais medidas envolveram a interrupção total das atividades num dos maiores centros industriais do país, Hubei, com mais de 60 milhões de habitantes, e de sua capital Wuhan. Essa decisão, em pleno período de tensões crescentes com os Estados Unidos, com seguidas provocações de Trump, impactou o mundo por um viés inesperado: a defesa da vida antes do lucro.

Os governos dos países centrais – com raras e honrosas exceções – consideraram inadmissível tal disjuntiva – defender a vida em vez do lucro – e tentaram por todos os meios evitar interrupções ou reduções no processo de extração de mais-valor. Isso ocorreu na França, na Itália, na Inglaterra e nos Estados Unidos e agora está acontecendo no Brasil. Até que a violência da pandemia expusesse a fragilidade dos sistemas de saúde, desfinanciados, sem os insumos necessários para realizar testes nas populações, sem equipamentos de proteção individual (EPI), com escassez de leitos, de respiradores e de equipes de saúde treinadas. Em meio à catástrofe sanitária, voltaram atrás tardiamente, e promoveram maior isolamento físico, mas todos, sem exceção, despreocupam-se com os trabalhadores de inúmeros setores – e não apenas os essenciais – que prosseguem em atividade sob ameaça de demissão. E, durante todo esse tempo, as populações gritam dos balcões e janelas em defesa da vida contra o lucro.

Para falar sobre a crise que o capital enfrenta de forma evidenciada durante a pandemia da Covid-19, conversamos com Vírginia Fontes, historiadora e doutora em Filosofia pela Université de Paris X, Nanterre (1992). Atualmente a docente integra o NIEP-MARX (Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas sobre Marx e o marxismo) e integra diversos conselhos editoriais no país e no exterior.

ANDES-SN: Professora, qual a relação entre a crise do capital e a forma como a pandemia da Covid-19 está se desenvolvendo e atingindo o mundo todo?

VF: Gostaria de separar dois movimentos: um, o da crise regular do capital, mais uma vez por superprodução, isto é, por excesso de extração de mais valor e de lucratividade do próprio capital. Há enormes massas de capital que encontram dificuldades para se valorizar na proporção faraônica que pretendem. Essas crises são recorrentes e vêm sendo a cada dia mais devastadoras para as populações e os trabalhadores, e resultam desgraçadamente da própria expansão do capitalismo. Entre 2008 e 2009 nos Estados Unidos, em 2012 na Europa, e ao longo desse período em muitos países (como no Brasil), os governos doaram bilhões para os capitalistas, mas sacrificaram pesadamente suas classes trabalhadoras. Salvaram os capitais para que eles avançassem com ainda maior ferocidade sobre os trabalhadores no mundo inteiro, extraindo mais-valor de maneira brutal pela generalização da uberização, continuando a expropriar direitos, apoderando-se dos fundos públicos.

Antes de falar da crise sanitária, é preciso lembrar que já estávamos ingressando numa nova crise capitalista, de novo por superprodução de capitais, pois o enorme volume de capitais, sob forma de títulos ou de dinheiro, que precisam se valorizar, já estavam implodindo a vida social. Longe da falaciosa versão de que “vínhamos crescendo e o vírus pode atrapalhar”, apresentada por Trump e por Bolsonaro, a crise já estava em curso, e era anunciada pelos próprios economistas burgueses. Ora, se o capital promove crises quase permanentes, uma verdadeira “crise do capital” ocorre quando as massas irrompem na história e bloqueiam sua capacidade de recompor-se. Revolucionam a existência. Dão um basta a essa forma de economia e a esse modo de ser bárbaro e truculento.

ANDES-SN: Nos últimos anos a extrema direita se consolidou no Brasil e no mundo. Como o avanço desse movimento se conecta a expansão desordenada do capital?

VF: No mundo contemporâneo, diversos arranjos protofascistas vinham se constituindo, inclusive no pólo central do capitalismo contemporâneo, os Estados Unidos. Desde a eleição de Ronald Reagan, cresceram as manifestações de uma extrema direita (alt-right) supremacista branca e racista, antifeminista, anti-trabalhadores, encarceradora e colonizadora. Esse endurecimento chega a seu ponto máximo com a eleição de Donald Trump, uma caricatura supremacista, de um nacionalismo exibicionista e belicoso e, finalmente, com a eleição do protofascista Jair Bolsonaro, no Brasil. Não obstante as demonstrações de truculência de ambos, a economia dos dois países estava dando sinais de dificuldades. No caso do Brasil, a crise iniciada em 2015 jamais foi superada, apesar de seus promotores – grande burguesia, seus acólitos políticos, pastores venais, militares e paramilitares, juízes a soldo –  usarem de enorme violência, retirando direitos de maneira brutal e lançando na precarização quase a metade dos trabalhadores, totalmente desprotegidos. Não podemos esquecer da brutalidade policial francesa contra os coletes amarelos, da truculência da polícia chilena cegando manifestantes populares que enfrentaram o medo e foram às ruas contra a permanência da política econômica ditatorial, da criminosa atitude policial e miliciana contra o governo de Evo Morales…

Essas são as condições antes da pandemia. A própria expansão do capital em sua desordenada e devastadora relação com a natureza vem agudizando permanentemente a possibilidade de pandemias, e já há uma enorme quantidade de estudos a esse respeito – confinamento de animais, tratados com doses massivas de medicamentos; alteração do uso do solo e do ambiente por monoculturas gigantescas, massivamente impregnadas de agrotóxicos etc. Todos os dias as mídias proprietárias relembram das últimas grandes epidemias – Ebola, SARS, MERS, H1N1 etc, mas “esquecem” de dizer que foram gestadas pelo próprio capitalismo. Ainda a destacar, o avanço das expropriações de direitos sociais incidiu diretamente na saúde, privatizando parcelas expressivas das políticas universais, precarizando trabalhadores, transferindo boa parte da saúde pública para mãos empresariais ávidas de lucro, além da destinação crescente de recursos públicos para o setor privado.  Esta é portanto uma pandemia totalmente acoplada à crise da vida social provocada pela expansão do capital e do capitalismo, sem falar da profunda internacionalização das relações sociais de produção.

O capital precisa se opor à disjuntiva verdadeira, à exigência que se generalizou, e que prega que a vida está acima do lucro. Por isso, cria a falsa disjuntiva da defesa da saúde contra a “economia”. Essa é a expressão mais direta da luta de classes em tempos de pandemia.

ANDES-SN: Essa pode ser uma oportunidade para escancarar a falência do modelo neoliberal e do Estado mínimo para o social?

VF: Mais uma vez, como fizeram em 2008 e em 2012, os governos capitalistas despejam trilhões de dólares para os proprietários de capital, numa negação óbvia e repetida (posto fazerem isso regularmente fora dos olhares do público) da pregação dogmática que repetiram todos os dias, do ‘ajuste fiscal’ e do controle da dívida pública. A hipocrisia agora dispensa véus.  Não destinam tais recursos para os trabalhadores e nem para as políticas de cunho social. A discussão sobre o Estado é complexa e longa, e vou tentar abreviar.

A expansão do que denominei capital-imperialismo envolveu uma interconexão desigual entre burguesias diversas na propriedade do capital, altamente internacionalizada. Mas envolveu também, como precocemente assinalou Antonio Gramsci, alterações nas formas de organização da dominação capitalista, pelo crescente papel de lutas pelo convencimento, levadas a efeito tanto pelas organizações dos trabalhadores, como do empresariado, através de partidos, sindicatos, jornais (mídia em geral), igrejas, associações diversas (sem fins lucrativos) etc. Para Gramsci, Estado e sociedade civil (e seus aparelhos de hegemonia), como em Marx, constituem uma unidade. A cultura e a sociabilidade se converteram em terreno ainda mais acirrado de antagonismo social. Essas formas organizativas, não obrigatórias, intensificaram disputas no próprio interior dos Estados capitalistas, para onde dirigem suas reivindicações. Mas também é do Estado que emanam, sob a forma de uma ‘universalidade truncada’, as modalidades de convencimento construídas desde a sociedade civil, que podem assumir uma dimensão mais popular quando avançam as lutas dos trabalhadores (ampliação de direitos, reconhecimento de reivindicações históricas populares) ou, ao contrário, assumir uma dimensão manipulatória e regressiva.

ANDES-SN: Como a dominação de classe se organizou para enfrentar a sistematização de luta da classe trabalhadora?

VF: A dominação de classes se organizou diretamente para enfrentar as formas organizativas dos trabalhadores. Ele entrelaça os interesses patronais e empresariais numa rede que vai além do estreito limite das próprias empresas e que se apresenta como apartidário, assumindo feições nacionais e, na grande maioria dos casos, apoiadas e integrando associações congêneres internacionais. Assumem diferentes formatos, desde a defesa de interesses patronais setoriais (gerais, como bancos, comércio, serviços; ou específicos, como a indústria farmacêutica ou de máquinas), passando por agrupamentos de grandes blocos de interesses (como por exemplo a ABAG, no caso brasileiro que reúne desde a rede Globo até bancos, grandes empresas proprietárias de terras e empresas brasileiras e estrangeiras de insumos e agrotóxicos; ou o Fórum de Davos, no cenário internacional). Mas além disso, constituíram também outras duas formas, uma intelectual e outra ‘social’. Na primeira, a tentativa de bloquear o conhecimento crítico produzido de maneira universal, através de entidades de ensino e educação com base unicamente empresarial, visível nos Master Business of Administration (MBAs), passando por think tanks que se arvoram a ‘fala autorizada’; e na segunda, a difusão de um suposto capitalismo filantrópico, voltado diretamente para os setores populares. Todos visam impedir conquistas efetivamente universais e para tanto contam com grandes escritórios de advocacia, que formulam, incessantemente, legislações privatizantes, que atuam para contornar a lei e as exigências constitucionais. Sua atuação conjunta foi agressiva, mas sob uma novilíngua que os apresentava como arautos de uma atuação para os pobres que visava… mantê-los pobres e silentes. Não por acaso, essa era também a política conduzida pelo Banco Mundial.

Essa estratégia assegurou um crescimento de burguesias periféricas, mas mantendo-as estreitamente atadas ao capital-imperialismo tanto pelos elos de co-participação em diversas formas de propriedade (pelos investimentos externos e pela exportação de capitais de burguesias secundárias) quanto pela permanente instigação originada dos aparelhos de hegemonia de alto vôo internacional.

 A meu juízo, somente é possível compreender o que muitos denominam como ‘neoliberalismo’ se analisamos a intensa atuação dessas classes dominantes nos cenários nacional e internacional por meio dos organismos semi-públicos voltados para a reprodução do capital (BM, FMI, OMC, dentre outros) e pela ampliação dessa malha de aparelhos de hegemonia que, ao passo em que coordenavam as ações empresariais, agiam para desbaratar e desorganizar internacionalmente as classes trabalhadoras. O empresariado duplicou sua rede de relações no interior dos Estados, além de lançar teias expressivas para os setores populares, ao mesmo tempo em que capturava os recursos públicos sociais para geri-los privadamente. Nesse processo, partidos originados das classes trabalhadoras foram engolidos, transformados em ‘esquerdas para o capital’, convencidos da filantropia empresarial através de gordas retribuições.

Não há espaço para apresentar como essa forma de organização de classes foi devastadora para os setores populares. No entanto, as massas trabalhadoras não vivem de convencimento, mas de vida concreta e, nela, as condições pioravam. Agora, sem direitos e sem sequer contratos de trabalho. E o que é pior, com suas organizações, criadas com tanto sacrifício, oferecendo-se a serviço do capital.

ANDES-SN: Para a senhora, as contradições do capital-imperialismo estão expostas e, em parte resultam do seu próprio sucesso, que fragilizou as instituições representativas burguesas?

VF: De maneira similar às crises resultantes da excessiva extração de mais-valor e do excesso de lucro, com sua acumulação especulativa, a malha empresarial ao devastar as conquistas sociais promove crises políticas recorrentes, o que resultou em gigantescas manifestações populares que crescem desde o início do Século XXI – as ‘primaveras’ árabes, as revoltas na França ou no Chile, dentre outras.

As contradições têm ainda outro viés: burguesias subalternas criadas sob o guarda-chuva imperial dos Estados Unidos pretendiam ingressar no clube dos dominantes, sem alterar as regras do jogo, o que foi expresso pelo BRICS, composto por países subalternos cujas classes dominantes começavam a se expandir seguindo o modelo construído e imposto pelos preponderantes. Não pretendiam alterar as regras do jogo, queriam participar mais plenamente.  No entanto, apenas essa perspectiva abriu tensões insuportáveis para os grupos dominantes, especialmente para os Estados Unidos, abrindo-se novas fricções inter-imperialistas, direcionadas contra a China.

A ampliação do Estado que Gramsci analisou, e que alguns supuseram ser capaz de avançar na direção de um aumento da participação popular em condições democráticas, revelou-se uma verdadeira coagulação da democracia em quase todos os quadrantes do planeta. A manutenção do capitalismo vem exigindo doses múltiplas de violência, ao lado da potencialização de formas de convencimento direcionadas para os processos eleitorais que são, na verdade, verdadeiras milícias virtuais protofascistas.

O Estado continua a ser o refúgio do capital. Nas atuais condições de múltiplas crises – econômica, política, social, sanitária – as falas do governo brasileiro através de Paulo Guedes são esclarecedoras: justificam se afastar de sua política padrão de ajuste fiscal para derramar bilhões de reais para o grande capital, seja para jogar o dinheiro pela janela ao tentar manter o valor do real; seja para que enormes massas de dinheiro público coagulem, ficando empoçadas nos bancos que avidamente as controlam; seja para facilitar a vida dos mega e grandes empresários, acenando também para os médios e, até mesmo, alguns pequenos capitalistas. Implodem mais uma vez seus dogmas, mas com a intenção explícita de retomá-los adiante e prometem mais retirada de direitos, maior rebaixamento das condições salariais e da vida dos trabalhadores. Longas reuniões feitas pelo ministro por meios digitais com os empresários mostram a subordinação dos governantes às classes dominantes e sua ojeriza às populações que eles próprios contribuem para fragilizar e tornar vulnerável. Enquanto os recursos bilionários já chegaram a muitos bancos e empresários, estão longe de ter algum encaminhamento consistente para os setores populares.

Algo tão brutal somente pode ser garantido pelo crescimento da violência, real e simbólica. Ao mesmo tempo, os trabalhadores sabem que estão abandonados, exigem saúde e recursos para cuidar da vida durante a pandemia. Ao contrário de assegurar a vida, o governo Bolsonaro joga para aumentar ainda mais o grau de exploração das grandes massas trabalhadoras. Para isso, vem contando com o apoio de suas clássicas milícias, assim como das Forças Armadas, que parecem dispostas a sair de seu papel de militares, para se converterem em policiais contra o próprio povo.

ANDES-SN: O governo brasileiro, assim como outros países, está injetando dinheiro para salvar empresas e bancos. Qual o impacto dessa medida? É possível dizer que há um oportunismo nessa ação, uma vez que a crise antecede a pandemia?

VF: Não só oportunismo, mas desfaçatez absoluta. Aliás, essa desfaçatez começa com a deferência do super-ministro da economia, Paulo Guedes, frente às entidades associativas empresariais e frente ao setores que lhe são caros, como o dos investidores, exemplificados pela XP Investimentos. Essa empresa lançou recentemente ações na Bolsa de Nova Yorque e acaba de ser denunciada nos Estados Unidos por comportamento não regular.  Longas ‘lives’ (transmissões diretas abertas pela internet) permitem assistir ao ministro cercado de seus amigos empresários, a quem presta contas pessoalmente. Nenhum encontro público ou privado com sindicatos e associações de trabalhadores, com movimentos sociais ou suas organizações. Um absoluto desprezo pelas grandes maiorias, para as quais destinou – segundo sua fala na live da XP – 88 bilhões, enquanto liberou 400 ou 500 bilhões para o empresariado e, segundo ele, alguns bilhões para a saúde pública.

A exigência e o clamor popular eram pela liberação urgente e imediata de recursos para assegurar a permanência dos empregos, a não redução salarial e a garantia da sobrevivência dos trabalhadores informais sob condições de pandemia. Era e ainda é a reivindicação da vida antes do lucro. A opção deste governo foi a de distribuir a rodo recursos para o empresariado, e de embarreirar com firulas burocráticas a urgente distribuição de verba pública para o setores sociais mais vulneráveis. Frente às reivindicações crescentes, inclusive de setores médios, para que o governo Bolsonaro libere “já” os recursos para os setores populares, ele retruca com o lucro contra a vida. Exige o retorno ao trabalho, custe o que custar aos trabalhadores. Estes deverão trabalhar sem equipamentos de proteção, levando e trazendo a contaminação pelas cidades afora, adoecendo e lotando os hospitais desequipados depois de décadas de subfinanciamento do Sistema Único de Saúde, de privatização da saúde e de precarização das relações de trabalho também no âmbito dos trabalhadores da saúde.

 Este é um governo que promove a catástrofe. Joga com o que há de pior – ele próprio ameaça com a fome e o abandono para que os trabalhadores e trabalhadoras enfrentem o medo da doença e da morte e se joguem na produção do lucro para o empresariado, engordado com os recursos públicos e ávido para retirar ainda mais direitos e salários de seus empregados.   

ANDES-SN: Qual Estado precisamos para enfrentar esse momento de crise?

VF: De maneira imediata, precisamos de um Estado capaz de recompor plenamente o sistema de saúde, de destinar recursos públicos para a saúde pública, universal e gratuita, garantidora da equidade e igualdade sociais. O SUS precisa ser, finalmente, implantado, o que jamais ocorreu plenamente. Para tanto, é necessário recompor e reconverter a estrutura produtiva, que deve dirigir-se para a produção dos bens urgentes para a saúde pública e, na sequência, para assegurar a qualidade de vida da população. Para que isso ocorra, é também urgente a destinação única de recursos públicos para a educação pública, que vem sendo sangrada em grande escala não apenas pelas empresas de vendas de pacotes educativos, mas por aparelhos privados de hegemonia empresariais que capturam as verbas públicas, formulam os programas educacionais em todos os níveis (municipal, estadual e federal) e procuram transformar a própria noção de público, para rebaixá-lo a uma gestão privada.

É urgente acabar com a Emenda Constitucional 95, a emenda da morte, e reverter todos os recursos para os direitos sociais. É preciso suspender o pagamento da dívida criminosa e especulativa, anulando tal dívida. Jamais soubemos no que foram aplicados tais recursos. Com isso, destinar os recursos para garantir saneamento básico – e chega a ser vergonhoso mais uma vez exigir saneamento básico, algo que reivindicamos há um século! Garantir água corrente e energia elétrica a todos os rincões do país.

Isso nos leva a enfrentar e reconverter a estrutura produtiva atual, pois está voltada para a devastação da natureza e da vida, nos campos e nas cidades. Vale lembrar os crimes cometidos pela mineração, a monocultura transgênica e encharcada de agrotóxicos, o genocídio que vem sendo cometido contra os indígenas, os quilombolas e os camponeses que resistem a essa barbárie. Vale não esquecer dos trabalhadores uberizados nas grandes capitais, dos entregadores de bicicleta, dos trabalhadores de telemarketing, das vendedoras e trabalhadoras sem reconhecimento ou direitos. É preciso uma nova forma de sociometabolismo, reconstruindo uma relação entre seres sociais e natureza capaz de assegurar os bens necessários à vida sem a exaustão do planeta, de suas águas, vegetação e fauna. E sem a exaustão dos trabalhadores. Um Estado que assegure o controle dos processos produtivos aos que efetivamente produzem, sabedores que os laços que unem os trabalhadores na atualidade não se limitam mais ao espaço fabril, e conectam todos aqueles que vivem do seu próprio trabalho. É preciso tornar públicas todas as águas, desfazendo as iniciativas privatizantes levadas a efeito pelo Estado-para-o-capital. Precisamos de um Estado diretamente controlado pelas grandes massas.

Começaríamos então a poder pensar numa verdadeira democracia, onde a liberdade é a possibilidade de ir além da vida destinada ao trabalho e à necessidade. No mundo do capital, só são livres os poderosos e os seus herdeiros bilionários. A grande massa da população está escravizada pela necessidade mais imperiosa, que a impele a vender sua força de trabalho mesmo se arriscando à morte. A liberdade começa exatamente ali onde a necessidade se reduz. As contradições geradas pelas múltiplas crises que estamos atravessando são poderosas. A resposta do grande empresariado brasileiro tem sido avançar nos recursos públicos e distribuir menos que migalhas. Mas, embora tenham eleito um protofascista e embora as milícias reais e virtuais sigam agindo, a vida real é mais poderosa e as contradições agora ficarão expostas, visíveis e dolorosas.

A vida acima do lucro diz o que precisa ser dito.

 *As opiniões contidas nesta entrevista são de inteira responsabilidade dos entrevistados e não necessariamente correspondem ao posicionamento político deste Sindicato

Fonte: ANDES-SN

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ONG realiza projeto “Paço bem em casa”

Na primeira etapa do projeto serão entregues mais de 3 mil kits de higiene e cartilha informativa para população de Paço do Lumiar.

Neste sábado (25), a partir das 8h, a Organização Social para Sustentabilidade da Vida – Ecobio realiza a primeira etapa do projeto “Paço Bem em Casa” com a entrega de 3 mil kits de higiene no município de Paço do Lumiar. O evento é realizado em parceria com a prefeitura.

A ação de entrega dos kits e cartilha com orientações essenciais para a prevenção do covid-19 será realizada por equipes de profissionais da saúde no sistema “porta a porta” durante todo o dia, conforme orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS), evitando assim deslocamentos e aglomerações desnecessárias de pessoas em postos de entregas.

Os kits que foram devidamente organizados e higienizados, contam com produtos essenciais na prevenção do covid-19, tais como álcool em gel (500 ml), máscara reutilizável em pano 100% de algodão (2 unidades), desinfetante (1 litro), sabonete líquido (500ml) e sabão (300g), além de uma cartilha com orientações preventivas de saúde.

A distribuição dos 3.300 kits nas residências seguirá o seguinte roteiro pelos bairros:

Nova Luz – 250

Novo Paço – 1.500

Armindo Reis – 1.060

Nova Jerusalém I – 160

Nova Jerusalém II – 180

Parque Copacabana – 180

Total 3.330 casas

Serviço:

O quê: Campanha de Orientação e combate ao Convid-19 “Paço Bem em Casa”

Quando: 25 de Abril / Sábado

Horário: das 8h às 17h

Onde: Ponto de Encontro na Secretaria de Saúde de Paço do Lumiar (A partir das 8h a ação segue respectivamente para os bairros Nova Luz, Novo Paço, Armindo Reis, Nova Jerusalém I, Nova Jerusalém II e Parque Copacabana).

Público: Famílias de 6 bairros residenciais em Paço do Lumiar – MA

Assessoria de Comunicação: Marcus Saldanha (98) 98409-7000

Imagem destacada / rua do bairro Parque Copacabana / divulgação

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Abraço Maranhão lança programas educativos sobre o novo coronavírus

A Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço) no Maranhão começou a distribuir hoje para as emissoras filiadas a série de programas com orientações sobre a pandemia do novo coronavírus.

Com o nome “Rádio Abraço Saúde”, os programas radiofônicos contêm informações e dicas sobre os sintomas da doença, as formas de contágio, orientações sobre as medidas emergenciais que devem ser tomadas pela pessoa sintomática e o reforço sobre a importância do isolamento social, entre outros conteúdos.

No formato de perguntas e respostas, os primeiros programas contam com a participação da professora da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), médica infectologista Maria dos Remédios Carvalho Branco, doutora em medicina tropical e saúde internacional.

Ouça aqui o primeiro programa, aqui o 02 e aqui o 03 e o 04.

Drª Remédios Carvalho Branco

De forma didática, ela responde às perguntas essenciais com o objetivo de orientar os ouvintes sobre as formas de prevenção, cuidados e as providências fundamentais que devem ser tomadas pela população, como o uso de máscaras e a higienização das mãos com álcool gel e água e sabão.

A iniciativa da Abraço Maranhão, em parceria com a Agência Tambor, visa disponibilizar conteúdo radiofônico em linguagem acessível à maioria da população e reforça o papel das rádios comunitárias no enfrentamento da pandemia.

Além da participação dos programas da Abraço, a médica Maria dos Remédios Carvalho Branco já mantém um site com um diversos conteúdos sobre a pandemia (acesse aqui)

Os programas têm roteiro do presidente da Abraço Maranhão e professor da UFMA, Ed Wilson Araújo; locução e edição de Marcio Calvet; participação especial de Lanna Gatinho; e consultoria do engenheiro Fernando Cesar Moraes. Antes de formular as perguntas para a médica Maria dos Remédios Carvalho Branco a produção do programa fez uma sondagem junto a alguns radialistas de emissoras comunitárias para saber quais eram as dúvidas mais frequentes dos ouvintes.

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Apruma promove live com Maria Lúcia Fattorelli sobre dívida pública, grandes fortunas e os direitos dos trabalhadores

A transmissão ao vivo que a Apruma realiza semanalmente acontece na próxima sexta-feira, às 16h, em seu canal no Facebook (www.facebook.com/aprumasecaosindical).

Desta vez, o tema será a relação entre dívida pública e grandes fortunas e a falta de investimento nos serviços públicos.

Para debater o assunto, a Apruma contará com a participação de Maria Lúcia Fattorelli (foto destacada), coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, que promove uma discussão fundamental sobre os verdadeiros gargalos econômicos que contribuem para a precarização dos serviços, retirada de direitos dos trabalhadores dos setores público e privado, para a crise econômica que já afundava o país antes mesmo do alastramento do novo coronavírus, e como as políticas adotadas até aqui em termos macroeconômicos contribuem para essa espiral recessiva em prejuízo de toda a sociedade.

Pela importância do tema, que reflete ainda no modo de enfrentamento à pandemia, que demanda investimentos maciços nos serviços públicos, ao contrário do que defendem Bolsonaro e Guedes, a Apruma convida todos os docentes não apenas a acompanharem a transmissão, mas a compartilhar esta notícia e fazer com que mais pessoas participem desta discussão que interessa a toda a sociedade.

Agenda:

Transmissão ao vivo sobre a relação entre a dívida pública e as grandes fortunas e a falta de investimento em serviços públicos

Data – 24 de abril, sexta-feira, às 16h.

Participação de Maria Lúcia Fattorelli, Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida.

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Roberto Fernandes: uma instituição no rádio

Quem vive apaixonado por rádio AM sabe como é difícil encarar a morte de Roberto Fernandes, vítima do novo coronavírus nesta terça-feira 21 de abril. No momento em que escrevo passa na tela do computador o filme da minha vida de ouvinte, boa parte dela acompanhando os dois programas mais expressivos ancorados por esse grande profissional: Roda Viva, na Educadora AM; e Ponto Final, na Mirante AM.

Com tantos dispositivos sofisticados de comunicação, eu ainda sou do tipo que acorda e liga o velho aparelho portátil todos os dias. Ouvir rádio é como rezar, comer e beber. É um alimento indispensável no cotidiano.

E na minha caminhada de ouvinte muito tempo foi dedicado a Roberto Fernandes. Bem antes do meu primeiro emprego de jornalista em Assessoria de Comunicação eu já curtia os programas jornalísticos e as transmissões esportivas no radinho de pilha do meu pai, em nossa pequena quitanda, na Feira do João Paulo.

Depois a minha escuta ficou mais focada e atenta, percebendo como o rádio AM é um vigoroso instrumento de conexão da audiência com os gestores públicos e os entes privados. Aos poucos o meu gosto por esse fantástico meio de comunicação despertou a minha curiosidade acadêmica, resultando na tese de doutorado na PUCRS com o título “A palavra falada em pulsação: produção e recepção dos programas jornalísticos nas emissoras de rádio AM, em São Luís”.

A feitura da pesquisa, elaborada com tantas fontes no trabalho de campo, teve em Roberto Fernandes um manancial de informações. Aquele homem ocupado e importante era sobretudo um cara generoso que me recebeu uma tarde no seu apartamento para uma longa conversa sobre rádio com 1 hora e 39 minutos de duração (ouça aqui).

Todo esse relato serve para falar da minha gratidão e do meu respeito por Roberto Fernandes. Eu aprendi muito ouvindo ele. E quantas vezes tive a chance de falar no seu programa sobre temas de interesse público.

Entre tantas alegrias que Roberto Fernandes proporcionou à sua audiência, quero registrar a primeira vez que um ouvinte e fã (veja acima) falou no rádio com seu locutor preferido. Seu Nildo, um homem simples, morador da comunidade Taboa, na ilha de Mangunça, em Cururupu, é um dos “invisíveis” que só tem o rádio como amigo e companheiro naquelas comunidades onde nem a luz elétrica chega.

No outro vídeo (abaixo), seu Vaguinho, morador da ilha de Guajerutíua (Cururupu), fala sobre a importância do rádio AM ao longo de toda a sua vida.

Sempre digo para meus alunos que um dos segredos do sucesso na mídia é ter os pés no chão. Roberto Fernandes era famoso, reconhecido e celebrado, mas nunca deixou de ser um profissional simples, tranquilo, honesto e com a dose certa de humildade.

Quando ele mudou de emissora, saindo da Educadora AM para a Mirante AM, houve uma verdadeira comoção no rádio. Muitos ouvintes telefonaram para lamentar, reclamar, criticar e até chorar, argumentando que o estilo e a liberdade do apresentador não seriam mais os mesmos quando ele fosse trabalhar no Sistema Mirante de Comunicação.

A audiência tinha certo receio do que poderia acontecer com Roberto Fernandes trabalhando na rádio do sistema de comunicação de propriedade da família liderada por José Sarney.

Ele mudou de empresa, mas seguiu as suas referências éticas construídas ao longo de uma carreira sólida e respeitável. Na Mirante AM/Globo manteve a simplicidade e o carisma que cultivou na sua antiga casa – a Educadora, pertencente à Igreja Católica.

Aquele homem que tinha o poder da voz e a posição institucional do locutor carregava também uma característica fundamental do comunicador – saber ouvir.

Tanto no programa Roda Viva quanto no Ponto Final ele preservou o bom trato junto à audiência, sabia considerar os diferentes níveis de posicionamento dos ouvintes, sempre respeitando o senso comum e a fala mais elaborada, sabendo ser duro quando necessário, porque o rádio é também o lugar das discordâncias.

Ele não era apenas um jornalista e radialista, era uma instituição nesse meio de comunicação tão importante para a cidadania e a democracia.

A voz de Roberto Fernandes silenciou, mas a sua força espiritual no rádio segue vibrante, servindo de exemplo e referência para outros tantos profissionais, ouvintes e às novas gerações de radialistas.

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O problema da “obviedade”: breve ensaio sobre O Poço

Por Marco Rodrigues, filósofo

“Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não se tornar também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você”. (Friedrich Nietzsche)

A condição humana, em sua tomada de consciência, depara-se em dado momento com as seguintes inquietações, quiçá irrespondíveis: por qual razão e, para que propósito, existimos no fim das contas? Em latência essas perguntas permanecem, durante a vida inteira, mesmo que sob os escombros do frenesi das ocupações, ou ainda, das convicções e crenças, que turvam e emulam o olhar numa direção dispersa e difusa. Por mais que haja diversas narrativas que atribuam sentido à existência, acabam por sucumbir na hora derradeira do caos, quando a incerteza passa a corroer a alma. Tal problemática aparece de forma complexa em “O Poço”, uma intrigante obra cinematográfica, sob a direção de Galder Gaztelu-Urrutia. O que se propõe aqui analisar é apenas um recorte, a maneira ensaística, de uma obra fílmica dotada de diversas variáveis e representações que permitem uma hermenêutica de vicissitudes múltiplas.

A trama se inicia ao som de música erudita, numa requintada cozinha, que funciona com o maior rigor e cuidado o preparo dos mais finos e variados pratos, sob a supervisão de um atencioso Chef de Cuisine. À primeira vista, imagina-se um restaurante de alto padrão. O controle de qualidade demonstra-se impecável, numa precisão mecânica, apresentando de forma satírica as ilusões que são construídas a partir dos ideais sofisticados de cultura e de civilidade. Mas toda essa suntuosa produção tem por objetivo a alimentação dos detentos do Poço, servida com requinte numa plataforma que desce diariamente e para em cada andar, num breve instante para que cada dupla se sirva, ao longo de 333 níveis. Esse apreço com o preparo não objetiva a promoção da dignidade humana e de seus direitos, nisso consiste sua ironia. Pouco interessa o que acontece em seguida, cumpriu-se uma tarefa. Não é difícil supor que os detentos dos níveis mais baixos não terão o que comer, mas não porque a comida seja insuficiente. O modo glutão de Trimagasi (Zorion Eguileor), logo na primeira aparição da plataforma, evidencia essa compreensão frente à perplexidade de Goreng (Ivan Massagué), uma vez que, estando no nível 48, descobre que resta ter que se alimentar de tudo o que sobrou da voraz indiferença de 94 pessoas dos 47 andares acima. Os “de cima” não respondem aos “de baixo”, logo os “de baixo” não têm porque reportarem-se aos “de cima”, o que se reproduz em cadeia ao longo dessa estrutura.

Por outro lado, Goreng faz um questionamento que, por prematuridade, pode acabar passando despercebido, mas que é o fio condutor para as implicações mais importantes do filme. Trimagasi explica que em breve haverá menos pessoas, como se isso fosse uma forma de consolo ou alívio. “Por que haverá menos gente?”, é o que Goreng pergunta. Ao contrário do “óbvio” que se poderia esperar, Trimagasi responde: “não direi que é óbvio, pois não é”.

Essa crise inaugura algo que até então parecia impossível, o diálogo, e consequentemente o despertar de um pensamento crítico que direciona todo o conflito. “Há três tipos de pessoas. As de cima, as de baixo, e as que caem”. Essa definição parece óbvia? “Óbvio!”, diria certamente Trimagasi, o que por ventura é o que responde na maior parte das vezes, como um bordão. Todavia, não há nada de óbvio nisso. Está em cima, ou em baixo, não é a questão. Bem diferente do que se possa supor, O Poço não é um filme óbvio. Essa é a sua sutil provocação, um distrator. Ninguém é de cima ou de baixo; na verdade, ninguém é, fundamentalmente, de lugar algum. Ocupa-se um espaço, um lugar, mas apenas de modo provisório. Não há classes sociais, e a luta não é de classes. Todos os meses os detentos acordam em um novo andar, de cima ou de baixo, sem que se possa escolher quaisquer desses níveis. Não há garantias, enquanto durar a pena, a qualquer detento. Esses três tipos de pessoa não se definem como “produto do meio”, pois o ambiente é exatamente o mesmo, oscilando amiúde os seus graus, pois, quanto mais se desce, pior é a descoberta que cada um realiza e faz, a partir de si mesmo, em contraposição aos outros que operam igualmente em suas descobertas díspares e ambíguas.

Porém, o que se descobre não é a revelação de alguma natureza mais própria, mas de possíveis de suas condições, que se constroem a cada diferente nível. São muitos os limites humanos que se deslocam, numa lógica perpendicular. “O homem é o homem e a sua circunstância”, bem como compreende Ortega y Gasset, filósofo espanhol, uma vez que as circunstâncias não são o meio, mas um conjunto de variáveis que se interpõem. Brutalidade, violência, canibalismo, estupro, indiferença, egoísmo, são potências à disposição de qualquer um, e mesmo aquele que jamais imaginou ser capaz de realizar tais coisas, vê-se abruptamente cair nessas vilezas, de uma forma ou de outra, por diferentes razões. Goreng, por exemplo, pratica de violência e experimenta carne humana, apesar do asco e do absurdo que isso possa representar. Basta lembrar, também, que evitara comer no início e, ao tentar guardar um fruto para outro momento, é penalizado, descobrindo que resistir à tentação de se alimentar poderia ser um erro… Seu pecado original de modo reverso, onde se precisa experimentar da árvore do conhecimento?

Outrossim, a existência humana não é um discurso, muito menos ainda o que se pode ter em mente enquanto crenças e ideologias, mas também não é apenas o que se faz dela eventualmente. A ausência de interlocução entre os “de baixo” com os “de cima”, e vice-versa, intensifica a barbárie e retroalimenta as idiossincrasias que, atingindo um estado solipsista, garante intacta a conservação da estrutura vertical sem hierarquia do Poço. Tanto o senso de coletividade, quanto a intensificação do narcisismo, podem legitimar um determinado sistema. É igualmente provável que se possa sucumbir em ambos os casos, exatamente quando a dimensão política desaparece. Não há mais uma política ali, embora haja um arquétipo de Estado e algum poder exercido, o que significa dizer que a ética se torna muito pouco provável, pois a moral que se engendra não resulta de uma atividade relacional, mas de sua recusa. Não é por ventura que as luzes verdes e vermelhas expõem a automação que inviabiliza a atitude reflexiva. Apenas atende-se a comandos regulares de condicionamento, nada parece mais mediar as condutas. A coerção é dada pelo ensimesmamento de cada um, o que condena suas próprias consciências à escravidão autoinduzida. Por isso, essa prisão é chamada de Centro Vertical de Autogestão (CVA), podendo-se inclusive adentrá-la voluntariamente. É uma edificante soberania consumada por idiotas, na semântica grega da expressão, ἰδιώτης (idiṓtēs), cujo sentido é plural embora não tenha conotação coletiva. Trata-se, trocando em miúdos, do que popularmente se diz: “cada um por si”. Certamente essa pretensão de individualidade firma um tipo de pacto da mediocridade espontâneo e não declarado, tal como se realiza nessas atividades ridículas de coaching, cujo método psicológico barato estimula a positividade maléfica do acreditar em si mesmo.

Diferente do que considerara Sartre, em “Entre quatro paredes”, em O Poço o inferno não são os outros. Ora, são 333 andares, sendo 2 pessoas em cada um, multiplicando-se esses dois números temos o seguinte resultado: 666. Isto faria o inferno de Dante até razoável, para alguma redenção. Sendo assim considerado, é o número da besta o que, amiúde, metaforicamente ilustra a composição de um outro tipo de inferno, que se evidencia e se estabelece nas próprias consciências e não por intermédio das relações interpessoais. “O inferno sou eu”, poderiam dizer, todavia assumir a própria decadência poderia ser letal, por insuportabilidade, o que demonstra a perspectiva daqueles que caem. Olhar para si e descobrir a própria insignificância, não é tarefa fácil.

Na maior parte das vezes, são os “de cima” que mais se precipitam, entrando assim em cena o fenômeno do suicídio. Por essa razão, é que Trimagasi afirma que o nível 48 é um bom nível, pois muito acima não se “tem muito o que esperar… e muito o que pensar”. Com efeito, essa espera, que não tem muito o que esperar, denomina-se desespero, ou seja, é a esperança negando-se ser ela mesma uma espera. O que pressente a maioria dos detentos são os efeitos de elpís, o único dos males a permanecer na caixa de Pandora, segundo o mito grego. Mas não era a esperança? Não, essa tradução é imprecisa, precária e tendenciosa. Em grego antigo, elpís é “Antecipação”, isto é, a capacidade de saber o que irá acontecer conosco no futuro, ou ainda, sobre o destino. “Antecipação” não é “esperança”, mesmo que represente uma outra forma de espera. Porém essa habilidade, ao permanecer na caixa, vedado ao conhecimento dos homens, permite que se possa imaginar o que nos espera, e com isso almejar alguma destinação feliz, o que finalmente pode ser chamado de esperança, do latim spes (espera), exercida pelo esforço do acreditar. Todavia, não saber e ter que refletir sobre o que está porvir também nos põe diante da incerteza, o que profundamente intensifica a amargura sobre às expectativas desse pensar, o que em nada tem de óbvio.

O pensamento pode se tornar uma dimensão perigosa, principalmente quando ocorre no encontro inoportuno com a vazio que flui da angústia, na proporção da instabilidade acerca do que guarda o futuro. Imaginar onde se acordará no próximo mês é, certamente, o que põe em crise esperança e antecipação. Portanto, não é o suicídio a consequência de uma causa, não acontece por conta de uma razão – mas quando se carece de quaisquer razões. Relações de causa e efeito são sabotadas, tornando a compreensão lógica ineficiente e ingênua. Comete-se suicídio, provavelmente, na ausência de um motivo, e não quando se possa ter algum. Sem dúvida, trata-se de uma falsa obviedade.

Por outro lado, quando é compreendido algum motivo, a revolta ou a conformidade podem ser fundamentos, a exemplo, respectivamente, de Goreng e Trimagasi. É a partir dessa dubiedade que o livro “Dom Quixote” se torna mais útil que a “samurai plus”. Mesmo aparentemente impossíveis as causas pelas quais se pode lutar, é preciso ainda assim colocar-se diante delas, mesmo que cada nível do CVA não passe de moinhos de vento. Com relativa certeza, não é óbvia nenhuma formulação utópica, o que desperta ampla suspeita sobre as propostas que contrariam a obviedade do real estabelecido, cujo rigor de sua sistemática enfraquece iniciativas de subversão. É por esse motivo que Trimagasi pergunta a Goreng se ele é “comunista”, pejorativamente. Essa inquirição explica o que representa a desilusão que se observa atualmente, pois, quando alguma iniciativa de política social e de solidariedade é proposta, entende-se, na maior parte das vezes, por assistencialismo esquerdista, como se asseverar sobre o bem comum já não fosse uma ideia pensada desde os filósofos gregos. A autogestão destrói a empatia, na mesma medida que cria, inadvertidamente, um sentido meritocrático falso e que se descobre fracassado. Não há resistência quando se executa a autopersuasão, o que estende uma teia de relativismo formado por fios dogmáticos, onde cada um considera o próprio ponto de vista como a única medida de todas as coisas. Exatamente por essa condição, é que a obviedade se estabelece por não reconhecer a diferença fundamental que permitiria a necessária abertura ao outro.

A imagem do inferno se maximiza, não apenas porque Goreng acordara no nível 202, mas porque descobre haver muito mais abaixo, e não apenas 200, diferente do que houvera declarado Imoguiri (Antonia San Juan). A antiga funcionária do CVA pouco sabia do que se tratava o seu trabalho, talvez isso tenha impulsionado, junto ao câncer e a impotência de seus discursos, sintomas de despropósito que terminaram em suicídio, o que garantiu a sobrevivência de Goreng, canibalizando-a. O que é importante nisso, de certo modo, é que outra obviedade é solapada. Não há o que poderia ser óbvio naquilo que não se conhece propriamente, e muito menos ainda naquilo que se acredita conhecer. Muitos equívocos podem ser cometidos em nome de uma certeza, ou até mesmo de uma aposta de fé, pior ainda quando através de achismos. Naturalmente, esse problema permite se pensar que nada garante que não houvesse menores de idade naquelas instalações. Nada também garante que a manutenção intacta da panna cotta resultaria em alguma mudança.

Apesar dessa conjuntura distópica, o errante Goreng, o messias Dom Quixote, e Baharat (Emilio Buale), seu Sancho Pança desventurado, perseveram ao reconhecer a essência trágica do mundo, através de um inconformismo que ignora, de forma demasiado humana, tudo o que parece completamente óbvio.

Imagem destacada retirada no site cineclick