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Teorias conspiratórias e apocalípticas dialogam com o totalitarismo

Nas feiras e em outros ambientes populares uma fala ganha cada vez mais força: “as profecias estão se cumprindo”.

O dito é quase uma senha entre amplas bases do senso comum, dos setores vinculados à onda tradicionalista e nas igrejas evangélicas neopentecostais, de Olavo de Carvalho a Silas Malafaia, profetas do charlatanismo e das obscuridades mais gotescas.

As teorias conspiratórias e apocalípticas põem fermento no negacionismo, disseminando miríades de informações distorcidas e mentiras descaradas sobre a pandemia covid19, levando as pessoas incautas a validarem todo tipo de faz de conta.

Nesse aspecto, o negacionismo dialoga com algumas “teses” de inspiração totalitária, entre elas a crença, a mentira e a ficção, com a enorme potência de produzir narrativas extraordinárias e fora da realidade.

Hannah Arendt, na obra “As origens do totalitarismo”, atenta para o papel da propaganda de massa baseada em recursos que misturam credulidade e cinismo (p. 519-520):

A propaganda de massa descobriu que o seu público estava sempre disposto a acreditar no pior, por mais absurdo que fosse, sem objetar contra o fato de ser enganado, uma vez que achava que toda afirmação, afinal de contas, não passava de mentira. Os líderes totalitários basearam a sua propaganda no pressuposto psicológico correto de que, em tais condições, era possível fazer com que as pessoas acreditassem nas mais fantásticas afirmações em determinado dia, na certeza de que, se recebessem no dia seguinte a prova irrefutável da sua inverdade, apelariam para o cinismo; em lugar de abandonarem os líderes que lhes haviam mentido, diriam que sempre souberam que a afirmação era falsa, e admirariam os líderes pela grande esperteza tática.

Arendt chama atenção também para a figura do Líder no processo de principal referência para tornar a mentira eficaz (p. 520):

Essa reação das audiências de massa tornou-se importante princípio hierárquico para as organizações de massa. Uma mistura de credibilidade e cinismo prevalece em todos os escalões dos movimentos totalitários, e quanto mais alto o posto, mais o cinismo prevalece sobre a credulidade. A convicção essencial compartilhada por todos os escalões, desde os simpatizantes até o Líder, é de que a política é um jogo de trapaças, e que o “primeiro mandamento” do movimento – “o Führer sempre tem razão” – é tão necessário aos fins da política mundial – isto é, da trapaça mundial – como as regras da disciplina militar o são para as finalidades da guerra.

A máquina que gera, organiza e dissemina as monstruosas falsidades dos movimentos totalitários também depende da posição do Líder. À afirmação propagandística de que todo evento é cientificamente previsível segundo leis naturais ou econômicas, a organização totalitária acrescenta a posição de um homem que monopolizou esse conhecimento e cuja principal qualidade é o fato de que “sempre teve razão e sempre terá razão”.

Qualquer semelhança com o comportamento, as atitudes e o discurso de Jair Bolsonaro e dos seus fanáticos seguidores é mera coincidência.

Imagem destacada / Panorama de uma cidade à beira-mar com a orla e os prédios sendo tomados por uma onda de vírus / Fonte da imagem neste site