Eloy Melonio é professor, escritor, letrista e poeta.
Um passeio pela passarela alfabética da nossa língua para destacar palavras e soletrar ideias.
A
“A” e “A” (alfa) são primas parecidas. E balizas, puxando uma turma de enfileiradas que se tornaram personagens lexicais.
B (bê)
Igualmente, essa também tem um primo parecido (B/β [beta]). As duas se juntaram para formar “alfabeto”. “B” puxa uma boa lista de bobagens, mas brilha na inicial do nosso país.
C (cê)
“C” é do c*.” E do coração, do caminho. Na linguagem informal, fantasia-se de pronome: “Cê pode pensar o que quiser, mas o C DE ASA é só um bloco carnavalesco da minha cidade”. Aos noivos, um conselho: “quem casa quer casa”. E aos crédulos, “Colher de chá não é só uma segunda chance, é presente de amigão”. Caramba, “C” é mesmo do cacete!
D (dê)
“D” é demais. Uns pensam logo em dinheiro, outros em doidos. É que antigamente esses rasgavam cédulas. Hoje, mais coerentes, guardam-nas em cuecas, e ainda declaram: “Pouco dinheiro eu tenho é muito”. Os compenetrados dizem: “Tá certo, ou Tá legal”. Mas a galera digital tá dizendo mesmo é “De boa!”
E (é)
“E” traz em si a essência de “ser”, de “unir”, de “explicar”. Acentuada ou não, é, respectivamente, tônica ou átona. E se é assim,… Mesmo curta, a espertinha é tão empoderada quanto “energicamente”.
F (efe ou fê)
“F é f*.” Se inferiu outra coisa, você “se ferrou-se” (sim, duplamente), porque essa letrinha funcional faz frutas renderem frutos. Antes do ponto final, fique frio, pois “o fim de um ato pode ser o começo de outro”.
G (gê ou guê)
Essa me lembra de meu pai, que gostava de dizer: “Gente é bicho complicado”. Gravei esse ditado e hoje sei por que governantes gulosos se parecem com gaivotas gordas. E aí, uma constatação: a gente, às vezes, se parece com os bichos.
H (agá)
“H” habitana canção de Ney Matogrosso. Também jogo no time do “H” (honesto e honrado). Haja o que houver, na hora “H”, acho inadiável impetrar um habeas corpus. É que, hoje, a balança pesa mais do lado da vantagem oportunizada. Se a hora é agora, que tal uma “hode ao odierno”?
I
Isto e isso e mais isso. Infinito, imagético. Ih! Lembrei-me de John Lennon (“Allthepeople living life in peace”). Com ele, é impossível não se inspirar para “imaginar” o inadiável.
J (jota)
Essa “joia” sempre jogou no meu time. J. Alves (repórter de TV) entrevistou-me quando passei em primeiro lugar para Direito, em 1974. Jocelyn, a primeira filha, é homenagem a uma professora de inglês. Josy, a nora que me deu dois netos. Desde jovem, já sabia que a vida joga a nosso favor quando jogamos o jogo do amor.
K (cá)
“K” não é uma qualquer, como o “Q” de “quadrilha”. É presente de King, e é tão versátil que ri à toa: “KKK”. Se, por acaso, um dia você acordar e tudo estiver de K para baixo, não se desespere. É só um pesadelo kafkiano.
L (ele ou lê)
Literalmente levado, lava a jato a roupa suja de ladrões levianos. Na mesma vibe de Chico Buarque, eLe “vai levando”. Seja essa vida, seja lá o que for: a lama, a dinheirama. Lembro, aqui, que “lero-lero” não é nome de pássaro. É conversa mole, sem lenço e sem licença poética.
M (ême ou mê)
Você lembra do “Mr. M”, o ilusionista que fez muito sucesso no Fantástico (Rede Globo/1999)? É que o “M” manda ver mesmo, porque mandar é como diz o ditado: “Manda quem pode, …”. “M é M”, dizem seus amigos. E, oportunistas medíocres, concluem: “O resto é merda mole”.
N (êne ou nê)
Muita gente nega que “N” seja um zé-ninguém. E que “Nadinha” seja nome de mulher. Nadinha é nada, nadica de nada. A galera do circo político aprendeu com Pedro, o apóstolo, a negar, negar e negar. Felizmente o Zezé de Camargo entrou nessa onda.
O (ó)
Essa é uma letra com obstinação! Está na “hora” do relógio, no “hoje” do calendário, na “oração” do crente. Ora bolas! Quem disse que o “O” é um zero à esquerda?!
P (pê)
Essa tem paixão por “podres poderes”. E faz uma festa pornográfica: pn, fdp, pqp. E é desaforado: “Que porra é essa?!” Agora peço licença à norma culta para “consertar uma pescada”. Nada de errado com a “peixinha”. Vou apenas “escamá-la e tirar suas vísceras”. Pesquei essa do livro “How to Speak Maranhês“, de Jáder Cavalcante, que, por sinal, está no prelo.
Q (quê)
Esse é craque em questionar— desses que não se deixa quedar. E que se queixa com qualidade: “Que que isso, minha gente?!” “E aí, cara, que qui tá pegando?” “Qual é tua?” e, enfim, o “q” da questão é que esse queridinho sempre bota pra quebrar. “Pqp!”
R (érre ou rê)
Rio rios de alegria quando dizem que “rir é o melhor remédio”. Seja um riso suave ou rasgado. Não sei se Jesus era de dar risadas (como a “Irene”, do Ivan Lins), mas sei que “chorou” o versículo mais curto da Bíblia (Jo 11:35).
S (esse)
Salve-se quem souber! Muita gente não sabe se sobreviveria entre “ser ou não ser”. Se tivesse de escolher parceiras em abreviaturas, o respeitável “S” fugiria do “F” e do “T” como o diabo foge da cruz. Por quê? Sei lá, pura intuição! Talvez porque o “S” não seja só isso que se sabe.
T (tê)
“T” é do trabalho. Mesmo cansado, não larga do trampo. E é “duro”, tipo o José do Drummond. Também pode ser a tristeza de Alegrete, cidade do Rio Grande do Sul, ao ver seu poeta na “Poeira ou folha levada/ No vento da madrugada”. Aí, talvez, Quintana seja apenas “um pouco do nada”.
U
Um “urro” e eu já me lembro de Coxinho, saudoso cantador de toadas do bumba meu boi do Maranhão. Não precisava dele (U) para expressar o pretérito perfeito: “Urrô, urrô/ Meu novilho brasileiro/ Que a natureza criô”.
V (vê)
Pura vivacidade, vigor para viver a vida. Com a força do “V”, você viaja na velocidade da imaginação. Em janeiro, virada de ano em Veneza. Só não vale vacilada, nem Valentine’s Day em fevereiro.
W (dáblio)
Essa tem cara de gringa, não tem? Washington, Warner Bros., White House. Walker, o Johnny, vive bebendo por aí. E induzindo seus seguidores a trilhar seus passos: Keep walking.
X (chis)
Acho que a cantora Lexa (léa Cristina) sabe que “X” serve para checar, dizer que algo já está resolvido. Se faltar alguma coisa, aí temos o “X” da questão. Avexado, meu amigo Xavier grita: “Xá comigo”.
Y (ípsilon)
Primo legítimo do W, acho que, originalmente, procedem de Wysconsin (EUA). Sempre me encanto com as águas melodiosas de “Yellow River” (Christie), que não saem da minha mente.
Z (zê)
Um “Z” sozinho não acorda ninguém, mas três (ZZZ) já dão um soninho, não dão? Zagueirão da última linha, ele “zofre” com o analfabetismo e “zonha” um dia ver nosso país na linha de frente no campo da alfabetização e do letramento, porque é um direito humano. Finalmente, uma conversa entre dois caipiras:
— Cê sabia que o Zé já é prisidente?
— Qual Zé, cumpade?
— O Zé Lensque, da cumade Ucrânia
— É mermo?! Ah, meu Deus! A coisa tá é russa!
Com todas as letras, quero expressar minha admiração e gratidão aos saudosos Zagalo (1931 – 5/1/2024) e Ziraldo (1932 – 6/4/2024).
(*) Eloy Melonio é professor, escritor, letrista e poeta.