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Água intersticial e areia em praia de São Luís estão contaminadas por bactérias, revela pesquisa

Dissertação de Mestrado da UFMA analisou material coletado na praia do Olho d’Água. Os resultados apresentam contaminação por Escherichia coli, Enterococcus spp. e Vibrio spp., com indicadores até 22 mil vezes maiores que os parâmetros do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama)

Ed Wilson Araújo

Fazer castelos na beira da praia, diversão saudável no passado, pode ser uma brincadeira perigosa na atualidade, em ambientes insalubres. Ao cavar a areia para construir os castelos, os buracos ou pequenas poças acumulam a água de interstício ou intersticial.

Uma pesquisa inédita do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (Prodema), vinculado ao Departamento de Oceanografia e Limnologia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), em parceria com a Universidade Estadual do Maranhão (Uema) e a Fundação Osvaldo Cruz – Rio de Janeiro (Fiocruz), apresenta indicadores de contaminação por bactérias na água intersticial e no sedimento (areia).

Os dados constam na dissertação de mestrado de Osmar Luís Silva Vasconcelos, com o título “Avaliação da contaminação microbiológica em praias de macromaré: uma proposição de metodologia”, sob orientação do professor doutor Jorge Luiz Silva Nunes, coordenador do Laboratório de Organismos Aquáticos do Departamento de Oceanografia e Limnologia da UFMA.

As coletas realizadas durante seis meses, entre 2022 e 2023, na praia do Olho d’Água, local de influência da foz do Rio Pimenta (cerca de 10 km do Centro de São Luís-MA), passaram por análise laboratorial revelando a presença de bactérias potencialmente patogênicas. Foram detectados coliformes totais e coliformes fecais ou termotolerantes (Escherichia coli) e Enterococcus spp., além de Vibrio spp.

A sigla spp significa espécies de um gênero.

Para avaliar a balneabilidade de uma praia, a Resolução nº 274/2000 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) estabelece o quantitativo máximo de 2.000 bactérias de Escherichia coli ou 400 bactérias de Enterococcus spp. em 100 ml de água recreacional. Os resultados obtidos nessa pesquisa demonstram que a areia, a água intersticial e água do mar analisadas estão contaminadas.

O Conama define os critérios para avaliar a balneabilidade das praias como locais próprios e impróprios para banho ou recreação, baseando-se apenas na água superficial do mar.

A dissertação de Osmar Vasconcelos notifica que, embora a água superficial tenha apresentado níveis mais elevados de bactérias, os números dos microorganismos patogênicos na água intersticial e no sedimento (areia) ficaram entre 1.400 (Escherichia coli na areia) até 4.400 vezes (Enterococcus ssp na água intersticial) acima do tolerável. (veja tabela abaixo).

Os resultados de Enterococcus spp variam de cerca de 2.900 vezes o valor máximo permitido pelo Conama até 22.000 vezes, enquanto Escherichia coli varia de 700 vezes a 2.700 o máximo estipulado pela Resolução nº 274/2000.

Resultados apresentam altos indicadores de Enterococcus spp.
Fonte: Dissertação de Osmar Vasconcelos

Em contato com a pele lesionada ou acessando as “portas de entrada” como olhos, nariz, ouvidos e genitálias, as bactérias podem provocar doenças como infecções urinárias e diarreia.

Enxurrada e esgotos

Para o pesquisador, os indicadores de poluição na areia e na água intersticial revelam a negligência dos órgãos fiscalizadores, que consideram somente a água superficial para qualificar uma praia como adequada ou não para banho.

Osmar Vasconcelos avalia que o trabalho serve para orientar a gestão pública e o setor privado sobre os efeitos da contaminação da areia e da água intersticial, ajudando a construir medidas de prevenção de doenças, “principalmente para usuários imunossuprimidos, por apresentarem maior suscetibilidade à infecção, além de crianças, idosos e mulheres em período gestacional”, enfatiza.

Esgoto sem tratamento e o transbordo das estações de rejeitos, somados ao período de chuvas intensas, podem favorecer a contaminação da orla.

Segundo o Painel de Indicadores do SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento), vinculado ao Ministério das Cidades, com base nos dados do Censo IBGE/2022, apenas 25,74% do esgoto é tratado em São Luís, para uma população de 1.037.775 (um milhão, trinta e sete mil, setecentos e setenta e cinco) habitantes.

A falta de informação sobre a contaminação da água intersticial e da areia deixa os usuários da praia vulneráveis. Imagem: Dissertação de Osmar Vasconcelos

De acordo com a Companhia de Saneamento Ambiental do Maranhão (Caema), o Sistema de Esgotamento Sanitário de São Luís é composto por 2 (duas) Estações de Tratamento de Esgotos (ETE), localizadas nos bairros Jaracati e Bacanga; e 11 (onze) Estações Elevatórias de Esgotos (EEE), sendo 2 (duas) na praia do Olho d’Água; 4 (quatro) na Avenida Litorânea – Calhau; 1 (uma) na praia Ponta d’Areia e 4 (quatro) na Lagoa da Jansen.

O material analisado na pesquisa foi coletado próximo ao local onde ocorre o fenômeno da “Língua Negra”, mancha escura que desemboca na praia do Olho d’Água, à altura da foz do rio Pimenta, sinalizando o lançamento de esgoto sem tratamento na orla.

Seguindo a Resolução nº 274/2000 do Conama, os relatórios de balneabilidade em 22 pontos nas praias da Região Metropolitana de São Luís, divulgados semanalmente pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Naturais (Sema), avaliam apenas a água superficial destinada ao banho. De acordo com o laudo fornecido pelo órgão, na coleta realizada em 4 de março, 16 pontos estão impróprios e 6 próprios.

Nesse levantamento, os três pontos monitorados na praia do Olho d’Água estão impróprios. Próximo ao local é comum ver banhistas com crianças. O casal Fátima e Pedro Santana e o filho pequeno costumam brincar de cavar a areia e “enterrar” os corpos. Questionados sobre o risco, os pais disseram que não costumam acompanhar os avisos de balneabilidade.

Presença de Vibrio spp

Restrita às avaliações de microrganismos de origem fecal presentes exclusivamente na água superficial, a normativa do Conama se abstém da análise da água intersticial e do sedimento (areia), largamente utilizados pelos freqüentadores das praias.

No período de baixa pluviosidade (pouca chuva), houve predominância de Vibrio spp. no sedimento (58,3%), seguido da água intersticial (25%) e água superficial (16,7%).

Presença de Vibrio cholerae é preocupante.
Fonte: Dissertação de Osmar Vasconcelos

Entre as espécies do gênero Vibrio está a Vibrio cholerae, causadora da cólera e presente no sedimento. A cólera é uma doença de alta letalidade, responsável por cerca de oito pandemias, caracterizada por diarreia aguda e pode ser transmitida pela água contaminada ou no contato com pessoas infectadas (sintomáticas ou assintomáticas).

Em tempos de alta pluviosidade (muita chuva), houve predominância de Vibrio spp no sedimento (44,5%), seguido da água intersticial (33,3%) e água superficial (22,2%).

Várias espécies do gênero Vibrio foram encontradas nas amostras.
Fonte: Dissertação de Osmar Vasconcelos

“Embora não haja menção sobre Vibrio spp na legislação atual para determinar a balneabilidade de praias, nossos resultados mostraram a presença de Vibrio cholerae, Vibrio parahaemolyticus e Vibrio alginolyticus na areia da praia, local usado para o lazer e onde as crianças gostam de brincar quando visitam as praias, porém comumente ignorado nas legislações de esfera nacional, estadual e municipal”, explica o pesquisador.

A influência das mudanças climáticas

A dissertação revela também uma disparidade nas pesquisas sobre a qualidade sanitária do ambiente costeiro. A água superficial do mar foi a mais investigada para verificação da balneabilidade costeira (70,9%), seguida de água associada ao sedimento (15,7%).

Para Vasconcelos, há poucas investigações no âmbito internacional sobre contaminação na areia e na água intersticial.

A água de lastro, transportada pelos navios estrangeiros de grande porte que atracam no sistema portuário da capital do Maranhão, também é uma referência de poluição por microorganismos no ambiente costeiro, conforme notícia e artigo intitulado Identificação de enterobactérias e detecção de Escherichia coli diarreiogênica em um Complexo Portuário.

Água de lastro, transportada nos navios, também pode ser fonte de contaminação. Imagem: Dissertação de Osmar Vasconcelos.

Orientador da pesquisa de Osmar Vasconcelos, o professor doutor Jorge Luiz Silva Nunes sublinha o ineditismo do trabalho no Maranhão, mas questiona a pouca inserção dos cientistas no mercado de trabalho local. “Para onde estão indo os nossos recursos humanos qualificados nos Programas de Pós-Graduação?”, indaga.

Ele observa também a ausência de laboratórios de referência, com equipamentos de ponta, para analisar o seqüenciamento genético dos microorganismos. “Com análises de Biologia Molecular teríamos condições de fazer o detalhamento mais preciso sobre os tipos de doenças, os microorganismos e mapear as origens da contaminação, que pode ser nas fezes das pessoas ou dos animais, no solo, na água potável, na irrigação da agricultura ou nos rios e até no lixo quando descartado irregularmente, incluindo o hospitalar”, pondera.

O professor sugere a criação de laboratórios integrados para monitoramento ambiental com equipamentos compatíveis àqueles de importantes agências ambientais de países que estão na vanguarda da ciência mundial para monitorar a qualidade de vida da população por meio da saúde e meio ambiente.

Nunes propõe maior interação entre esse tipo de pesquisa e a gestão pública na área de Saúde Única (One Health), considerando fatores novos, como as mudanças climáticas, que podem alterar a temperatura da água e modificar a ação dos microorganismos, tornando-os mais resistentes.

Segundo o mestre Osmar Vasconcelos, as alterações no regime de chuvas e na temperatura do mar, a distribuição de aves migratórias e a carga microbiana das algas são fatores a considerar. “Os vibrios merecem especial atenção dos programas de monitoramento ambiental das praias, pois podem também adquirir resistência cada vez maior devido à sazonalidade e mudanças climáticas”, explica.

O trabalho ressalta ainda que a legislação brasileira não faz recomendação de uso e nem de pesquisas para quantificar e qualificar as espécies do gênero Vibrio em águas de praia e sedimentos, apenas de Escherichia coli ou Enterococcus spp, embora a literatura internacional afirme que apenas esses dois microrganismos talvez não sejam capazes de indicar com clareza o real grau de contaminação e seus riscos à saúde humana e ambiental.

“A resolução seguiu modelos internacionais que utilizam a Escherichia coli como principal indicadora de contaminação fecal. Todavia, essa bactéria é utilizada desde o início do século XX, permanecendo um hiato internacional que não amplia para a avaliação de outras bactérias indicadoras da qualidade de águas recreacionais e nem de sedimentos”, pontua.

O aprendizado da pesquisa, sublinha o autor, provoca uma reflexão sobre os indicadores que já ultrapassam todos os limites de segurança para a saúde humana e ambiental e sobre o direito a um ambiente seguro que muitas vezes está sendo ofuscado ou negado.

“Além disso, parece que a maioria das pessoas não entende a gravidade do panorama ambiental em todo o planeta. Quanto mais tempo perdemos, mais tornamos a tarefa de zelar pela natureza uma missão impossível. Recentemente construí minha família e me tornei pai. Fico pesando: como deixaremos o planeta para as futuras gerações?”, indaga Nunes.

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