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A ação da OAB/MA contra a COECV

por Rafael Silva, advogado popular

A OAB/MA propôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI no 0800260-59.2021.8.10.0000 – contra a Lei Estadual no 10.246/2015, que instituiu a COECV – Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade, responsável por ações de mediação prévias ao cumprimento de mandados judiciais de reintegração de posse.

A Ordem alega que a lei ofende a Separação de Poderes, “impossibilitando o cumprimento de decisões judiciais”. Há pedido cautelar para suspensão das atividades da COECV. O pedido principal da ADI é pela retirada da lei do ordenamento estadual, o que dissolveria a COECV. É uma ação de interesse de grupos poderosos: imobiliárias, construtoras, ruralistas, agronegócio, grandes empreendimentos. Os afetados diretos são milhares de famílias vulneráveis: coletividades em áreas de ocupação urbana, camponeses, quilombolas, indígenas sem terras demarcadas, quebradeiras de coco babaçu. Ao interpor a ação, a OAB/MA contradiz sua histórica atuação em defesa dos direitos humanos.

O MA é o estado com maior déficit habitacional proporcional do país, maior número de conflitos fundiários no campo e maior quantidade de camponeses ameaçados de morte. Todos os incluídos no Programa Estadual de Proteção a Defensores de Direitos Humanos são hipossuficientes vitimados em conflitos pela terra. É um quadro social assustador.

As ações possessórias e reivindicatórias são a forma como tais situações chegam ao Judiciário. Há cerca de duas centenas de decisões judiciais de despejo para cumprimento no MA. São milhares de famílias pobres afetadas. É nesse âmbito que se dá a atuação da COECV, que colabora num diálogo entre as partes para solucionar o conflito.

Trata-se de órgão de Estado e não de Governo, composto por Secretarias de Estado, Defensoria Pública, entidades da sociedade civil e com participação do Ministério Público e da Corregedoria do TJMA nas reuniões. Desde o início das suas atividades, dezenas de casos foram resolvidos pela mediação, sem violência, evitando-se tragédias. O fluxo dos trabalhos é contínuo seguindo a cronologia de entrada dos mandados judiciais. Antes da COECV, eram comuns despejos coletivos com grande violência, sem qualquer mitigação dos seus efeitos devastadores.

Em reintegração de posse ocorrida em 13.08.2015, em S. José de Ribamar, Fagner Barros, 19 anos (sem qualquer passagem pela polícia) foi morto com um tiro na cabeça por um PM. A COECV estava sendo instalada, sua mediação poderia ter evitado aquela morte.

A lei foi aprovada por unanimidade na Assembleia Legislativa e promove a cooperação entre o Executivo e o Judiciário (enfatizando a Harmonia entre os Poderes) para que os cumprimentos de decisões de despejo respeitem a dignidade humana, valor fundamental da ordem constitucional brasileira. A lei estadual é respaldada por tratados internacionais de direitos humanos, que gozam de hierarquia superior às leis no ordenamento brasileiro (a chamada “supralegalidade”).

Em destaque, respaldam a COECV: a Convenção 169 da OIT e o Pacto Internacional DHESC – ONU, que protegem territórios de povos e comunidades tradicionais e coletividades ameaçadas de despejo (urbanas e rurais), respectivamente. Ambos integram a legislação nacional.

A OAB/MA tem manifestado publicamente que sua reivindicação é centrada no estabelecimento de prazos para os procedimentos da COECV. Mas prazos não precisam ser previstos na lei, podem estar contidos nas suas regulamentações administrativas (Decreto e/ou Regimento Interno). Contudo, a Ordem anexou aos autos da ADI um Regimento Interno de 2016 (Portaria no 95/2016 – GAB SEDIHPOP) que não vigora mais. O atual Regimento Interno da COECV já prevê prazos. Informação que a OAB demonstra não ter obtido antes da propositura da ação.

Em 18 de dezembro de 2020 (um mês antes do ingresso da ADI), foi publicado no Diário Oficial do Estado o atual Regimento Interno da COECV. Nele constam os prazos para os procedimentos da Comissão. No art. 14, §1º consta o prazo de até 05 (cinco) dias úteis para a produção do Relatório de Triagem, que identifica se o caso envolve coletividades urbanas ou rurais. O art. 15, §4º, por sua vez, estabelece o prazo de 30 dias, prorrogáveis por mais 30, para que seja concluída a instrução dos casos para apreciação, em reunião aberta ao acompanhamento público.

Dessa forma, já estaria atendido o que a OAB/MA tem afirmado pleitear: prazos. Pode-se chegar a um desfecho consensuado e imediato, via mediação entre OAB e Estado, que pode ser conduzida pela Defensoria Pública do Estado. O resultado pode ser informado nos autos da ADI com pedidos da OAB e do Estado para que o TJ endosse tal entendimento.

A dificuldade processual é que ações diretas de inconstitucionalidade não abrem margem para desistência. Portanto, o bom senso do Tribunal de Justiça será decisivo.

Caso contrário, poderemos ter um enorme embate público e o agravamento da situação das coletividades mais fragilizadas no Maranhão.

Imagem destacada / divulgação / Polícia Militar do Maranhão durante ato de repressão na comunidade Cajueiro, na zona rural de São Luís, em área pretendida para a construção de um porto privado pela China.

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