# cena 1: o VLT dorme em um cemitério no Aterro do Bacanga;
# cena 2: um fantasma brinca de malabares no Circo da Cidade;
# cena 3: caiu uma chuva de lixeiras na cidade;
# cena 4: o abrigo do Largo do Carmo virou pó;
# cena 5: uma onda gigante varreu as bancas de revista;
# cena 6: festival de música vira palanque gospel;
# cena 7: um homem arrasta e mata um morador de rua amarrado a uma caminhonete no Centro Histórico.
Vou dar zoom na # cena 3: repentinamente, nos lugares mais esquisitos, onde não tem calçada, só matagal e lama, a prefeitura plantou um pé de lixeira em cada poste.
Você sabe quanto foi gasto nesse arranjo? Tem ideia de como seu dinheiro foi aplicado? Houve licitação? Qual empresa ganhou?
De uma hora para outra algum gestor iluminado decidiu que teria de colocar lixeiras por toda parte e assim foi feito. Até nos lugares inadequados.
Há décadas as obras são tocadas sem qualquer mecanismo de consulta aos moradores, empreendedores e fruidores dos espaços públicos.
No geral, são ouvidas as empreiteiras, os lobistas e os negócios do entorno. O trânsito muda para atender o condomínio. O esgoto sem tratamento é jogado num rio qualquer. A zona rural é devastada para atrair grandes empreendimentos… e por aí vai…
O Plano Diretor, principal meio de planejamento da cidade, é ignorado pela maioria da população porque a prefeitura vem escondendo esse tema tão importante da agenda pública.
É muito estranho. Com tanto dinheiro torrado em propaganda para divulgar obras, quase nada é investido na divulgação das audiências públicas de revisão da legislação urbanística.
Vivemos em uma cidade sem participação e transparência, princípios fundamentais de uma administração democrática.
Um dos sintomas mais graves do genocídio cultural é a falta de diálogo sobre as decisões de interesse coletivo.
Os cidadãos foram consultados para saber se a melhor solução seria derrubar o abrigo do Largo do Carmo?
Quem decidiu plantar lixeira, questionou os moradores sobre calçada ou rampa?
Não existe conexão entre a gestão e os cidadãos. As intervenções urbanas são feitas sem qualquer mecanismo de participação da população. E sem transparência quanto à aplicação dos recursos públicos.
O atraso em São Luís é tamanho que reforma de praça, operação tapa-buracos, asfaltamento, capina do matagal e chuva de lixeira viram exemplo de gestão.
Em qualquer capital antenada com os princípios elementares da civilização, equipamentos como bancas de jornais e revistas são incorporados à dinâmica das cidades, inclusive adaptadas às inovações tecnológicas.
Aqui, bancas são exterminadas.
Não adianta higienizar os espaços e inaugurar obras se a mentalidade provinciana permanece entranhada na administração da cidade.
Genocídio cultural não diz respeito apenas às ações específicas relacionadas à morte dos espaços e do fomento às diversas manifestações artísticas na cidade.
No fundo, o genocídio é uma forma de governança excludente, instituída nos moldes arcaicos, amparada numa levada obreira, como o milagre dos tapumes e puxadinhos em anos eleitorais.
Todo esse peso é suportado pelo alicerce duro do pragmatismo eleitoral. Aí quase tudo vira uma prática arcaica entre as elites principais.
O Plano Diretor, a grande política, o governo municipal esconde.
Apesar da boa aparência e gentileza do prefeito, São Luís parece administrada na vida real por alguém saído recentemente do estado de natureza, bicho bruto do agronegócio, tipo de gente que odeia jornal, banca de revista, atriz, gay, estética, leitura, encantamento, poeta, índio e arte em geral.
Além de requalificar as praças, a cidade precisa mudar é a mentalidade provinciana, racista e; às vezes, estúpida, como a ocupar irregularmente os espaços para estacionamento. Essas marcas do autoritarismo, herdeiras das sociedades escravocratas e clientelistas, ainda estão presentes no dia a dia da gestão tocada pelo quero, posso e mando…tirar as bancas de revista, derrubar o abrigo, arrancar o circo, fazer um VLT nas coxas ou enfiar lixeiras nos postes.
Outro forte traço do genocídio cultural é o processo de gentrificação dos espaços públicos, a exemplo do ocorrido na “península”, que transformou uma vila de pecadores no “Leblon ludovicense”.
Os espectros da direita e da extrema direita rondam São Luís. Uma das variações do bolsonarismo, a bibliocracia, está presente e valendo na gestão do prefeito Edivaldo Holanda Junior (PDT).
O exemplo mais esdrúxulo é o recente edital para um festival de música religiosa que exclui as vertentes emanadas do rico patrimônio estético dos povos de matriz africana.
A mentalidade provinciana e racista de hoje guarda resquícios de fatos marcantes em outras épocas: o mulato Gonçalves Dias rejeitado pela família de Ana Amélia; o exílio forçado de Aluísio Azevedo após a repercussão da obra “O mulato”; a fuga de Nina Rodrigues porque era incompreendido na sua província; os rituais de matança de escravos no Largo da Forca Velha (hoje praça da Alegria); a rumorosa absolvição unânime da grã-fina Anna Rosa Viana Ribeiro, acusada de torturar e matar uma criança negra de oito anos, no final do século 19; os escritos racistas de Corrêa Araújo contra Nascimento de Moraes…
Esses e outros tantos outros exemplos estão bem aí, na cara da gente, todos os dias, na São Luís que quer virar Paris…
A capital do Maranhão está parada, olhando o retrovisor: as velhas práticas permanecem e a novidade é tão antiga quanto os esqueletos do passado.
Então, é mais ou menos isso: uma sequência dos últimos 30 anos repaginados no velho discurso da renovação. Assim, novas gerações conservadoras e os 50 tons de bolsonarismo manobram à direita na antiga ilha rebelde.
# cena 7: a serpente acordou expelindo veneno: “sou 19 e estou pronto”
Imagem destacada / As novas caras do conservadorismo: Eduardo Braide, Duarte Junior e Neto Evangelista lideram as pesquisas para a Prefeitura de São Luís em 2020
2 respostas em “Genocídio cultural em São Luís”
Texto excelente. Terá continuação? Dura realidade da capital maranhense.
Tudo caminha para continuar do jeito que está, meu caro João Lindoso.