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Canibalismo político no Maranhão

Um dos desfechos da obra “Dom Quixote”, do escritor Miguel de Cervantes, narra o combate entre o Cavaleiro da Triste Figura e o Cavaleiro da Lua Branca.

As regras da batalha convergiram para que o derrotado reconhecesse a amada do vencedor como a mulher mais bela e formosa do mundo.

O desafio é muito pertinente às façanhas de Dom Quixote ao longo do livro, no qual ele reitera com veemência ser Dulcinéia de Toboso a detentora do título de formosura universal e insuperável, algo sagrado e jamais conquistado por qualquer outra dama.

Os combatentes viam na luta uma forma de possuir a força do oponente derrotado. Não se tratava apenas do resultado (ganhador ou perdedor), mas do triunfo como incorporação da vitalidade do oponente pelo vencedor, passando este a ser o detentor da força do outro.

Observe o arremate do Cavaleiro da Lua Branca, ao interpelar Dom Quixote, o Cavaleiro da Triste Figura:

“Venho lutar convosco e fazer-vos conhecer e confessar que minha senhora, seja quem for, é, sem comparação, mais formosa do que a vossa Dulcinéia de Toboso. Se confessardes essa verdade, sereis poupado, mas, se quiserdes a luta e eu vencer, não quero outra satisfação senão que deixeis as armas e vos abstenhais de lutar, recolhendo-vos a vossa casa, onde ficareis durante um ano, sem pegar na espada nem buscar aventuras. Ao contrário, se vencerdes, minha cabeça ficará ao vosso inteiro dispor e serão vossas as minhas armas e meu cavalo.
Minha fama passará também a ser a vossa […]” (Dom Quixote, p. 284)

O sentido de incorporar, anexar e adicionar para si a força e a fama do outro está presente também na prática das culturas arcaicas, a exemplo do canibalismo. Embora esteja situado num tempo muito distante do cenário político institucional da modernidade, o canibalismo serve de ilustração para situar a violência como meio para impor a dominação.

A ação de devorar o adversário vencido implicava em nutrir-se do corpo do inimigo para anexar o sentido da vitória na batalha. O triunfo do vencedor poderia também ser ostentado em exibir no corpo ou na sua lança algum artefato dos restos mortais do derrotado: um osso, a mão ou a caveira inteira, por exemplo.

Lutar, matar, devorar e exibir eram formas de teatralizar e materializar a violência. O vencedor tornava-se assim mais forte e poderoso não só matando, mas comendo a carne e exibindo algum esbulho do algoz eliminado.

Apenas ilustrativamente, o canibalismo é presente na política institucional, em determinadas circunstâncias, quando o vencedor adiciona a si a força e a fama do outro. A constituição do inimigo, por sua vez, é parte da lógica da política, fundada no conflito como alimento na busca pelo poder. Diz o filósofo coreano Byung-Chul Han, em “Topologia da violência”, p. 97:

“Quanto mais nítida e unívoca for a imagem do inimigo, mais claros serão os contornos da própria configuração. A imagem do inimigo e a imagem do si-mesmo condicionam-se mutuamente, provocam seu surgimento mútuo. As energias destrutivas dirigidas contra o outro têm efeito construtivo na formação de um si-mesmo firmemente delimitado e demarcado.”

Até mesmo quando a política aparenta conciliação ou paz, a violência está presente. No contexto agonístico, um aparente entendimento como sinal de pacificação pode ter nos bastidores o uso da força por meio das ações do governo ou de uma expectativa de governar. A paz visível pode ser fruto da violência oculta.

As práticas violentas na política manifestam-se com excessiva visibilidade nos períodos eleitorais, quando as forças partidárias e outras da sociedade civil se organizam em uma impressionante mobilidade para formar coligações, definir candidaturas, cooptar lideranças, eliminar obstáculos, agregar aliados e defenestrar concorrentes, silenciar e/ou bloquear situações adversas etc.

É o momento da(s) tática(s) eleitoral(is), sempre sintonizada(s) na(s) estratégia(s) de cada exército no desenrolar das batalhas que compõem a guerra.

Reiterando. A política é uma atividade essencialmente violenta. Na guerra, por exemplo, os objetivos militares estão sempre submetidos aos interesses políticos, ensina Carl Von Clawsevitz.

Para além do bem e do mal, a política é dotada de uma intensa mobilidade das forças e dos grupos que disputam poder. Assim, o vencedor impõe as suas vontades e o medo, o respeito, os seus interesses e existência através da violência.

Esses cenários são visíveis nas três “eras” lideradas respectivamente por Vitorino Freire, José Sarney e Flávio Dino, cada qual com as suas especificidades e objetivos, os dois primeiros bem distintos do último, para demarcar as diferenças.

O tamanho do inimigo derrotado também influencia na visibilidade do vitorioso. José Sarney ficou grande porque amalgamou a força de Vitorino Freire.

Flávio Dino virou uma referência nacional porque derrotou e agregou a potência da última e quase cinquentenária oligarquia do Brasil.

Apesar das distinções, o exercício da política no Maranhão tem entre os símbolos mais representativos os leões do Palácio do Governo. Eles são a conotação do canibalismo na política em carne e osso, sem artificialidades.

Os leões movem montanhas, modificam cenários, alteram a correlação de forças, silenciam os concorrentes, enaltecem os áulicos; enfim, definem quase tudo.

Aqueles felinos, guardiões do palácio, ilustram a metáfora de Dom Quixote e a prática do canibalismo.

Devido à força descomunal dos leões, o Maranhão vive o instigante momento da transição, quando a mudança não se instalou totalmente e a renovação geracional e das ideias ainda transita no passado.

Imagem destacada / vista panorâmica do Palácio dos Leões / Fonte: iStock

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Combate à covid19 precisa de propaganda de guerra sobre medidas preventivas

Usar máscara, lavar as mãos, vacinar e manter o isolamento social devem ser repetidos exaustivamente no coração e na mente de cada brasileiro(a).

Sem uma ampla campanha educativa nos meios de comunicação convencionais e nas redes digitais não haverá conversão do povo às medidas sanitárias.

Informação qualificada tem de ser uma obsessão permanente, no sentido de disseminar conteúdo como se estivéssemos fazendo propaganda de guerra.

Nesta guerra todas as armas são válidas. O velho panfleto, carro de som nos bairros, investimento nas emissoras comunitárias, FMs, AMs e webradios, propaganda no horário nobre da televisão e todos os recursos das novas tecnologias precisam ser arregimentados em uma convocação para a defesa da vida.

É preciso inundar o imaginário do povo com informações de combate à pandemia.

Se não podemos esperar quase nada do governo federal, cabe às administrações estaduais elaborar e colocar em prática um plano estratégico de comunicação sobre a pandemia covid19.

O Consórcio de Governadores do Nordeste, experiência exitosa em vários aspectos, precisa refletir sobre uma ação conjunta de comunicação pública.

Há muito dinheiro investido em propaganda de obras e outros feitos dos governadores(as). Todos os dias as telas são inundadas com anúncios fartamente exibidos ao longo de toda a programação da TV, principalmente no horário nobre, além da vastidão de informes publicitários nas redes digitais.

O escritor Eugênio Bucci já advertia para um vício da comunicação institucional denominado narcisismo dos gestores. Isso ocorre quando o dinheiro da comunicação pública serve para turbinar a promoção pessoal dos governadores, presidentes e prefeitos.

Nos períodos mais próximos das eleições esse vício é ampliado em dimensões gigantes.

A razão é simples. O Brasil virou um grande necrotério. É hora de dar um tempo na propaganda narcísica e pensar mais na vida de milhões de brasileiros.

Estamos falando de mortes que podem ser evitadas com informação.

A fortuna investida na promoção pessoal dos gestores precisa ser convertida em propaganda educativa sobre as medidas sanitárias. O dinheiro público das verbas publicitárias deve retornar à sociedade no formato de comunicação institucional para proteger a vida.

Atravessamos o momento mais perigoso, quando a população, ameaçada por uma terceira onda de contaminação, acha que a pandemia está acabando e abre a guarda.

O perigo de uma tragédia ainda maior está posto. Para combate-lo é necessário forte investimento na persuasão do povo brasileiro para absorver o sentido protetivo das medidas sanitárias.

Comunicação é vida.