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Só uma questão de tempo

Eloy Melonio*

Já imaginou não ter tempo para fazer algo que não pode esperar?

Difícil? Não, porque o mundo parece viver na velocidade da luz.

Enquanto escrevo esta crônica, o Faustão anuncia, entre outras opções, A biografia de LIONEL MESSI (Leonardo Faccio, Ed. Generale). Surpreso, pergunto-me: Por que tanta pressa em publicar uma biografia?

Posso até me interessar pela autobiografia de Jô Soares, ou a biografia de Clarice Lispector. Mas do “argentino mais querido dos brasileiros”, segundo o próprio Faustão, não vejo lá muita lógica. O que um torcedor não sabe — de importante, claro! — da vida do craque do Barcelona?

A pressa de Messi, 32 anos, é um reflexo deste mundo que acelera o ritmo do tempo. Isso me lembra do bordão criado por Gionanni Improtta, personagem de José Wilker na novela “Senhora do Destino” (Rede Globo, 2004/2005): “O tempo ruge, e a Sapucaí é grande”. E percebo que as coisas estão cada vez mais inadiáveis em comparação com os padrões tradicionais.

Nem tanto. Pelo menos, por enquanto.

Nestes tempos de isolamento social parece que, de repente, tá sobrando tempo no nosso tempo. Estamos (quase) todos em casa. Alguns, mais atarefados do que nunca. Outros, sem nada pra fazer.

Com isso, a profecia de Raul Seixas nunca soou tão dramática. Da ficção poética para a realidade, Raulzito, antecipava, já em 1977, o que hoje estamos vivendo: “O dia em que a terra parou”. Outros também foram na mesma linha. O cantor e compositor Alexander Carvalho, ex-banda Daphne, na canção Caixa de Sapato, de 2003, faz sua exigência: Pare o mundo que eu quero descer.

Por que parar? Pra que descer? Estariam em descompasso com a pressa do mundo, ou tinham outra razão? Ou apenas brincando de arte profética para justificar a verve de Pablo Picasso: “A arte é uma mentira que revela a verdade”?

Verdade seja dita: a arte desfila elegante na passarela do tempo, ora imaginativa, ora filosófica.

E parece que paramos mesmo! No tempo e no espaço. E tudo tão rápido que nem acredito que já estamos na quarta semana da quarentena.

Conversando com um amigo sobre tanto tempo disponível, descobrimos o inusitado: nosso tempo não tá dando pra nada. Incrível, não?

Não sei se isso acontece com você, mas meu tempo diminuiu. Não sei o que está acontecendo. Talvez esteja me dedicando mais às tarefas da casa, às coisas a que antes éramos, de alguma forma, indiferentes ou relaxados. Trabalhos que precisam de revisão descansam na gaveta. Parcerias que deveria retomar, ficaram só na boa intenção. A velha estante continua intocada.

Dizem que o tempo “voa” quando estamos nos divertindo, e “para” quando temos todo o tempo do mundo. Em tempos de “muito” tempo, resta “pouco” tempo para coisas “rotineiras”, e sobra tempo para as novidades, as descobertas.

Quanto a mim, tenho separado mais tempo para passear com meu papagaio, brincar com nossa cadela, sentir o aroma do jasmim do meu terraço. E conversar (por cima do muro) com meu vizinho Davi, de 6 anos.

O certo é que, como diz o primeiro verso da canção “Tempo para amar”, em construção com meu parceiro Gerude, “Tá faltando tempo no meu tempo”.

Nessa escassez, fazemos um pedido:

Tudo o que quero agora

É só mais um minuto na minha hora

Mais uma hora no meu dia

Mais um dia na minha poesia

Enquanto a vida segue seu curso, aprendemos lições. Uma delas, de Fernando Sabino, que “O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem”.

Espero que tudo isso passe rápido. E que logo estejamos de volta ao ritmo normal da vida.

Sem ter de usar o nosso tempo para “chorar” nossas dores.

Eloy Melonio é professor, escritor, poeta e compositor

Imagem destacada capturada neste site

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De tempo em tempo

Eloy Melonio *

“(…) e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou.” (Ec 3.1-2)

Pela primeira vez, elas passaram a tarde brincando de montar a nossa árvore de Natal. Terminada a brincadeira, festejaram como se fosse uma obra de arte. A árvore logo estava repousando sobre uma mesinha no canto da sala. E as duas, felizes, sorriam como quem acaba de ganhar o presente de seus sonhos.

As personagens referidas são minha esposa e nossa netinha de 8 anos. E é com seu entusiasmo que quero ilustrar o assunto deste ensaio: a vida se dá em ciclos.

Tudo isso porque dezembro é o tempo das “festas natalinas”. Em cena, a árvore de Natal, o Papai Noel, brinquedos, confraternizações e a ceia em família.

Os ciclos são a repetição de fenômenos e acontecimentos culturais ou sociais que se sucedem numa ordem determinada, como um aniversário. Com eles a vida segue sua rotina virtuosa, reafirmando e celebrando épocas, datas, momentos. Sejam de ordem cívica, social, cultural, religiosa… Sempre ligados entre si.

Nas sociedades primitivas, as luas, as colheitas, as festas religiosas ditavam o ritmo da vida. No mundo contemporâneo, tudo o que se possa imaginar. Até uma tal de Black Friday!

Enquanto escrevia os parágrafos anteriores, sentado à frente da tevê, ouvi essa frase mais de vinte vezes. Acho que só funerária e cemitério ainda não usam essa promoção, ― como quase tudo que diz respeito ao marketing ― criada pelos americanos. Mas quem garante que no próximo ano isso já não esteja acontecendo! Principalmente hoje quando os custos de um funeral estão pela hora da morte.

Por falar em marketing, o comércio depende essencialmente das datas comemorativas: Dia das mães, dos pais, das crianças, dos namorados. E agora, mais uma novidade: o “mensário”. E o que é isso?! Uma festinha em que os pais celebram o nascimento do bebê a cada mês até a data oficial do aniversário de um ano.

O certo é que os ciclos nos mantêm vivos, revigorados, esperançosos. O principal exemplo é o ano do nosso calendário que marca a passagem do tempo, e cujo apogeu é a “virada”. E assim, o ano-novo começa no último dia do ano velho, e o ano velho termina no primeiro dia do ano-novo. Nesse embalo muita gente vive intensamente os dois momentos: as últimas horas de um (realizações) e as primeiras do outro (resoluções).

Entre o início e o fim de um ano, muitas datas para celebrar. Termina uma, e já sonhamos com a próxima. Depois do Reveillon, o Carnaval. E logo em seguida, a Semana Santa, o São João. Tenho uma amiga que sonha com o Halloween desde agosto. Outra, mal termina o Carnaval, já está com o pé no São João. E, dessa forma, os interesses e os apegos diferem de pessoa para pessoa, de cultura para cultura.

No meio desse fluxo não se pode esquecer as campanhas de saúde pública. Todo ano, as fachadas de alguns prédios públicos e também os profissionais (e ativistas) vestem-se de cor-de-rosa (outubro) e azul (novembro) para lembrar a necessidade de exames preventivos do câncer da mama e da próstata, respectivamente. Inesquecível, e até mesmo incômodo, é o ciclo menstrual que se repete a cada quatro semanas na rotina das mulheres.

Vale lembrar os eventos de cunho político-partidário, religioso, ideológico. Nesse cenário, destacam-se a Parada Gay (ou “do orgulho LGBT”), a Marcha para Cristo, Dia da Consciência Negra (um feriado novo em alguns estados do Brasil), entre outros.

Convenhamos: é no passar e repassar dos ciclos que o nosso espírito gregário se fortalece. Afinal, a beleza da vida está nesse vaivém dos momentos memoráveis. Quanto mais ciclos em nosso currículo de vida, mais sábios, mais felizes, e mais conscientes de nossa condição humana.

Dito isso, só tenho uma dúvida: não sei se minha netinha virá ajudar a vovó quando chegar o dia de desmontar a árvore de Natal.

*Eloy Melonio é professor, escritor, poeta e compositor.