A entrevista coletiva do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, encerrando hoje (20 ago 2021) sua visita ao Maranhão, foi marcada por críticas à postura das grandes redes de comunicação no processo de criminalização do PT.
“William Bonner devia abrir o Jornal Nacional com um pedido de desculpas para nós”, cravou Lula na sua fala de abertura da entrevista, ao ressaltar que foi vítima de sucessivas mentiras da cobertura das Organizações Globo no curso das acusações que o levaram à prisão.
Uma das perguntas da coletiva questionou o petista sobre eventual vitória na eleição de 2022 e quais diretrizes seriam tomadas para uma reforma na legislação das comunicações no Brasil. Lula começou a sua resposta fazendo mea culpa sobre a falha dos governos petistas quanto à implantação de um novo marco regulatório na mídia. Veja abaixo:
Endossado pela presidente nacional do PT, Gleisi Hoffman, o discurso de Lula sintoniza a crítica pública da cúpula do partido ao enquadramento da grande mídia nos últimos cinco anos, desde o impeachment de Dilma Roussef.
Hoffman apresentou aos jornalistas o livro e plataforma Memorial da Verdade, contendo um apanhado dos equívocos jurídicos da Operação Lava Jato e das ações comandadas pelo ex-juiz Sergio Moro com o objetivo de condenar Lula e impedi-lo de concorrer à eleição de 2028.
Muita coisa ainda precisa ser explicada para montar o quebra-cabeças do impeachment da presidenta Dilma Roussef, em 2016, seguido da condenação e prisão do ex-presidente Lula, em 2018.
Os dois fatos, combinados, revelam uma armação grotesca do parlamento, do judiciário e da mídia para destruir as instituições brasileiras, atropelando o Estado Democrático de Direito e os princípios elementares da República.
Parte do golpe é computado à ação coordenada dos meios de comunicação, sob a liderança das Organizações Globo, tendo amplo apoio dos outros conglomerados de mídia.
A operação Lava Jato, hoje totalmente desmoralizada, teve seus momentos de glória nas escaladas dos telejornais globais, onde pontificavam várias personagens elevadas à condição de portadores da verdade.
Uma delas é a estrelada Miriam Leitão, voz autorizada do jornalismo econômico, atuando na Rede Globo como franco-atiradora encarregada de estraçalhar todos os dias a política econômica dos governos do PT.
Miriam Leitão é a mãe do repórter Vladimir Neto, autor de um livro que se tornou uma espécie de “bíblia” da Lava Jato.
O livrão de capa branca e título em letras pretas garrafais tem na estampa uma foto do ex-juiz Sergio Moro olhando para o alto, como se estivesse encarando o próprio Deus.
Intitulado “Lava Jato: o juiz Sergio Moro e os bastidores da operação que abalou o Brasil”, o livro é uma xaropada de elogios ao magistrado.
A obra inclusive serviu de inspiração para a série “O mecanismo”, dirigido por José Padilha, efusivamente lançada antes da eleição presidencial de 2018, no auge da onda lavajateira que tomava conta dos país.
No seu best seller de bajulação a Sergio Moro, o filho de Miriam Leitão retrata o magistrado como um profissional que age com “rigor e coragem” ao conduzir a Lava Jato “com maestria” e como integrante de uma geração de juízes “que trabalha com afinco em busca de resultados”.
Outro detalhe importante: o filho de Miriam Leitão, Vladimir Netto, é casado com a jornalista Giselly Siqueira, uma profissional da informação que ocupou cargos estratégicos no sistema de justiça brasileiro, conforme abaixo:
Assessora de Imprensa da OM Comunicação, de agosto de 1999 a novembro 2001, sendo essa empresa a responsável pelas ações de divulgação da Ajufe (Associação dos Juízes Federais), corporação onde atuava o ex-juiz Sergio Moro;
Secretária de Comunicação do Ministério Público Federal / PGR, de agosto de 2005 a agosto de 2013, nas gestões de Antônio Fernando de Sousa e Roberto Gurgel, no período da Ação Penal 470 (Mensalão) e Ação Penal 707 (Caixa de Pandora);
Secretária de Comunicação no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de agosto de 2014 a julho de 2016, na gestão de Ricardo Lewandowski;
Assessora-chefa de Comunicação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de julho 2016 a fevereiro de 2018, durante a gestão de Gilmar Mendes;
Em seu perfil no Linkedin, Giselly se apresenta como Consultora na “Vnetto” Comunicação. Em tempos de pejotização, “Vnetto” é a abreviatura de “Vladimir Netto”.
Quando Sergio Moro deixou a Lava Jato para assumir o Ministério da Justiça, a convite do presidente Jair Bolsonaro, adivinhe caro(a) leitor(a), quem foi convidada para assumir a Assessoria Especial de Comunicação?
Ela mesma, Giselly Siqueira, a esposa de Vladimir Netto e nora de Miriam Leitão.
Sua permanência na chefia da comunicação do ministro Sergio Moro foi rápida. Ela pediu demissão em julho de 2019, no auge das revelações da Vaza Jato pelo The Intercept Brasil, apontando o ex-juiz da República de Curitiba como peça central de um conluio operado junto aos procuradores da Lava Jato, tendo Deltan Dallagnol como principal interlocutor, com o objetivo de condenar sem provas e prender o ex-presidente Lula.
Os fatos concretos são esses:
1 – Miriam Leitão, comentarista de ponta da Rede Globo, atuou para dinamitar a política econômica dos governos petistas;
2 – Vladimir Netto, filho de Miriam Leitão, escreveu um tratado de puxa-saquismo do então juiz Sergio Moro, obra tratada como a “bíblia” da Lava Jato;
3 – A jornalista Giselly Siqueira, ocupante de cargos influentes no sistema de justiça, teria informações privilegiadas sobre investigações.
Por fim, cabe uma pergunta: imagine um jantar em família na casa de Miriam Leitão, com o filho e a nora… sobre o que eles conversavam nos anos de 2016 a 2018?
Miriam Leitão só não imaginava que o golpe desembocaria em Jair Bolsonaro. Então, ela própria passou a ser alvo das hostilidades e da intolerância do monstro que, direta ou indiretamente, ajudou a criar.
NOTA DA ABJD EM DEFESA DA IMPARCIALIDADE DO JUDICIÁRIO E CONTRA O PARTIDARISMO DE SÉRGIO MORO
A ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE JURISTAS PELA DEMOCRACIA (ABJD), entidade que congrega os mais diversos segmentos de formação jurídica em defesa do Estado Democrático de Direito, VEM A PÚBLICO, diante do aceite do juiz federal Sérgio Moro para integrar o Ministério da Justiça e da Segurança Pública do governo de Jair Bolsonaro, MANIFESTAR ESPANTO E GRAVE PREOCUPAÇÃO com este gesto eminentemente político e consequencial ao comportamento anômalo que o juiz vinha adotando na condução da Operação Lava-jato.
A conduta excepcionalmente ativista adotada pelo juiz da 13a Vara Federal de Curitiba sempre foi objeto de críticas contundentes por parte da comunidade jurídica nacional e internacional, rendendo manifestações em artigos especializados e livros compostos por centenas de autores, a denunciar o uso indevido da lei em detrimento das garantias e liberdades fundamentais. Em diversos episódios, restou evidente a violação do principio do juiz natural no critério da imparcialidade que deve reger o justo processo em qualquer tradição jurídica. Um juiz deixa de ser independente quando cede a pressões decorrentes de outros Poderes do Estado, das partes ou, mais grave, a interesses alheios à estrita análise do processo, deixando não apenas as partes, como também toda a sociedade sem o resguardo dos critérios de justiça e do devido processo legal.
Um juiz que traz para si a competência central da maior operação anticorrupção da história do Brasil não pode pretender atuar sozinho, à revelia dos demais Poderes e declarando extintas ou suspensas determinadas regras jurídicas para atender a quaisquer fins de apelo popular. Um juiz com tal concentração de poder deveria ser exemplo de máxima correição no uso de procedimentos jurídicos e tomada de decisões processuais, tanto pelos riscos às liberdades e direitos dos acusados como pelos efeitos nocivos de caráter econômico inexoravelmente provocados pela investigação de agentes e empresas.
No entanto, o que se viu nos últimos anos foi o oposto. O comportamento do juiz Sérgio Moro, percebido com clareza até pela imprensa internacional ao noticiar um julgamento sem provas e a prisão política de Lula, foi a de um juiz-acusador, perseguindo um réu específico em tempo recorde e sem respeitar o amplo direito de defesa e a presunção de inocência garantida na Constituição.
Recordem-se alguns episódios que denotam que o ativismo jurídico foi convertido em instrumento de violação de direitos civis e políticos, a condicionar o calendário eleitoral e o futuro democrático do país, culminando com a aceitação do magistrado ao cargo de Ministro da Justiça:
No início de 2016, momento de grave crise política, o juiz Sérgio Moro utilizou uma decisão judicial para vazar a setores da imprensa uma conversa telefônica entre a então Presidenta da República, Dilma Rousseff, e o ex-Presidente Lula por ocasião do convite para assumir um ministério;
Em março de 2016, o juiz autorizou a condução coercitiva contra o Lula numa operação espetáculo, eivada de irregularidades e ilegalidades também contra familiares e amigos do ex-Presidente;
Em 20 de setembro de 2016, às vésperas das eleições municipais, o juiz aceitou uma denuncia do Ministério Público contra Lula e iniciou a investigação do caso Triplex. O que se seguiu durante os meses seguintes foi um festival de violações ao devido processo legal, de provas ilícitas a violação de sigilo profissional dos advogados. Esses abusos foram denunciados ao Comitê Internacional de Direitos Humanos da ONU;
A sentença condenatória do caso Triplex, em julho de 2017, provocou revolta na comunidade jurídica, que reagiu com uma enxurrada de artigos contestando tecnicamente o veredito nos mais diversos aspectos e chamando a atenção para o comportamento acusatório e seletivo do magistrado;
A divulgação da sentença condenatória do caso foi feita um dia após a aprovação da reforma trabalhista no Senado Federal, quando então já se falava em pré-candidatura de Lula ao pleito de 2018;
O julgamento recursal pelo TRF4 em 27 de março de 2018, como se sabe, foi realizado em tempo inédito, em sessão transmitida ao vivo em rede nacional. Vencidos os prazos de embargos declaratórios, o Tribunal autorizou a execução provisória da pena, dando luz verde à possível prisão a ser decretada pelo juiz Sérgio Moro, momento em que as ruas se acirraram ainda mais com a passagem das Caravanas do pré-candidato Lula pelo sul do país;
No dia 05 de abril, o STF julgou o pedido de habeas corpus em favor de Lula e, por estreita margem de seis votos a cinco, rejeitou o recurso pela liberdade com base na presunção de inocência. No próprio dia 05, contrariando todas as expectativas e precedentes, o juiz Sergio Moro determinou a prisão de Lula e estipulou que este deveria se apresentar à Polícia Federal até às 17h do dia seguinte. O mandado impetuoso é entendido pela comunidade jurídica, mesmo por quem não apoia o ex-Presidente, como arbitrário e até mesmo ilegal;
Lula decidiu cumprir a ordem ilegal para evitar maiores arbitrariedades, pois já ecoava a ameaça de pedido de prisão preventiva por parte de Sérgio Moro. No dia 07 de abril, Lula conseguiu evitar a difusão de uma prisão humilhante, saindo do sindicato nos braços do povo, imagem que correu o mundo como símbolo da injustiça judiciária;
No dia 08 de julho, houve um episódio que escancarou a parcialidade de Sérgio Moro. O juiz, mesmo gozando de férias e num domingo, telefonou para Curitiba e, posteriormente, despachou no processo proibindo os agentes da Polícia Federal de cumprirem uma ordem de liberação em favor de Lula expedida pelo juiz de plantão no TRF4, o desembargador Rogério Favreto. Frise-se: mesmo sem ter qualquer competência sobre o processo, já em fase de execução, Sérgio Moro desautorizou o cumprimento do alvará de soltura já expedido, frustrando a liberação, descumprindo ordem judicial, ignorando definitivamente a legalidade, o regime de competência e a hierarquia funcional;
Avançando para o processo na justiça eleitoral, já às vésperas das eleições presidenciais em primeiro turno e com o franco avanço do candidato Fenando Haddad, que substituiu Lula após o indeferimento da candidatura, o juiz Sérgio Moro determinou a juntada aos autos da delação premiada do ex-ministro Antônio Palocci contra Lula, depoimento que havia sido descartado pelo MPF e que foi ressuscitado com ampla repercussão da mídia. Sabe-se agora, pelo vice-Presidente eleito, General Mourão, que nesse tempo as conversas para que Moro viesse a compor um cargo político central no futuro governo já estavam em andamento;
Coroando a cronologia de ilegalidades e abusos de poder, frisa-se que Sergio Moro, ainda na condição de magistrado, atuou como se político fosse, aceitando o cargo de Ministro da Justiça antes mesmo da posse do Presidente eleito e, grave, tendo negociado o cargo durante o processo eleitoral, assumindo um dos lados da disputa, conforme narrado pelo General Hamilton Mourão. Tal movimentação pública e ostensiva do juiz confirma a ilegalidade de sua atuação político-partidária em favor de uma candidatura, o que se vincula ao ato de divulgação do áudio de Antonio Palocci para fins de prejudicar uma das candidaturas em disputa. O repúdio a essa conduta disfuncional motiva a ABJD a mover representação junto ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ – com o fim de exigir do órgão o zelo pela isenção da magistratura, o respeito ao principio da imparcialidade e a garantia da legalidade dos atos de membros do Poder Judiciário.
Moro não poderia, em acordo com as normas democráticas vigentes, praticar qualquer ato de envolvimento político com o governo eleito ou com qualquer outro enquanto fosse juiz. Ao fazê-lo viola frontal e acintosamente as normas que estruturam a atuação da magistratura, tornando tal violação ainda mais impactante ao anunciar que ainda não pretende se afastar formalmente da magistratura, em razão de férias vencidas.
O ativismo do juiz Sérgio Moro não abala apenas a segurança dos casos por ele julgados e a Lava-jato como um todo, mas transfere desconfiança a respeito da ética e da independência com que conduzirá também o Ministério da Justiça e da Segurança Pública, um ministério ampliado e com poderes amplos, no momento em que o país passa por grave crise democrática, em que prevalecem as ameaças e a perseguição aos que defendem direitos humanos e uma sociedade mais justa.