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O uso inapropriado da expressão “fake news”

Apesar de ser usada largamente para caracterizar distorções ou falseamento de informações com o objetivo de induzir o público a erro, a expressão “fake news” é inadequada e sem coerência no âmbito do Jornalismo.

Explico: em tradução direta, “fake news” significa “notícia falsa”.

Para os teóricos do Jornalismo a expressão “fake news” carrega duas palavras de sentidos contrários; ou seja, se algo é “falso” não pode ser associado a notícia.

Os teóricos do Jornalismo apontam contradição e divergência entre as expressões “fake” e “news”. Em síntese, dizem os estudiosos, se algo é “fake”, não pode ser notícia, porque o trabalho de produção jornalística jamais remete a algo falso, sem sustentação nos critérios de verdade.

O processo de produção jornalística pressupõe a apuração dos fatos e a checagem das informações. Esse trabalho é baseado na observação, no levantamento de dados, na coleta de depoimentos, no estudo de documentos e na consulta de outras fontes necessárias para fazer o relato com base nos critérios de objetividade, coerência, lógica e correspondência ao fato que está sendo apurado para posteriormente ser transformado em notícia, reportagem, documentário e outros formatos.

Assim, o trabalho profissional do jornalista para produzir um relato é dotado de critérios de verdade, não cabendo associar o conceito de notícia a uma expressão que indica mentira (fake), embora durante o processo de apuração possam ocorrer erros e imprecisões.

Jornalistas – é sempre bom lembrar – são passíveis de falhas, erros e enganos durante a produção de uma narrativa.

Portanto, eventuais equívocos durante a apuração – sem a intenção de enganar o público – podem ocorrer, mas não devem ser nivelados às aberrações feitas de maneira proposital para induzir a audiência à incompreensão ou deturpação de um fato.

Uma coisa é uma falha de apuração, que pode acontecer sem intencionalidade.

Outra coisa é a predisposição para produzir um conteúdo com o objetivo de enganar o(a) interlocutor(a).

O jornalismo é uma forma de conhecimento da realidade, baseado em investigação, observação, checagem das informações e construção do relato objetivo sobre os fatos, embora a subjetividade possa estar presente na construção de um texto, por exemplo, ou na seleção de imagens para uma reportagem televisiva ou na web.

No trabalho de edição é impossível conter o afloramento da subjetividade do(a) jornalista.

A objetividade dialoga com a subjetividade, mas esta não pode ser preponderante nem exagerada, chegando a alterar a ordem lógica da narrativa jornalística, a ponto de relativizar os dados numéricos, as imagens ou os depoimentos das fontes durante a elaboração de uma notícia ou reportagem.

Quando o relativismo penetra a construção de uma narrativa, aí não é mais Jornalismo, é ficção, outra “estória”.

Assim, a expressão “fake” não faz nenhum sentido para o Jornalismo, que é baseado no conhecimento do real.

No meio acadêmico as expressões mais adequadas para substituir “fake news” são “pós-verdade” e “desinformação”.

Então, vale refletir. Quando você usa a expressão “fake news” está juntando duas palavras de sentido contraditório. Se é notícia, não pode ser falsa.

Por isso, prefira as expressões “desinformação” e “pós-verdade”, baseadas nos apelos à emoção, crenças e ideias manipuladas para distorcer os fatos reais e objetivos.

A pós-verdade é um dos fundamentos da desinformação e ambas precisam ser combatidas pelo Jornalismo. Este, assim como a Ciência, é uma forma de conhecimento segura, confiável e objetiva para conhecer e explicar a realidade, estabelecendo uma relação coerente e ética com o público.

Imagem destacada / lupa sobre jornal de papel / capturada nesse site

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Deitando e rolando

Eloy Melonio*

Falar, ler e escrever.

Essas são nossas mais básicas habilidades comunicacionais. A primeira é inata, e se desenvolve em casa, logo nos primeiros meses de vida. Para as outras, a gente precisa de ajuda especializada. Mesmo assim, depois de anos e anos na escola, muitos alunos morrem de medo da prova de redação do ENEM. E, entre uma habilidade e outra, elas estão lá, juntas e misturadas, no maior “auê”.

Isso mesmo! Estou falando das palavras. E foi nelas que, aos 52 anos, encontrei minha primeira e inesquecível lição de poesia, guardada num livro que ganhei de minha nora: “Penetra surdamente no reino das palavras…”.

Apesar de já iniciado na ciência das palavras, só agora, com outro livro, pude apreender a mensagem da primeira lição: “(…) gostava das palavras quando elas perturbavam o sentido normal das ideias”.

Carlos Drummond de Andrade e Manoel de Barros, respectivamente. A eles agradeço essas lições inspiradoras. Dois gigantes das letras que imergiram neste fantástico “reino” de fantasia, beleza e loucura. E, mesmo ausentes, levaram-me com eles nessa imersão poética. Depois disso, não havia como não ser tomado por esse inabalável apego às palavras.

Senti-me ainda mais encantado quando descobri esta outra preciosidade: “De todas as artes a mais bela, a mais expressiva, a mais difícil, é, sem dúvida, a arte da palavra” (Latino Coelho, em A Oração da Coroa).

Pois é, as palavras estão por aí desde que Deus tocou seu bombo, dando início à criação do mundo: bing, bang/ bing, bang. E, com elas, a luz. Com a luz, o dia e a noite. Com o dia, o trabalho. Com a noite, o descanso… e o sexo. E toda a humanidade.

Na narrativa bíblica, tudo era apenas um monólogo: Deus falando consigo mesmo. E aí não entendo por que minha mulher pega no meu pé quando percebe que estou falando sozinho. Mas eu lhe perdoo, porque só mesmo quem cria entende certas manias de outros criadores.

Não se sabe exatamente em que língua Deus falava. Mas, falando, Ele criava e criava. Em cada “obra”, uma palavra para nomeá-la, e outras para definir sua razão de ser. Lulu Santos e Nelson Mota têm razão quando nos advertem: “nada do que foi será/ De novo do jeito que já foi um dia”.

Essa é uma verdade absoluta no mundo das palavras. Porque, antes delas, não existia nada. Tudo era caos. Sem elas, nada do que foi criado teria ganhado personalidade. E, subservientes, sempre cumpriam as ordens do Criador. E, nesse momento primordial, a mais usada era o incansável verbo “haver”. Era Deus falar, e suas ideias tornavam-se reais.

Infelizmente, esse exemplo perdeu-se ao longo do tempo, pois, hoje, especialmente na seara política, a criatura de Deus fala, fala… As promessas dos candidatos no horário eleitoral gratuito na TV e no rádio parecem reprise dos filmes da “Sessão da Tarde”, na Rede Globo. E aí pensamos: já ouvi essa história antes!

Segundo a tradição judaico-cristã, Adão foi o primeiro homem a ouvir a voz do Criador. E parece que se entendiam bem. Talvez porque até então a criatura só ouvia. Quando pôde falar, foi para criticar seu interlocutor e acusar sua companheira: “A mulher que me deste por esposa…” (Gn 3.12).

Criado o mundo, os homens logo descobriram o poder da palavra. E achavam que também podiam tudo. Nessa ilusão, resolveram tirar uma onda com Deus. E construíram sua própria destruição. Não demorou muito, e a sua grande obra, a Torre de Babel, desmoronou, e veio tudo por terra abaixo. De solução, as pobres palavras passaram a ser uma grande “confusão”. Quanto mais falavam os homens, menos se entendiam.

Saltemos no tempo: da Babel do Gênesis para a babel das redes sociais, ou seja, para além das palavras, se é que isso é possível.

Nesse novo cenário, a comunicação ganhou “carinhas”, “mãozinhas”, “dedinhos”, “figurinhas” e “letrinhas” (blz, bjs, rs, mt). Só não se sabe exatamente aonde tudo isso vai nos levar. O salto tecnológico é real e a cada dia lança sobre nós um monte de “novidades”. Um amigo me confidenciou que espera ansiosamente o dia em que possa fazer sua habitual “confissão” por um aplicativo, sem ter de “encarar” o padre.

Apesar de tanta inovação, o homem não evoluiu tanto assim, e está “velhinho em folha”. Quando reflito sobre isso, tenho a mesma indignação de Belchior: “Ainda somos os mesmos/ E vivemos como os nossos pais”.

Não dá para disfarçar que somos muito parecidos com a galera da torre de Babel, porque “em toda a terra havia apenas uma linguagem” (Gn 11.1). Milhões de pessoas nos quatro cantos do planeta já amanhecem conectadas numa rede de “interação” jamais imaginada pelos nossos pais.

Felizmente, não mexo com tudo o que a tecnologia digital oferece. Sou um tanto technophobe (termo inglês para “pessoa que não gosta ou evita nova tecnologia”). Não dou conta de tanta informação e interação. Sou mais admirado e respeitado numa mesa de bar ( rsrsrs). Com isso, tento evitar aquela reclamação que a mulher faz ao marido, que soa igual à música dos “Paralamas do Sucesso”: Por que você não olha pra mim? E, assim, sobrevivo (e bem!) entre o WhatsApp, o Facebook e o Instagram. E só aí já são muitas carinhas e letrinhas para a minha sopa comunicativa.

Nunca vi nada no Tweeter. E tal qual o Zeca Pagodinho em relação ao caviar, eu também só “ouço falar”. Tenho cada vez menos intenção de abrir uma conta nessa rede de intrigas. Porque, segundo alguns amigos, é lá que as “tretas” e os “mimimis” deitam e rolam. E nesse bate-rebate, não há arma mais poderosa que a palavra. E também nunca houve tempo em que ela, como uma prostituta, fosse tão acessível e disponível. É, por assim dizer, uma “influencer” de alto padrão democrático.

E é assim que, de tanto digitar, as pessoas estão se ajustando a esse novo jeito de deitar e rolar em sua comunicação. Parece até que, como digo numa canção, antes de “ir dormir” já estão é “querendo acordar”. E o grande palco para isso, no Brasil, parece que fica mesmo nos gabinetes de Brasília. Dizem que por lá, assim como o “dinheiro” cabem em malas e cuecas, as “palavras” se dão muito bem num habeas corpus. Grande parte do conteúdo digital (blogs, podcasts) se nutre das migalhas dos homens de terno e gravata.

Ao longo da história da comunicação inteligente, homem e mulher vão deitando aqui e rolando ali. Da fofoca para o fuxico, do fuxico para os boatos, dos boatos para as “fake news”.

Quanto a mim, só em “Sapiens, uma breve história da humanidade”, de Yuval Noah Harari (Ed. LP&M), entendi melhor essa coisa de “fake news”. Harari revela: “Nossa linguagem evoluiu como uma forma de fofoca”. E acrescenta que o homo sapiens queria mesmo era saber “quem em seu bando odeia quem, quem está dormindo com quem, quem é honesto e quem é trapaceiro”. Um estilo de vida bem moderno, não acha?

Pois eu acho que nunca fomos tão sapiens como hoje. Parece que o jeito é mesmo se ajustar a este novo padrão de interação em que as pessoas (em lados opostos da conexão on-line) se afagam, se insultam e se lisonjeiam com elogios fáceis.

Imitando o sambista, deixo aos sapiens mais novos minha indagação final: e se as palavras nos deixarem sem voz e resolverem deitar e rolar em outra galáxia?

*Eloy Melonio é professor, escritor, poeta e compositor

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Ataque ao Jornalismo é estratégico para o bolsonarismo

Ed Wilson Araújo

Entre as variadas capacidades de produzir aberrações, Jair Bolsonaro vem fazendo sucessivos ataques não só aos repórteres que cobrem o presidente e os atos governamentais. Seu alvo maior é a instituição Jornalismo e, paralelamente, a Ciência.

São ataques frontais às duas formas de produção de conhecimento que o bolsonarismo quer “dispensar”.

Quando desqualifica a Folha de São Paulo e agride as Organizações Globo, duas empresas afinadas com a direita e o liberalismo, Bolsonaro quer colocar na vala comum o Jornalismo.

Há uma orientação planejada dentro do governo para que algumas figuras, lideradas pelo presidente, façam ataques diretos aos repórteres com o claro objetivo de desqualificar a profissão de jornalista e os conteúdos veiculados nos meios de comunicação.

Nem Miriam Leitão, uma legítima representante da direita sofisticada, cogitou na pior das hipóteses ser vítima de algo tão grotesco como a última agressão de Bolsonaro aos jornalistas: “raça em extinção”.

O objetivo é claro: desqualificar os relatos jornalísticos e trocá-los pela crença ou fakenews. Soma a isso a negação da Ciência. Combinadas, essas duas violências germinam uma legião de fanáticos que só enxergam e entendem o que querem ver e “saber”, independente da verdade ou das provas concretas.

Bolsonaro é o representante máximo do obscurantismo que dispensa o Jornalismo como forma de mediação social. Ele vai direto ao seu público, sem intermediários, fala o que quer, sem filtros, e mente o quanto pode.

Não basta mentir. Tem de desqualificar o Jornalismo e a Ciência.

O bolsonarismo elegeu, entre seus inimigos, o Jornalismo como forma de conhecimento da realidade. Por outro lado, ataca a Universidade e tudo que a institucionalidade acadêmica representa: ensino, pesquisa, extensão, criatividade e pensamento crítico.

Onde não há instituições, brota a barbárie. O ataque ao Jornalismo visa destruir um dos pilares da democracia.

Não por acaso o espírito lavajateiro cresceu junto com a onda bolsonarista embalada na mentira.

Os movimentos de contornos fascistas repetem uma tragédia anunciada. A ciência, a política e a estética livre são inimigos primordiais dos intolerantes, avessos à verdade e ao encantamento.

O espelho deles quebra quando encaram os fatos concretos da realidade.

Assim, fizeram campanha disseminando fakenews. É uma forma de piorar as coisas. Se outrora manipulavam os fatos para distorcer os enredos, agora retrocedem ao nível da mentira deslavada.

A onda obscurantista é desumana. Os propagandistas de fakenews, do terraplanismo e de outras aberrações como a ineficiência da vacina são capazes de negar até a própria existência, embora haja testemunhas oculares do parto e o registro do nascimento em cartório. Contra Descartes, diriam: “minto; logo, não existo”.

Os movimentos de inspiração fascista são um terreno infértil, onde só brota o ódio e a intolerância. A verdade é uma ofensa. Eles não conseguem sequer lidar com um princípio básico do Iluminismo aplicado ao Jornalismo – a transparência, uma conquista da Modernidade no curso das revoluções burguesas.

Imagem destacada / Foto: Evaristo Sá / AFP