Eloy Melonio*
Conversar é preciso, e viver também é preciso. E foi assim que nós, da subespécie Homo Sapiens, evoluímos e descobrimos que éramos iguais e inteligentes.
Foi conversando que começamos a nos entender. Mas nunca foi tão fácil conversar como nestes tempos de smartphone e redes sociais. Hoje não se precisa mais ter alguém ali do lado para bater um bom papo. É só pegar o celular ou o notebook, e pronto!
E também foi assim que, de conversa em conversa, percebi aquela mulher de uns 35 anos, com seu celular em punho, conversando, conversando. E todo dia era a mesma coisa.
Geralmente chegamos à pracinha do bairro quase ao mesmo tempo, por volta das seis e vinte da manhã. Ela senta-se num banco da praça, e eu vou direto para os equipamentos de atividade física que ficam numa área específica, a uns oitenta metros de onde ela está.
Para mim, essa parada na praça é parte do trajeto que faço em minhas caminhadas matinais. Para ela, talvez um descanso antes de chegar à casa onde trabalha, que deve ficar nas redondezas. Ou mais do que isso, é hora de “conversar”.
Começo a fazer meus exercícios. E ela, vai logo tirando da bolsa o smartphone. E tome conversa!
Comecei a prestar mais atenção às suas conversas. Porque, mesmo não estando lado a lado, conseguia ouvir boa parte do que ela falava. Mesmo com o vento tentando atrapalhar. Às vezes, falava alto e parecia não ter papas na língua. E sempre ia direto ao assunto.
― Eu não lhe disse que isso não ia dar certo. Agora segure as pontas aí.
Imagino que nossa amiga fala com seus parentes, amigos e conhecidos. Mas o que chama a minha atenção, é a autoridade com que expõe suas ideias, dá seus conselhos, faz suas observações. E cobra atitudes.
― A senhora tem de levar o Pai pra essa consulta. Próstata é coisa séria. Se a senhora não conseguir, vou ter de ir aí falar com ele pessoalmente.
É sempre assim, repreendendo, aconselhando, lembrando… E suas conversas são algo do tipo “sessão de aconselhamento”. E ela interpreta a conversa como se fosse uma consulta com um psicólogo, advogado. Pelo que ouço, seus interlocutores não apenas ouvem suas recomendações, mas obedecem.
― Eu não te disse que era só fazer a proposta que eles aceitariam!
Na segunda-feira, após as eleições, acho que falava com um irmão mais novo. E cobrava dele uma atitude.
― E aí, votou direitinho?
Cheguei até a imaginar que, do outro lado da linha, as pessoas agiam como naquele comercial do posto de combustível. Se alguém precisasse de um conselho, quisesse saber alguma coisa ou resolver algum “pepino”, ouviria da outra o seguinte: Fala com a Terezinha (“Lá no Posto Ypiranga”).
Já somos conhecidos e nos cumprimentamos quando passo pelo seu banquinho. Exceto se percebo que ela está muito concentrada na conversa. Aí ― para não atrapalhar ― finjo que estou olhando para um passarinho numa das muitas árvores da praça.
Dia desses, para minha surpresa, ao passar pela nossa personagem (Terezinha), ouvi o seguinte:
― Eu sabia que isso ia acontecer. Ele não levava a sério a sua doença.
Aí me lembrei do aforismo preferido de Machado de Assis, citado por Barreto Filho em seu “Introdução a Machado de Assis”: “A morte é séria e não admite ironia”.
E assim encerro nossa conversa parafraseando um sábio ditado popular: “Ouve quem quer, obedece quem tem juízo”.
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*Eloy Melonio é professor, escritor, poeta e compositor