Herbert de Jesus Santos
Nunca foram vistos matraqueando, em passagem pelo João Paulo, antes de 1973. O Boi do Encantado tem história na casa de nagô!
Transitando entre a esquina da Rua das Crioulas com a de Santiago, onde reside, em trajeto para a de São Pantaleão, Eladir (Lalá) me viu como se para a Madre de Deus, domingo desses, e se tocou pra lá, a fim de entrosar-me num assunto. Só foi encontrar-me na noite de sexta passada, na Flor do Samba, onde participei da comissão julgadora do concurso de samba-de-enredo da famosa agremiação do Desterro ao carnaval 2005. A aflição de Lalá era para eu saber que Mãe Lúcia (Maria Lúcia de Oliveira), vodunsi Lúcia de Xapanã, chefa da Casa de Nagô, no próximo 6 de janeiro, nos brindaria com seu aniversário natalício de 100 anos. Realçou que D. Zelinda Lima (atenciosa como sempre para com as nossas heranças mais caras) havia agendado a Missa em Ação de Graça. Mas saltava aos olhos de Lalá que o Maranhão necessitaria oferecer mais incensos ao coração de Mãe Lúcia. Perguntei pelo Boi do Invisível da Casa de Nagô (na Rua das Crioulas), após o falecimento de D. Neném (aparelho de Preto Velho, o dono do brinquedo), e ela na hora: Aguardavam a manifestação do encantado sobre quem prosseguiria a história. Quanto à Casa das Minas (na São Pantaleão e chefiada por D. Celeste Santos), desfechou que com desenlaces sentidos de vodunsis (filhas-de-santo), Zomadônu (o maioral) não desguarneceria o seu querebentã por nada deste mundo. A renovação aconteceria, como num passe de mágica, da noite para o dia.
Toda vez Lalá (que reverencia as tradições do culto afro) me emociona com casos em que dou um boi, para entrar na briga, e uma manada, para não sair. Uma vez, ascendeu-me à constelação de Ubiratan Teixeira (ás da crônica do jornal O Estado do Maranhão), massageando meu ego, por só apostar no taco de nós dois, em resolução de pendências assim, pela escrita, e me deixou maior. Observei, agora, nos olhos de Lalá incansável de guerra o que ela queria justo e abotoado. Estava na cara que era para o secretário da Cultura do Estado (Secma), Francisco Padilha, e o presidente da Fundação Municipal de Cultura (Func), Adirson Veloso, providenciassem comemoração do tamanho da relevância da ilustre aniversariante, no transcurso do seu centenário. Da minha telha, sugeri que sua missa fosse na Igreja de São João, onde fora batizada; a republicação da sua parte específica, com fotos, no volume I da coleção Memória de Velhos (da Secma), em que sua vida é um livro aberto. Em algum duvidoso, consultem Michol Carvalho (diretora do Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho), que tira de letra estes bem-feitos, por vocação e sabença. A população precisa conhecer muito mais este terreiro de raiz (de origem africana, na época da escravidão), assunto dissertado com maestria pelo saudoso etnógrafo maranhense Nunes Pereira e pelo casal de antropólogos Sérgio e Mundicarmo Ferretti; hora de introduzir na cachola de obtusos que o tambor-de-mina do Maranhão, com voduns e orixás, há tempos é levado a sério por estudiosos (cientistas, etc.) do universo. Mãe Lúcia, aliás, tem importância, igualmente, na doçaria e medicina caseira (beberagem), que, malgrado a ignorância de desavisados, são riqueza da nossa cultura, que nem a literatura tão desprezada nos viciosos circunstanciais, que empobreceram nosso discernimento. Já pode ser pautada pelos meios de comunicação. Aviso aos navegantes: a Mãe está Lúcida do alto do seu século.
Uma festa à parte no carnaval — Para a minha infância, era só D. Lúcia, gente de dentro da residência de D. Iracema Borges, esta mãe de um grande amigo meu, Cosme Nascimento Neves (Coló), na Rua do Apicum, onde morei com meus padrinhos e pais de criação Chiquito e Dedé, aos quais devo o que sou, pelos estudos viabilizados. Os doces de D. Lúcia, no carnaval, eram uma festa à parte, na Rua do Passeio, onde se arranchava com suas guloseimas. Não fazem mais o seu saboroso coração, pois, infelizmente, não somos show em conservação de acervo; as gestões oficiais da cultura, por inobservância ou descaso, são muito mais a fatalidade árabe de assim estava escrito.
Passei a recomendação para os tuxáuas da Cultura — Em compensação, salvo melhor siso, Padilha e Adirson são sensibilizados pelo enunciado de preservação. Utilizando a viagem, peço até para ressuscitarem o Rei Momo (obeso e bonachão, personagem grotesca do carnaval, que é uma doce ilusão), a quem um desprevenido culturalmente, porque se pensava deus e era um pentelho, na extinta Secretaria Metropolitana, relaxou seu cetro bissecular. No seu lugar, apareceu um rapaz sarado de academia de ginástica, sem quê nem pra quê, ou não, quando quintas-colunas, sem percepção, ou de olho em algo inconfessável, presumiram uma revolução, mesmo à distância sideral da de Jesus, Negro Cosme, Gandhi, Sousândrade, Guevara, Santos Dumont, Maria Aragão, Marie Curie, etc. Está aí a comunicação dos teus olhos, prezada Lalá! O Maranhão, agora, espera que Padilha e Adirson não façam só trá-lá-lá para a matriarca da Casa de Nagô!…
O alicerce de uma pesquisa elucidativa — Este texto começou a ser desenhado em 27.12.2004, e publicado no Sotaque da Ilha, em 6.1.2005, quando do centenário de D. Lúcia, após conversação com Lalá ainda viva na Casa de Nagô! Usamos todas as argamassas para fazer o alicerce da história que pretendíamos erigir. Sem obedecer à coerência, quiseram o Dia de São Marçal, no João Paulo, com passagem dos bois da Ilha, na casa dos 90 anos, muito antes do tempo. Assim Encontro de Boi: “A Festa de São Marçal ou encontro de boi ocorre desde o ano de 1928. Nesta época, os grupos de localidades de São José de Ribamar se reuniram no espaço onde existe atualmente o Largo de São Marçal. Esse evento caiu nas graças do povo e o encontro se repetiu até 1949 no mesmo local, quando as brincadeiras decidiram migrar para o Monte Castelo e, logo após, para o Bairro de Fátima. No ano de 1959, a tradição de reunir grupos de matraca mudou de forma definitiva para o João Paulo”.
Dentre diversas sapiências, um joão-paulino, como cantadores famosos, assistiu ao nascimento do São Marçal, ali, com a passagem dos bois de matraca: 30.6.1973. E, na Rádio Difusora, deu a pendência por fim!