No dia 19 de abril o Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da UFMA fez 30 anos de existência. Por se tratar do único programa de excelência da instituição (conceito 6 da CAPES) merece todas as homenagens. Por sua importância, este fato, nos permite fazer uma reflexão sobre a evolução institucional da Pós-Graduação nestas três décadas.
Dentro desse contexto, do ponto de vista das regras do jogo democrático, requer fazer algumas considerações acerca da Pós-Graduação em nosso país, para em seguida tratarmos um pouco do caso concreto da Universidade Federal do Maranhão. Caso tomemos como premissa de nosso raciocínio o inciso III do artigo 44 da Lei de Diretrizes e bases da Educação Nacional (nº 9.394/1996), é possível afirmar que a educação superior abrange também os cursos de pós-graduação, compreendendo programas de mestrado e doutorado, cursos de especialização, aperfeiçoamento e outros, abertos a candidatos diplomados em cursos de graduação e que atendam às exigências das instituições de ensino. Não apenas isso, em se tratando de preparação para o exercício do magistério superior, referida Lei nos ensina, em seu artigo 66, que isso ocorrerá prioritariamente em programas de mestrado e doutorado.
Com base nisso, cabe perguntar, do ponto de vista das regras do jogo democrático, qual é a função precípua da Pós-Graduação em nosso país? Ademais, em que “lugar” podemos encontrar a definição de direito e de fato dessa função? Se admitirmos a premissa acima colocada pela Lei de Diretrizes e bases da Educação Nacional, a pós-graduação faz parte da educação superior, a qual, nos termos do inciso II do artigo 21 da referida Lei, é parte integrante de um dos níveis da educação escolar, cujas finalidades são as seguintes: I – estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo; II – formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua; III – incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive; IV – promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação; V – suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração; VI – estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade; VII – promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição. VIII – atuar em favor da universalização e do aprimoramento da educação básica, mediante a formação e a capacitação de profissionais, a realização de pesquisas pedagógicas e o desenvolvimento de atividades de extensão que aproximem os dois níveis escolares.
Nesse sentido, do ponto de vista das regras do jogo democrático, é ingênuo ou mal-intencionado aventar que a Pós-Graduação não deve se preocupar com o estímulo à criação cultural que pretenda promover o desenvolvimento da ciência, da tecnologia, da criação e difusão da cultura para contribuir na compreensão acerca das múltiplas e plurais dinâmicas da vida social. Por consequência disso, as oito finalidades acima mencionadas nos conduzem, de um ponto de vista prático e procedimental, à duas Resoluções da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação que funcionam de maneira complementar, a saber: 1 – RESOLUÇÃO Nº 7, DE 11 DE DEZEMBRO DE 2017 e a 2 – RESOLUÇÃO CNE/CES Nº 4, DE 16 DE NOVEMBRO DE 2022. A primeira estabelece normas para o funcionamento de cursos de pós-graduação stricto sensu, já a segunda altera o artigo 11 da primeira. No que diz respeito a RESOLUÇÃO Nº 7, DE 11 DE DEZEMBRO DE 2017 ela é fundamental para caracterizarmos e compreendermos a função da Pós-Graduação em nosso país à luz das regras do jogo democrático, visto que em no § 1º de seu artigo 1º estabelece que os cursos de mestrado e doutorado são orientados ao desenvolvimento da produção intelectual comprometida com o avanço do conhecimento e de suas interfaces com o bem econômico, a cultura, a inclusão social e o bem-estar da sociedade.
Dessa maneira, e em respeito à arquitetura do jogo democrático que preze pelo compromisso social, cabe ainda referenciar o pilar fundamental que sustenta todo raciocínio apresentado, ou seja, estamos falando da Constituição Federal de 1988, mais precisamente da função da educação no referido texto, pois se a Pós-Graduação é integrante da educação superior, que é um dos níveis da educação escolar, se faz necessário tratar das bases institucionais e simbólicas da educação em nosso país. Assim, a educação na carta magna de 1988 deve ser prioritariamente abordada pelo artigo 6º do Capítulo II do Título II, isto é, a educação é um Direito Social que está incluído entre os Direitos e Garantias Fundamentais.
Entretanto, o que significa um Direito Social? Trata-se de Direitos que buscam a efetivação do princípio de igualdade material, o qual preconiza que não basta que existam no seio societário a igualdade de oportunidades, mas requer que sejam fornecidas também igualdade de condições, que correspondem à busca pela redução de assimetrias existentes em nosso país e possibilitem a inclusão de diversas camadas populacionais no orçamento público mediante a ação de políticas estrategicamente elaboradas com a participação de distintos grupos sociais. Negar isso significa também negar as regras do jogo democrático que estão expressas em nossa Constituição e pode levar uma instituição, e até mesmo um corpo social, a flertarem com projetos autoritários de poder.
Por conseguinte, podemos relembrar que a Pós-Graduação stricto sensu na UFMA nasceu na década de noventa, inicialmente, com o Programa em Educação, seguido dos programas de Políticas Públicas, Engenharia Elétrica e de Química. Estes, nascidos de um doloroso processo condicionado pelo cenário daquele momento.
As universidades pequenas, localizadas principalmente nas regiões norte e nordeste, tinham em seus quadros pouquíssimos doutores, exigindo para tal façanha a maciça colaboração de professores visitantes, a exemplo do que ocorreu na Engenharia Elétrica e na Química.
Naquela época, estas universidades, a exemplo da nossa, estavam empenhadas em qualificar os seus docentes, que na maioria havia nelas ingressado como Mestres. Para tanto, existia um programa específico de bolsas da CAPES para a qualificação de docentes das universidades públicas.
Paralelo a isso, as grandes Universidades, localizadas, principalmente, nas regiões Sul e Sudeste, já praticavam um intenso processo de formação de recursos humanos em nível de doutorado, ao ponto que, no final da década de noventa e no início dos anos 2000, o país já contava com uma razoável população destes, bem formados, no entanto, desempregados.
Isso em razão da impossibilidade de expansão e, por consequência, de contração de professores no sistema Federal de Universidades Públicas. Associado ao fato de verbas para pesquisas ainda serem escassas, apesar da criação dos Fundos Setoriais e do desempenho de poucas Fundações de amparo a pesquisa.
É bom lembrar que, um programa de pós-graduação nasce no ambiente acadêmico (Centros), a partir de associações de professores/pesquisadores, com seus grupos e/ou núcleos de pesquisa que disponibilizam os seus projetos de pesquisa, a infraestrutura e as suas produções intelectuais para conceber um projeto de criação de um curso em nível de mestrado e/ou doutorado. O caminho a partir daí, até chegar à CAPES para avaliação e aprovação, é inteiramente cartorial.
Dito isso, voltemos aos anos 2000. A partir de 2003 o cenário descrito acima sofreu profundas modificações. Os recursos para pesquisa foram incrementados significativamente, e o processo de expansão das IFES, a partir do REUNI, foi implementado. A nossa UFMA foi graciosamente contemplada com este novo cenário no que diz respeito a infraestrutura, criação de novos cursos, distribuídos pelas principais regiões do Estado, e contratação de novos servidores administrativos e docentes, estes últimos majoritariamente doutores.
Este novo ambiente estruturante, que reuniu recursos para financiar pesquisas e bolsas, quadro docente qualificado e demanda reprimida na oferta de cursos, permitiu que nossa instituição avançasse com na oferta de pós-graduação, num processo de quase geração espontânea, e desse um salto em comparação à década de noventa.
Neste processo de criação de novos cursos, um fato marcante vale o registro. Trata-se da criação de 18 cursos apenas no período compreendido de setembro de 2017 a setembro de 2019. Isso representou um crescimento de 41 %, uma vez que existiam até aquele momento 44 cursos em funcionamento na instituição. Foi o período marcado por uma nova orientação na tramitação internas dos projetos de criação dos programas, dispensando o tal PROQUALIS, com seu viés autoritário e intervencionista.
Notadamente, ainda não chegamos no padrão ideal, uma vez que os nossos Programas, na sua maioria, se concentram no conceito inicial da CAPES; áreas importantes ainda carecem serem alcançadas; os campi fora da Ilha de São Luís ainda não são contemplados.
Mesmo assim, devemos nos mirar no exemplo do Programa de Políticas Públicas e caminhar de forma democrática e transparente para a consolidação e expansão de nossa Pós-Graduação tendo em mente que uma Universidade se diz de qualidade quando ela possibilita ao aluno ingressante, de forma competente, um percurso que vai da graduação ao doutorado, independente da área do conhecimento ou localização geográfica.
Parabéns aos construtores e os atuais componente do Programa de Pós-Graduação em Políticas Publicas da UFMA por seus 30 anos. Vida longa e competente!
Autores do artigo:
Luciano da Silva Façanha – Filosofia e PGCult
Marcio Jose Celeri – Geografia e PGEO
Ridvan Nunes Fernandes – Química