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Fundador da Somar deixa uma semente na audiência de rádio

João Carlos Silva Gomes faleceu quarta-feira (28 de julho), aos 60 anos de idade. Ele foi um dos entusiastas e fundador da Somar (Sociedade dos Ouvintes Maranhenses de Rádio), entidade que congrega a audiência dos programas jornalísticos das emissoras AM.

Nessa entrevista (ouça aqui) concedida para a pesquisa de doutorado sobre produção e recepção dos programas jornalísticos, João Carlos fala sobre a sua vivência de ouvinte e os primeiros passos para a organização da audiência participativa no rádio.

Uma das imagens mais emblemáticas do rádio podia ser vista com frequência por quem passava na esquina das avenidas Getúlio Vargas e Franceses, no Apeadouro, bairro tradicional de São Luís.

Ali funcionava um bar da família de João Carlos Silva Gomes; e ele, quando não estava atendendo à clientela, ficava grudado em uma atração muito especial no estabelecimento – o orelhão, de onde disparava telefonemas para as emissoras de rádio AM sediadas em São Luís.

Ele não só gostava de rádio, era um apaixonado pelo meio de comunicação que ainda ouvia no aparelho de pilha, sempre a postos, no trabalho ou em casa. João Carlos colecionava centenas de cartões telefônicos que utilizava diariamente nas ligações para as emissoras.

A cena descrita acima ficou na memória, assim como a sua voz, eternizada em incontáveis participações nos programas jornalísticos do rádio AM.

João Carlos faleceu quarta-feira (28 de julho de 2021), aos 60 anos de idade, vítima de câncer.

Ele se foi, mas deixa um legado no rádio porque plantou uma semente na organização da audiência.

Em setembro do ano 2000, os ouvintes que sempre telefonavam para os programas sentiram a necessidade de se conhecer pessoalmente e João Carlos foi um dos entusiastas da ideia de criar uma entidade que congregasse os radioapaixonados.

E assim começaram as primeiras articulações para o nascimento da Sociedade dos Ouvintes Maranhenses de Rádio (Somar), que chegou a ter um programa de rádio na Timbira AM, chamado “De ouvinte para ouvinte”.

 A audiência reunida na Somar via em João Carlos um grande ativista. Ele falava quase diariamente nas emissoras e nos fins de semana visitava os ouvintes de casa em casa, estabelecendo laços afetivos e organizativos para a criação da entidade.

Através da Somar foi instituído também o Dia Estadual do Ouvinte (projeto apresentado pelo deputado Pavão Filho) e a entidade participou ativamente, através do rádio, do trabalho de esclarecimento da população visando à coleta de assinaturas para o projeto de iniciativa popular que desembocou na Lei da Ficha Limpa.

Ouça abaixo a entrevista concedida por João Carlos Silva Gomes, dia 27 de outubro de 2013, para a pesquisa de doutorado “O rádio tece a cidade”, do professor Ed Wilson Ferreira Araújo. O depoimento do presidente da Somar foi fundamental para a construção da tese, de nossa autoria, que está em fase de revisão para ser publicada em 2022.

João Carlos Silva Gomes deixa a esposa, Helena Gomes, e três filhos: Beatriz, 36 anos; Thiago, 35 anos; Rafael, 34 anos; e os netos Pedro Victor, 15 anos; e Arthur Vinicius, 12 anos.

Fica nesse registro o nosso imenso agradecimento pelo valoroso legado de João Carlos Silva Gomes para a História do rádio e o seu afeto pelos ouvintes. Que Deus o receba em paz.

João Carlos (de camisa azul, à direita) em família

Acesse aqui o link para a tese defendida em 2016 pelo professor Ed Wilson Ferreira Araújo, na PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), com o título “A palavra falada em pulsação: produção e recepção dos programas jornalísticos das emissoras de rádio AM, em São Luís”.

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O rádio AM está morrendo: Galinho Maravilha, Roberto Fernandes e os silêncios …

Abril despedaçado no rádio do Maranhão. Em 21.04.2020 faleceu Roberto Fernandes. Pouco mais de um ano depois (28.04.2021) perdemos Carlos Henrique, o popular “Galinho Maravilha”. Ambos tombaram na batalha contra a covid19.

O sentido da perda é coletivo. Familiares, amigos, colegas de profissão, pesquisadores e a imensa audiência ficaram órfãos de duas vozes marcantes na comunicação de massa.

O “Programa do Galinho” foi uma das experiências mais longevas no rádio com o mesmo apresentador – Carlos Henrique – atuando durante 50 anos na rádio Educadora AM 560 Khz.

Memórias do Galinho Maravilha: uma lenda do rádio

Em meio século, das 6h às 7h da manhã, ele comandou um programa preservando quase todas as características do rádio antigo: música, recados e avisos para os ouvintes espalhados pelo Maranhão afora, utilidade pública e umas pitadas de humor.

Carlos Henrique manteve sua audiência fiel ao longo de toda uma vida. Qual o segredo de tanto sucesso? Muitos fatores podem ser listados, mas um deles era perceptível: a linguagem simples. Galinho conversava com seus ouvintes. Era espontâneo. Só isso.

Roda Viva e Ponto Final

Roberto Fernandes tinha uma carreira profissional consolidada no Jornalismo. Ele foi um dos criadores do formado de programa radiofônico aberto à participação dos ouvintes, quando ainda trabalhava na rádio Educadora AM, onde passou longa temporada ancorando o “Roda Viva”, antes de mudar para a Mirante AM.

Na época, a mudança de emissora foi motivo de comoção por parte da audiência. Muitos ouvintes chegaram a cogitar que Roberto Fernandes não teria a mesma liberdade editorial se trocasse a emissora católica progressista pela rádio sob controle da oligarquia liderada por José Sarney.

Mas Roberto soube manter equilíbrio profissional e brilhou também como âncora no “Ponto Final”, onde a sua voz ficou eternizada na crônica diária denominada “Mensagem do Dia”, transformada em podcast e exibida atualmente na abertura do programa.

Silêncio e migração

As partidas de Carlos Henrique (78 anos) e Roberto Fernandes (61 anos) ocorrem no curso de novas transformações no rádio. Os locutores emblemáticos estão indo embora junto com as emissoras AM, em fase de migração para a FM.

Das seis AM outrora sediadas em São Luís (Educadora 560 Khz, Mirante 600 Khz, Difusora 680 Khz, Capital 1180 Khz, Timbira 1290 Khz e São Luís 1340 Khz) restam apenas três: Educadora, Mirante e Timbira.

A Difusora migrou para a Nova FM e a São Luís agora é Massa FM. A rádio Capital foi desativada após a destruição dos transmissores.

O rádio AM chegou a ser homenageado pelo grupo carnavalesco Turma do Saco, em um samba muito criativo.

Alô! Alô! Bom dia!
Um aviso pro interior
No programa do “Galinho”
Carlos Henrique anunciou
Me traz um cavalo com cela e outro na cangalha
Pra levar a carga
Que a Turma do Saco mandou.

Ouça o samba completo aqui

A letra dessa música traduz o papel fundamental do rádio na integração geográfica e afetiva da sua audiência. Nos anos 1960 e 70, quando muitas pessoas saíram do continente para morar em São Luís, em busca de trabalho ou formação profissional, uma das formas de “falar” com os parentes do interior era através do rádio, por meio de recados, cartas e avisos locutados nas vozes das “lendas” como Roberto Fernandes e Carlos Henrique.

Daqui a alguns anos o rádio AM ficará apenas na memória dos seus protagonistas. A migração é uma realidade como tantas outras mudanças processadas nas comunicações ao longo do tempo.

No entanto, o rádio vai sobreviver de outras formas. Ele não morre, apenas muda, faz adaptações e ressignificações, incorpora as novas tecnologias e segue em frente.

Viva Roberto Fernandes! Viva o Galinho Maravilha!

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Roberto Fernandes: uma instituição no rádio

Quem vive apaixonado por rádio AM sabe como é difícil encarar a morte de Roberto Fernandes, vítima do novo coronavírus nesta terça-feira 21 de abril. No momento em que escrevo passa na tela do computador o filme da minha vida de ouvinte, boa parte dela acompanhando os dois programas mais expressivos ancorados por esse grande profissional: Roda Viva, na Educadora AM; e Ponto Final, na Mirante AM.

Com tantos dispositivos sofisticados de comunicação, eu ainda sou do tipo que acorda e liga o velho aparelho portátil todos os dias. Ouvir rádio é como rezar, comer e beber. É um alimento indispensável no cotidiano.

E na minha caminhada de ouvinte muito tempo foi dedicado a Roberto Fernandes. Bem antes do meu primeiro emprego de jornalista em Assessoria de Comunicação eu já curtia os programas jornalísticos e as transmissões esportivas no radinho de pilha do meu pai, em nossa pequena quitanda, na Feira do João Paulo.

Depois a minha escuta ficou mais focada e atenta, percebendo como o rádio AM é um vigoroso instrumento de conexão da audiência com os gestores públicos e os entes privados. Aos poucos o meu gosto por esse fantástico meio de comunicação despertou a minha curiosidade acadêmica, resultando na tese de doutorado na PUCRS com o título “A palavra falada em pulsação: produção e recepção dos programas jornalísticos nas emissoras de rádio AM, em São Luís”.

A feitura da pesquisa, elaborada com tantas fontes no trabalho de campo, teve em Roberto Fernandes um manancial de informações. Aquele homem ocupado e importante era sobretudo um cara generoso que me recebeu uma tarde no seu apartamento para uma longa conversa sobre rádio com 1 hora e 39 minutos de duração (ouça aqui).

Todo esse relato serve para falar da minha gratidão e do meu respeito por Roberto Fernandes. Eu aprendi muito ouvindo ele. E quantas vezes tive a chance de falar no seu programa sobre temas de interesse público.

Entre tantas alegrias que Roberto Fernandes proporcionou à sua audiência, quero registrar a primeira vez que um ouvinte e fã (veja acima) falou no rádio com seu locutor preferido. Seu Nildo, um homem simples, morador da comunidade Taboa, na ilha de Mangunça, em Cururupu, é um dos “invisíveis” que só tem o rádio como amigo e companheiro naquelas comunidades onde nem a luz elétrica chega.

No outro vídeo (abaixo), seu Vaguinho, morador da ilha de Guajerutíua (Cururupu), fala sobre a importância do rádio AM ao longo de toda a sua vida.

Sempre digo para meus alunos que um dos segredos do sucesso na mídia é ter os pés no chão. Roberto Fernandes era famoso, reconhecido e celebrado, mas nunca deixou de ser um profissional simples, tranquilo, honesto e com a dose certa de humildade.

Quando ele mudou de emissora, saindo da Educadora AM para a Mirante AM, houve uma verdadeira comoção no rádio. Muitos ouvintes telefonaram para lamentar, reclamar, criticar e até chorar, argumentando que o estilo e a liberdade do apresentador não seriam mais os mesmos quando ele fosse trabalhar no Sistema Mirante de Comunicação.

A audiência tinha certo receio do que poderia acontecer com Roberto Fernandes trabalhando na rádio do sistema de comunicação de propriedade da família liderada por José Sarney.

Ele mudou de empresa, mas seguiu as suas referências éticas construídas ao longo de uma carreira sólida e respeitável. Na Mirante AM/Globo manteve a simplicidade e o carisma que cultivou na sua antiga casa – a Educadora, pertencente à Igreja Católica.

Aquele homem que tinha o poder da voz e a posição institucional do locutor carregava também uma característica fundamental do comunicador – saber ouvir.

Tanto no programa Roda Viva quanto no Ponto Final ele preservou o bom trato junto à audiência, sabia considerar os diferentes níveis de posicionamento dos ouvintes, sempre respeitando o senso comum e a fala mais elaborada, sabendo ser duro quando necessário, porque o rádio é também o lugar das discordâncias.

Ele não era apenas um jornalista e radialista, era uma instituição nesse meio de comunicação tão importante para a cidadania e a democracia.

A voz de Roberto Fernandes silenciou, mas a sua força espiritual no rádio segue vibrante, servindo de exemplo e referência para outros tantos profissionais, ouvintes e às novas gerações de radialistas.