Quem vive apaixonado por rádio AM sabe como é difícil encarar a morte de Roberto Fernandes, vítima do novo coronavírus nesta terça-feira 21 de abril. No momento em que escrevo passa na tela do computador o filme da minha vida de ouvinte, boa parte dela acompanhando os dois programas mais expressivos ancorados por esse grande profissional: Roda Viva, na Educadora AM; e Ponto Final, na Mirante AM.
Com tantos dispositivos sofisticados de comunicação, eu ainda sou do tipo que acorda e liga o velho aparelho portátil todos os dias. Ouvir rádio é como rezar, comer e beber. É um alimento indispensável no cotidiano.
E na minha caminhada de ouvinte muito tempo foi dedicado a Roberto Fernandes. Bem antes do meu primeiro emprego de jornalista em Assessoria de Comunicação eu já curtia os programas jornalísticos e as transmissões esportivas no radinho de pilha do meu pai, em nossa pequena quitanda, na Feira do João Paulo.
Depois a minha escuta ficou mais focada e atenta, percebendo como o rádio AM é um vigoroso instrumento de conexão da audiência com os gestores públicos e os entes privados. Aos poucos o meu gosto por esse fantástico meio de comunicação despertou a minha curiosidade acadêmica, resultando na tese de doutorado na PUCRS com o título “A palavra falada em pulsação: produção e recepção dos programas jornalísticos nas emissoras de rádio AM, em São Luís”.
A feitura da pesquisa, elaborada com tantas fontes no trabalho de campo, teve em Roberto Fernandes um manancial de informações. Aquele homem ocupado e importante era sobretudo um cara generoso que me recebeu uma tarde no seu apartamento para uma longa conversa sobre rádio com 1 hora e 39 minutos de duração (ouça aqui).
Todo esse relato serve para falar da minha gratidão e do meu respeito por Roberto Fernandes. Eu aprendi muito ouvindo ele. E quantas vezes tive a chance de falar no seu programa sobre temas de interesse público.
Entre tantas alegrias que Roberto Fernandes proporcionou à sua audiência, quero registrar a primeira vez que um ouvinte e fã (veja acima) falou no rádio com seu locutor preferido. Seu Nildo, um homem simples, morador da comunidade Taboa, na ilha de Mangunça, em Cururupu, é um dos “invisíveis” que só tem o rádio como amigo e companheiro naquelas comunidades onde nem a luz elétrica chega.
No outro vídeo (abaixo), seu Vaguinho, morador da ilha de Guajerutíua (Cururupu), fala sobre a importância do rádio AM ao longo de toda a sua vida.
Sempre digo para meus alunos que um dos segredos do sucesso na mídia é ter os pés no chão. Roberto Fernandes era famoso, reconhecido e celebrado, mas nunca deixou de ser um profissional simples, tranquilo, honesto e com a dose certa de humildade.
Quando ele mudou de emissora, saindo da Educadora AM para a Mirante AM, houve uma verdadeira comoção no rádio. Muitos ouvintes telefonaram para lamentar, reclamar, criticar e até chorar, argumentando que o estilo e a liberdade do apresentador não seriam mais os mesmos quando ele fosse trabalhar no Sistema Mirante de Comunicação.
A audiência tinha certo receio do que poderia acontecer com Roberto Fernandes trabalhando na rádio do sistema de comunicação de propriedade da família liderada por José Sarney.
Ele mudou de empresa, mas seguiu as suas referências éticas construídas ao longo de uma carreira sólida e respeitável. Na Mirante AM/Globo manteve a simplicidade e o carisma que cultivou na sua antiga casa – a Educadora, pertencente à Igreja Católica.
Aquele homem que tinha o poder da voz e a posição institucional do locutor carregava também uma característica fundamental do comunicador – saber ouvir.
Tanto no programa Roda Viva quanto no Ponto Final ele preservou o bom trato junto à audiência, sabia considerar os diferentes níveis de posicionamento dos ouvintes, sempre respeitando o senso comum e a fala mais elaborada, sabendo ser duro quando necessário, porque o rádio é também o lugar das discordâncias.
Ele não era apenas um jornalista e radialista, era uma instituição nesse meio de comunicação tão importante para a cidadania e a democracia.
A voz de Roberto Fernandes silenciou, mas a sua força espiritual no rádio segue vibrante, servindo de exemplo e referência para outros tantos profissionais, ouvintes e às novas gerações de radialistas.