Ed Wilson Araújo
Sou católico, mas adepto do ecumenismo. Jesus é um
só, mas tão abundante que as pessoas professam a sua fé de variadas maneiras. O
ecumenismo ensina a tolerar o diferente. Tem o sentido pleno da comunhão, de estar
junto com os irmãos e partilhar a vida.
Com esse entendimento frequentei o Encontro de
Evangélicos e Evangélicas Fome e Sede de Justiça, nos dias 4 e 5 de
outubro/2019, evento organizado pelo coletivo Papo de Crente, que toca o
programa homônimo na rádio web Tambor, vinculada à Agência Tambor.
Os irmãos e irmãs de São Luís do Maranhão juntaram-se aos de outros estados que vieram de longe para dar seus testemunhos inspirados no evangelho, na vida e nas obras de Jesus Cristo.
Sobre qual justiça os evangélicos e evangélicas conversaram?
O encontro foi, sobretudo, uma demonstração de
respeito e admiração por um homem que abraçou a causa dos pobres, combateu os
opressores, tratou com dignidade uma prostituta, respeitou as mulheres,
confortou os doentes, pregou igualdade e solidariedade. Jesus é um dos
pioneiros e mais representativos inspiradores dos direitos humanos.
Jesus é amor. Nele não cabem o ódio e a
intolerância. Os relatos dos pastores e pastoras nos dois dias do evento fazem
valer a fé viva no abraço ao irmão necessitado de alimento, amor, esperança e
de ações concretas em prol da justiça.
Pastores(as) imbuídos(as) desses princípios atuam
com dedicação missionária por todo o país, nas cidades, zonas rurais e áreas de
conflito mais perigosas, como nas favelas ou em meio aos sem teto do Rio de
Janeiro, onde ocorre um verdadeiro genocídio contra a população pobre e negra.
De todo o aprendizado ao longo do evento foi
possível sistematizar que o Reino dos Céus, feito por gente de carne e osso
aqui na terra, passa necessariamente pela distribuição da riqueza, do poder e
do conhecimento.
A maioria da população brasileira que tem sede e
fome de justiça precisa de trabalho com direitos, alimento, moradia, educação, acesso
aos serviços públicos e acolhida na velhice com aposentadoria digna.
E como foi bom saber que em meio a tantas
denominações hegemonizadas pelos setores conservadores existem pastores e
pastoras atuando junto aos excluídos com a perspectiva de uma fé
transformadora.
Um dos ensinamentos do Encontro de Evangélicos e
Evangélicas Fome e Sede de Justiça refletiu sobre o sentido do perdão, quando
José, tornado governador do Egito, diante de tanto poder, com muitas razões
para se vingar dos seus próprios irmãos que o venderam como escravo, foi capaz
de desculpá-los.
Por isso não faz sentido tratar como inimigos os
evangélicos que momentaneamente votaram em um falso messias, influenciados, na
maioria das vezes, pelas denominações que abandonaram o trabalho pastoral e
construíram templos de ouro para cultuar o espírito neoliberal.
Precisamos entender os evangélicos vulneráveis aos
mercadores da fé no contexto histórico do Brasil. A onda conservadora que
varreu o país tem um lastro em 400 anos na escravidão, no patrimonialismo, na
brutal concentração de renda e nas interferências diretas do imperialismo
econômico e cultural, usando equivocadamente Jesus Cristo para traduzir o
cristianismo em capitalismo.
O econômico é central no religioso. No Brasil atual,
uma tese é real: os evangélicos ultraconservadores estão inseridos na cúpula do
governo, nos parlamentos, nas gestões estaduais e municipais e nas raízes
profundas dos meios populares.
“Brasil acima de tudo. Deus acima de todos” é um
bordão complexo para expressar essa etapa diferenciada na vida política
nacional, com um fato concreto: as denominações “neo” e pentecostais estão no
coração do poder, confundindo democracia com uma espécie de “teocracia”.
Por dentro das igrejas conservadoras a “teocracia” se dissemina com uma forte dose de messianismo em torno de juízes e procuradores enviados por Deus para salvar o Brasil da corrupção.
Uma das principais revelações do Encontro de
Evangélicos e Evangélicas Fome e Sede de Justiça trouxe à luz a informação sobre
as ligações mais profundas entre a “República de Curitiba” e a Igreja Batista.
A igreja frequentada pelo procurador-chefe da Lava Jato, Deltan Dallagnol, foi sede do instituto Mude, um dos tantos braços ongueiros do lavajatismo fundamentalista.
A Igreja Batista é um campo de elite do
conservadorismo evangélico. As neopentecostais são complementares, mas não
menos importantes. Somadas, as denominações controladas pela ultradireita
convergem os interesses do capital e do cristianismo.
Mas, o pensamento econômico não é suficiente para dar
conta da tarefa. A onda conservadora, nas suas diversas matizes, vem turbinando
na base da sociedade os elementos característicos do fascismo, sendo um deles
mais visível – a construção de um inimigo que deve ser eliminado. Para isso, é
fundamental disseminar o ódio. Se em outros tempos os culpados foram os judeus,
agora são os petistas, os supostos comunistas e a esquerda de um modo geral,
com tudo que ela representa, inclusive a concepção dos direitos humanos.
Ocorre que, às avessas de José, que perdoou os seus
irmãos, a onda conservadora constrói culpados, espalha ódio, prega a
intolerância e cultua o pensamento único neoliberal sistematizado nas promessas
de salvação e prosperidade.
Nesse modo de ver, quem são os culpados pelo mundo
que não deu certo?
Os culpados, além da esquerda, são os pobres mesmo,
os de baixo da pirâmide, os inferiores, os beneficiários do Bolsa Família, os
homoafetivos e todos aqueles que não foram capazes de vencer/prosperar ou de se
adaptar aos padrões. Por isso precisam ser eliminados.
O ódio e a intolerância, na contramão dos
ensinamentos de Jesus de Nazaré, legitimam a desigualdade e a lógica cultural
do capitalismo e da injustiça.
Não foi à toa que a República de Curitiba, no âmbito
da Lava Jato, tratou de destruir a política, a democracia e as instituições
republicanas, maquinando para exterminar um projeto de nação, o Estado
Democrático de Direito e as prerrogativas fundamentais dos cidadãos, em alguns
casos.
Munidos desse discurso, montados em uma gigantesca máquina de propaganda nos meios de comunicação, o lavajatismo desencadeou uma violenta campanha para culpar, estigmatizar, responsabilizar e pregar a eliminação da esquerda e dos “petistas”.
O ano de 2018 foi um divisor de águas, quando a política passou a ser tratada como cruzada religiosa, liderada por um messias com gesto de revólver nos dedos.
Vivemos a expansão de uma base cultural entranhada
no topo da pirâmide e nos grotões do Brasil. Na cúpula opera a elite e na base
chegam as denominações alcançando setores médios e populares.
A destruição da política provocou um cenário de terra arrasada. Quando não ficar mais pedra sobre pedra só haverá uma saída – Deus! A salvação chega aos fiéis nas palavras dos pastores coach, youtuber, digital influencer que transformaram parte das igrejas evangélicas em negócio.
Essa não é a fé transformadora. Jesus é
solidariedade e compaixão. Por isso ele condenou os fariseus. Está em Mateus
23:
“Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas, porque percorrem terra e mar para fazer um convertido e, quando conseguem, vocês o tornam duas vezes mais filho do inferno do que vocês.”
“Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês limpam o exterior do copo e do prato, mas por dentro eles estão cheios de ganância e cobiça. Fariseu cego! Limpe primeiro o interior do copo e do prato, para que o exterior também fique limpo.”
Tem um cristo agonizando na cruz e as suas feridas
sangram. Ele está com sede e fome de justiça.