As novas gerações de jornalistas, nascidas e criadas no mundo digital, devem experimentar intensas sensações com os dispositivos tecnológicos. Toda era cultural tem seus prazeres e assim o mundo gira cada vez mais rápido, sempre ao mesmo tempo agora.
Jornalistas veteranos tiveram outros deleites: sentir o cheiro de tinta e papel, ouvir o tec tec da máquina de escrever, ir para a rua feito cães farejadores de notícias e encerrar a edição com um encontro no bar, entre outras tantas emoções.
A antiga Peixaria Carajás, no São Francisco, é testemunha do jornalismo boêmio e malandro, no bom sentido da coisa. Nas madrugadas, passando pela avenida Castelo Branco, era impossível não esticar uma boa prosa com J. França, depois de ele ter fechado a edição de O Estado do Maranhão.
Por essas coincidências da vida e da morte, o jornalista Cunha Santos faleceu no Dia do Poeta (20 de outubro) e na semana em que O Estado do Maranhão encerra suas atividades como um dos mais longevos impressos da terra onde o padre Antônio Vieira pregou.
Escritor, cronista refinado, democrata e boêmio inveterado, Cunha Santos vai embora junto com o jornal de papel, deixa muitas saudades e os seus livros “Meu calendário em pedaços”, “O esparadrapo de março”, “A madrugada dos alcoólatras”, “Paquito, o anjo doido” e “Odisséia dos pivetes”, além de inúmeros textos espalhados em vários diários que podem ser consultados na web ou nos arquivos vivos da Biblioteca Pública Benedito Leite.
Segundo o NYT, a nova plataforma vai oferecer “artigos narrados, podcasts e conteúdo de áudio de uma lista de editores de primeira linha.”
Enquanto São Luís não vira Paris e de Nova Iorque só tem a Estátua da Liberdade, sobrevivem entre os mais antigos no papel O Imparcial e o velho Jornal Pequeno de guerra (a última tribuna de Cunha Santos), provas da resistência de um meio de comunicação que pulsou intensamente e concomitante à magia do rádio e ao encantamento da televisão.
O impresso está desaparecendo sem alarde, quase despercebido, mas pode ser que ainda tenha uma sobrevida em periodicidade semanal, com reportagens especiais focadas em jornalismo de profundidade.
Seria uma espécie de impresso vintage, aos domingos, com textos e imagens muito especiais, destinado a um público seleto. Algo como edição de colecionador.
Valeria a pena ressuscitar o Colunão de Walter Rodrigues ou o Jornal Pessoal de Lucio Flávio Pinto, duas penas memoráveis que eu guardo até hoje e releio vez por outra, para nunca esquecer como se escreve bem.
Então, nesta quinta-feira (21), serão dois velórios em um só dia: de Cunha Santos e do jornal O Estado do Maranhão.
No entanto, fiquemos atentos ao mais importante: acabando o impresso, fica o Jornalismo, uma instituição da modernidade, filha do Iluminismo, fundamental para mediar o público com base nos critérios de verdade.
O Jornalismo teve um papel essencial no desmonte da farsa perpetrada pela Lava Jato, desmascarando Sergio Moro e toda a quadrilha organizada em parte do Ministério Público Federal para destruir a democracia no Brasil.
E segue na missão civilizatória de combater a desinformação e o obscurantismo.
Que assim seja.
A esta hora, J. França e Jonaval Medeiros da Cunha Santos já se encontraram no céu e, lá de cima, dão boas gargalhadas vendo esse corre corre sem fim das pessoas solitárias e ansiosas ao celular, caladas, sem aquele clima caloroso e o ambiente onomatopéico da velha redação do jornal de papel: tec tec tec.
“Acho bonito até / O jornaleiro a gritar / Imparcial / Diário / Olha o Globo / Jornal do Povo / descobriu outro roubo”
Profissão
em fase de extinção, pelo menos no sentido formal, o jornaleiro sente no bolso
o declínio das vendas dos impressos diante da oferta de publicações na
internet.
Na palma da mão, os dispositivos móveis acessam jornais e revistas com facilidade, agilidade e as múltiplas ofertas do ambiente virtual, como os hiperlinks, capazes de levar o consumidor a navegar por muitas janelas de informação.
Embora
a opção pelo digital seja avassaladora, em São Luís ainda persistem uns poucos
vendedores de jornal impresso, distribuídos em alguns pontos da cidade.
Um
dos jornaleiros mais antigos, ainda em atividade, é Humberto Rodrigues Garcia,
com anos 30 dedicados à comercialização dos diários impressos. Natural de
Pinheiro, ele veio para São Luís com apenas 17 anos de idade e logo passou a
vender jornais. Atualmente tem um ponto na rua dos Bicudos, no Renascença II,
mas já vendeu na Curva do 90 e no Cohafuma.
A
rotina de trabalho começa ainda na madrugada, quando sai de casa no bairro
Gapara (na área Itaqui-Bacanga) e recebe os jornais. A partir das 5h30 ele começa
a fazer entregas de bicicleta para os clientes fixos nos condomínios do
Renascença II e depois concentra a venda no ponto onde já é bastante conhecido
há décadas.
“Os
leitores antigos são fieis. Entrego para 25 clientes por semana. Tem deles que
compram até três jornais por dia e ainda faço as vendas direto aqui no local
permanente”, detalhou Garcia.
No
rol dos veteranos está Carlos Augusto Alves Sousa, o popular “Careca”, jornaleiro
há três décadas e atualmente fixado no retorno do Calhau. Durante 25 anos viveu
exclusivamente da venda de jornal, mas a procura caiu muito com a internet. “Na
época que saia o listão dos aprovados no vestibular eu cheguei a vender 800
jornais por dia”, registrou.
Mas,
a procura caiu vertiginosamente. Careca soma a venda de 20 jornais nos dias
úteis e aos domingos comercializa até 80 exemplares. “Já foi muito melhor.
Domingo eu chegava a vender até 300 jornais”, recordou. Ele mensurou que nos
últimos cinco anos não é mais possível viver apenas da comercialização de
jornal e por isso tem uma atividade paralela no turno vespertino para completar
a renda.
Da RFFSA à feira do João Paulo
Outro
antigo no ramo dos impressos é José Ribamar Araújo, 49 anos, conhecido pelo
codinome “Buiú” em toda a feira do João Paulo, onde já vende jornais há 25
anos, ao lado de uma pequena banca onde também comercializa limão. “As vendas
não são mais como antes, caiu muito, mas ainda tem uns clientes que compram
todo dia”, explicou.
Alguns
casos atravessam gerações. Na feira do João Paulo, Fábio “Secreta” herdou a
venda de jornais da sua avó e ainda mantém o ofício de jornaleiro misturado com
vários bicos, entre eles a venda de verduras, frutas e hortaliças, junto com os
jornais pendurados em um fio por cima das outras mercadorias.
A venda de jornal só persiste devido à fidelidade dos leitores, alguns sem qualquer contato com os dispositivos digitais e ainda vinculados ao consumo das notícias na plataforma analógica – o papel.
Entre eles está o aposentado José Braga Cantanhede. Apaixonado por política, lê o jornal paulatinamente durante o dia e não perde a “Coluna do Sarney”, publicada aos domingos no jornal “O Estado do Maranhão”. Como os jornais acabam transbordando os interesses dos proprietários ou grupos empresariais controladores das linhas editoriais, os leitores também se alinham às posições políticas dos seus impressos prediletos.
Alguns
jornaleiros são também leitores assíduos e manifestam suas preferências. É o
caso de “Considerado”, fã do governador Flávio Dino. “Ele comprou jornal comigo
na campanha para prefeito de São Luís em 2008 e ainda vai ser presidente do
Brasil”, profetizou.
“Considerado”
é o apelido de Pedro Luís Nascimento, 54 anos, desde 2007 vendendo impressos na
área da RFFSA, no Centro Histórico. Cearense de Juazeiro do Norte, ele ganhou o
apelido de “Considerado” porque trata todas as pessoas por essa palavra.
“De
tudo que eu já fiz a venda de jornal é uma das melhores coisas porque eu
aprendi muito. Você se apaixona por isso, faz amizades e tem uma fonte de
conhecimento sobre política, economia e outros assuntos”, enfatizou.
Pedro da RFFSA, o “Considerado”, tem consciência do declínio das vendas do impresso. “Não dá para viver de jornal como antes. Com a internet caiu em 90% a venda dos jornais de papel. Tem de ter um complemento, um bico para sobreviver”, afirmou.
Rotina e dedicação
Acordar
muito cedo é a condição essencial para a profissão de jornaleiro. “Buiú” pega
no batente todos os dias logo às 4h da madrugada na feira do João Paulo. “Careca”
recebe os jornais às 6h da manhã e Humberto começa a fazer as entregas para os
clientes às 5h30, pedalando na sua bicicleta.
No
João Paulo tem ainda um ponto de vendas na esquina da rua da Cruz com a avenida
São Marçal, onde há 15 anos o casal Francivaldo Lucas do Nascimento e Waldicleia
Melo Barbosa comercializa jornais.
Quando
iniciou a venda, Francivaldo Nascimento trabalhava em uma loja de móveis no
João Paulo e viu o ponto ser passado por várias pessoas durante uns 30 anos,
até que surgiu a oportunidade para ele assumir a venda juntamente com a esposa.
Todos os dias, faça chuva ou sol, estão na lida.
Ambos
reconhecem a dificuldade do impresso com a expansão da internet e conseguiram
outros trabalhos fixos. Hoje vendem jornal apenas entre 6h e 8h da manhã para a
freguesia já consolidada. “É mais um bico para nós. Ficaram poucos clientes,
apenas os tradicionais”, lamentou Barbosa.
O gazeteiro do Vias
Diferente
dos tradicionais vendedores de jornal, o artesão Elmo Cordeiro foi um dos
principais ativistas do “Vias de Fato”, impresso criado em 2009 por um coletivo
formado pelos jornalistas, educadores, artistas e entusiastas da mídia
alternativa.
Elmo
Cordeiro era estudante de História na Universidade Federal do Maranhão (Ufma) e
nas horas de folga sempre panfletava e vendia o “Vias de Fato” nos corredores
do campus do Bacanga. “Eu fazia ativismo político, era militante da causa do
jornalismo alternativo e da democratização da comunicação”, conceituou.
Incorporado
à equipe do jornal, ele explicou que participava do processo de produção, tinha
assento nas reuniões de pauta e da tomada de decisões, não era apenas um
vendedor de jornal.
Além da distribuição no campus do Bacanga, Cordeiro fazia o jornal circular em manifestações públicas, nos eventos fechados, agitações políticas e culturais junto com a equipe do Vias de Fato. Ele ainda percorria grande parte dos prédios comerciais do São Francisco e do Renascença, fazendo a venda e panfletagem nos lugares estratégicos para um público formador de opinião.
Sobre a migração dos jornais para a internet e os dispositivos móveis, ele avaliou que o produto impresso sempre terá importância. “O livro e o jornal de papel são imortais, principalmente para os conteúdos da mídia alternativa, que deve persistir. Ainda tem espaço para o jornal de papel, não para o jornalismo de negócio, de mercado e de conveniências. Acho que este modelo está com os dias contados”, ponderou.
Transformações na indústria de notícias
Pesquisadores e professores universitários avaliam as mudanças do jornal de papel para as plataformas digitais como algo pertinente à própria história dos meios de comunicação, sendo agora as mudanças cada vez mais rápidas. A professora doutora do Departamento de Comunicação Social – Jornalismo da Ufma, Rakel de Castro, aponta o contexto da convergência tecnológica, profissional, empresarial e de conteúdo como características principais de uma permanente renovação. “A internet potencializa as conexões e coproduções no texto noticioso e, mais recentemente, a emergência da mobilidade na era dos smatphones”, pontuou.
Segundo Castro, no comparativo entre o analógico e o digital, as
diferenças se apresentam em transformações no mundo do trabalho diante da
formação de grupos empresariais multimidiáticos. Se algumas funções
desapareceram nos jornais impressos, como tipógrafos e fotocompositores, outras
atividades surgiram no ambiente das novas profissões, como o moderador de
conteúdo para as redes digitais em um ritmo de produção fortemente marcado pela
instantaneidade.
O aspecto geracional da sustentabilidade também é apresentado pela pesquisadora como um fator de análise na era digital. “Neste caso, o papel do jornal impresso, por exemplo, além de ser extremamente mais caro para circular em grandes proporções, requer muito mais sacrifício do meio ambiente do que a distribuição digital de informação via Internet, sem falar na rapidez. Nesse cenário, não dá para definir quando o jornalismo impresso terá data para findar, mas há uma certeza: a forma como o conhecemos hoje vai deixar de existir em breve, por uma questão estrutural demandada por novas formas de se comunicar dessa geração atual.”, explicou Rakel de Castro.
Entre
os leitores, embora escassos, paira o gosto pelo papel. Francisco Silva
Moreira, 56 anos, compra os impressos até cinco vezes por semana direto nos
jornaleiros, há 25 anos. Quando não tem tempo para ler durante o dia, guarda o
exemplar para consumir à noite e até coleciona alguns números antigos,
principalmente quando tem notícia sobre seu time predileto – o Sampaio Correia
– ou da seleção brasileira. Moreira tem preferência por esporte e futebol,
gosta do colorido do jornal de papel e dificilmente lê no celular.
Os
próprios jornaleiros são leitores assíduos. “Considerado” avalia o jornal como
uma grande fonte de conhecimento. Já Humberto Garcia diminuiu as leituras
porque tem muita notícia de violência. “Depois que eu virei evangélico prefiro
ler a bíblia e os hinos de louvor”, justificou.
Professor doutor do Departamento de Comunicação Social – Jornalismo e coordenador do Labcom/Ufma, Marcio Carneiro dos Santos interpreta o cenário digital do Jornalismo como uma tendência não à extinção do jornal de papel “e sim para a reconfiguração do impresso em uma atividade de nicho, reduzida e específica”, sintetizou.
Ele visualiza esse cenário com base nos vetores
econômico, tecnológico e cultural. Como atividade econômica o impresso tem um
custo de produção e distribuição elevado (maquinário, insumos e mão de obra),
além da logística para fazer o produto final circular. “O meio digital eliminou
a maior parte desses itens e tornou-se a resposta natural para a sobrevivência
das organizações jornalísticas que tem visto seu faturamento cair, em virtude
da fragmentação das audiências e da explosão de emissores no ecossistema dos
meios de comunicação”, enumerou Carneiro.
O vetor tecnológico, segundo o pesquisador, está
fundamentado na ampliação da infraestrutura de internet, preço baixo, aumento
da oferta dos dispositivos móveis e das suas funcionalidades. Esse conjunto de
fatores alterou as lógicas de consumo, onde predominava um ambiente de escassez
da produção dos grandes veículos de mídia para a “explosão de emissores”,
empoderados por redes e numa disputa de atenção marcada pela fragmentação da
audiência.
Nos seus estudos o professor observa também nesse
contexto a precarização do trabalho dos jornalistas em muitos casos; ou seja, nem
tudo é benefício com nesse novo cenário de automatização da produção de
conteúdo. Por um lado, a multiplicação dos meios viabiliza a alternância de
vozes e pontos de vista, com maior facilidade para a distribuição de conteúdos.
“Entretanto, as fakenews, a difusão da intolerância, as polarizações
instransponíveis e a violência explicitada pelos canais digitais constituem o
lado sombrio da mesma moeda”, ponderou o pesquisador.
Marcio Carneiro dos Santos sugere uma visada não
determinista sobre o futuro. “Talvez a situação do jornalismo impresso siga o
mesmo caminho ou, como acreditamos, siga o pensamento de McLuhan que dizia que
os velhos meios se transformavam em obras de arte, de consumo restrito, num
processo já percorrido pelos discos de vinil, por exemplo.”, ilustrou.
Aproximado a essa forma de ver o impresso, como se fosse um vinil sofisticado, o superintendente de produção de “O Imparcial”, Célio Sergio, pensa na sobrevivência do jornal de papel com as devidas adaptações aos novos tempos. “A tendência do impresso é ser um produto mais opinativo, interpretativo e analítico, enquanto o jornal online já é mais focado no factual”, diferenciou. Quanto ao formato, o suporte de papel deve seguir a tendência do tablóide, mais fácil de manusear e com um tipo de diagramação aproximado do estilo de revista, mas com a periodicidade diária, projetou Sergio.
Focar no conteúdo opinativo também é a visão do diretor do “Jornal Pequeno”, Lourival Bogéa. Questionado sobre o processo de extinção do impresso, refutou esta perspectiva. Para ele, jornal tem importância como formador de opinião. “Acredito em fórmulas capazes de proporcionar vida longa ao jornal no papel, como, por exemplo, dando a ele um formato mais de revista, com textos aprofundados e que possam levar, principalmente sociedades em desenvolvimento, a uma grande reflexão sobre o mundo que vive hoje. Vejo o impresso como agente de contextualização de fatos jogados a esmo no dia a dia, via online, e que não permitem à opinião pública ter uma noção exata do que acontece. Vejo o impresso, consequentemente, como aprofundador desses fatos, numa contextualização altamente interessante e favorável ao físico”, detalhou Bogéa.
Para o jornalista Emilio Azevedo, um dos fundadores e o editor do jornal “Vias de Fato”, a ameaça de morte do impresso é evidente. “O desafio do Jornalismo, tão velho quanto necessário, tem sido se manter como referência na internet. O chamado mundo digital é povoado por mentiras. Sendo assim, a fonte da notícia é fundamental. É aí que entra o Jornalismo”, pontuou.
Referência
em comunicação alternativa, o Vias de Fato, fundado em 2009, circulou mensalmente
durante cerca de oito anos. Embora ancorado no papel, a reverberação do produto
impresso teve na internet uma aliada natural e muito importante. Nessa
perspectiva do digital, Azevedo vislumbra saídas para a mídia independente. “No
caso do jornal Vias de Fato, ficou inviável manter a circulação. Nossa
alternativa foi buscar uma nova forma de organização. E nessa busca, nós
juntamos com novos parceiros na Agência Tambor, que a partir de um site (com uma
web rádio) e de diferentes redes sociais, converge som, imagem e texto. Assim
como o “velho” Vias, a repercussão da ação alternativa da Tambor
também é evidente”, registrou.
A jornalista Claudia Santiago, por sua vez, pensa o
jornal impresso como arma da luta de classes. Inspirada no filósofo e ativista
Antonio Gramsci, ela afirma que os trabalhadores precisam ter os seus próprios
meios de comunicação.
Fundadora e coordenadora do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC), escola de formação especializada em comunicação sindical, ela assegura que o instrumento mais importante nesse segmento está no corpo do sindicalista ou da sindicalista: os olhos e a língua no contato direto com as suas bases, sendo imprescindível o jornal de papel, entregue de mão em mão.
“Nada substitui o momento da entrega do jornal. Principalmente agora,
que se usa cada vez mais a Internet para tudo e estamos perdidos em uma
floresta de informações. O jornal do sindicato passa a ser recebido como uma
figura importante. Se antes ele já era o único jornal que entrava na casa da
maioria dos trabalhadores, imagina agora. E se o povo não sabe ler, desenhe.
Ter poucos anos de escola não significa não ser tremendamente sensível e
inteligente. Então, continuo defendendo que sindicatos façam jornais de papel.
Se não souber como fazer, me procura que eu ajudo”, provocou Santiago.
Jornal no quilo
Enquanto as mudanças acontecem, Hamilton Pereira, 52 anos, está ganhando mais dinheiro vendendo jornais “velhos”, armazenados com as sobras da sua banca, localizada no Mercado Central, em São Luís.
Depois de quatro décadas trabalhando como
jornaleiro ele percebeu, há cinco anos, que somente a venda de jornais diários
não rendia mais e decidiu agregar valor ao seu negócio. Assim, além dos
diários, passou a vender exemplares antigos que são comprados para usos
diversos. Ele percebeu que as pessoas pediam encomendas de jornais velhos e faz
dessa demanda parte de seu comércio. Também começou a vender CD com reggae,
sofrência e outros ritmos musicais, caça-palavras e DVDs.
“É mais negócio, hoje em dia, vender jornal
velho, rende melhor que o novo”, afirmou Pereira. O quilo do usado custa
R$ 4,00. Os clientes preferenciais, nos últimos anos, são os donos de bichos de
estimação, principalmente cachorros. “Compram para forrar espaços onde os
animais domésticos dormem ou ficam mais tempo. Para eles é mais prático, econômico
e higiênico. Forrando com jornal, fica fácil de limpar o local dos
bichos”, explicou.
Os exemplares antigos são comprados também para empacotamento de produtos em
lojas e quitandas, com o objetivo de acomodar o transporte de peças frágeis
como louças e ovos; limpar vidraças; revestir caixa de isopor com peixe para
viagens; forrar gaiolas com passarinho, entre outras finalidades. “Tem muitas
utilidades, sai bem e todo dia”, computou Pereira, que começou vendendo jornais
avulsos pelas ruas, no início da adolescência e, logo depois, se fixou no
Mercado Central.
Ele se orgulha ao dizer que somente com a profissão de jornaleiro criou os seus três filhos. “Todos estão independentes e trabalhando”, comemorou.
Diferente dos diários focados em notícias e
reportagens do cotidiano, os jornais alternativos com periodicidade mais
elástica geralmente têm artigos e reportagens com textos longos, analíticos e
interpretativos, que acabam se transformando em documentação e referência para
estudos acadêmicos.
O
Vias de Fato, por exemplo, tem uma coleção com todas as edições arquivadas e o
acervo impresso é fonte de pesquisa para estudantes e professores. “Ironicamente,
também existe uma cobrança pra que se faça a digitalização do acevo”, avisou
Emilio Azevedo.
Se ir a uma banca ou ao jornaleiro para buscar um
produto jornalístico e pagar por ele tornou-se algo até estranho para a maioria
da população, ainda é um hábito cultivado por fiéis amantes do “velho” jornal
de papel.
Os jornaleiros sentem na pele as transformações na
indústria da notícia. Todos os vendedores de impressos ouvidos pela reportagem
estão apreensivos e de certo modo pessimistas com o fim do jornal de papel.
Entre
mudanças, transformações e ressignificações, o mais importante de tudo é que o
Jornalismo siga aperfeiçoando as suas finalidades – informar, instruir, educar,
esclarecer, buscar a verdade, provocar, polemizar, prestar serviço e, sobretudo,
produzir conhecimento sobre a realidade. Eis o papel do jornal, mesmo que seja
digital.