Categorias
notícia

Bar da Hora: um ‘oásis’ nos Lençóis Maranhenses

Ed Wilson Araújo

A uma hora e meia de Barreirinhas, navegando pelo rio Preguiças, tem um povoado charmoso, acolhedor e rodeado de encantarias.

Contam os moradores que nos tempos antigos havia ali uma quitanda funcionando noite e dia. Quando os pescadores precisavam de mantimentos, encostavam para abastecer as embarcações antes de encarar o mar aberto. E como o estabelecimento era full time, batizaram de Bar da Hora.

O nome faz jus também a uma gíria maranhense utilizada para qualificar situações fáceis de agilizar ou resolver. Dizer que alguém ou um lugar é “da hora” significa solução, vibrações positivas, coisa boa…

Bondade é pouco para descrever o povoado e a sua hospitalidade. O lugarejo tranquilo está localizado no território de Atins, mas preservado das pousadas sofisticadas e ressorts caríssimos.

As acomodações em Bar da Hora têm preços justos, adaptados ao bolso do visitante em busca de paz, alimentação saudável e boas práticas do Turismo de Base Comunitária (TBC).

Na pousada Ingapura, o único “corre” é feito por Renato Amorim, o cara que resolve os passeios de barco e cuida de muitos afazeres, além de bater papo sobre as curiosidades do lugar e da vida em geral, compartilhados também por Patrícia Nunes, que prepara um delicioso café da manhã servido na varanda com vista para o rio Preguiças.

Ela ainda utiliza as sobras dos alimentos na compostagem, gerando adubo orgânico.

Patricia explica como os restos de alimentos orgânicos viram adubo. Imagens: Ed Wilson Araújo. Edição: Roberto Carvalho

O QUE FAZER?

Bar da Hora tem cerca de 100 casas e 600 moradores sem pressa de “crescer” na lógica do turismo “industrial”. A sobrevivência gira em torno da pesca artesanal, pequeno comércio, cultura ancestral e sustentável. É um lugar para compartilhar os saberes e as práticas de vida dos pescadores, artesãos, ambientalistas e idealizadores de arranjos produtivos – agora denominados empreendedores.

Uma das opções é o Passeio pelos Quintais Produtivos, guiado por Jamerson Lindoso Pereira pelas ruas de areia fofa e terreiros, apreciando a vida simples e os experimentos sustentáveis.

O guia Jamerson, com o filho Francisco, explica o funcionamento do escambo e da compostagem aproveitando sobras de alimentos verdes

A primeira parada é na Casa Novo Horizonte, onde mora o guia Jamerson Pereira. Ele detalha a filosofia do TBC, as práticas de escambo (troca de produtos orgânicos e mantimentos) entre os moradores e a produção de adubo a partir de biodigestor. A compostagem feita com sobras de alimentos (folhagens e cascas de ovo) em uma caixa d’água é outro atrativo especial, bem como a produção de biofertilizante com aproveitamento do esgoto doméstico.

Já no restaurante Grelhado é possível conhecer o biodigestor à base de esterco de gado transformado em adubo orgânico, utilizado na horta que fornece verduras fresquinhas para temperar os alimentos. Além disso, o gás do biodigestor alimenta os fogões na cozinha.

Neuza comemora os resultados do biodigestor: adubo para a horta e gás na cozinha. Imagens: Ed Wilson Araújo. Edição: Roberto Carvalho

Outra experiência sustentável é a fábrica de vassouras cerzidas com garrafas pet, iniciativa de um coletivo de mulheres pescadoras. Elas recebem doações e recolhem as pets no mar. Com uma técnica simples, transformam aquilo que seria lixo em fonte de renda. O galpão da fábrica foi construído em regime de mutirão e as próprias mulheres meteram a mão na massa, enfatizam Ângela Maria Silva e Elciane Santos, responsáveis pelo empreendimento.

Garrafas de plástico viram vassouras, geram trabalho e renda. Imagens: Ed Wilson Araújo

A fábrica, o aproveitamento dos resíduos sólidos e a produção de adubo no biodigestor tiveram apoio e parceria do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e da Setres (Secretaria de Estado do Trabalho e Economia Solidária) em treinamentos e plano de negócios. As vassouras são vendidas por R$ 25,00 cada.

Mineiros, morando em Santa Catarina, o casal Luana e Leonardo, acompanhados da versátil filha Lavínia, de seis anos, chegaram ao Bar da Hora em busca de vivências e interações com as coisas simples da vida, distintas do turismo badalado.

“Estar no povoado Bar da Hora nos possibilitou adentrar a cultura local e conhecer além das belezas naturais do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses. O local é permeado de calor humano, simplicidade e uma beleza surreal. A gente se desconecta de cronos para vivenciar o ritmo do sol, da lua, das marés… Eu desejo que a comunidade local se mantenha firme no modelo de TBC, seja visto pelo poder público e amparado nas suas necessidades sem perder sua essência”, resume Luana.

Jordana, Patricia, Leonardo, Lavínia e Luana: viagem e afetos. Foto: Ed Wilson Araújo

Se o visitante quiser fazer uma caminhada hard, vale encarar o percurso até o vizinho povoado Mandacaru, e, depois da trilha, se tiver fôlego, pode encarar a subida dos muitos degraus do farol e ter uma recompensa: contemplar a vista deslumbrante de uma parte preciosa dos Lençóis Maranhenses.

Fique ligado no horário. O Farol do Mandacaru é aberto à visitação somente até 17h.

CULINÁRIA RAIZ

Para comer bem, a preços justos, Bar da Hora oferece três restaurantes. No “Panela Cheia”, pilotado por Ernestina Gomes de Oliveira, vale experimentar arroz de cuxá e peixe grelhado. Depois, sobremesas de doce de caju ou banana.

Cuxá, iguaria típica da culinária dos povos originários, é feito com vinagreira (hibisco), gergelim, camarão seco e outros temperos regionais.

Na casa, recomenda-se a visada para a arquitetura da mureta, utilizando garrafas de vidro no complemento da alvenaria.

Em Bar da Hora é possível observar também as ações do governo federal chegando nos lugares mais remotos. Olhando o futuro, o empreendimento de Ernestina Oliveira estuda opções de financiamento do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) para construir uma pousada.

O restaurante “Grelhado” tem também dois quartos de hospedagem. O visitante pode apreciar a horta viçosa antes de saborear um arroz de couve com peixe frito, tomar um café “da hora” e descansar no redário sob um barracão de palha ventilado pela brisa do rio Preguiças.

Adubada pelo biodigestor, a horta de Neuza abastece a cozinha do restaurante. Foto: Ed Wilson Araújo

O negócio completou 10 anos, administrado por Neuza Oliveira Pires. Antes, ela trabalhava como pescadora e cozinheira, durante seis anos, em bares do balneário Caburé, do outro lado do rio Preguiças.

Ela conta que os turistas passavam direto de Barreirinhas para Atins, mas aos poucos os moradores de Bar da Hora foram buscando parcerias com as agências, o Sebrae, a Embrapa e o Curso de Turismo da UFMA, através da professora Monica de Nazaré Araújo, uma referência em TBC.

“Pedrão” guarda a sete chaves a magia do “licor” de gengibre. Foto: Ed Wilson Araújo

A “Toca do Caranguejo”, administrada pela família de Pedro Pires dos Santos, o Pedrão, oferece um delicioso camarão frito ao alho e óleo. Se der mais sorte, o cliente pode saborear o prato no meio da rua, com os pés na areia branca, em noite de lua cheia, batendo um papo com o dono do estabelecimento.

LUGAR DE ENCANTARIAS

Pedrão tem 50 anos de idade e várias profissões: pedreiro, carpinteiro, eletricista, encanador, pintor, mestre de obras, pescador e cozinheiro.

Ele aprendeu algumas artes da culinária com o lendário e memorável “Paturi”, um dos pioneiros do turismo em Barreirinhas.

Depois do camarão, Pedrão oferece uma deliciosa bebida à base de gengibre, que diz ter poderes especiais, mas a receita é guardada em absoluto segredo.

Além da beberagem mágica, Bar da Hora guarda outros mistérios, como a morraria encantada em formato de cabeça de cuia, visada do outro lado do rio. “O encantado é uma força”, sintetiza o guia Jamerson Lindoso.

A noite em Bar da Hora é um convite ao bate papo sobre as estórias do lugar. Foto: Ed Wilson Araújo

RECONHECIMENTO NACIONAL

Pelo conjunto da obra, em 2024 o Bar da Hora ganhou o Prêmio Braztoa de Sustentabilidade, concedido pela Associação Brasileira das Operadoras de Turismo, um dos mais importantes do setor, em reconhecimento ao trabalho coletivo dos moradores e empreendedores do povoado.

As conquistas foram viabilizadas também pela organização local, desde 2008, através da Associação de Moradores, Pescadores e Pescadoras do Bar da Hora, atualmente presidida por Neuza Oliveira Pires, proprietária do restaurante e pousada Grelhado.

A comunidade também administra o Fundo do Turismo, recurso coletivo e compartilhado para investimentos nas práticas de sustentabilidade no povoado.

Sentado em um banquinho de madeira, no fim de tarde, à margem do rio Preguiças, um homem velho olha o mar. Grisalho, de pele queimada e rugas cavadas entre as sobrancelhas, aprecia com tranquilidade o vai e vem de lanchas motorizadas velozes, indo e vindo, transportando turistas entre a sede do município de Barreirinhas e o badalado point de Atins.

Quando perguntado sobre as coisas do lugar, resumiu: “Siô, o Bar da Hora é outra estória”

COMO CHEGAR

São Luís – Barreirinhas

Carro (em média 3 horas e meia de viagem)

Ônibus: Terminal Rodoviário de São Luís: empresas Guanabara ou Cisne Branco (em média 5 horas de viagem)

Van e microônibus: diversas opções e horários de traslado

Barreirinhas – Bar da Hora

Lancha (voadeira): em média 1 hora e meia de viagem (reservar com antecedência os dias e horários)

Carro tração 4 x 4: Toyota do Caju (contato: 98 – 99147 5541)

Veja aqui todas as opções de hospedagem, transporte e mais detalhes sobre o Bar da Hora