De um ponto de vista crítico, é possível abordarmos o corrente ano de 2023 na Universidade Federal do Maranhão por meio de duas perspectivas que são, em alguma medida, complementares: 1 – o sentido de urgência e prioridade que a instituição necessita cultivar e 2 – o papel do orçamento numa gestão democrática e com compromisso social capaz de efetivar essas urgências e prioridades.
Naquilo que diz respeito ao sentido de urgência que a instituição necessita cultivar, requer apresentar a seguinte reflexão: no dia vinte de março de 2023, iniciamos o semestre letivo na nossa UFMA. Trata-se do segundo semestre totalmente presencial após a dolorosa pandemia da Covid-19. Seria oportuno, portanto, em razão do ambiente claramente esvaziado, estarmos discutindo na instituição os efeitos da pandemia no processo de aprendizagem de nossos discentes, incluindo aí as razões para o inegável abandono/retenção. No entanto, isso não estava e não está na pauta da instituição.
Poderíamos, também, estarmos manifestando a alegria do reencontro com nossos alunos e colegas de trabalho, elaborando conversas de corredor ou do cafezinho, sobre os projetos realizados no ano que passou, sobre as novas ideias para o ano acadêmico que se inicia, sobre a melhor estratégia de aproveitar o novo momento de comando da nação, com expectativas de melhorias para a educação, ciência e cultura. Isso também não engrenou.
Infelizmente, o que se ouve nos corredores e no cafezinho são diálogos do tipo: ainda não tem sala para a disciplina que leciono; as aulas não podem iniciar para várias disciplinas por ausência de ar condicionado; faltam lâmpadas em muitos ambientes; goteiras destruíram nossos materiais; faltou energia no bloco onde trabalho; ao retornar o fornecimento de energia nossos equipamentos caros queimaram; o teto da sala caiu; banheiros interditados; vasos e mictórios com sacos plásticos. etc, etc, etc.
Sobre estes relatos, destacamos duas situações intrigantes: primeiro, os ambientes onde ocorrem os eventos mencionados são justamente aqueles que são a razão de ser da instituição, os Centros Acadêmicos. Nos Centros, a universidade acontece na sua essência. Segundo, lamentavelmente por conta da pandemia, a instituição permaneceu fechada para atividades presenciais por dois anos. Após esse período, por um ano funcionou parcialmente. Esse tempo não foi suficiente para equacionar estas demandas URGENTES?
Além disso, nesse cenário de lacunas e silêncios em relação às demandas urgentes que surgem no quotidiano da Universidade, convém destacar a importância da manutenção preventiva. Isso significa que em uma gestão centralizadora, a tomada de decisões desacompanhada de um diagnóstico concernente às prioridades que se impõem, implica em destinar os recursos financeiros para situações equivocadas.
Com base nisso, o sentimento dominante é que estes lamentáveis eventos continuam a marcar o cotidiano da instituição, haja vista que o ambiente da sala de aula não está na prioridade orçamentária da instituição. Portanto, não é a URGÊNCIA necessária. Por outro lado, acabaram de sair uma portaria e uma resolução que disciplinam o processo de eleição para reitor e vice-reitor da UFMA, ambas aprovadas ad referendum, sob a alegação de URGÊNCIA. Este ato, além de mais uma vez reforçar o desprezo da gestão superior pelos padrões democráticos e a inegável postura autoritária, nos diz muito sobre o que é “urgente” para eles e o quanto frequentemente, isso difere da real URGÊNCIA que a UFMA precisa, bem como da forma: por vias democráticas e transparentes.
Essa brevíssima reflexão acerca do que é propriamente urgente para a nossa instituição nos conduz para outra interessante problematização, a qual pode ser considerada o cerne ou o núcleo velado da discussão acerca das prioridades na Universidade. Trata-se do debate sobre a construção de um orçamento pautado nos princípios de uma gestão democrática e com compromisso social.
Essa rápida discussão pode adotar como premissa o fato de que as Universidades Federais passaram por um vertiginoso processo de expansão entre os anos de 2007 a 2014 com o Programa de Reestruturação das Universidades Brasileiras – REUNI, atingindo um pico de investimentos da ordem de 11 bilhões de reais em 2013 (Gráfico 1). Um outro fator importante de impacto nas universidades públicas foi a política de cotas, instituída pela Lei nº 12.711/2012, que modificou o perfil socioeconômico da comunidade acadêmica, de modo que hoje o percentual de estudantes com renda familiar de até um salário mínimo alcança 70%.
O processo de expansão e de mudança do perfil da comunidade universitária, tão necessário para enfrentar os graves problemas sociais e educacionais deste país, foi golpeado pela escassez de recursos que se iniciou ao final de 2014, quando a expansão estava chegando no seu auge.
Esse processo de desinvestimento acelerou nos últimos anos de forma dramática, chegando a alcançar em 2022 menos de 4 bilhões de reais, o que representa uma perda de mais de 65% nas despesas correntes das universidades federais, despesas destinadas à manutenção, assistência estudantil, conservação e limpeza, retornando a patamares inferiores ao ano de 2005, antes do processo de expansão.
Em relação às verbas de capital, recursos usados para investimento, construção de infraestrutura e aquisição de equipamentos, o processo de sucateamento foi mais forte ainda. Saltamos de um investimento que chegou a 4,5 bilhões em 2011, no auge do REUNI, para valores que representam perdas de mais de 95% em 2022 (Figura 2).
Assim como as demais universidades federais, com o advento do Programa de Reestruturação das Universidades Brasileiras – REUNI, a UFMA, única Universidade Federal e referência em Educação no Estado, cresceu de forma significativa com a criação de novos cursos de graduação e pós-graduação, o que propiciou sua interiorização e o ingresso de novos professores e técnicos educacionais em seus quadros. Os cortes no orçamento da instituição têm impactado a vida acadêmica e esse impacto foi decisivo para a formação da lista tríplice no último processo de consulta realizado em 2019.
A comunidade acadêmica, àquele momento, associou os problemas do sucateamento das IFES, no cenário nacional, criou um enredo político de que era possível conseguir recursos financeiros junto ao governo federal a partir de uma pessoa, um iluminado. Isso conduziu a escolha de um gestor com ideias ultrapassadas que aprofundou os problemas da Universidade.
Lamentavelmente, o tempo mostrou que a questão conjuntural se sobrepõe às questões locais, e não há espaço para salvadores da pátria. A questão do financiamento da universidade pública é muito mais grave e requer novas políticas, práticas inovadoras de gestão que incluam, necessariamente, transparência, diálogo, critérios amplamente debatidos e que sejam mensuráveis e auditáveis. A gestão de uma instituição da dimensão da UFMA é uma tarefa delicada, o que leva à certeza de que qualquer solução simples (fruto de um arroubo meramente eleitoreiro) só tende a agravar os problemas existentes, além de fomentar a criação de outros problemas maiores.
Apenas a título de exemplo da dimensão do problema de gestão de uma instituição do tamanho da UFMA, em outubro de 2019, ano em que a UFMA tinha aulas presenciais em todos os seus campi, no período sabidamente de muito sol no Maranhão, a conta de energia elétrica já chegava a 1,5 milhão de reais. Nos últimos anos, a gestão superior teve dificuldades até para manter as aulas presenciais, o que fez com que a conta de energia diminuísse substancialmente.
Nesse contexto, cabe lembrar que a conta de energia de outubro de 2022 foi 0.96 milhões (Figura 3). Isso nos conduz à seguinte indagação: e o que se fez com os recursos antes destinados a esses pagamentos? O que vemos hoje na UFMA são ar-condicionados parados, salas fechadas por goteiras, falta de carteiras, banheiros sem estrutura, auditórios caindo, obras inacabadas e uma total falta de prioridade para definir onde serão investidos os parcos recursos para atender minimamente as condições de permanência da comunidade universitária.
Seguindo o exemplo dado, seria mais eficiente fazer uma subestação de energia de 69 kv no Campus de São Luís, conforme estudos já realizados por técnicos no âmbito da Pró-reitora de planejamento em 2018, com participação de professores do Departamento de engenharia elétrica da UFMA. Infelizmente a gestão que assumiu no final de 2019 optou por aplicar recursos para tentar concluir uma das obras inacabadas na frente do Campus em São Luís. Vale lembrar que boa parte da conta de energia da UFMA inclui: consumo na ponta e multa por consumir além do valor contratado. A construção de uma subestação é um investimento que possui retorno a curto prazo, os valores investidos na obra são recuperados em 24 meses de funcionamento. Ademais, os picos de tensão decorrentes de problemas elétricos queimam e danificam equipamentos e trazem perigo a vida dos funcionários. São muitos os relatos de servidores que levam choques elétricos ao manuseá-los.
Como se não bastasse, para disfarçar os problemas internos, a gestão superior se cerca de um relativo luxo, enquanto a comunidade acadêmica é submetida às condições de miséria. Vindo a lembrar a expressão outrora atribuída a Maria Antonieta: “Se não tem pão que comam Brioche”, mostrando o total descompasso entre a gestão e a comunidade acadêmica. O fato é que a gestão chega ao fim, num tom melancólico, em que a imagem de gestor eficaz e hábil está, no mínimo, comprometida.
Isso significa que a reconstrução de um ambiente democrático, portador de transparência e com compromisso social não pode prescindir de iniciar uma reflexão acerca daquilo que é urgente, bem como de conciliar essas prioridades com uma refinada discussão a respeito da estrutura orçamentária disponível para efetivar essas demandas e quais caminhos para possibilitar que esse orçamento alcance as mais diversas, vulneráveis e amplas camadas que compõem o tecido societário, exercitando, assim, a valiosa função social da educação, enquanto promotora de uma igualdade material de condições e não apenas de oportunidades.
Uma nova consulta se aproxima e a comunidade acadêmica está mais politizada, pois tem elementos suficientes para compreender que não se pode apostar na falta de diálogo….
Prof. Dr. João de Deus Mendes da Silva – Matemático
Prof. Dr. Luciano da Silva Façanha – Filósofo
Prof. Dr. Ridvan Nunes Fernandes – Químico