A Constituição Federal de 1988 estabeleceu a gestão democrática como um dos princípios que devem orientar a oferta de educação no Brasil. Além disso, concedeu autonomia às universidades federais para a gestão didático-científica, administrativa, financeira e patrimonial. No entanto, as normas, os procedimentos administrativos e as relações institucionais vigentes nas universidades, profundamente afetados pela herança patrimonialista, clientelista e assistencialista, têm distanciado a gestão universitária da democracia.
Esse é o caso da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), onde a escolha dos ocupantes dos cargos de reitor(a) e vice-reitor(a) se faz por meio da formação de uma lista tríplice, como resultado de um cálculo em que são atribuídos pesos diferentes aos votos dos segmentos na consulta à comunidade acadêmica: os votos dos professores equivalem a 70% do total, enquanto alunos e técnicos administrativos representam 15% cada. Essa é uma prática herdada do regime militar ainda não superada na nossa universidade, mas que tem sido substituída pelo voto paritário na maioria das universidades brasileiras. Um levantamento realizado pela UnB Agência (https://sindifes.org.br/de-54-universidades-federais-37-adotam-paridade-nas-eleicoes/) mostra que 68% das universidades federais adotam o voto paritário ou universal, o que, na avaliação de diversos estudiosos do tema, constitui uma prática mais democrática, que respeita, de fato, a vontade da maioria e constitui uma luta histórica do movimento docente e discente nas universidades públicas.
A escolha dos nomes para compor a lista tríplice que ocorreu na Universidade Federal do Maranhão no dia 21 de julho corresponde inteiramente à expressão cunhada por Richard Graham (1997), para nomear a farsa da eleição operada a partir da Constituição brasileira de 1824– O TEATRO DAS ELEIÇÕES – no qual os detentores do poder, pelas relações de apadrinhamento e clientelismo, pelas ações extralegais ou mesmo pela fraude, controlavam o resultado das eleições a seu favor. O que se presenciou no processo mais recente da consulta para a composição da lista tríplice para os cargos reitor(a) e vice-reitor(a), bem como no processo mais longo da atual administração da UFMA, é a expressão contundente de um “teatro das eleições”, cujo resultado já estava definido.
O “teatro das eleições” foi armado com um enredo e um desfecho conhecidos pela comunidade universitária. Os Atos indicavam que o controle do processo estava com o grupo político que dirige autocraticamente a UFMA há 3 gestões. No primeiro Ato assistimos às cenas da mudança do Estatuto (10/11/2021) e do Regimento Interno (09/05/2022), em plena pandemia, sem tempo hábil para discussão da comunidade universitária e com interdições que impediram que os segmentos apresentassem quaisquer questionamentos. O Estatuto e o Regimento deixaram claro como seriam os próximos Atos.
O segundo Ato foi a alteração das regras da Consulta Prévia para a modalidade remota e a tentativa de ampliar o colégio eleitoral com os funcionários da EBSERH (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares).
O terceiro foi a reedição da prática adotada em eleições anteriores, estabelecendo um curto período para campanha; neste caso, foram apenas 14 dias, e realizar a votação no final de período letivo, quando, por exemplo, o Colégio de Aplicação já tinha iniciado as férias e os campi já se encontravam esvaziados.
O quarto Ato foi a aprovação, pelo Colegiado Superior, de uma Comissão Eleitoral composta, em sua maioria, por pessoas com reconhecido vínculo com a atual administração superior.
O quinto e talvez mais abrangente Ato foi o exercício do poder de pressão sobre os ocupantes da estrutura administrativa, com a finalidade garantir que as regras das eleições não fossem modificadas e que os candidatos da gestão tivessem acesso privilegiado aos potenciais eleitores da consulta prévia.
Nesse “Teatro das Eleições”, no entanto, o grupo não contava com a reação de parte da comunidade universitária e do sindicato dos professores (APRUMA), que anunciaram que o Rei estava nu. As denúncias de fragilidades do sistema Helios Voting se confirmaram no desenrolar da votação, o que motivou dúvidas quanto ao resultado da consulta. As eleições ocorreram em um clima de muita precariedade quanto ao sigilo e a segurança dos votos (com um sistema que permitia, sem qualquer explicação plausível, que o mesmo eleitor pudesse votar várias vezes), a garantia de liberdade e de isonomia entre os candidatos e os votantes.
As eleições na modalidade remota e eletrônica, no final do semestre, com pouco tempo de campanha e com os critérios de proporcionalidade se mostraram uma máquina de moer a democracia. Os estudantes foram os grandes excluídos do processo, cuja abstenção total foi de 66,38%. De um total de 28.183 aptos a votar, somente 9.476 participaram da votação para reitor(a), expressando as consequências de as eleições se realizarem na última semana do semestre letivo e das estratégias utilizadas pela gestão nos últimos dois anos para ampliar o ensino remoto e a distância, bem como desmobilizar o movimento docente e discente, favorecendo as práticas autoritárias, a exemplo das decisões ad referendum.
A proporcionalidade do voto com peso de 70% para professores, 15% para discentes e 15% para técnicos em educação expressa a desvalorização dos estudantes e técnicos enquanto constituintes da comunidade universitária. Essa proporcionalidade gera o casuísmo de que nem sempre quem ganha no voto universal seja o primeiro colocado no voto proporcional. O candidato Luciano Façanha foi o mais votado no sistema universal, obtendo 3.842 votos, contra 3.346 votos recebidos pelo candidato Fernando Carvalho, sendo, portanto, legitimo que seja o Reitor.
Na atual conjuntura em que o Brasil retoma a perspectiva de construção democrática e civilizatória, estamos diante do risco de que uma visão ultrapassada siga predominante na gestão de uma Universidade que tem sido marcada pelo atraso político e tecnológico, em que pese o esforço, a dedicação e o mérito dos professores, técnicos e estudantes produtivos. Nessa configuração de uma década e meia, a UFMA é dominada por uma gestão de tipo oligárquica, que instituiu uma rede clientelar, capaz de tentar destituir os sujeitos do seu Direito à Educação, atribuindo-lhe um caráter de favor e comprometido gravemente o caráter público das políticas educacionais, especialmente, das políticas de assistência estudantil.
A escolha de Fernando Carvalho para assumir a Reitoria significará não somente a continuidade de uma gestão antidemocrática, de viés privatista, patrimonialista e tecnicista, mas também colocará a Universidade Federal do Maranhão na contramão da renovação democrática tão necessária para vencer o avanço da direita e da extrema direita que vem se estabelecendo no Brasil, tendo em vista suas práticas e posições políticas e de muitos que compõem seu grupo, em que pese seus esforços oportunistas, nos últimos meses, para associarem-se ao governo Lula.
A escolha de Luciano Façanha, eleito universalmente com 44% dos votos, significará o encontro da UFMA com a democracia efetiva, determinada pela vontade da maioria, construída como prática político-pedagógica no dia a dia do fazer universitário, em todos os espaços e dimensões, e comprometida com o exercício de sua função social. Somente assim a escolha do Reitor poderá ser um efetivo exercício da democracia e não um mero teatro.
Antônio Gonçalves – Prof. do Dept. de Medicina II da UFMA
Cacilda Rodrigues Cavalcanti – Profa. do Dept. de Educação II da UFMA
Ilse Gomes Silva – Profa do Dept. de Sociologia e Antropologia da UFMA
Ed Wilson Araújo – Prof. do Dept de Comunicação Social da UFMA
Imagem destacada / Obra abandonada do Núcleo de Artes, no campus do Bacanga, um dos legados do continuísmo na UFMA