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O fascínio pelos super-ricos como degeneração social

Luiz Eduardo Neves dos Santos
Geógrafo e Professor da Universidade Federal do Maranhão – UFMA

A palavra “fascínio” é originária do latim fascinum, que quer dizer profundo sentimento de encanto, deslumbramento, ela é próxima de “fetiche”, expressão situada no século XIV, mas popularizada na França e Europa nos Seiscentos como fétiche, que quer dizer feitiço. Marx em O Capital inicia a análise sobre o capitalismo de seu tempo pela “mercadoria” e atribui a ela um fetiche, por possuir características misteriosas que ocultam as relações materiais e sociais de sua produção, qual seja a exploração do trabalho pelo mais-valor. Me intriga bastante o quantitativo de pessoas no Brasil que são fascinadas por gente muito rica, sujeitos que sonham em ter muita grana, mas vivem do seu salário e enfrentam a dura realidade de conviver com dívidas e prestações a vencer. E haja boletos!

A sociedade em que nos situamos – a da racionalidade neoliberal – é reificada por processos de dominação e administração total da vida, como tão bem analisou Herbert Marcuse em conhecida obra, o que transformou o sujeito em coisa, em objeto apto a seguir as ordens e normas de um sistema que o impossibilita de emancipar-se, de possuir práticas libertadoras.

A ideologia dominante nos mostra que devemos viver para produzir, consumir e acumular, é a ‘visão economicista do mundo’, como já escreveu Jessé Souza, isto é, o que importa é satisfazer necessidades materiais, expor vaidades e vantagens, buscar a realização pessoal na carreira, fingir o tempo todo que é feliz, ter motivação, otimismo e autoestima. Tais características estimulam uma visão de mundo distorcida e enviesada, pois são sustentadas pela ideia de meritocracia e liberdade individual, o que legitima todo privilégio de classe e contribui para apagar as verdadeiras causas das desigualdades no Brasil e no mundo, qual seja a brutal concentração de renda e riqueza em detrimento da classe trabalhadora.

Estas questões aqui levantadas, me remetem aos momentos que converso com motoristas de aplicativo, quase nunca os vejo falar em direitos, reclamando de sua carga excessiva de trabalho ou do quanto são explorados pelas grandes empresas e/ou por eles próprios. Isto tem a ver com o que Pierre Dardot e Christian Laval chamaram de “sujeito neoliberal”, aquele cuja subjetividade deve estar inteiramente envolvida na atividade que o sistema ordene que ele cumpra. Estes sujeitos estão imersos no entendimento de que eles possuem liberdade e satisfação na função que desenvolvem, reificados, não são conscientes de sua submissão.

Mas é de fato espantoso e lamentável como a racionalidade neoliberal molda e coloniza comportamentos, atitudes e posicionamentos políticos em todos os estratos sociais, pois somos estimulados constantemente pela grande mídia e pelos autômatos das redes sociais a viver para enriquecer, por isso o dinheiro, como já nos alertou Milton Santos, aparece como o centro das nossas relações no mundo, relações estas cada vez mais competitivas, individualistas e frias.

Defender multimilionários não pertencendo a esta classe é uma degeneração digna de uma sociedade perdida, manipulada pelo poder de um punhado de corporações financeiras e informacionais. Talvez isto ajude um pouco a explicar porque no Brasil não existam fortes pressões sociais para que se faça cumprir a constituição federal no que se refere a taxar grandes fortunas, lucros e dividendos.

São tempos insanos e melancólicos, que me faz lembrar da conhecida frase atribuída ao dramaturgo alemão Bertolt Brecht, em que temos que defender o óbvio, o óbvio ululante de que não deve haver espaço neste mundo para super-ricos e tudo o que representam, no entanto, o que se observa é uma veneração explícita aos “donos do mundo”, tanto por parte de grupos sociais da classe média, que alimentam o sonho de ser classe dominante, como também de grupos mais superexplorados e oprimidos.

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