Neste 10 de agosto, quando da comemoração do bicentenário do múltiplo intelectual Gonçalves Dias, o poema Marabá merece destaque.
Pelos seus versos fala Marabá, de origem miscigenada, filha de europeu com indígena.
O poema explora o conflito identitário da protagonista, rejeitada entre seus pares indígenas e também entre os brancos porque é mestiça.
Marabá dialoga com o outro, interpelando-lhe à procura de respostas, em uma exuberante construção poética.
Veja o trecho inicial:
Eu vivo sozinha, ninguém me procura!
Acaso feitura
Não sou de Tupá!
Se algum dentre os homens de mim não se esconde:
— “Tu és”, me responde,
“Tu és Marabá!”
…….
— Meus olhos são garços, são cor das safiras,
— Têm luz das estrelas, têm meigo brilhar;
— Imitam as nuvens de um céu anilado,
— As cores imitam das vagas do mar!
……….
Se algum dos guerreiros não foge a meus passos:
“Teus olhos são garços”,
Responde anojado, “mas és Marabá:
“Quero antes uns olhos bem pretos, luzentes,
“Uns olhos fulgentes,
“Bem pretos, retintos, não cor d’anajá!”
………..
— É alvo meu rosto da alvura dos lírios,
— Da cor das areias batidas do mar;
— As aves mais brancas, as conchas mais puras
— Não têm mais alvura, não têm mais brilhar.
……..
Se ainda me escuta meus agros delírios:
— “És alva de lírios”,
Sorrindo responde, “mas és Marabá:
“Quero antes um rosto de jambo corado,
“Um rosto crestado
“Do sol do deserto, não flor de cajá.”
……….
— Meu colo de leve se encurva engraçado,
— Como hástea pendente do cáctus em flor;
— Mimosa, indolente, resvalo no prado,
— Como um soluçado suspiro de amor! —
…………….
“Eu amo a estatura flexível, ligeira,
Qual duma palmeira”,
Então me respondem; “tu és Marabá:
“Quero antes o colo da ema orgulhosa,
Que pisa vaidosa,
“Que as flóreas campinas governa, onde está.”
………..
— Meus loiros cabelos em ondas se anelam,
— O oiro mais puro não tem seu fulgor;
— As brisas nos bosques de os ver se enamoram
— De os ver tão formosos como um beija-flor!
………..
Mas eles respondem: “Teus longos cabelos,
“São loiros, são belos,
“Mas são anelados; tu és Marabá:
“Quero antes cabelos, bem lisos, corridos,
“Cabelos compridos,
“Não cor d’oiro fino, nem cor d’anajá,”
………….
E as doces palavras que eu tinha cá dentro
A quem nas direi?
O ramo d’acácia na fronte de um homem
Jamais cingirei:
……………
Jamais um guerreiro da minha arazóia
Me desprenderá:
Eu vivo sozinha, chorando mesquinha,
Que sou Marabá!
2 respostas em “O poema “Marabá” nos 200 anos de Gonçalves Dias”
Não tenho palavras de tão bom
Muito grato pela atenção.