Categorias
notícia

Organizações da imprensa cobram respostas sobre morte de Dom e Bruno

Site da Abraji

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e mais oito organizações ligadas à defesa da liberdade de imprensa divulgaram nesta segunda-feira (5.jun.2023) uma nota conjunta para cobrar respostas das autoridades públicas sobre a morte de Dom Phillips e Bruno Pereira, executados há um ano na terra indígena Vale do Javari, no Amazonas. O documento foi divulgado durante a coletiva de imprensa “um ano do assassinato de Dom e Bruno – qual a resposta do Estado brasileiro?” realizada no Instituto Vladimir Herzog, em São Paulo. Na ocasião, a Abraji lançou um documentário produzido pela equipe de reportagem do Programa Tim Lopes.

Jornalistas e representantes das organizações que têm acompanhado o caso dentro do país e internacionalmente reiteraram a necessidade de avançar nas investigações para que os envolvidos no crime sejam de fato responsabilizados. As entidades também expressaram preocupação com a segurança dos povos indígenas, ativistas e comunicadores que habitam a região amazônica.

A coletiva contou com falas de três jornalistas que participaram do Projeto Bruno e Dom, uma investigação colaborativa internacional, coordenada pelo consórcio Forbidden Stories, com o objetivo de dar continuidade ao trabalho do jornalista e do indigenista assassinados. O repórter do Programa Tim Lopes, Sérgio Ramalho, destacou a importância de “dar visibilidade para o que eles vinham fazendo e cobrar providências”. Na mesma linha, Kátia Brasil, jornalista e cofundadora da Agência Amazônia Real, falou sobre a importância de defender os povos originários, além de compreender as violações que acontecem na região. 

“Foi um crime premeditado. Se as forças policiais tivessem atuado nas primeiras horas, talvez eles ainda estivessem aqui. Eu espero que essa história continue viva, porque o crime segue impune”, afirma Brasil. 

Já Rodrigo Pedroso, jornalista que escreveu para o Ojo Público, comentou sobre a relevância do Projeto Bruno e Dom: “Nós criamos um acervo jornalístico muito importante do que é aquela fronteira e o que acontece lá”. O material produzido pelos 16 veículos do consórcio pode ser acessado aqui. Confira também as três reportagens produzidas pela Abraji: “O prefeito não gosta de índio”; “Clãs de assassinos confessos de Dom e Bruno recebem seguro defeso há dez anos”; e “PF mudou três vezes delegados responsáveis pela investigação das mortes de Bruno e Dom”.

Veja a nota na íntegra: 

1 ano sem Dom Phillips e Bruno Pereira: Estado brasileiro deve respostas efetivas 

Neste primeiro aniversário de morte do jornalista britânico e do indigenista brasileiro, organizações de defesa da liberdade de expressão e imprensa cobram responsabilização dos envolvidos no crime e segurança para comunicadores e defensores na Amazônia 

Há um ano, em 5 de junho de 2022, o jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira desapareceram em uma emboscada no rio Itacoaí, nos limites da Terra Indígena Vale do Javari, no estado do Amazonas, na região da tríplice fronteira do Brasil com o Peru e a Colômbia. Dez dias depois, seus corpos foram encontrados esquartejados, queimados e escondidos na floresta. Desde então, as respostas que o Estado brasileiro deu a este bárbaro crime e para a situação de extrema insegurança em que vivem povos indígenas, defensores de direitos humanos e comunicadores que atuam na Amazônia é insuficiente.

Se é verdade que 12 pessoas já foram denunciadas pelo Ministério Público Federal pelos crimes de duplo homicídio qualificado, ocultação de cadáver e associação criminosa para pesca ilegal, os maiores avanços no processos de responsabilização se concentraram em alguns executores mais diretos. No entanto, a não repetição de casos como o de Dom e Bruno exige que se nomeie e responsabilize todos aqueles que se beneficiaram de suas mortes e que têm interesse em silenciar os defensores que lutam pela proteção do território do Vale do Javari. Mesmo em relação aos réus presos, o processo não tem sido conduzido de forma diligente, já que no último dia 16 de maio, por decisão do Tribunal Regional Federal (TRF1), a pedido da defesa dos réus, o processo voltou à fase de instrução, para ouvir novas testemunhas. 

Enquanto isso, pelo menos 11 defensores e comunicadores/as indígenas seguem sob alto risco. Apesar de terem sido incluídos no Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), as medidas oferecidas pelo Estado brasileiro não são capazes de responder às ameaças que têm recebido e à violência que impera na floresta amazônica.

Os obstáculos para o acesso à justiça nesses casos e o cenário de risco para defensores e comunicadores locais é também alvo de medidas cautelares concedidas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). O Brasil responde hoje perante ao mais importante órgão regional de proteção e promoção de direitos pela integridade física e garantia de não impunidade nesse caso emblemático. O governo brasileiro, entretanto, tem resistido à instalação de um mecanismo inédito para o seguimento conjunto, entre o Estado brasileiro, a sociedade civil e a CIDH, do cenário de violência na floresta e das medidas adotadas pelo país para assegurar que fatos similares não voltem a se repetir. 

De acordo com dados do “Observatório de Violações da Liberdade de Imprensa na Amazônia”, iniciativa da Repórteres Sem Fronteiras (RSF), desde a morte de Dom e Bruno foram registrados 62 casos envolvendo jornalistas, equipes de reportagem inteiras ou meios de comunicação como um todo. Destes, foram 13 ameaças (incluindo de morte), 3 invasões ou atentados contra a sede de veículos de mídia e 1 jornalista foi alvo de tiros. Cerca de 57% dos agressores são agentes privados, entre eles manifestantes de extrema direita; membros do crime organizado e empresas mineradoras, de garimpo, do agronegócio e de turismo.

Reportagens produzidas na investigação internacional colaborativa do Projeto Bruno e Dom, coordenado pelo consórcio francês Forbidden Stories, revelou as complexas relações de poder na região de Atalaia do Norte. As investigações produzidas pela Abraji durante um ano de apuração também mostram que os clãs dos assassinos confessos da morte de Dom e Bruno recebiam seguro defeso há dez anos — um benefício federal pago para garantir a subsistência dos pescadores no período de piracema. O fato contradiz a defesa de que a fiscalização feita por Bruno teria levado ao desespero financeiro da família. A série de reportagens exalta o legado às vítimas e prova que, mesmo que ataquem o mensageiro, a mensagem continuará a ser propagada. 

Nesta triste data para o jornalismo, para os defensores do meio ambiente e para o direito dos povos indígenas, conclamamos o Estado brasileiro a se empenhar efetivamente para responsabilizar todos os envolvidos nos assassinatos de Dom Phillips e Bruno Pereira. Em especial, reforçamos a importância do exercício do jornalismo por Dom Phillips ser considerado uma das hipóteses para sua morte — algo que, até hoje, não figura nos inquéritos da Polícia Federal sobre o tema. 

Ao mesmo tempo, exigimos que seja garantida, imediatamente, proteção eficaz aos defensores de direitos, povos indígenas e comunicadores/as do Vale do Javari, sob risco de novas tragédias se concretizarem na região. Uma sociedade que não garante condições livres e seguras para o exercício da atividade jornalística, de defesa de direitos fundamentais e de seus povos originários está fadada a apagar seu passado e impedir a construção de seu futuro. 

Artigo 19 Brasil e América do Sul / Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) / Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca) / Associação de Jornalismo Digital (Ajor) / Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) / Instituto Vladimir Herzog (IVH) / Instituto Palavra Aberta / Repórteres Sem Fronteiras (RSF) / Tornavoz

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

× eight = 8