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Luiz Henrique Lula avalia os 43 anos do PT

Membro da Direção Nacional do PT e militante histórico da legenda, o jornalista Luiz Henrique Lula já ocupou cargos de gestão nos governos estadual e federal, além do exercício do mandado de deputado estadual.

Nessa entrevista ele fala sobre sua relação com o partido, as perspectivas do novo cenário nacional e estadual, defende o fim da reeleição e sugere nomes de candidatura própria do PT nas eleições municipais de 2024.

“Em São Luís, como maior colégio eleitoral do estado, o partido precisa se apresentar como opção para governar a cidade. E o PT tem quadros para tanto. Se eu fosse a Cricielle, companheira petista que obteve quase 10 mil votos em São Luís, colocaria o nome para candidata a prefeita; se fosse o Aurélio, companheiro vereador em Imperatriz, faria a mesma coisa lá; se eu fosse o Osmar, de Coelho Neto, faria o mesmo; se eu fosse o Celso Henrique, vice-prefeito de Balsas, já estaria em campanha para prefeito em 2024. Assim, há lideranças petistas em todo estado nessa condição e possibilidade”, pontua o petista.

Imagem destacada: Luiz Henrique Lula (membro do Diretório Nacional), Cricielle Muniz (membro da Executiva Nacional), Felipe Camarão (vice-governador diplomado) e Francimar Melo (presidente Diretório Estadual do PT-MA) 

Blogue do Ed Wilson – O que de mais importante você destaca na sua história com o PT nesses 43 anos?

Meu próprio ato de filiação ao PT. Apesar de ser um partido de massa, o partido em 1987, quando pedi filiação em Pedreiras, era muito rígido para novos quadros. Esperei pouco mais de um ano para a filiação ser aceita. Eu era diretor administrativo de uma empresa e o PT tinha ranço com empresário. Só aceitaram minha filiação em abril de 1989. De lá pra cá já são 34 anos de filiado e 41 anos de eleitor do PT.

Creio que nesses 43 anos, a vitória do LULA ano passado também é outro momento significante para todos nós.

As derrotas e vitórias anteriores fizeram parte de um processo de acúmulo, de um projeto que sonhávamos e desenhamos para o Brasil. Contudo, em 2022, a vitória de LULA foi a vitória da democracia contra um ciclo fascistóide que perigosamente esteve prestes a se consolidar no país. Mesmo a direita liberal, não a extrema direita raivosa e fascista, é preciso distinguir, percebeu que precisava de nós para enfrentar o risco de um segundo, terceiro e quantos mais mandatos teria o Bolsonaro se vencesse em 22. A necessidade de vencer era imperativa, para o país não mergulhar outra vez no abismo do autoritarismo, e foi para além de nós petistas.

Acredito muito na capacidade política do PT em se reinventar. Só um partido como PT poderia ver, viver e fazer com que seu maior líder saísse de uma cela da Polícia Federal para presidência da República. Só uma militância como a nossa passaria 580 dias bradando bom dia, boa tarde e boa noite , fizesse chuva ou sol, como lhe dissesse ‘não desista do Brasil, porque o seu partido e o povo não desistiram de você’.

Blogue do Ed Wilson – Além das disputas eleitorais, qual o papel do PT no Brasil hoje?

Luiz Henrique Lula – Acho que o PT deve ao Brasil mais uma contribuição política e social. Acho que o LULA deve isso ao Brasil do alto de sua liderança e amadurecimento político. O governo LULA, até por causa do dia 8 de janeiro (tentativa de golpe), não pode temer mexer nas estruturas arcaicas da política nacional. Assim sendo, além de fazer o que sabemos fazer bem, que é colocar o povo pobre no orçamento, gerar emprego, distribuir renda, agora é hora dar qualidade a esse processo de inclusão, e só faremos isso se taxarmos o rentismo e as grandes fortunas, com uma reforma tributária profunda e corajosa. No Brasil rico não paga imposto, quem paga imposto é pobre.

Outra missão é fazer uma reforma política que enfrente o abuso de poder político e financeiro das campanhas eleitorais. Nossa democracia está cartelizada. Advogo que LULA proponha, por exemplo, o fim da reeleição para mandatos de prefeito, governador e presidente da república, com extensão dos mandatos para 5 anos, inclusive para ele e atuais mandatários.

A reeleição, desde o início, constituída na era FHC, comprada como foi (em uma versão de orçamento secreto à época), chegou no seu extremo em promiscuidade e uso da máquina pública no governo Bolsonaro, quando vivenciamos sua experiência mais despudorada.

As regras assim permanecendo, nada impedirá que outro déspota repita a experiência de 2022 de novo, agora com mais e maior gravidade.

A reeleição deforma nossa jovem democracia. Só o PT, com autoridade política do LULA, poderá dar fim a isso. Caberá ao PT e ao governo LULA encarar esses dois desafios e mais uma vez daremos uma grande e inigualável contribuição ao Brasil.

Como dirigente nacional do PT que sou, oportunamente pretendo pautar esse debate dentro do PT e na sociedade.

Para além dessas mudanças estruturais no âmbito da ordem, o PT precisa se conectar com a juventude, com a formação política dinâmica dessa sociedade a partir de outros acúmulos, que são diferentes da minha geração, e mais ainda da geração LULA que fundou o PT. Inserir o povo no debate não só como objeto das políticas, mas como partícipe, construtor, sujeito da política pensada e implementada.

Blogue do Ed Wilson – Como você avalia os primeiros passos do terceiro mandato de Lula?

Luiz Henrique Lula – Passos difíceis, mas decisivos e corajosos. Passos de quem sucede a um governo diametralmente oposto, reafirmando seu comprometimento com a democracia e de cara enfrenta a tentativa de um golpe de Estado; supera o golpe, inclusive com a demissão do ministro da principal força armada (Exército), não vacilando no uso da autoridade que as urnas lhe deram; organiza um governo de frente ampla (direita/esquerda), que espelha a campanha; monta uma base de apoio com  congresso eleito, em tese, opositor; encara o mercado (vide caso lojas Americanas), não aceitando a tutela e boicote político do Banco Central dependente do rentismo financeiro e cúmplice dos seus interesses; ainda com governo em formação, mas apesar disso, um governo e um líder que reinsere o país na geopolítica mundial, respeitado por todos.

Assim tem sido os primeiros dias desse terceiro mandato LULA. Inflação recuando, dólar caindo, bolsa subindo, reconstruindo o Brasil de escombros deixados por Bolsonaro, com o povo sabendo que logo, logo, vai ter picanha na brasa e cervejinha gelada no final de semana.

Blogue do Ed Wilson – No cenário do Maranhão, qual a sua avaliação da vitória de Carlos Brandão e Felipe Camarão e de que forma o partido vai se posicionar no novo governo? Como estão o diálogo interno entre as tendências petistas e a relação com o Palácio dos Leões?

Luiz Henrique Lula – As tratativas com o governador Brandão estão delegadas a quem cabe a prerrogativa de falar em nome do PT, portanto, ao presidente do partido no Maranhão, Francimar Melo. Particularmente não creio que o PT possa ficar menor do foi no governo Flávio Dino, por uma razão óbvia: Flávio disputou três campanhas para o Governo do Estado, perdeu uma e ganhou duas. Das três o PT só o apoiou em 2018, e não foi decisivo para sua vitória, e não estávamos no comando do governo federal, ainda assim, terminamos ocupando quatro espaços de gestão.

Isso dito, acredito na sapiência e sensibilidade política do nosso governador. Ele sabe, e sempre reitera, que tem perfeita noção e compreensão da importância do PT em sua eleição. Foi a primeira vez em muitos anos que o PT formalizou e integrou um projeto eleitoral de forma coesa; colocou sua militância na rua com muito e devotado entusiasmo; entregou a chapa do governador eleito, um vice que encarna êxito de gestor e juventude; e colocou no seu palanque o maior eleitor e cabo eleitoral no Maranhão que qualquer candidato quer: Luiz Inácio Lula da Silva.

Acho que além de bons, competentes e experientes gestores, o PT dará ao governo Brandão excelentes embaixadores do Maranhão junto ao governo federal, nas pastas que lhes serão confiadas. Isso é tão importante quanto uma boa bancada na Assembleia Legislativa.

Blogue do Ed Wilson – Algumas avaliações críticas apontam que o PT perdeu a liga com as bases e colocou em segundo plano a formação política. É possível reverter esse panorama?

Luiz Henrique Lula – Quando tratei acima da necessidade de uma reforma político-eleitoral, escapou o comentário que faço agora. No Brasil, tanto o povo, quanto o político, respira. Mal a gente termina uma eleição, já se inicia outra.

A vantagem também de eleição a cada 5 anos, sem reeleição, é essa: haverá fôlego para respirar e tempo certo para governar.

Feita essa preliminar, vou responder sua pergunta.

A federação e o tal orçamento secreto mexeram profundamente no resultado eleitoral do PT ano passado. E, a bem da verdade, não só do PT. Basta ver a redução das bancadas de esquerda, com derrotas significativas nos parlamentos estaduais e no Congresso Nacional.

No Maranhão a Assembleia Legislativa é o retrato desse quadro, com uma renovação relevante dos seus quadros, e a eleição de primeiras damas municipais, primeiros damos, filhos e filhas, tios, sobrinhos, namorada ou secretários de estado que dão conta de como o orçamento secreto e estruturas de estado operaram. No caso do PT foi pior, porque a federação, com PCdoB e PV, nos atingiu em cheio. Sem federação teríamos o mesmo deputado federal eleito e dois deputados estaduais.

No caso da máquina estatal, nada muito diferente do que isso significa há anos; no caso do orçamento secreto, a volúpia e o despudor assustou a todos. O poder de fogo financeiro dos deputados do Centrão, pilotando rios de dinheiro, marcou a eleição de 2022. Eles se reelegeram e possibilitaram um duto de verbas federais para eleição de parentes e aderentes de prefeitos, que toparam jogar juntos, com a força do argumento do real ($) na casa do eleitor, mesmo que depois estejam sujeitos a responder a PF, nas operações Tiradentes e Quebra Ossos da vida.

Para 2024, o PT precisará se preparar, fortalecer seus caminhos, otimizar recursos humanos, políticos e financeiros na campanha, diferentemente do que tem feito, quando pulveriza esses recursos.

Defendo que as principais cidades do estado, ou outras em que tenhamos candidaturas competitivas, o PT tem ou deve lançar candidatura própria; por outro lado, defendo a exclusão dos quadros do partido, dos vereadores, prefeitos e integrantes de direção partidária que na última eleição não tenha votado em candidato a deputado ou deputada do PT. Se não vota no PT, não precisa estar filiado ao PT. É grave ter apenas um federal e nenhum estadual no Maranhão e culpar apenas a federação, orçamento secreto e outras razões.

Em São Luís, como maior colégio eleitoral do estado, o partido precisa se apresentar como opção para governar a cidade. E o PT tem quadros para tanto. Se eu fosse a Cricielle, companheira petista que obteve quase 10 mil votos em São Luís, colocaria o nome para candidata a prefeita; se fosse o Aurélio, companheiro vereador em Imperatriz, faria a mesma coisa lá; se eu fosse o Osmar, de Coelho Neto, faria o mesmo; se eu fosse o Celso Henrique, vice-prefeito de Balsas, já estaria em campanha para prefeito em 2024. Assim, há lideranças petistas em todo estado nessa condição e possibilidade.

Blogue do Ed Wilson – Quais as suas especulações sobre futuro: o lulismo vai sobrepor o petismo ou o partido seguirá com luz própria?

Luiz Henrique Lula – Tenho repetido como mantra que o PT precisa ser do tamanho de LULA ou próximo disso em 2026 e continuar a exercer seu protagonismo político, que equivocadamente, nossos próprios aliados à esquerda, acusam de hegemonismo. Falo do equívoco porque provavelmente será pelo PT que o poder transitará de nossa responsabilidade para outro partido aliado, de preferência da esquerda, e isso acontecerá mais cedo ou mais tarde. Veja que na rota do futuro estão Geraldo Alckmin (PSB), Flávio Dino (PSB) e Simone Tebet (MDB), ainda que pelo lado petista Fernando Haddad também figure forte.

É inegável que hoje e sempre, desde a nossa fundação, o lulismo foi sempre maior que o petismo.

Sem dúvida nenhuma, uma parte significativa do povo vota no Lula, mas não necessariamente no PT. Veja o caso do Maranhão que há décadas é generoso nas urnas com o presidente LULA e não faz o mesmo com o PT do Maranhão. Outro exemplo clássico são os parlamentares eleitos para o Congresso Nacional. LULA teve 60 milhões de votos agora, mas outros milhões de votos garantiram maioria parlamentar para adversários do governo petista, o que nos empurra para necessária política da governabilidade dos cargos, para não abrir mão da política do programa a ser implementado.

Só que LULA não é eterno e ele mesmo sabe do seu papel como líder e presidente do Brasil no empoderamento político do PT, para que o lulismo possa se transformar um dia em petismo.

O empoderamento do PT passa pelo alicerce na sociedade (tarefa do partido), mas também na produção política dos resultados do governo, nas referências que precisamos ser para eleição expressiva de vereadores, prefeitos, governadores, deputados e deputadas e senadores.

Independente do tamanho, não resta dúvida que do barro que tem origem o PT sempre terá luz própria e será determinante nos rumos políticos do país pela força de suas ideias e militância.

Blogue do Ed Wilson – Como jornalista e militante da Comunicação, quais os principais desafios do PT e das esquerdas para enfrentar a máquina de desinformação da extrema direita e construir uma política de comunicação democrática no Brasil?

Luiz Henrique Lula – Olha, esse desafio da desinformação, dessa era da pós-verdade, não é só do PT, é do mundo acadêmico, dos demais segmentos políticos comprometidos com os valores democráticos, sejam eles de direita ou esquerda, do poder judiciário, da imprensa (grande ou alternativa), do cidadão ou cidadã desse país no sentido literal da palavra. É um desafio de todos nós, para o qual ainda estamos construindo antídotos e fazendo debate. Até porque a desinformação atinge a todo mundo com a violência da mentira como poderosa e covarde arma política.

Outro aspecto é que passa da hora de regulamentar mídias e seus diferentes canais. Com tudo que tem ocorrido no esgoto da internet, creio que até a grande mídia (Globo, Folha, Estadão, etc) sabem agora a diferença entre regulação e censura, pois tem experimentado na carne o processo de desconstrução de imagem movido pelo gabinete do ódio do bolsonarismo.

Outro desafio é pressionar o governo para universalização da internet gratuita e um novo marco regulatório para imprensa livre e alternativa, como as rádios comunitárias. São esses canais que falam aos grotões e podem estabelecer a contra informação.

Blogue do Ed Wilson – Algumas avaliações críticas apontam que o PT perdeu a liga com as bases e colocou em segundo plano a formação política. É possível reverter esse panorama?

Luiz Henrique Lula – As críticas são procedentes, mas não dão conta de explicar a complexidade política desse ciclo fascista que quis se abater sobre nós. O PT nasceu dentro das comunidades eclesiais de base, das pastorais da igreja católica e ela não é a mesma 40 anos depois; nasceu do chão de fábrica, no movimento sindical e as relações de trabalho. Já o perfil e a estrutura econômica de hoje estão longe de ser as mesmas dos anos 80, quando PT foi fundado. O PT foi o partido da juventude, dos intelectuais, em grande medida, da academia, de parte dos combatentes da ditadura militar de 64 e tudo isso mudou. Mudou até mesmo por nossa passagem pelo poder central do país, que de alguma maneira nos atingiu com modus operandi de nossa base aliada, com origem na política tradicional e até mesmo alguns poucos dos nossos, como Palocci.

A formação política do PT foi forjada nessa história. Os nossos quadros chegaram praticamente prontos, dos diferentes cantos do movimento social e político.

O ciclo histórico hoje é outro e nada lembra contexto e conjuntura passada. Precisamos de conexão e formação com a sociedade em outros termos, tratados, pautas e narrativa.

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