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Reflexões sobre Lázaro

Texto do filósofo Marco Rodrigues

Tendo percebido uma ampla confusão nesse debate, como filósofo resolvi me posicionar e apresentar algumas considerações e sutilezas. 

Ninguém precisa lamentar ou compadecer, tal disposição seria falsa, mas também nada faz sentido  de forma prazerosa a desgraça. Regozijar-se com o horror é um sintoma de corrosão da alma. O assassínio, seja de quem for, é sempre um acontecimento brutal. Quando essa linha é cruzada, diminuímo-nos mesmo quando isso parece ser necessário.

Não estou dizendo com isso que não possa ser natural desejar o pior a alguém como Lázaro. Muito pelo contrário, considero até que devemos, numa primeira acepção, realmente sentir tais impulsos, e que seria estranho, e amplamente desumano, não sentir acometer-se por tais ímpetos de revolta. Talvez aí esteja, em crisálida, nosso senso primitivo de justiça. Porém, olhando-se no espelho, antes de levar a cabo tudo o que se sente genuinamente, não seria estranho enxergar em nós o rosto demoníaco de tudo o que odiamos?

Quero dizer com isso que a reprodução do horror não deixa de ser também o horror mesmo quando praticado pelo dito “bem”. Essa mesma imagem pode se ampliar para ideia de civilização, isto é, o que a diferiria da absoluta barbárie?

Eu também, confesso, desejei piamente a morte de Lázaro, pensando em todo sofrimento que foi capaz de causar a tantas pessoas.

Pensei que eu mesmo o mataria se o encontrasse, quiçá teria feito até mais. Quem sabe não tivesse me satisfeito com 125 tiros, não culpo os policiais. Como disse, eu poderia ter feito até pior. Mas posso falar apenas por mim. Quem sabe não o teria esquartejado e até coletado seu sangue para dar de beber aos vermes? Abriria seu crânio, arrancaria os miolos e arrastaria escrevendo no asfalto a palavra “assassino”… Não seria sublime?

Mas, isso seria a minha assinatura ou a dele? Ou ambos?

Tudo isso provavelmente eu faria… Sim, faria, estou sendo sincero… Você não? Mas, tornar-me-ia melhor que Lázaro por essa razão? Meus atos seriam menos atrozes, apesar de entender, de repente, que merecia ele tudo isso?

A descrição de tudo o que eu realmente faria, esquecendo por um momento quem eu sou, teria sido menos perverso que os homicídios, com requintes de crueldade, de Hannibal Lecter?

Então, não é o que sentimos em dado momento o que importa, mas o que podemos realizar para o nosso “tornar-se”. Depois de minha obra de brutalidade, tentaria encontrar alguma diferença não naquilo que sou ou acreditava ser, mas naquilo que fiz e descobriria com isso um semelhante desejo de sangue, dor e violência, mesmo que tudo isso se resumisse num único ato.

Com sangue nas mãos, ao sentar-me para almoçar com a minha família, eu ainda seria o mesmo?

Raramente paramos para pensar se o que sentimos e pensamos é o que realmente deveríamos sentir e pensar no calor do instante. Realizando um autoexame, por diversas vezes encontrei em mim iniquidades inimagináveis, monstros terríveis com incontáveis cabeças.

É, por essa razão, que a ideia de Justiça se torna indispensável. Não se trata do que queremos ou sentimos, mas do que pode nos colocar num patamar de humanidade compatível à ideia de civilização. Como pensara Thomas Hobbes, precisamos criar mecanismos melhores que nós mesmos. Do contrário, tudo estará perdido e tragado pelo vale das sombras do ódio.

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