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Encontros e desencontros

O blog publica hoje o conto “Encontros e desencontros”, do escritor, poeta e professor Eloy Melonio. Aprecie essa bela e instigante história de amor…

Desde muito cedo, Agenor sempre foi um menino introvertido, de poucos amigos. Tinha dificuldade de se relacionar. E ninguém ― família ou escola ― chegou a se preocupar com ele. Simplesmente achavam-no tímido, extremamente sossegado. Até parecia que esse jeito de ser já era o suficiente para agradar seus pais e professores.

Fora isso, era bem ativo. Fazia os deveres da escola, tirava boas notas, ajudava nos afazeres da casa. Mas nunca foi de muita conversa, e se retraía quando havia gente desconhecida por perto. Fosse filho de família de classe média, ou morasse na capital, certamente seus pais o teriam levado a um psicólogo. Mas, na pequena Tutuarama, de apenas trinta e cinco mil habitantes, esse transtorno não chegava a ser grande preocupação. O Genival, seu melhor amigo, cresceu com um defeito na perna esquerda, que, em outra circunstância, poderia ser facilmente corrigido.

O menino cresceu, fez dezoito anos, e se formou no segundo grau (hoje “ensino médio”). Naquela época, em 1990, a festa de formatura era um evento muito esperado pelos alunos e suas famílias. Depois da solenidade de entrega dos diplomas pela manhã, esperavam ansiosamente o baile no clube da cidade, em que o prefeito e outras autoridades eram presenças garantidas.

Magro e de estatura mediana, Agenor era um rapaz simpático, mas não era o tipo que incendiava os olhares das moças. Chegou a namoricar uma ou duas na época da escola. As moças, mais animadas, gostavam de organizar festas e passeios. Mesmo assim, Agenor tinha sua paixão de adolescente. E, claro, havia, sim, aquela que, como a “garota de Ipanema”, passava em seus sonhos românticos.

Depois do segundo grau, alguns de seus colegas foram para a capital fazer faculdade. Mas a maioria ficou trabalhando no comércio ou buscando algum emprego informal. Era basicamente o que a cidade tinha a oferecer. Os melhores alunos sonhavam passar num concurso público. Os empreendedores abriam seu próprio negócio com o apoio da família. O Alexandre, por exemplo, dedicou-se à piscicultura e se deu muito bem, porque a criação comercial de peixe era novidade naquela época.

E, assim, em junho de 1992, Agenor foi aprovado no concurso da Secretaria da Fazenda do Estado. Um ano depois, assumiu um posto em outra cidade, a 350 km de Tutuarama, ganhando um bom salário para os padrões de uma cidade do interior. Dava até para pensar em se casar.

Casar?! Com quem? Essa pergunta sempre se calava para não ouvir a resposta. Porque a moça dos seus sonhos acabara de noivar com o filho de um conhecido comerciante da cidade.

Muito admirada, Silmara era a mais bonita da turma. Os cabelos cacheados competiam com seus olhos castanhos. Sempre elegante e simpática, era a própria expressão da doçura.

Depois de formados, Agenor chegou a conversar com ela algumas vezes. Numa delas, durante o festejo de Santa Quitéria, a padroeira da cidade, Silmara falou de seus planos para o futuro. Em outra, no aniversário de um amigo da escola, só amenidades, incluindo viagens, festas, shows. E, por fim, de seu sonho de morar na Itália e casar com um italiano.

Mesmo timidamente, suas palavras e seus olhares pareciam se entender. Havia uma certa “química” no ar, como dizem os adolescentes. Mas não deu namoro. Silmara era vaidosa, gostava de festas, shows. Tinha um milhão de amigos. Era, por assim dizer, um amor impossível para um jovem tipo o Agenor.

Aos vinte e seis anos, mesmo não morando com os pais, e ― sendo um filho exemplar ― Agenor ajudava nas despesas da casa. Já havia economizado um bom dinheiro em seus quatro anos de funcionário público. Comprou uma casa numa área valorizada da cidade, com cinco compartimentos e um quintal com algumas árvores frutíferas.

Agora você já pode até se casar, insinuava, vez por outra, Dona Carmelita, sua mãe.

Agenor não conseguia disfarçar a timidez, e sempre a deixava sem resposta. Casamento não estava nos seus planos. Poderia até se casar, mas a pessoa com quem sempre sonhou já estava casada. Certa vez, chegou a conversar com Silmara sobre isso quando ela ainda era solteira. Confessou-lhe que gostaria de ter cinco filhos. Ela, ao contrário, não tinha a mesma pretensão. Um ou dois lhe seriam suficiente.

Nessa mesma noite, na cama, quase não acreditava que haviam falado de casamento, filhos. E uma chama de paixão se acendeu em seu coração. Nunca é demais sonhar, pensou. Em puro devaneio, imaginava-se ouvindo a voz de Silmara brigando com as crianças.

Dois anos depois, Silmara sobreviveu a um acidente de carro. Voltava de uma festa numa cidade vizinha, e o marido, que sempre bebia muito, não conseguiu desviar de um buraco. Ficou viúva aos 29 anos, sem filhos. Voltando a morar com os pais, reformou a casa e comprou um carro zero Km.

Quando soube do ocorrido, Agenor ainda morava na outra cidade. Nessa época, visitava os pais a cada dois ou três meses. E quase não tinha notícias de Silmara. Foi sua mãe quem lhe deu a fatídica notícia.

No ano seguinte, soube que Silmara estava fazendo Letras na capital, e só vinha a Tutuarama nas férias, que infelizmente não coincidiam com as suas.

Para Agenor, o tempo passava como um trem-bala. Caseiro, sua vida era só trabalho. Fazia pequenas viagens por causa de sua função no departamento de tributos da Secretaria.

Enquanto isso, Silmara estava namorando um colega da faculdade. Em pouco tempo, estavam morando num apartamento alugado. Depois de formados, ela arranjou um bom emprego numa agência de viagens, e ele foi fazer mestrado em Coimbra, Portugal. Como tinha um bom inglês, Silmara passou a acompanhar grupos de turistas ao estrangeiro. Chegou a visitar alguns países da América do Sul, os Estados Unidos e o Canadá.

Em sua condição de companheiros, encontravam-se, alternadamente, de três em três meses. Ela ia a Portugal ou ele vinha ao Brasil.

Um ano depois, Silmara recebeu, por telefone, a notícia desoladora. Érico lhe comunicava que tão cedo não voltaria ao Brasil, e que estava “terminando” o relacionamento.  Desculpando-se solenemente, revelou que estava namorando um professor da universidade onde estudava. Decepcionada, Silmara sentiu-se duplamente traída.

Alguns meses depois, numa de suas excursões, conheceu Miguel Ramírez, um argentino de 45 anos que fora jogador do River Plate, de Buenos Aires. Simpático e loquaz, ganhou facilmente sua simpatia e confiança. Trocaram telefonemas, e ele logo a convidou para um fim de semana em sua cidade. Apresentou a nova namorada à sua família, e dizia-se apaixonado. Seis meses depois, ela foi morar com ele em seu luxuoso apartamento em Mar del Plata.

Parecia um bom sujeito. Mas ao chegar em casa certa noite, depois de beber muito numa festinha na casa de um casal amigo, tiveram uma discussão acirrada. Ele reclamava que ela estava trocando olhares com um de seus amigos. Enciumado, agrediu-a com empurrões violentos. Em outro momento, chateado porque ela não queria acompanhá-lo a um jantar com amigos, ofendeu-a com palavras de baixo calão, enfatizando que ela não gostava dos argentinos. E exigia que ela o acompanhasse…

Silmara não era de confusão. E essa situação deixava-a muito triste. Certo dia, chorou muito e desejou não estar mais ali com aquele homem. Ligou para sua mãe, chorou, e abriu seu coração.

Seu relacionamento ia de mal a pior. Às quintas, quando chegava da “pelada” no clube social que freqüentava e onde geralmente bebia com os amigos, ele queria fazer amor, mesmo contra a vontade dela. Certo dia, ela não cedeu, e isso gerou outra reação violenta de Miguel, pondo, de vez, um ponto final ao romance. Desiludida, voltou ao Brasil e tentou recomeçar a vida.

Nesse meio tempo, Agenor levava aquela vidinha típica do interior. Conseguira sua transferência para sua cidade natal. E, já convertido a uma igreja evangélica, era professor da escola bíblica dominical. Dividia seu tempo entre o trabalho, a igreja, e uma granja que comprara de um amigo falido.

No dia 23 dezembro de 2006, após o culto especial de Natal, Agenor e Silmara se reencontraram ocasionalmente na saída da Igreja Nova Vida.

― Não sabia que você estava na cidade. Vai ficar até quando?

― Acho que, agora, definitivamente. Descobri que aqui é o meu lar, o meu chão.

― Que maravilha! E a família? Os filhos?

Conversaram por alguns minutos. Silmara acompanhava os pais, que, convidados por uma antiga vizinha, recém-convertida, foram convidados a assistir à programação do Natal.

Agenor e Silmara voltaram a se encontrar. Tentaram se atualizar sobre o que o outro fazia durante o tempo em que estavam separados pelo tempo e pela distância. Ela falou de suas experiências na capital e na Argentina. De suas viagens, experiências e relacionamentos. E, sem hesitar, relembrou versos que lera numa aula de literatura: “A vida é a arte do encontro/ Embora haja tanto desencontro pela vida”.

― Ah sim! Lembro muito bem desse dia. A professora pediu para alguém ler um poema ou versos de uma canção de sua predileção. E você gostava muito de música e poesia, e Vinicius de Moraes era o seu poeta favorito, não é verdade?

― Sim. Porque, para mim, ninguém fala de amor como ele.

De seus encontros esporádicos, nasceu um relacionamento mais íntimo. Agenor acreditava piamente que Deus os colocara no cruzamento da estrada do amor. Era algo novo para ele, mas nem tanto para ela.

Silmara parecia refeita de suas desilusões amorosas. Já recolhera as pedras do meio do caminho e mostrava-se feliz com sua volta à sua cidade natal. Mas já não tinha tantos amigos. Alguns estavam casados, outros haviam mudado de cidade. O único com quem falava de vez em quando era Manoel Silva. Mas o Manoel…

Em pouco tempo, já estavam falando em casamento, o que veio realmente a acontecer meses depois.

Com a autorização de seu pastor, Agenor e Silmara casaram-se na Igreja de Santa Quitéria, numa cerimônia simples. Mas Silmara não desprezou algumas tradições de sua religião. E foi a primeira vez que se vestiu de noiva com tudo o que a cerimônia pedia. Seu primeiro casamento foi civil, sem muita pompa.

Agenor não cabia em si de felicidade. Sorriso largo, e mais comunicativo devido a intensa convivência religiosa, agradecia a Deus por essa virada de página em sua história de vida. E Silmara, depois de tantos altos e baixos, achava-se agora na planície do aconchego familiar. Dona Carmelita segurava as lágrimas e dizia a si mesma: Já passava da hora de o Agenor se casar!

Nem todas as vidas são um palco iluminado, e o aforismo de que Silmara gostava parecia mais verdadeiro do que nunca.

Menos de um ano depois, Silmara contratava um advogado para agilizar o seu processo de divórcio. E, conformada, cantava para si mesma os versinhos de Vinícius, seus inseparáveis companheiros de vida.

AGUARDE A SEGUNDA PARTE DO CONTO, AMANHÃ…

Eloy Melonio é professor, escritor, poeta e compositor

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