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É Fantástico! Jornalismo da TV Globo poupa o agronegócio da crise hídrica

O Ensino Médio no Brasil deveria ter uma disciplina voltada para a leitura crítica dos meios de comunicação.

Seria uma forma de preparar a juventude para o consumo dos produtos culturais distribuídos na mídia convencional, nas plataformas digitais e nos aplicativos de mensagens.

Os telejornais, por exemplo, precisam ser vistos com uma espécie de lente de aumento.

Não se trata de considerar que os meios de comunicação manipulam todas as pessoas o tempo inteiro, como se a mídia fosse uma poderosa indústria de domínio da consciência.

Mas, é preciso fazer um consumo reflexivo sobre os conteúdos.

Domingo, 22 de agosto, no Fantástico, a maior e mais abrangente revista eletrônica semanal do Brasil, trouxe a público uma densa reportagem sobre a crise hídrica no Brasil.

Construído com muita habilidade retórica, o enquadramento da matéria conduz o telespectador a relacionar preponderantemente a escassez de água com o desmatamento da Amazônia.

É obvio que a destruição da floresta tem relação com a crise hídrica e outros tantos danos ambientais.

No entanto, a arquitetura da reportagem, ao focar na Amazônia, tira a responsabilidade do agronegócio sobre a devastação de um dos biomas mais importantes do planeta – o cerrado.

Todos sabemos que o cerrado é considerado a “caixa d’água” da Terra porque nele estão as nascentes de vários rios que alimentam bacias hidrográficas fundamentais para o ambiente sustentável.

No cerrado também vivem povos e comunidades tradicionais e parte relevante da agricultura familiar.

Então, o que fez a reportagem do Fantástico?

Priorizou a fala de um especialista para direcionar a crise hídrica para o desmatamento da Amazônia.

Em seguida, a matéria pôs em relevo um empresário do agronegócio no meio a uma lavoura gigante perdida pela seca, como se ele, agronegócio, fosse uma vítima sofrida do problema e não tivesse um polpudo seguro bancário para amparar a prejuízo da safra.

Todos os dias dezenas de tratores correntões destroem imensas áreas de cerrado no Brasil, provocando uma devastação se controle sobre áreas naturais de reserva hídrica nos territórios a serem ocupados pelo agronegócio.

Quem assistiu à reportagem do Fantástico foi dormir pensando que somente o desmatamento da Amazônia é o vilão da seca e o empresário do agronegócio é um pobre coitado que perdeu a safra.

Só aí a gente vai entender porque tem tanta propaganda com o bordão “o agro é pop, o agro é tech, o agro é tudo”.

Leia mais sobre mídia e agronegócio aqui.

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Globo & Bolsonaro: entre tapas e beijos

Ed Wilson Araújo

As Organizações Globo estão mesmo atritadas com Jair Bolsonaro?

Aparentemente, sim.

Mas, se você atentar bem, a rixa entre eles é limitada às questões morais e comportamentais do presidente em relação à pandemia covid19.

Afinal, uma dama fina da burguesia midiática não consegue conviver bem com um homem grosseiro, que despreza a vida, ignora a pandemia, agride jornalistas e chama de lixo a nossa senhora da tela brasileira.

Fora o atrito moral com o presidente, as Organizações Globo estão de paz e amor com a agenda econômica ultraliberal do bolsonarismo, tocada a ferro e fogo pela equipe econômica de Paulo Guedes, com apoio do velho Centrão no Congresso Nacional.

Veja, por exemplo, como o Jornal Nacional e os outros conteúdos noticiosos abordam as privatizações e as reformas previdenciária, trabalhista e administrativa?!

Durante todo o processo de tramitação da reforma da Previdência os telejornais globais trataram Paulo Guedes como o príncipe do capitalismo “moderno”. O ministro não era apenas exposto exageradamente nas matérias. Ele era louvado como um garoto propaganda dos banqueiros interessados em destruir a Previdência Pública e a Assistência Social para implantar o regime de capitalização.

“Precisamos economizar R$ 1 trilhão”, dizia o globalíssimo Paulo Guedes no famoso bordão sobre a reforma previdenciária, enquanto seu chefe Jair Bolsonaro tocava a boiada no parlamento.

Aquilo não era jornalismo e sim uma campanha publicitária contra a Previdência pública.

Na Globo News, todos os programas de análise política e econômica sincronizam o mesmo discurso: “é preciso reduzir o Estado”, “as reformas são urgentes e inadiáveis”, “o Brasil vai quebrar se não fizer as reformas” e por aí vai.

Miriam Leitão é a principal representante da catilinária ultraliberal de Paulo Guedes. Ela é a mesma jornalista que dinamitava a política econômica do PT. Você lembra?

Leia mais sobre Miriam Leitão em “Detalhes tão pequenos de nós três”

Então, é assim. As Organizações Globo implicam com Jair Bolsonaro porque ele não usa máscara de proteção, mas se lixam para a perda de proteção dos direitos trabalhistas e previdenciários do povo brasileiro.

Muita gente boa anda encantada com os editoriais do Jornal Nacional e aquelas interpretações sentimentais de William Bonner e Renata Vasconcelos nas rixas com o presidente.

Ele merece sim ser repudiado por todas as atrocidades cometidas desde a campanha eleitoral e até o presente momento da pandemia. Não há dúvidas de que Jair Bolsonaro é desumano e deve ser combatido.

Porém, não esqueçamos que o bolsonarismo é um subproduto do golpe contra a democracia orquestrado com a participação de uma parte do sistema de Justiça, do parlamento mercenário e das Organizações Globo liderando uma campanha contra o PT, as esquerdas em geral e as instituições.

É sempre bom lembrar que as peças jornalísticas globais movimentaram o xadrez político para criar uma corrente de opinião majoritária e avassaladora que acusou, julgou e condenou a democracia no Brasil.

As Organizações Globo integram o consenso hegemônico da elite econômica e política em todos os governos. Ela funciona como o partido único do capital. Se os interesses dessa casta forem afetados, haverá reação.

Sabemos que a hegemonia é um processo atravessado por contradições e a mídia de mercado opera na movimentação das forças políticas entre a dominação e a emancipação, sempre optando pelo lado da elite opressora.

O jornalismo global torcia o nariz até mesmo no cenário da política econômica do PT que privilegiava a burguesia e fazia algumas concessões aos pobres.

Então, quando a elite econômica percebeu que o PT ficaria uma longa temporada no poder e não dava sinais de radicalizar a política econômica no caminho ultraliberal, veio o golpe com a participação expressiva do espírito de Roberto Marinho.

Agora o cenário é ideal. Paulo Guedes é o garoto propaganda e o operador agressivo das privatizações, das reformas e de toda a agenda radical do bolsonarismo contra o Brasil.

É assim mesmo, passando o trator e a boiada. Afinal, o agro é pop, o agro é tech, o agro é tudo.

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Televisão completa 70 anos de encantamento e manipulação

A televisão chegou ao Brasil pelas mãos de Assis Chateaubriand, homem de muitas qualidades e valores, entre tantas outras adjetivações, como a de ser uma espécie de homem de negócios sempre atrelado aos interesses do capital e do poder.

Entre tantos méritos, ele criou os Diários Associados e inaugurou a TV Tupi, formando um dos maiores conglomerados de mídia do Brasil, posteriormente superado pelas Organizações Globo do big shot Roberto Marinho.

Ao longo de sete décadas, a televisão brasileira é reconhecida internacionalmente pela capacidade criativa, principalmente no gênero dramático, dando ao país e ao mundo produções fantásticas.

Mas, essa usina de entretenimento é também a máquina de manipulação jornalística.

Jamais serão esquecidas, por exemplo, a aliança das Organizações Globo com a ditadura militar, a omissão (até quando pode) da campanha pelas Diretas Já, o agendamento da personagem Collor de Melo como o herói “caçador de marajás”, a edição criminosa do debate de 1989 (selecionando os melhores momentos de Collor de Mello e os piores desempenhos de Lula), a construção do salvador da pátria Sergio Moro e principalmente o engajamento do canal do plim plim na Lava Jato e em todos os desdobramentos da operação que feriu gravemente a democracia brasileira, culminando no golpe de 2016.

As Organizações Globo só não esperavam o revés do bolsonarismo com tanta ênfase, a ponto de vestais da direita liberal como Miriam Leitão serem violentamente atacadas.

Alvo do obscurantismo e do fanatismo, a olimpiana TV Globo está ameaçada de ser rebaixada à condição de semideusa.

Ela já não goza dos privilégios de outrora e vê com certa preocupação uma relativa perda de poder para as concorrentes, outrora desprezíveis. Além disso, começa a perder espaço nas transmissões esportivas para a onda do streaming.

O tempo dirá se as Organizações Globo terão habilidade para sobreviver a tantas tormentas.

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Abraji repudia decisão judicial que impede a TV Globo de noticiar conteúdo do inquérito sobre o assassinato de Marielle

Nota da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji)

O juiz Gustavo Gomes Kalil, da quarta vara criminal do Rio de Janeiro, concedeu uma liminar – a pedido da divisão de homicídios da Polícia Civil e do Ministério Público do estado – para que a TV Globo fique proibida de divulgar o conteúdo de qualquer parte do inquérito policial que apura os assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Na sentença, o juiz diz que “o vazamento do conteúdo dos autos é deveras prejudicial, pois expõe dados pessoais das testemunhas, assim como prejudica o bom andamento das investigações, obstaculizando e retardando a elucidação dos crimes hediondos em análise”. A TV Globo teve acesso ao teor do inquérito policial esta semana e veiculou duas reportagens sobre o assunto nos telejornais locais do Rio de Janeiro e também nos telejornais nacionais, evitando divulgar algo que pudesse pôr em risco as testemunhas ou as investigações.

Na decisão, o juiz Gustavo Gomes Kalil proíbe a emissora de divulgar termos de declarações, mesmo sem a identificação das testemunhas, assim como conteúdos das degravações de áudios de pessoas investigadas ou não, de áudios e mensagens extraídos de contas de e-mails e telefones das vítimas, testemunhas e investigados.

A TV Globo informa que vai cumprir a decisão judicial mas a considera excessiva e vai recorrer da decisão com o argumento de que ela fere gravemente a liberdade de imprensa e o direito de o público se informar, especialmente quando se leva em conta que o crime investigado no inquérito é de alto interesse público, no brasil e no exterior.

A Abraji considera que a decisão do juiz viola o direito dos brasileiros à livre circulação de informações de interesse público. A imposição de censura é uma afronta à Constituição. A liberdade de imprensa, fundamental para a democracia, deveria ser resguardada por todas as instâncias do Poder Judiciário, mas é frequentemente ignorada por juízes que, meses ou anos depois, são desautorizados por tribunais superiores. Nesse meio tempo, o direito dos cidadãos de serem informados fica suspenso, o que gera prejuízos irreparáveis para a sociedade. O caso em questão é um exemplo dessa prática absurda, que precisa acabar. Cabe ao poder judiciário preservar direitos constitucionais, não atacá-los.

Diretoria da Abraji, 17 de novembro de 2018.

Imagem: divulgação / Marielle Franco