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Little Bighorn, direto do Desterro

Crônica de autoria do poeta, cantor e compositor Joãozinho Ribeiro

Meados dos anos setenta, do século passado. O cenário era a porta do casarão da família Carvalho, situado na Rua Afonso Pena (Formosa para uns poucos), número 394, que chamávamos por tradição e respeito, coisa que até hoje não consegui me acostumar, de Casa Grande.  Ali, meu bisavô João Damasceno (ex-escravo) e minha bisavó Maria Cândida (cearense retirante da grande seca de 1877) iniciaram uma das maiores famílias ludovicenses.

Por esta época, conheci os irmãos Nascimento – Jorge e Zé Maria – ambos no auge da boêmia e estripulias de todos os gêneros pelos bares e ruas da cidade, recitando versos nos cabarés da ZBM e/ou interpretando personagens da grande dramaturgia mundial, amparados por doses cavalares da mais pura branquinha. Jorge era revisor do Jornal Pequeno e ator dramático das encenações improvisadas. Zé Maria, recitava e escrevia versos, seus e de outros poetas maranhenses, franceses, ingleses etc.

Acho que fui apresentado aos dois por um amigo comum, muito querido, professor de química e protestante (como designávamos os evangélicos da época) da Assembleia de Deus, Jacob Nogueira de Oliveira.

Era um sábado, passava do meio-dia, quando recebi um recado que Jorge Nascimento estava a minha procura, na porta do casarão. A estas alturas, induzi que já havia completado a primeira etapa da via crucis boêmia do dia, pelos bares da Rua da Saúde, após terminar a revisão do jornal dos Bogéa para o domingo seguinte. Eu morava num mirante e tínhamos um cachorro enorme (cruzamento de pastor e lobo), que vivia preso e não oferecia maiores perigos para a vizinhança. Pancho era o nome dele.

Ao chegar ao local de encontro com o revisor do JP, porta da Casa Grande, encontrei uma cena surreal, que nem mesmo o engenho e arte do Nobel de literatura Garcia Marquez poderia enquadrar, nas belas páginas imaginárias do seu realismo fantástico.

O nosso ator Jorge Nascimento, cercado de crianças, adolescentes, adultos, trabalhadores que deixavam as oficinas mecânicas e as fábricas de gelo da vizinhança, mulheres da “vida fácil”, barqueiros, alcoólatras, transeuntes em geral, encenava um roteiro inusitado, onde interpretava todos os personagens, que não eram poucos. Do general Custer ao grande chefe indígena americano Cavalo Louco; toda a tribo Sioux, a cavalaria…e até mesmo os cavalos.

O roteiro era a Batalha de Little Bighorn, episódio das “Grandes Guerras Indígenas”, em que os habitantes primitivos das Américas sairiam vencedores, na segunda metade do século XIX. Coisa rara e dificilmente exibida nos cinemas brasileiros, cujas bilheterias batiam recordes com os filmes de faroeste, onde os índios jamais seriam os mocinhos da estória.

Naquele momento, o general Custer fazia o seu discurso histórico desembainhando a espada invisível pra defender a honra dos caras-pálidas estadunidenses. No instante seguinte, Jorge incorpora o recruta que, incontinente, saca da corneta para executar o toque de ataque. Em seguida, os guerreiros Sioux iniciam o canto de guerra: uhuhuhu! Incitados pelo seu líder, o grande chefe Cavalo Louco!

Tiros e flechas para todos os lados daquele pequeno trecho da minha velha Rua Afonso Pena, sob os relinchos de um batalhão de cavalos e os aplausos e risadas da eclética plateia, misturados com os palavrões dos bêbados e discordâncias dos loucos.

No auge da encenação, o general Custer é ferido de morte com uma flechada certeira do lado esquerdo do peito. O personagem leva as mãos ao coração, e começa a dobrar os joelhos para a última cena do moribundo roteiro.

Conforme o que contam as narrativas reais, a cena deveria transcorrer em 25/06/1876, sem maiores alterações dos fatos e de suas respectivas versões, não fosse a aparição inesperada e fora de época do meu cachorro Pancho, que botou a meninada toda pra correr ladeira abaixo e saiu em perseguição ao general Custer, alcançando-o facilmente na corrida e abocanhando o seu calcanhar direito.

Lembrei das aventuras do Kid Moranguera, personagem de muitos sambas de breque do Moreira da Silva, do índio seu eterno companheiro; mas nem de perto poderiam competir com aquele final inédito, nunca pensado ou concebido por um John Ford ou Tarantino: Jorge Nascimento gritando feito louco, sem o cavalo é claro, com um cachorro pendurado, literalmente no seu calcanhar.

Meninos e meninas eu vi! O dia em que o Desterro serviu de palco para a grande batalha das tropas do controverso general Custer contra os aguerridos guerreiros do grande chefe Cavalo Louco!

Imagem destacada / montagem / Rua Formosa ou Afonso Pena: 1908-2018. A foto mais antiga é da autoria de Gaudêncio Cunha e a mais recente é do acervo da página São Luís de Antes e Depois.

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Professora Michelle Cabral lança livro sobre teatro de rua

Fruto da tese de doutorado da professora do curso de Teatro (UFMA), Michele Cabral, o livro “Processos comunicacionais no teatro de rua: performatividade e espaço público” será lançado dia 29 (terça-feira), às 19 horas, no Espaço Amei/shopping São Luís.

A pesquisa apresentada no livro propõe-se a investigar os processos comunicacionais no teatro de rua, tendo a cidade como espaço de conexões entre estes dois universos: a comunicação e o teatro. O trabalho procura entender, especificamente, o modo pelo qual estas encenações teatrais são vistas, compreendidas e ressignificadas pelo público da rua, no ato de sua recepção no espaço público contemporâneo.

Entendendo a intervenção teatral de rua como um ato de comunicação complexo, que envolve diferentes campos sociais, a pesquisa privilegia os processos comunicacionais desenvolvidos em sua prática, ressaltando a relação deste teatro com o público consumidor e o espaço público na contemporaneidade.

“Compreendemos que este encontro inusitado, do teatro com o indivíduo, habitante ou transitório naquele lugar, é um momento singular, onde o discurso estético, apropriando-se do espaço público, vai desencadear um processo dialógico intenso, proporcionando um momento de múltiplas interações. Empreendemos nossa análise dos processos comunicacionais no teatro de rua em sua relação com o espectador, o espaço público e as interações geradas a partir destas experiências”, explica Michele Cabral.

Ainda segundo a autora, a investigação permite compreender as redes tecidas neste lugar simbólico, que é a fruição da arte teatral em relação ao organismo concreto da cidade. Esta conexão leva a perceber que transformações efetivas se dão na apropriação cultural e estética, por meio de um processo comunicacional, que subverte a ordem linear e simplificada de “emissão – mensagem – recepção” propondo um jogo de transições e superposições, que provocam o empoderamento do sujeito receptor, e que, neste processo, se encontra com o sentido da cidadania.

Sobre a autora

Michelle Cabral é artista-docente do curso de Licenciatura em Teatro do Departamento de Artes Cênicas (Dearc) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Ela é atriz, palhaça e diretora teatral, doutora em Comunicação Social pela PUC/RS, mestra em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), bacharel em Artes Cênicas/Direção Teatral pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).

Michelle Cabral coordena o Grupo de Pesquisa Encenação e Corporeidades (CNPQ/UFMA), onde desenvolve o projeto de pesquisa “A cidade como palco: jogo, texto e espaço no teatro de rua”. Tem experiência na área de Artes Cênicas com ênfase em Teatro, atuando principalmente nos seguintes temas: teatro de rua, circo, espaço público, política, comunicação e história.

Serviço

Lançamento do livro “Processos comunicacionais no teatro de rua: performatividade e espaço público”

Quando:  29 de maio de 2018

Local: Espaço Cultural da AMEI

São Luís Shoping

Hora: 19h